quinta-feira, 18 de abril de 2013

O incompreendido [Tennessee Williams]

folha de são paulo

Fase menosprezada da carreira de Tennessee Williams passa por revisão de críticos e acadêmicos
GUSTAVO FIORATTIDE SÃO PAULO"Críticos estão literalmente matando escritores", reclamou Tennessee Williams para a revista "The Paris Review", em entrevista publicada em 1981, dois anos antes de sua morte, aos 71 anos.
O autor norte-americano, que, nos anos 1940 e 1950, havia sido colocado em um pedestal por peças como "Um Bonde Chamado Desejo" (1947) e "Gata em Teto de Zinco Quente" (1955), referia-se, em parte, à desvalorização de sua própria imagem no circuito da Broadway.
O período que segue os anos 1960 representa ainda hoje o ponto frágil na carreira do dramaturgo, embora seja, paradoxalmente, uma fase altamente produtiva. Nos últimos 20 anos de sua vida, mais personalista do que nunca, Williams escreveu cerca de 30 peças, entre elas "In the Bar of a Tokyo Hotel" (1969) e "Clothes for a Summer Hotel" (1980).
"Acho que ainda está para ser descoberto como o século 21 responderá a essas peças", diz o crítico Gary Richards, professor da Universidade de Mary Washington.
"Temos notado um fantástico interesse nesses trabalhos agora, e críticos estão tendo de reconsiderar exatamente como Williams foi experimental nessa fase."
Ele se refere a uma recente retomada --em Nova York sobretudo-- das últimas peças de Williams.
Em 2010, "Vieux Carré" (1977) foi encenada pelo Wooster Group --espetáculo apresentado em São Paulo há um mês. Em 2011, o La MaMa, ícone do circuito experimental, encenou "Now the Cats with Jewelled Claws" (1969).
A história da literatura, diz Richards, está cheia de autores cujos trabalhos se tornam canônicos após terem sido considerados, inicialmente, fracassos.
"Herman Melville, por enquanto, é o que me vem à mente", diz. "Talvez, ao contrário destes casos, as últimas peças de Williams conquistem agora a mesma estima de seus trabalhos produzidos nos anos 1940 e 1950."
O debate tem sido encampado pelos principais biógrafos do autor. O escritor John Bak, que lançou em fevereiro "Tennessee Williams: A Literary Life", confirma em entrevista à Folha que Williams, em seus últimos anos de vida, esteve descontente com os críticos. "Mas ele sabia que a nova direção que havia tomado no teatro era a coisa certa a ser feita."
Ainda está para ser posta em campo a peça fundamental para essa revisão. No ano que vem será lançada uma das mais esperadas biografias do dramaturgo, "Tennessee Williams: Mad Pilgrimage of the Flesh", de John Lahr. À Folha ele declarou que "as críticas à obra de Williams têm sido pobres".

    Obra de Tennessee será revista em nova biografia
    Recusa às últimas peças do dramaturgo são 'clichês sem sentido', diz autor
    Livro a ser publicado nos EUA em 2014 promete releitura da infância do escritor;
    DE SÃO PAULOComo bem recorda o prefácio de John Bak para sua biografia "Tennessee Williams, A Literary Life", o dramaturgo norte-americano declarou repetidas vezes durante sua carreira: quem quisesse saber mais sobre sua vida deveria, antes, ler suas peças.
    Não é uma frase gratuita, principalmente porque muitas das histórias criadas por Williams surgiram de suas memórias, com traços autobiográficos --especialmente nos aspectos emocionais.
    Na entrevista que deu à revista "The Paris Review" em 1981, por exemplo, Williams relata que a criação de Blanche, a protagonista de "Um Bonde Chamado Desejo", está intimamente ligada à figura de sua irmã mais velha, Rose, que foi diagnosticada como esquizofrênica e passou boa parte de sua vida internada em um manicômio.
    É sob esta ótica que o crítico de teatro da revista "The New Yorker", John Lahr, concebe agora sua nova biografia, a mais esperada obra sobre Tennessee Williams dos últimos dez anos, a ser publicada nos EUA pela editora Norton no ano que vem.
    "Tennessee Williams: Mad Pilgrimage of the Flesh" começa na noite de estreia de "The Glass Menagerie" (1944), primeiro sucesso do autor, e vai até a sua morte.
    A importância do livro reside, ainda, na relação com uma obra incompleta, "Tom - The Unknown Tennessee Williams", escrita pelo biógrafo oficial de Williams, Lyle Leverich. Ele morreu em 1999 aos 79 anos, antes de finalizar o trabalho, mas deixou a Lahr em testamento seu material, incluindo 70 fitas com depoimentos do autor.
    O livro de Lahr inicialmente foi concebido como continuação da obra de Leverich, mas tomou outro rumo e será lançado como obra completamente independente.
    "Lyle não tinha um ponto de vista sobre as peças e não era historiador teatral", explica Lahr, ao justificar a ruptura. "Ele também não pensava psicologicamente. Estava pescando anedotas, e eu só me interesso por anedotas se elas estiverem a serviço de uma grande ideia."
    Para ele, "o clichê de que Williams não escreveu nada [de relevante] depois dos anos 1960 não faz sentido".
    A peça "The Gnadiges Fraulein" (1965), inserção no teatro do absurdo, "é hilária e comovente", diz; "Clothes for a Summer Hotel" (1980) e "A House Not Meant to Stand" (1982) "são coerentes, além de poderosos testamentos do íntimo de Williams".
    Lahr traz ainda em um novo ponto de vista sobre a infância do dramaturgo. Discorda, por exemplo, da análise que Leverich faz sobre a hostilidade de Edwina, mãe de Williams, uma mulher rigorosa, religiosa.
    "Embora fosse uma mãe dedicada, não era maternal e não enxergava seu filho, enxergava o que ela queria que seu filho se tornasse", diz.
    "Acho que ele [Leverich] não compreendeu o impacto da personalidade dela em Williams." É um ponto importante para a compreensão da obra de Williams, sobre o qual ele escreveu em peças e cartas.

      NO BRASIL
      Grupo tapa retomou dramaturgo
      A companhia paulistana dirigida por Eduardo Tolentino fez aproximação recente com a obra de Tennessee Williams, mas ainda sob os limites da fase áurea, o que resultou em traduções -publicadas pela "É Realizações". Já a Companhia das Letras publicou em 2006 o volume "49 Contos de Tennessee Williams".

      Nenhum comentário:

      Postar um comentário