domingo, 10 de fevereiro de 2013

Vale o escrito (legendas de filmes e seriados) -Sérgio Rodrigo Reis‏

Profissionais enfrentam o desafio de traduzir diálogos complexos de outros idiomas para o curto espaço das legendas de filmes. Piratas na internet se perdem na pressa 

Sérgio Rodrigo Reis
Estado de Minas: 10/02/2013 
Os principais estúdios de cinema e as televisões pagas no Brasil, com o aumento do consumo cultural da classe C, têm investido pesado em dublagens. De uma hora para outra, os diálogos originais de filmes e seriados internacionais foram sendo substituídos, na maioria das vezes a toque de caixa, por vozes de artistas anônimos, nem sempre de maneira convincente. Nem todos gostaram. Para os mais exigentes, a tendência não conseguiu substituir o prazer de se assistir a uma produção na língua de origem. Também não diminuiu a importância de uma boa legenda como meio de conduzir, quando as luzes se apagam, os espectadores aos mais distantes mundos e histórias. 

A boa tradução exige técnica, experiência e sensibilidade. A exigência aumenta quando se trata de filmes mais herméticos ou com diálogos complexos, como os atuais concorrentes ao Oscar Lincoln, de Steven Spielberg, e Django livre, de Quentin Tarantino. Com histórias narradas no fim do século 19, período que antecede o fim da escravidão nos Estados Unidos, as produções são essencialmente calcadas em interpretações e no embate de ideias. Enquanto Lincoln é baseado nos densos diálogos adaptados do livro Team of rivals: The genius of Abraham Lincoln, de Doris Kearns Doodwin (uma versão brasileira, da Editora Record, recém-lançada no Brasil, traz o resumo do original), o filme Django livre aposta em gírias e coloquialismos típicos do Sul dos Estados Unidos da época. Resumir toda a atmosfera em poucas palavras é a tarefa que tira o sono de qualquer profissional da área.

O primeiro passo para uma boa tradução é conseguir o script do filme, seriado ou novela, com a transcrição literal dos diálogos nas línguas de origem. De posse do material e das imagens, o tradutor assiste às produções. Sua missão é resumir cada diálogo em duas linhas, ou seja, não mais que 60 caracteres. “A legenda tem que caber no tempo de leitura, senão as pessoas piscam e não conseguem entender a cena”, explica a carioca Daniela Soares, que há 20 anos se dedica à profissão. A situação fica ainda mais complicada quando as falas dos personagens são rápidas. “Enquanto o desafio do bom dublador é sincronizar sua fala com a do ator, no caso das legendas o mais difícil é conseguir chegar à concisão dos textos”, explica.  O curto espaço de tempo para executar o trabalho e as diferenças culturais entre os idiomas dificultam ainda mais a tarefa. “O inglês é mais sintético. Já no português, usamos mais palavras para falar a mesma coisa. Aí temos que realizar adaptações. Às vezes, é necessário esquecer o texto original e seguir pelo sentido das cenas.” O mesmo ocorre com as diferenças culturais nas falas de povos ou em relação às expressões ou piadas que só têm sentido onde surgiram. Foi usando adaptações que Daniela conseguiu concluir a tradução de filmes como De olhos bem fechados, de Stanley Kubrick, e do japonês Sonhos, de Akira Kurosawa. “Peguei o script já traduzido para o inglês e tive que fazer as legendas em português. O que os brasileiros viram no cinema foi a segunda versão do original. Os diálogos eram complexos e, como não falo japonês, mesmo com todo o cuidado não há como não ter perdas”, reconhece. 

Cultura geral As dificuldades no processo de tradução e legendagem se intensificam quando a tarefa cabe a um profissional iniciante e pouco preparado. O resultado, segundo os tradutores que estão há anos no mercado, empobrece os diálogos e prejudica a eficiência da narrativa. “O segredo da tradução, em primeiro lugar, é o profissional ter boa cultura geral. Em seguida, é ter boa compreensão do idioma e contar com consultorias, muitas delas informais”, enumera Patrícia Peixoto, outra tradutora experiente que, há 20 anos, atua na área. 

