domingo, 3 de março de 2013

CASO BRUNO » Goleiro preso em trama processual-Landercy Hemerson‏

CASO BRUNO » Goleiro preso em trama processual
Entenda como o vaivém de advogados atrasou o processo, tornando-o um dos mais volumosos da Justiça mineira 



Landercy Hemerson


O retorno do ex-goleiro Bruno Fernandes de Souza ao banco dos réus, amanhã, no Tribunal do Júri de Contagem, põe novamente diante dos jurados um dos mais conturbados processos criminais da Justiça de Minas. Passados quase três anos desde o início das apurações sobre o sumiço de Eliza Samudio, com quem o goleiro teve um filho, as investigações deram origem a um emaranhado de manobras das defesas, que complicaram o andamento processual e pouco ajudaram os acusados. No período, um verdadeiro desfile de defensores foi registrado pelo Tribunal de Justiça, que contabilizou mais de 50 advogados envolvidos no caso. Somente Bruno já assinou procuração para cerca de 10 defensores. O máximo que conseguiu foi escapar do júri realizado em novembro, com maioria de jurados do sexo feminino, quando seu ex-funcionário Luiz Henrique Romão, o Macarrão, confessou que Eliza foi assassinada. A nova data do julgamento, aliás, decorre exatamente de mais uma reviravolta na defesa do atleta.

O inquérito policial e a instrução processual resultaram em uma das mais extensas peças jurídicas do estado, com 16 mil páginas e 66 volumes. Os depoimentos de acusados e testemunhas, laudos periciais, entre outros documentos que serviram de base para incriminar oito pessoas, serão o principal instrumento para convencer os sete jurados da culpa ou da inocência do atleta. Ele está atrás das grades desde 7 de julho de 2010, quando perícia confirmou que vestígios de sangue encontrados em um de seus carros eram de Eliza.

O caso ganhava status de folhetim, tendo como principal personagem um atleta de ponta no ápice da carreira, atuando pelo time do Flamengo, então recém-campeão brasileiro. De goleiro cotado para a Seleção Brasileira de futebol, com pré-contrato com um time europeu para ganhar milhões, Bruno se viu envolvido com o assassinato da mulher que lhe exigia pensão para o filho de 4 meses. O caso ganhava manchetes país afora, idas e vindas dos principais acusados diante de flashs implacáveis, depoimentos sem fim, viagens entre o Rio de Janeiro e BH em avião da polícia e até audiência na Assembleia Legislativa de Minas, onde o atleta protagonizou cenas românticas com a noiva Ingrid Calheiros. Ingredientes para a novela não faltavam.

“É um caso à parte, cercado de uma série de particularidades. Demora no andamento processual diante das questões adversas, grande quantidade de advogados e mudanças frequentes do discurso da defesa, frente a uma acusação padrão. A repercussão mundial colaborou com a confusão, uma pólvora a mais no processo”, avalia o advogado Adilson Rocha, presidente da Comissão de Assuntos Prisionais da seção mineira da Ordem dos Advogados do Brasil.

Warley Belo, criminalista e professor de direito penal na Faculdade Kennedy, destaca o prejuízo dos holofotes para a defesa de Bruno. “Minha visão é de que, às vezes, casos famosos, que atraem defesas desvinculadas do acusado, tornam frágil o cliente. O entra e sai de advogados atrasa o processo, rompe a confiança das partes e prejudica explicitamente o réu, na plenitude de sua defesa.”

Defesa apela contra certidão

Mais recente lance da interminável série de recursos é pedido para que juíza reconsidere decisão de emitir documento que atesta a morte de Eliza. Assunto deve chegar ao TJMG

Paula Sarapu


A sequência de recursos protagonizada pelos advogados envolvidos no caso Bruno parece longe de chegar ao fim. É o que demonstra a mais recente cartada processual da defesa do goleiro, que tenta derrubar a certidão de óbito de Eliza Samudio, emitida por decisão da juíza Marixa Fabiane Rodrigues Lopes, que presidirá o júri de amanhã. Como a primeira apelação nesse sentido não foi recebida pela magistrada, os defensores entraram com novo recurso, que em tese poderia levar a uma reconsideração. Se Marixa se mantiver contrária ao pedido, a discussão segue para o Tribunal de Justiça, mas não deve ser avaliada antes que os jurados se pronunciem sobre a culpa ou inocência do atleta.

