domingo, 10 de fevereiro de 2013

Entrevista - Thierry Lenain

folha de são paulo

Minha vida cor-de-rosa
Autor infantil explora tabus sexuais
RESUMO Autor de livros infantis que tratam de tabus sexuais, Thierry Lenain lança no Brasil história de garoto que descobre gostar de usar o vestido da namorada. Em meio ao debate na França sobre lei que permite casamento, adoção e procriação por casais homossexuais, Lenain comenta moral sexual no país e na literatura.
PAULO WERNECK
EM SUA TERRA NATAL, ela tem o nome de um ícone do feminismo na literatura: Zazie, claramente inspirado na icônica (e boca-suja) personagem de Raymond Queneau. Entre nós, ganhou o nome brejeiro de Ceci, mas nem por isso abandonou o perfil contestador. A heroína criada pelo francês Thierry Lenain, autor de dezenas de livros para crianças, tem mais uma "aventura" lançada no Brasil: "Ceci e o Vestido do Max" [trad. Marcela Vieira, Companhia das Letrinhas, 32 págs., R$ 28,50].
No mundo da literatura infantil, especialmente vulnerável ao moralismo e ao doutrinamento, Lenain emplacou uma série de best-sellers sobre tabus sexuais em uma linguagem direta que chocaria aquele tipo de sensibilidade que adora denunciar "imoralidades" em livros para crianças.
Depois de ter demonstrado, em "Ceci Tem Pipi", o primeiro livro da série, que uma garota não deve nada aos "com-pipi" e pode muito bem desenhar mamutes, subir em árvores etc., agora ela se dá conta de que o vestido que ganhou de presente fica muito melhor no namorado do que nela mesma.
Em outro livro, Ceci já havia ensinado a Max como se faz um bebê -e não com metáforas sobre abelhinhas. Ela pega Max pelo braço e diz: "'Me dá um abraço bem forte.'". O texto segue: "Max obedeceu. Depois de um instante, só três minutos, Max parou. Aí Ceci disse: 'Não, não, ainda não acabou'. Então Max abraçou Ceci mais uma vez. Depois de terminar, eles foram tomar um lanche. Ceci parecia contente. Talvez já estivesse sentindo o bebê se mexer na barriga."
Em "Ceci e o Vestido do Max", Lenain aborda mais um tabu: o gosto de certos meninos por se vestir de menina. Em um livro anterior, "Eu Vou me Casar com a Anna", sem edição no Brasil, já havia retratado uma garota obstinada em se casar com a melhor amiga.
"Não interessa que a lei não permita", diz a menina à mãe chocada. "Eu vou me casar com a Anna." Derrotada, a mãe acaba cedendo e diz que, no futuro, se ainda gostar da Anna, pode morar com ela.
No momento em que a França se divide no debate em torno do casamento, da adoção e da procriação por casais homossexuais, Lenain prepara Ceci para protagonizar um livro sobre o tema. Ele esclarece que não é militante e que só pretende questionar as normas, não substituí-las por outras.
Até agora a única polêmica em que ele se envolveu foi em torno de "Vive la France", sobre a composição étnica do país: o livro foi recebido por parte dos leitores como propaganda multiculturalista para crianças, acusação que diz muito sobre os impasses culturais que assombram a França de hoje. Leia a entrevista que Lenain concedeu àFolha, por telefone.
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Folha - Como as crianças reagem à linguagem direta com que seus livros tratam de sexo?
Thierry Lenain - Talvez a série agrade porque funciona tanto para as crianças como para os adultos. Há vários graus de leitura. As crianças riem com cumplicidade, como se a gente estivesse falando com elas no espaço delas, no pátio do recreio, como amigos. Tenho essa impressão. Percebem que é delas que estou falando, se reconhecem. E sem dar lição de moral, no mesmo nível delas.
Na sua opinião, como as crianças percebem os casais gays?
É um dos próximos temas da série, estou escrevendo agora. Acho que, para as crianças, um casal homossexual é bem mais natural do que para os adultos. Na história, as crianças só zombam do casal gay quando imitam o que ouvem dos adultos. No fim, voltam a ser crianças por inteiro, se libertam da pressão e acham normal.
Você teve reações negativas da parte dos leitores da série de Ceci?
Não encontrei reticências de leitores. Houve só um momento, quando escrevi um texto chamado "Ceci e as Mulheres Peladas", que era a reação de Ceci e da turma de amigas dela diante da publicidade com modelos seminuas. Era uma espécie de ativismo antipublicidade: elas cobriam os cartazes com desenhos etc. Mas não foi aprovado pela editora Nathan.
Mexi no texto, retirei o ativismo e retomei de outra forma. Vai ser o próximo da série, que sai nesta semana na França, "Ceci tem Peitões". Para seduzir Max, Ceci põe grapefruits no lugar dos seios. A história foi aceita pela editora porque a nudez traz menos problemas do que o ativismo antipublicidade.
Por quê?
Porque talvez a dimensão política para crianças seja, até mais do que a dimensão moral, um tabu. Aconteceu com outro livro, em que discuto o racismo, "Vive la France", ao qual houve reações violentas. Afirmaram que era propaganda multiculturalista para crianças, que tenho "parti-pris", que tenho uma concepção multicultural edulcorada. Discursos políticos em que se percebe a expressão da política francesa de hoje.
A França continua na vanguarda no que diz respeito à liberdade sexual?
A França é um país curioso, o país do Iluminismo, da vanguarda, da liberdade e, ao mesmo tempo, é o país que colaborou com os nazistas. Há os dois extremos na França, e eles se enfrentam. Não acho que os que se opõem ao casamento homossexual sejam fascistas e que os que são a favor são esclarecidos.
Mas, nesse caso, houve um problema político, uma falta de jeito que permitiu que esse confronto acontecesse: misturaram casamento, adoção e procriação assistida para casais homossexuais. Se fosse só casamento, todo mundo concordaria. Mas existe uma diferença entre a resistência política, em nível partidário, e a prática cotidiana, que é bem mais progressista. O amor faz as coisas avançarem bem mais do que a política, do que as instituições.

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