domingo, 7 de abril de 2013

Affonso Romano de Sant'Anna - Pagando para viver‏



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Estado de Minas: 07/04/2013 

– Você já fez o seu Imposto de Renda?

– Não, tenho um contador que cuida disto.

– O diabo é que não encontro todos os recibos.

– É um inferno!

– Sabe essas cenas de desenho animado, em que o gato ou o rato vão fugindo de uma máquina, tipo rolo compressor, aparador de grama ou qualquer coisa parecida, como se fosse uma máquina que vai pegar o rabo do perseguido e devorá-lo, e ele correndo, correndo, alucinado, sem parar; e, às vezes, a máquina pega mesmo o rabo do coitado, o escalpela e ele sai pelado do outro lado...

Pois essa é a sensação que se tem como contribuinte todos os meses, toda uma vida. A gente está sempre correndo dos ferozes pagamentos, que mordem nosso calcanhar, nos alcançando como piranha ou tubarão devorador.

– Mas já? Não paguei outro dia mesmo? Outra conta? E a fila do banco? Quem mandou se esquecer de pagar antes? E aquele senhor ali, com várias cadernetas de ISS, aquela senhora pagando contas de toda a família ou condomínio?! (Quem tem secretária e dinheiro não está nem aí, está nas Bahamas ou qualquer paraíso fiscal. Mas nós, pobres mortais...).

Confesse: você também tem essa sensação de que os dias do mês parecem uma invisível roda pronta para nos devorar, mal rompe a manhã? Certos dias são os mais terríveis, parece que a engrenagem vai mesmo nos alcançar, triturar, jogar como bagaço por aí.

Quantas senhas você tem? Todo cidadão tem uma média de oito senhas, como se lembrar de todas? Deixar na carteira que pode ser roubada?

Isto me levou até a uma teoria sobre o moderno ingresso na vida adulta. Nas sociedades primitivas, um adolescente para tornar-se guerreiro tem que carregar um tronco nas costas (não sei por quantos metros), tem que ficar de jejum (não sei por quantos dias); a moça, quando menstrua ou quando se casa, tem que se recolher numa oca, longe dos olhares masculinos etc. É um rito de iniciação. É a passagem física, cósmica e social para a vida adulta, o assumir os encargos da tribo, ter outros direitos e outros deveres, enfim, virar guerreiro ou ser procriadora.

Entre nós, havia o confeitado baile de debutantes com valsas, vestidos longos, fotos na escadaria, jovens pares dançantes, era um rito de iniciação da jovem na sociedade, modo de os pais dizerem: “Olha, minha filha já é adulta”; ou, como diziam no século 19: “Olha, minha filha já está no ‘mercado matrimonial’”.

A gente achava que um filho/filha entrava na vida adulta quando tinha um diploma e uma profissão, porque isto coincidia com o casar-se. Não é mais assim. As pessoas não têm mais emprego garantido ao sair da faculdade. E o rito de iniciação mudou. A própria iniciação sexual se dá cada vez mais antes, não coincide com a maturidade física ou a independência econômica.

Num certo momento, a gente passou a achar que os filhos estavam adultos quando iam morar sozinhos. Isto também mudou. A gente é que continua a financiá-los. Passam dos 20, dos 30 e continuam morando com os pais.

Isto me faz pensar que a entrada na vida adulta, hoje, se caracteriza por entrar na horda dos que pagam sacrificialmente as contas dia após dia. Entrar na sociedade é começar a pagar suas contas. A maturidade social pode ser medida pela quantidade de contas que o jovem é capaz de pagar por si mesmo.

São tantos os pagamentos que, às vezes, a gente exclama: “Ah!, que felicidade os mortos, não têm que enfrentar o guichê, apresentar identidade, CPF, PIS-Pasep...”.

Ou será que tem fila para a eternidade?

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