Segundo o ex-juiz e professor Livingsthon Machado, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), o efeito do recurso avaliado em instância superior poderia, teoricamente, cancelar o resultado do julgamento. No entanto, ele ressalta que o recurso discute apenas um dos elementos do julgamento de Bruno (a certidão que indica que Eliza está morta) e afirma que a decisão dos jurados é soberana, independentemente do documento.

“Para um eventual cancelamento do júri, o tribunal precisaria entender a importância dessa certidão. E não me parece que essa esteja sendo a linha adotada nas decisões dos desembargadores. Se eu fosse apostar, diria que não há chances de cancelar a decisão dos jurados, porque a certidão é só uma declaração para efeitos civis”, pontua.

O ex-promotor de São Paulo Luiz Flávio Gomes concorda. Ele diz que a polêmica jurídica não vai ter efeitos práticos no resultado e lembra que Luiz Henrique Romão, o Macarrão, foi condenado mesmo sem que houvesse a certidão de óbito. “Essa foi uma tentativa de invalidar a certidão, ponto-chave para o promotor, porque pesa muito no primeiro quesito formulado aos jurados, sobre a morte de Eliza. Esse recurso novo possibilita que a juíza reveja sua decisão de aceitar ou não a apelação. No entanto, o Ministério Público ainda tem que contra-argumentar e, caso a juíza mantenha sua decisão, a discussão vai para o Tribunal de Justiça. Tudo isso só depois do julgamento”, explica.

“Está difícil para a defesa de Bruno, porque há indícios sobre a participação dele no processo. A mais importante é a delação do Macarrão. A defesa vai tentar desconstruir esses elementos. A tática deles é gerar dúvida nos jurados”, acredita.

Defensores embolam o jogo
Landercy Hemerson



A nova iniciativa dos defensores de Bruno é o último lance de um processo que se intensificou em agosto de 2010, quando o goleiro e os outros oito investigados pelo sequestro e morte de Eliza Samudio passaram a ser processados pelos crimes e tiveram as prisões preventivas decretadas. Desde então, mais de 80 pedidos de habeas-corpus se sucederam, 67 deles no Tribunal de Justiça de Minas Gerais. As estratégias do grupo liderado por Ércio Quaresma, que então representava oito dos denunciados, já não funcionavam e o fracasso da defesa se concretizaria até o fim daquele ano.

Até então, várias tinham sido as manobras de Quaresma, que tentou sem sucesso até intervir na defesa de Sérgio Sales Rosa, o primo de Bruno que decidiu colaborar com as apurações policiais. Sérgio viria ser assassinado a tiros dois anos depois. “Foi queima de arquivo. As informações de Sérgio se somaram às de Jorge Luiz Rosa, outro primo do goleiro que também denunciou o sequestro e morte de Eliza, e casaram com as provas materiais”, afirma o ex-chefe do Departamento de Investigações de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP) Edson Moreira.

A pressão da “tropa de choque” da defesa na fase de inquérito acabou por dificultar a situação dos acusados. “A pressão era grande e a estratégia foi montar uma equipe exclusiva, capacitada, trabalhando diuturnamente. A rapidez na apuração daria respaldo ao inquérito, cujo objetivo era provar que Eliza não estava viva, mesmo sem cadáver”, explica o atual chefe do DHPP, delegado Wagner Pinto, que também atuou na investigação. Para ele, o grande diferencial do caso foi chegar ao mentor do crime, Bruno Fernandes, e ao executor, Marcos Aparecido.

Já que o conjunto de provas do inquérito ganhava força no Judiciário, o advogado Ércio Quaresma concentrou forças em recursos nas instâncias superiores para tentar a liberdade de seus clientes. Quando em outubro de 2010 chegou a fase de instrução processual, ele enfrentou a ira da família de Bruno Fernandes. “Eu sou o diabo. A família de meus clientes gosta é de Deus”, disse Quaresma, ao responder acusações da avó, duas tias e duas primas do goleiro, que envolviam inclusive sumiço de dinheiro.

