sábado, 27 de abril de 2013

Viagem em torno da vaia - Xico Sá

folha de são paulo

Quem vaia compreende e passa a mão na cabeça até de quem brocha. Só não perdoa quem foge à luta
Amigo torcedor, amigo secador, a vaia não é desprezo, desdém ou desaforo, vaia sequer é desforra ou desespero de causa, vaia é um sofrimento de amor --coletivo-- não correspondido. Brasileiro vaia até a bola. Por ser redonda e surpreendente.
A donzela, digo, a pátria, se arruma para o jantar e o canalha em chuteiras não comparece. A noite que seria de gala vira gala-rala, não vale o ingresso, a presa, o tropeiro da nova arena.
Arena, aliás, não combina com a cozinha roots do macho-jurubeba dos tristes trópicos, dona Fifa. Como ficará o tropeiro, o pururuca, o sarapatel, a paçoca, o caruru, o churrasquinho de gato de Itaquera na Copa? Esse negócio de arena, sei não, não parece coisa de homem.
Voltemos ao tema-guia. A vaia sequer é pedagógica, como acredita a crônica esportiva, a vaia é amar e não ser amado. Simplesmente.
Quem vaia, continuemos nesse rachão do Reich e do Freud, compreende e passa a mão na cabeça até de quem brocha. Só não perdoa quem foge à luta.
E como tem homem de Ossanha por aí. Assim no futebol como na vida, o homem de Ossanha, vide o afro-samba de Baden Powell & Vinícius de Moraes, é aquele que diz que vai e não vai, tal e qual a seleção brasileira até o momento.
O brasileiro do Mineirão, tudo bem que era um brasileiro diferenciado e limpinho como exaltou Galvão Bueno na última quarta, voltou a sofrer com o amor não correspondido do time em campo.
O brasileiro de arena se acha o entendido. Que saudade do banguela da geral do Maraca. Para que subir de classe e perder os sisos morais logo de cara?
A vaia, tio Nelson, é notícia, mesmo sabendo que brasileiro vaia até minuto de silêncio. O brasileiro vaia até o sol. Os frequentadores da praça do Ferreira, em Fortaleza, chegaram a vaiar o sol, sim, no dia 30 de janeiro de 1942. Esperavam a chuva, após três dias nublados. O sol dá as caras. Vaia no peste.
Viva a vaia justa do Mineirão, o que me fez lembrar Otto Lara Resende: "O mineiro só é solidário no câncer". Você há de se apressar e dizer que o chiste é do tio Nelson. Prefiro ficar com a versão do autor de "Bonitinha, mas ordinária". Só um mineiro conhece de fato o semelhante para tal diagnóstico.
Estamos longe da extrema-unção ludopédica, distante da metástase --para continuar na doença como metáfora. Tem jeito, doutor. Basta se apegar às superstições: o Brasil nunca venceu nada como favorito.
A vaia é crença. A seleção, torcedor de time que abstrai a ideia de pátria sabe, estava abandonada por quem gosta de futebol mesmo. A vaia do Mineirão, mesmo que digam que foi uma vaia-gourmet-coxinha, ressuscitou o escrete. A vida é uma trivela inconsciente. Você pensa que a bola vai para um lado e ela vai para outro. O que é viver mesmo? Só a bola sabe a resposta.

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