Patrícia fala quatro idiomas: português, espanhol, francês e inglês. Sua especialidade é o inglês, por ter vivido alguns anos na Inglaterra. A experiência a credenciou a cuidar de inúmeras versões nacionais de produções famosas, como o recente Argo, dirigido por Ben Affleck, concorrente ao Oscar de melhor filme. “Minha especialidade é o inglês britânico e produções de época. Quando tenho que realizar uma versão de produções atuais, meus sobrinhos entram com uma consultoria informal. As línguas são vivas e as séries e filmes seguem a mesma lógica. O que faço é tentar evitar ao máximo termos coloquiais que estragam a língua. Gosto de realizar a concordância certa, usando as regras gramaticais. Mas nem sempre é possível. O que tento sempre é fazer um português bonito”, afirma.


Vale-tudo na internet não garante qualidade 

Sérgio Rodrigo Reis

O cuidado que cerca a legendagem das produções internacionais que chegam ao Brasil por meio dos grandes estúdios e distribuidoras não é o mesmo que circula na internet. Existe uma espécie de disputa informal entre os usuários da rede para legendar, o quanto antes e em tempo recorde, os seriados que atraem mais audiência e viram modismos nos países de origem. Funciona assim: logo que vão ao ar nas emissoras internacionais, os internautas brasileiros assistem aos programas ao vivo e atravessam a noite, sem ganhar nada, para ver quem disponibiliza primeiro e gratuitamente as legendas em blogs e sites especializados. O maior deles, o Legendas.TV, reúne blogs de legendas de seriados como Supernatural, Spartacus e a nova versão de Dallas. Quem é profissional da área olha torto para a tendência.

As emissoras de televisão paga têm feito o que podem para não perder espaço para o esquema informal que tomou conta da internet. A HBO tem saído na frente, conseguindo transmitir simultaneamente no Brasil as versões legendadas de seriados exibidos nos Estados Unidos. Fez assim com True blood e Girls e promete, para o dia 31, a estreia simultânea da terceira temporada do festejado Game of thrones, escrita por George R. R. Martin. 

Se por um lado a agilidade ajuda os fãs das produções a se manter atualizados, por outro exige mais dos profissionais. “Se tivesse mais folga, o trabalho sairia melhor. Virou produção em série. Tem dublagens que tenho visto que são bem inferiores aos originais. Percebe-se fácil que foram mal traduzidas e as legendas não parecem naturais”, observa Daniela Soares. Quando o tempo é maior, a qualidade é outra.

Festivais 

Bom exemplo ocorre em grandes festivais de cinema. Eles têm prazo ampliado para realizar as versões que serão submetidas a críticos experientes e, por conta disso, contratam empresas com trajetória reconhecida. Como a maioria dos longas são independentes ou estreias, o esquema é diferente. “Envio a lista dos diálogos e cópia do filme para a empresa de dublagem. Eles fazem a adaptação do material para legendas em português para que, na hora da sessão, com a ajuda de um programa de computador, uma pessoa dispare ao vivo cada diálogo”, explica Cecília Gabriela Neves, que cuida da coordenação de projeção na Mostra de Cinema de Tiradentes, no Cine BH e no Cine OP, esta última realizada em Ouro Preto. 

Ela é exigente e não gosta da onda de filmes dublados que tomou conta do país. “Prefiro o legendado. O idioma original, a voz do ator, tudo isso influencia na fruição do filme. Quando assisto aos dublados acho fake. Mas entendo a tendência como necessidade de mercado”, conclui.


Um comentário:

  1. As legendas apressadas que rolam na internet são uma vergonha para quem, como eu, legenda profissionalmente. O mercado exige profundo conhecimento da língua portuguesa, mas o que se vê (e nem vou comentar sobre traduções) é algo que, em determinados momentos, parece que foi escrito por um ET. Se, para a legendadora consultada, "o mais difícil é conseguir chegar à concisão dos textos", imaginem no caso de quem legenda para surdos - em closed caption - qdo, além dos diálogos, é preciso sinalizar, por motivos óbvios, uma porta que bate, um telefone que toca, um latido e todo e qualquer som ou ruído. Sem contar que o surdo lê bem mais devagar que os ouvintes, pois as letras não formam sílabas sonoras para eles, são apenas sinais. É algo como se lêssemos assim "*&%$# (*&@". Portanto, o tempo de exibição da legenda tem de ser maior e a concisão, máxima. Há momentos em que é preciso prejudicar os diálogos. E é por isso que os ouvintes falam tão mal dessas legendas. Concordo que o resultado, para quem escuta, é estranho e difícil de entender. Mas, acreditem, é o ideal para quem escuta pouco ou nada.

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