Um vídeo com o  advogado fumando crack e denúncias comprovadas de ameaças contra Ingrid, noiva de Bruno, pareciam ter encerrado a participação de Quaresma na defesa de Bruno, depois que ele foi suspenso pela seção mineira da Ordem dos Advogados do Brasil. Seus colegas que defendiam outros seis acusados passaram adotar linhas próprias de trabalho, a maioria tendo bons resultados, com a soltura de seus clientes e a desqualificação da prática de homicídio triplamente qualificado. Na época, Dayanne Rodrigues já tinha se desvinculado do grupo, sendo defendida por Francisco Simim.

Bruno Fernandes buscou o rompimento com o grupo de Quaresma convidando o advogado paulista Francisco Ângelo Carbone para sua defesa. O goleiro o via em programas de televisão defendendo sua inocência e se empolgou. Porém, o advogado paranaense Cláudio Dalledone, que chegou ao caso por meio de Ércio Quaresma, também ficou com o jogador. Em fevereiro de 2011, Dalledone, que já demonstrava descontentamento com a tese de que “sem corpo não há crime”, entrou em choque com Carbone, que saiu do caso, garantindo que exigiram dele R$ 1 milhão para continuar em evidência como defensor de Bruno.

Ao longo de 2011, Dalledone apostou em recurso no Supremo Tribunal Federal para colocar Bruno em liberdade. Com os vários outros recursos em instâncias superiores questionando atos do processo, o caso se arrastava. Em dezembro daquele ano, Rui Pimenta assumiu a defesa de Bruno, já que Dalledone se afastou por divergências técnicas com o cliente. Rui apostou em nova linha de atuação, que admitia a morte de Eliza Samudio e tentava responsabilizar Macarrão pelo crime.

Pimenta também teve problemas e cometeu seus erros. Entre eles o de entregar uma carta do goleiro para ser lida em um programa de televisão. O resultado foi a primeira punição disciplinar do jogador, que voltou para o isolamento na Penitenciária Nélson Hungria, sem direito a visitas. A dispensa do advogado só veio em novembro, quando Bruno Fernandes já estava no banco dos réus.

MAIS MUDANÇAS
  Em nova manobra, o advogado Francisco Simim assumiu a defesa e pediu reforço ao jovem criminalista Tiago Lenoir. Logo depois, o experiente advogado Lúcio Adolfo foi chamado e passou a comandar os trabalhos. Conseguiu uma primeira vitória ao alegar que não tinha como garantir a defesa do cliente. O julgamento de Bruno foi desmembrado. Macarrão passava a ser o único a enfrentar o corpo de jurados.

“Foi suicídio jurídico deixar o Macarrão lá sozinho”, diz o assistente da acusação José Arteiro, advogado da mãe de Eliza, Sônia Moura. De fato, pressionado, o amigo e ex-funcionário de Bruno admitiu pela primeira vez que Eliza havia sido morta.

Atraídos pelos holofotes



Para o delegado Wagner Pinto, chefe do Departamento de Investigações de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP), a repercussão do caso Bruno na mídia mundial pode ter feito os defensores perderem o foco. “Os advogados adotaram estratégias antecipadas, em uma postura de ansiedade diante da autopromoção. Por ser um caso de repercussão mundial, agiram de forma que causou tropeços, embaraços, na tentativa de desacreditar o trabalho da polícia. O normal, na fase policial, é o advogado acompanhar o inquérito para resguardar a integridade física e psicológica do cliente.” O efeito de câmeras e flashs também é comentado pelo presidente da Comissão de Assuntos Prisionais da OAB-MG, Adilson Rocha. “A condição dele (Bruno), jogador de nível de Seleção, com salário milionário, trouxe os holofotes. Todo mundo queria aparecer. Histórias de reviravolta, mulheres querendo aparecer. Com o julgamento dele, acaba-se a repercussão e torna-se um caso comum, como outros muitos que acontecem diariamente no país.”


 
    
  

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