domingo, 30 de junho de 2013

Editoriais FolhaSP: Fazer o transporte andar - Infeliz e não sabia

folha de são paulo
Fazer o transporte andar
Tema que deflagrou os protestos nas cidades brasileiras, a crônica precariedade do transporte público precisa ser enfrentada com planejamento e ações coordenadas dos diversos níveis de governo. Embora mais recursos sejam bem-vindos, não é esse o primeiro problema a ser considerado.
Com efeito, grande parte das verbas já oferecidas ao setor não tem sido executada. Em três programas lançados pelo governo federal --Mobilidade Grandes Cidades, Mobilidade Médias Cidades e Mobilidade da Copa-- há recursos parados, à espera de projetos e adesões das esferas estadual e municipal.
No que se refere às cidades de maior porte, o pacote, lançado no ano passado, prevê investimentos de quase R$ 32,8 bilhões. São R$ 10 bilhões em dinheiro do Orçamento federal (a fundo perdido) e R$ 12 bilhões em financiamentos da Caixa, com taxas de juros subsidiadas. Outros R$ 10 bilhões correspondem às contrapartidas exigidas de prefeituras e Estados.
De acordo com levantamento do jornal "Valor Econômico", menos de 7% das verbas a fundo perdido foram contratadas, e apenas 16% dos financiamentos, tomados.
No que tange aos projetos do PAC da Copa, os resultados também deixam a desejar. Basta dizer que, das 44 obras previstas para este ano, apenas uma foi realizada no prazo estipulado. Outras tantas foram canceladas, de modo que o prometido legado do Mundial nesse quesito poderá ser pífio.
Se a União tem suas responsabilidades no processo de melhoria do transporte, não resta dúvida de que essa é uma área que depende mais de iniciativas tomadas em âmbito local.
Não é demais lembrar que foi sancionada em janeiro do ano passado legislação que estabelece a Política Nacional de Mobilidade Urbana. O texto exige das prefeituras a elaboração, até janeiro de 2015, de planejamento específico para o setor, que tem de ser integrado ao Plano Diretor. As cidades que deixarem de fazê-lo dentro do prazo serão impedidas de receber recursos federais.
A paradoxal situação de falta de investimento e verbas subutilizadas é um sinal lastimável da negligência das autoridades com esse serviço essencial.
A conta do descaso, sob a forma de protestos, chegou. Para saldá-la é imperioso que governadores e prefeitos mobilizem-se para formular e implantar planos de mobilidade nas grandes cidades. E que as propostas venham acompanhadas de metas e cronogramas passíveis de serem acompanhados e cobrados pela sociedade.
    Infeliz e não sabia
    Forte queda da popularidade de Dilma Rousseff mostra que insatisfação extrapolou questões específicas e voltou-se contra o sistema político
    Assume proporções dramáticas a queda de popularidade experimentada pela presidente Dilma Rousseff, na esteira das manifestações que tomaram o país nas últimas semanas.
    Conforme registra o Datafolha, passou de 57% para 30% o percentual dos que consideram "ótimo" ou "bom" o desempenho de seu governo. De 6 e 7 de junho, datas do levantamento anterior, até agora, cresceu de 9% para 25% a proporção dos que o consideram "ruim" ou "péssimo".
    Sem dúvida, o empuxo do mergulho se deve a uma situação conjuntural, com o componente de passionalismo indissociável das grandes manifestações de massa.
    Não deixa de ser irônico, à primeira vista, que o governo federal seja atingido tão duramente, quando foram, ao menos no início, os governos municipais e estaduais os principais alvos dos protestos --contra aumentos de tarifas de transporte e a truculência policial.
    Evidentemente, tampouco governadores e prefeitos se podem considerar a salvo dessa brusca reversão de popularidade.
    Confirma-se, entretanto, que a insatisfação das ruas voltou-se também contra a política nacional, e não apenas contra problemas urbanos específicos. Ainda que não pesem contra Dilma Rousseff quaisquer acusações de improbidade, a presidente paga o preço por um sistema corrupto e desmoralizado, a que não teve meios ou energia para se contrapor.
    Outros fatores devem ser levados em conta, de todo modo, nessa inflexão estatística brutal.
    "Eu era feliz e não sabia": utiliza-se com frequência, e nem sempre com razão, essa frase feita. Com as manifestações das últimas semanas, parece estar-se generalizando a sensação inversa.
    "Eu estava infeliz e não sabia" talvez possa ser o lema adotado por muitos dos que, até há pouco, concediam ao governo federal altos índices de aprovação.
    Não que inexistissem, como se sabe, fatores a diminuí-los mais recentemente, como o baixo crescimento econômico, a demora nas obras de infraestrutura e os sinais de aceleração inflacionária.
    Seja como for, a letargia do Planalto talvez contaminasse a própria atitude dos entrevistados em pesquisas desse tipo. Na ausência de maiores perspectivas de mudança e de reforma, era razoável contentar-se com o que havia.
    Repentinamente, a insatisfação, que hibernava, amanheceu com apetite. Exitosos na reivindicação das tarifas, os manifestantes não se limitaram à questão. E os governantes pagam um preço bem mais alto pela poltrona, até agora confortável, de onde dirigem --ou não-- os destinos do país.

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