quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Ruy Castro

folha de são paulo

A amada morta
RIO DE JANEIRO - Você conhece a história de Ligeia. É um conto de Edgar Allan Poe, de 1838. O narrador descreve como a fascinante Ligeia -a mulher de sua vida, que o assombrava pela beleza e pela inteligência, e cujo cabelo era como a asa do corvo- morreu e o deixou em desespero eterno. Ele se casou de novo, mas a loura Rowena, de traços etéreos e amorfos, nunca poderia suplantar seu amor por Ligeia.
De repente, Rowena também morre. Ele a veste para o velório e começa a longa vigília. Mas, nesta, a sós com Rowena, Ligeia não lhe sai da cabeça -e, numa sequência de pequenas ressurreições e mortes, parece tomar também o corpo de Rowena. No fim, é Ligeia que ali está, viva, para morrer de vez. Ele a recuperara, pela força da mente, mas apenas para perdê-la de novo e para sempre.
Você também já assistiu a "Um Corpo que Cai" ("Vertigo"), o filme de Hitchcock, de 1958. Scottie, o detetive (James Stewart), apaixona-se pela loura Madeleine (Kim Novak), a mulher que ele é pago para seguir. Madeleine morre no meio da história e Scottie tem um colapso nervoso. Ao se recuperar, conhece a morena Judy, quase sósia de Madeleine. Por intermédio de roupas e penteados, consegue transformar Judy em Madeleine -apenas para perdê-la de novo e também para sempre.
Em 2010, o argentino Victor Cingolani, 27 anos, matou a namorada, a bela Johana Casas, 22, com dois tiros no peito. Foi condenado a 13 anos e começou a cumprir a pena. Entrementes Edith, irmã gêmea de Johana e tão bela quanto, aproximou-se de Victor. Os dois iniciaram uma relação que, contrariando família, amigos e a sociedade argentina, resultou em casamento na semana passada, no cartório de Pico Truncado, no sul do país.
Os heróis de Poe e Hitchcock tiveram de reconstruir a amada morta. A de Cingolani já estava pronta -cópia perfeita da que ele matou.

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