sábado, 4 de janeiro de 2014

ENTREVISTA/LILIANE PRATA » Operária da ficção‏

ENTREVISTA/LILIANE PRATA » Operária da ficção Autora transita entre a literatura infantojuvenil e romances para adultos. Sua paixão é mergulhar no universo dos personagens 
 
Carlos Herculano Lopes
Estado e Minas: 04/01/2014



"Escrever ficção é um pouco como atuar: posso ser psicopata ou dondoca, um ser tenso e problemático ou uma garota absolutamente normal"

Nascida em Formiga, no Centro-Oeste de Minas Gerais, e criada em Belo Horizonte, onde se formou em comunicação social na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Liliane Prata começou a ficar conhecida como escritora com a série infantojuvenil O diário de Débora, que está chegando à casa dos 100 mil exemplares vendidos. Com igual sucesso, a mineira lançou O novo mundo de Muriel, voltado para o mesmo público. Radicada em São Paulo, a jornalista estreia na literatura adulta com o romance Três viúvas. Em linguagem simples e carregada de emoção, Liliane conta a história de três mulheres que se aproximam depois de perderem os maridos. Escrever para jovens ou adultos lhe dá o mesmo prazer. “Sou uma operária a serviço da história e dos personagens”, resume Liliane. Feliz com a experiência proporcionada por As três viúvas, ela já está concluindo outro romance, que será lançado em fevereiro. “A nova história envolve um personagem central bem problemático, garotas de programa e assassinatos”, adianta.


Como começou o seu envolvimento com a literatura?
Penso que já era escritora antes mesmo de começar a escrever – talvez seja um pouco assim com todos os que escrevem. Imaginar narrativas em detalhes era uma de minhas brincadeiras preferidas: numa visita a uma tia, quando tinha uns 4 ou 5 anos, todos conversavam na sala enquanto fiquei deitada em um dos quartos, de olhos fechados, criando histórias enormes com diálogos, cenas e pontos de virada. Cresci e comecei a escrever essas tramas que imaginava. Trocava meus livrinhos por figurinhas ou papéis de carta no colégio – estudei no Santo Agostinho, em Belo Horizonte. Fui uma dessas estudantes que preferem português a qualquer outra matéria e passam o tempo livre na biblioteca do colégio. Meu pai, professor de literatura, sempre me indicou livros e me contou muitas histórias. Por outro lado, quando perguntavam o que queria ser quando crescesse, costumava responder: escritora. Lá pelos 12 anos, quando descobri que não existia faculdade para escritor, decidi cursar comunicação. De fato, aos 19, entrei para o curso de comunicação social na UFMG. Mas logo fiquei preocupada, porque notava que tinha muito mais prazer criando e escrevendo histórias fictícias do que reportagens. Trabalhei como jornalista por alguns anos, sempre procurando buscar pautas mais lúcidas ou autorais, mais palatáveis para mim. Crônica e romance são terrenos em que me sinto mais à vontade, onde saboreio mais sentido em minha existência.

Foi dessa forma que nasceu a série O diário de Débora?
Uma das coisas que mais me dão prazer em meu ofício é mergulhar na cabeça dos personagens. Escrever ficção é um pouco como atuar: posso ser psicopata ou dondoca, um ser tenso e problemático ou uma garota absolutamente normal – enquanto escrevo, sou todos os personagens. Quando fiz O diário de Débora, tinha acabado de escrever um livro juvenil muito pesado sobre uma atiradora adolescente. Ele acabou não sendo publicado – na época, mandei-o para três editoras, recebi três recusas e não pensei mais nele. Então, a faculdade entrou em greve e me veio à cabeça um personagem muito mais leve, com história despretensiosa: a Débora. Foi maravilhoso me doar àquela personagem e ao seu dia a dia, e me soltar da trama pesada e desgastante em que estava imersa antes. Até hoje procuro variar muito o estilo de meus textos: mesmo se estiver publicando crônicas de um mesmo tema ou dois livros leves seguidamente, pode ter certeza: no meu computador, estou trabalhando em dois estilos variados. Gosto de variar – é bem uma opção, além de característica da minha escrita.

