sábado, 4 de janeiro de 2014

Ainda sobre judeus na Bahia - Antonio Risério

A Tarde/BA  04/01/2014

Antonio Risério
Escritor
ariserio@terra.com.br


Entre as décadas
de 1930 e 1960,
os judeus se
concentravam
na região do
bairro de Nazaré.
Moravam todos
ou quase todos
por ali, ou em
suas cercanias

Sabemos que judeus nunca deixaram de continuar migrando para terras baianas. No século 19, por sinal, Castro Alves escreveria o poema Hebreia, dedicado a umas moças judias que moravam em frente à sua casa, no velho e belo Sodré, ali perto da igreja e convento de Santa Teresa, uma das mais lindas edificações de toda a história da arquitetura na Bahia (obra de Frei Macário de São João, arquiteto também do Mosteiro de São Bento), com seu jeitão clássico, seus altares desbragadamente barrocos e uma vista deslumbrante para a baía.

Bem. Não sei se Castro Alves conseguiu faturar a hebreia que desejava (desejei duas, por falar nisso, ali pelo final da puberdade, quando morava perto do Jardim de Nazaré, num edifício com nome judaico: Yaffa). O que sei é que, no século 20, a imigração judaica para a Bahia se acentuou, em consequência de diversos fatores, entre os quais, claro, estiveram a projeção do nazismo no continente europeu e a explosão da II Guerra Mundial.

Entre as décadas de 1930 e 1960, de um modo geral, os judeus, aqui em Salvador, se concentravam na região do bairro de Nazaré. Moravam todos ou quase todos por ali, no coração do bairro ou em suas cercanias (chegando, às vezes, à Saúde, onde morou a família de Jacob Gorender, que então teve Rubem Valentim como seu vizinho, indo ambos a festas de candomblé), com a sinagoga plantada no Campo da Pólvora. Certa vez, numa conversa, Mário Kertész me disse que, naquela época, os judeus tratavam Nazaré como “o gueto”.

Num depoimento que gravei, aliás, Kertész narrou: “A gente vivia em torno daquilo. Os amigos de papai e mamãe eram quase todos judeus. A grande maioria deles vivia junto praticamente o tempo todo. Andavam juntos, passeavam juntos, viajavam juntos. Faziam muitas festas nas casas uns dos outros”. E ainda havia a escola israelita, onde a garotada podia aprender iídiche, a “língua dos judeus”, palavra vinda do alemão jüdisch (judeu), que chegou ao português através do inglês yiddish. O próprio Mário, aliás, fez o curso primário nessa escola israelita, com professores judeus e crianças judias, respirando tradições hebraicas.

Mas logo a comunidade se dividiu, rachou mesmo, depois da criação do Estado de Israel, em 1948. Alguns judeus se sentiam mais ligados a Israel do que a qualquer outra coisa e defendiam inclusive o envio de recursos financeiros para o novo país. Eram os chamados “sionistas”. Acontece que a comunidade judaica apresentava, também, uma forte tendência ou coloração comunista. E fornecia quadros para o alto escalão da esquerda, como o já citado Gorender, filho de judeus da Bessarábia, ou o menos conhecido Boris Tabacof, que foi secretário-geral do velho PCB. Eram os judeus “progressistas”, mais interessados em subverter o Brasil do que em financiar Israel. E o racha se deu justamente aí, na briga entre sionistas e progressistas.


Diz Mário que, depois dessa divisão, a comunidade judaica baiana nunca mais foi a mesma. Não sei, mas acho que ele está certo. Até onde posso ver, ela se enfraqueceu, se esvaziou, perdeu muito de sua visibilidade. Mas eu precisaria examinar melhor o assunto, mapeando as coisas. A comunidade judaica baiana perdeu mesmo o seu vigor antigo, a sua antiga força e coesão? Encolheu-se realmente, em comparação com o seu próprio passado?

Pode ser. Na verdade, penso que sim. Ao mesmo tempo, noto outra coisa. O preconceito que havia contra os judeus, ali entre as décadas de 1950 e 1960, foi desaparecendo até sumir. Só passou a restar, no final do século 20, entre pessoas mais velhas. Afinal, não nos esqueçamos de que, diante de uma ruptura política, Antonio Carlos Magalhães xingou o então prefeito de Salvador, nosso amigo Kertész, de “judeu fedorento”. E este era, de fato, um dos estereótipos racistas do judeu entre nós. Dizia-se que os judeus não tomavam banho, que fediam, e que as judias davam fácil, fácil. E o que posso dizer é que não conheci nenhum judeu fedorento. Nem uma só judia que alargasse as pernas com mais facilidade do que as outras baianas.

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