quinta-feira, 18 de abril de 2013

Marina Colasanti - A gente que se vire‏



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Estado de Minas: 18/04/2013 

Nas montanhas do Waziristão do Sul, Nek Muhammad, líder tribal paquistanês, falava ao telefone via satélite com um jornalista, quando perguntou a quem lhe estava perto que estranho pássaro metálico era aquele que via pairando no alto, acima dele. Antes que 24 horas tivessem se escoado, o casebre, a perna esquerda e a vida de Muhammad voaram pelo ares, explodidos por um míssil.

Tivesse havido tempo para respostas, alguém poderia ter lhe dito que o pássaro era um “drone” Predator, exemplar de fauna bélica especializado em “assassinato seletivo”. E sobrando tempo para reflexões mais alentadas, Muhammad talvez chegasse à conclusão de que a ave sinistra partilhava o ninho com aquele inocente telefone no qual ele havia estado falando. Os dois são conectados via satélite.

O avanço tecnológico não oferece escolha. Na mesma mão nos entrega o bom e o ruim. E para ter um, acabamos ficando também com o outro.

Era para ser ótima a descoberta que os farmacólogos chineses da dinastia Han perseguiam derretendo metais. Buscavam o elixir da imortalidade. Em vez dele, deram de cara com a pólvora, sem saber que serviria para encurtar tantas vidas.

Que belos fogos de artifício proporcionou a princípio! Mas quando Marco Pólo a trouxe para a Europa, mais que as festas, modificou as fronteiras e a arquitetura defensiva. Devemos à pólvora muita destruição, e um jardim estupendo.

A destruição nos encara das páginas dos jornais todos os dias – enquanto escrevo a televisão dá novas notícias sobre bombas e feridos de Boston. O jardim é em Lucca, na Toscana, refúgio de namorados e da turista que ali fui. Rodeia a cidade como um rio elevado, verdejando o topo da muralha que um dia serviu para protegê-la. Era alto e fino o muro medieval que havia contido os bárbaros e que não daria conta dos canhões. Foi alargado, transformado em uma espécie de aterro vertical, uma quase montanha. E quando, bem mais adiante, revelou-se inútil frente aos bombardeios, achou-se por bem plantá-lo com árvores e roseiras.

Que coisa boa foi o advento da comida industrializada! Caldos compactados, sopas em pó, legumes em lata, animais liofilizados, uma verdadeira festa de rapidez na cozinha. E com eles vieram o excesso de sódio, os conservantes, os corantes, os cancerígenos, um ataque em massa ao organismo.

Amo meu computador, não saberia mais viver sem ele, ou saberia, mas lamentaria a cada instante sua ausência. Por meio dele me comunico com o mundo em um segundo. E o mundo se comunica comigo. Acabo, aliás, de receber mensagem de um amigo muito querido, senhor de bastante idade que vive no Texas e cuja saúde me inquieta. Dizia que estava me enviando algo de que eu gostaria, que abrisse o link. Não abri, embora a inquietação. E fiz bem, pois o computador do meu amigo foi invadido, transformado em plataforma de lançamento de vírus, o exocet informático. A máquina amiga que facilita meu existir também dá acolhida a essa estranha perversidade polimorfa, maldade cega que ataca a esmo pelo puro prazer de atacar.

Para andar no sol, temos que dar conta da noite. Quando Deus fez a luz, meteu a sombra no pacote. No avesso da pele há sangue. Mais e menos são uma única coisa. E a gente que se vire, se ao escolher um esquece que o outro vem junto.

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