Antes de mergulhar na literatura infantojuvenil, você deve ter lido muita coisa no gênero. Sofreu alguma influência de autores dedicados a ele?
As influências vêm de todos os lugares, num processo contínuo e ininterrupto: textos, conversas, situações que presencio na rua, nos filmes a que assisto. Quando falo que meu maior prazer está em escrever textos da minha cabeça, ou que saem de mim, tenho em mente que esse mim só existe porque está fincado em um exterior variado e interessante, que carrega beleza e tristeza, como o título do romance de Kawabata. Quando era adolescente, lia tudo – de Clarice Lispector, Fernando Sabino e Rubem Fonseca a tirinhas da Mafalda e gibis da Mônica. Minhas obras preferidas naquela época eram O diário de Anne Frank, Minha vida de menina, de Helena Morley, Volta ao mundo em 80 dias, de Júlio Verne, e toda a coleção Vagalume. Hoje, um autor que escreve para o público young adult e tem estilo que me agrada muito é David Nicolls, mas acabo lendo mais literatura adulta.

Como se deu a sua passagem da literatura infantojuvenil para o romance destinado a adultos?
Muitas pessoas já vieram me falar que a mudança de O diário de Débora para Três viúvas representa um crescimento, o amadurecimento da minha literatura. Entendo que vejam dessa maneira e que Três viúvas seja considerado um romance, enquanto O diário de Débora, não – afinal, essas classificações existem e não tenho como fugir delas. E, é claro, concordo que, apesar de Três viúvas não ter me dado mais trabalho que O diário de Débora, foi um livro que saiu de mim quase visceralmente; há nele muito mais profundidade e sofisticação literária. Mas confesso: no meu íntimo, não há muita diferença. Os personagens são partes de mim, por mais diferentes um do outro que possam parecer à primeira vista. Trato da mesma forma todas as histórias que pretendo escrever, todos universos em que quero adentrar, não importa se trazem personagens doces ou amargos, adolescentes ou adultos, leves ou densos, mais comerciais ou literários.

Você pode dar um exemplo de personagens assim?
Meu novo livro, que sai em fevereiro, traz um personagem central bem problemático, além de passagens com garotas de programa e assassinatos. Anotei essa história em meu computador antes de escrever O diário de Débora 2, em 2004. Registrei a ideia, mas só sentei para escrevê-la anos depois. Se as frases são mais “valiosas” literariamente ou completamente despretensiosas, se estou escrevendo mais na linha do entretenimento ou da reflexão, isso não me demanda decisão racional ou esforço – simplesmente tento dar àquela história a tonalidade que vai ficar bem para ela. Sou uma operária a serviço da história e dos personagens. O texto mais difícil é o que requer mais pesquisa e mais revisões, como esse que vou lançar em fevereiro. Como a história se passa em 1984, o que demandou muita pesquisa, e como o protagonista é muito distinto de mim e a trama mais complexa do que as que costumo escrever, esse livro me tomou muito mais. Para se ter uma ideia, escrevi Três viúvas em quatro ou cinco meses, enquanto me debrucei sobre o novo romance por cinco anos.

Os personagens de seus livros vêm da vida real?
No limite, todo personagem tem muito do autor, até porque as histórias saem de dentro da gente, passam pelo filtro como vemos o mundo, trazem nossas referências. Mas há, claro, figuras que se distanciam mais ou menos daquele que escreve. O universo da Débora, seu jeito de falar, as situações vividas por ela – tudo era familiar à minha adolescência, por mais fictícias que fossem as situações. Já o novo livro passa pelo outro extremo: o protagonista é um ex-dependente de crack. Ele me levou a visitar clínicas de reabilitação, fazer entrevistas e ler muito a respeito, tudo isso para me enfiar num universo muito distante do meu.

Como é a experiência de viver só de literatura?
Trabalhei durante três anos na revista Capricho como editora de comportamento, gostava muito da convivência com os colegas, do dia a dia tumultuado da redação. Fiz faculdade de filosofia na Universidade de São Paulo (USP) e também me agradava muito aquele ambiente oposto: a atmosfera austera, as aulas densas que alimentavam minha mente com reflexões interessantes. Como me formei há três anos e há cinco saí da Capricho, nada me deixa mais feliz do que ficar em casa, pegar minha xícara de chá e ir para o computador escrever, revisar, cortar, anotar ideias, reescrever. Sou extrovertida e gosto de gente, até porque isso alimenta a minha criação. Gosto demais de dar palestras, conversar com os leitores, ir a feiras de livros. Sem contar que é fundamental diversificar a atividade de escrever para que se possa viver só de literatura, como tenho conseguido até agora. É um privilégio saber que depois dessas atividades no mundo lá fora vou voltar para o meu computador com minha xícara de chá. Isso é um desafio constante e uma grande alegria.


TRÊS VIÚVAS
. De Liliane Prata
. Editora Planeta, 144 páginas, R$ 24,90

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