sábado, 27 de abril de 2013

Nova pesquisa traz à luz cartas que revelam um Graciliano Ramos gregário e cordial

folha de são paulo

MARCELO BORTOLOTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Em Maceió, nos anos 1930, o escritor Graciliano Ramos, morto há 60 anos, era decano de uma turma de jovens intelectuais da qual faziam parte o poeta Aloísio Branco, o ilustrador Tomás Santa Rosa e o filólogo Aurélio Buarque de Holanda. Por este motivo, ganhou o apelido jocoso de "o velho Graça".

Quando mudou-se para o Rio, passou a frequentar a livraria José Olympio e conheceu a nata da intelectualidade na então capital.
Mais tarde filiou-se ao Partido Comunista, chegando a se candidatar a deputado federal. Esta trajetória não impediu que Graciliano, homenageado da Flip deste ano, mantivesse fama de homem fechado, tímido e de raros amigos.
Acervo Projeto Portinari
Sob o olhar de Graciliano Ramos (sentado), Luís Carlos Prestes (dir.) entrega a Cândido Portinari ficha de filiação ao PCB, nos anos 1940
Sob o olhar de Graciliano Ramos (sentado), Luís Carlos Prestes (dir.) entrega a Cândido Portinari ficha de filiação ao PCB, nos anos 1940
Folclore que ele próprio alimentava com sua intolerância a intimidades gratuitas ou a gestos derramados. Esta imagem é colocada em cheque na recente pesquisa que reuniu a correspondência do escritor.
De 1909 a 1952, ele recebeu ou enviou cartas para 106 correspondentes, número que surpreende e contradiz sua fama de casmurro. Nelas, surge um Graciliano amigo, cordial, interessado pelos problemas literários e políticos do seu tempo, e sempre irônico e afiado em suas críticas.
O levantamento foi feito pela pesquisadora da USP Ieda Lebensztayn, com orientação de Marcos Antonio de Moraes, e será publicado em livro este ano. Foram localizadas 160 cartas inéditas, entre a correspondência ativa e passiva.
Sua rede de contatos engloba desde figuras da extrema direita como o católico Alceu Amoroso Lima a gente de extrema esquerda como o líder comunista Luís Carlos Prestes. Entre os interlocutores também estão Jorge Amado, José Lins do Rego, Cândido Portinari, Nelson Werneck Sodré e Cyro dos Anjos.
"Diziam que ele era um homem isolado e seco, mas estas cartas mostram o contrário", diz Lebensztayn.
A primeira reunião da correspondência de Graciliano Ramos foi publicada em 1980. O livro trazia cartas envidas a familiares e a um único amigo, Joaquim Pinto da Mota Lima. Nelas transparecia um escritor apaixonado pela esposa e devoto da família.
Mas a reserva e o isolamento social continuavam sendo uma característica marcante, como comentou o poeta
Lêdo Ivo sobre aquela coletânea: "Os elementos básicos da sua personalidade --o individualismo cerrado, o pessimismo visceral, o ensimesmamento, um sentimento de desvalor pessoal que tende à autodestruição-- se destacam sempre nestes contatos".
A correspondência agora reunida traz informações muitas vezes fragmentárias, mas ajuda a relativizar cada um destes traços.

Cartas revelam Graciliano Ramos gentil e satisfeito com a própria obra

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COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Na correspondência agora compilada, Graciliano Ramos chega a ser generoso ao distribuir elogios, inclusive a novos escritores que ele tinha fama de afugentar.
Em carta de 1939, diz-se feliz por ter dado força aos estreantes José Carlos Borges e Oswaldo Alves.
Na correspondência passiva, o turrão se desmantela.
Em 1938, Erico Verissimo se surpreende: "Fiquei satisfeito por saber que você não desgostou dos Lírios ['Olhai os Lírios do Campo']. Curioso. Nunca pedi a ninguém para ler um livro meu. Mas quando nos encontramos aí em julho último eu ia lhe pedir para não ler o meu último romance. Tive a impressão de que no estado de espírito em que você se encontrava ele havia de irritá-lo".
Editoria de Arte/Folhapress
Outra característica que não se sustenta nas cartas é a autodepreciação de sua obra.
Em 1934, ele afirmou ao folclorista Aloísio Villela sobre "São Bernardo" : "É um romance que não me descontenta; creio que está apresentável".Uma modéstia que ele perderia em 1952, quando anunciou "Viagem" para o editor José Olympio: "Arranjo notas para um livro que será notável".
A fama de autocrítico deve-se principalmente à revolta contra "Caetés", que chamou de "porcaria", "desgraça" e "coisa pavorosa".
Na biografia "O Velho Graça", o jornalista Dênis de Moraes conta que, na década de 1930, ele pediu de volta os originais ao editor Augusto Frederico Schmidt, e havia desistido de publicar o livro, mas foi convencido do contrário pela mulher, Heloísa, e pelo amigo Jorge Amado.
As cartas mostram uma história diferente. Em 1933, diante da demora do editor, ele tentou publicar o livro em duas outras casas, Adersen Editores e Companhia Editora Nacional, mas "Caetés" saiu de fato pela Schmidt Editora.
Em algumas cartas o escritor é mesmo ferino nas críticas. Mas nunca como um individualista cerrado, e sim, como definiu o escritor Antonio Callado, um sujeito "sem muita paciência com os chatos e os burros". (MARCELO BORTOLOTI)

FLIP 2013
Hatoum faz conferência de abertura
O escritor Milton Hatoum abre em 3 de julho a Festa Literária de Paraty com palestra sobre Graciliano. O brasilianista Randal Johnson é outro convidado anunciado que tratará do alagoano.

    Carta dá nova leitura a atritos em Moscou
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHAEm abril de 1952, Graciliano e sua mulher, Heloísa, viajaram a Moscou como convidados do Partido Comunista Brasileiro. Integravam uma comitiva de intelectuais e sindicalistas que participariam dos festejos de 1º de maio.
    Na volta, Graciliano escreveu de Paris a seu editor José Olympio pedindo dinheiro para a passagem, uma carta revelada agora pela pesquisa de Ieda Lebensztayn.
    Em tom ameno, ele falava da experiência, que lhe renderia o livro "Viagem", mas dizia que o dinheiro acabara: "Estou preso nesta cidade de luz e bagunça". E pedia a remessa urgente de cinco contos de réis. "Espero que você me tire deste aperto, segundo uma tradição já antiga, pois vem de 1936, quando me encontrava numa cadeia diferente desta", escreveu.
    Por trás deste pedido há uma história absurda. Na biografia "O Velho Graça", Dênis de Moraes diz que o comportamento de Graciliano na viagem foi considerado inconveniente pelo partido.
    Ele não aceitava explicações oficiais dos burocratas russos, procurando informações em outras fontes.
    Reclamou da falta de obras de Dostoiévski nas estantes, numa época em que o autor de "Os Possessos" estava na lista negra do Kremlin. Falou mal do cigarro, do papel higiênico e das longas filas para visitar o túmulo de Lênin.
    Um integrante da delegação teria enviado um relatório ao partido no Brasil, que decidiu não mandar o dinheiro para a passagem de volta do escritor. A história é contada na biografia de Graciliano pelo comunista Sinval Palmeira, que integrava a comitiva.
    No depoimento, Palmeira diz que Graciliano não soube do contratempo, porque ele e colegas de partido se cotizaram para bancar a passagem.
    Mas a carta enviada ao editor mostra que Graciliano estava ciente do problema e buscou solucioná-lo por conta própria. Não há registro documental sobre quem pagou a passagem de volta.

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