domingo, 2 de dezembro de 2012

Trinta anos de HIV no Brasil - Vicente Amato Neto e Jacyr Pasternak


TENDÊNCIAS/DEBATES
No começo, sabichões culparam vítimas e criaram mitos. Hoje, o desafio é a prevenção. Em certos grupos, tende a ser aceito o uso de profilaxia medicamentosa
Há discussões sobre quando foi diagnosticado o primeiro caso de Aids no Brasil -e provavelmente o vírus chegou por aqui antes, pois em geral decorrem entre cinco e dez anos entre a contaminação e a presença da doença propriamente dita.
Mas 1982 foi o ano em que nos conscientizamos de que havia uma nova doença entre nós. Não se sabia a causa exata, e aconteceram coisas que sempre ocorrem frente a um perigo novo -e esse, ainda por cima, atacava uma minoria reconhecível.
Muitos ilustres próceres aproveitaram para colocar a culpa nas vítimas e usar suas cátedras ou púlpitos para impor suas ideias moralistas. Isso decididamente não ajudou em nada o combate à desgraça.
Mesmo quando ficou claro que a causa era um vírus, poucos anos depois, a transmissão foi decididamente exagerada pelos mesmos sabichões e por outros, aparecendo mitos depois difíceis de erradicar.
Hoje, felizmente, ninguém mais fala em transmissão de HIV por mosquitos, algo apregoado por membro de respeitada universidade, reiteradamente buscando notoriedade por meio de promoções extravagantes.
Vamos confessar nossa idade, de certa forma: quando a epidemia chegou ao Brasil, os enfermos morriam rapidamente, de maneira impressionante, atingidos (na época, dizíamos "atropelados") por agentes causais que não eram tão comuns em indivíduos com defesas imunes normais.
O número de medicamentos era restrito. Eram caros, nem sempre estavam disponíveis -e pouco serviam. Ao surgirem os primeiros fármacos anti-HIV, custosos, houve enorme discussão sobre como usá-los e se o SUS deveria assumi-los.
Comparando com a situação atual, os progressos foram enormes.
Tratamos -e nisso o Brasil foi pioneiro entre os países de desenvolvimento médio- gratuitamente todos os pacientes com as drogas propostas que rapidamente foram chegando e se incorporando à terapêutica.
Felizmente, no caso dos antirretrovirais, não houve o famoso empaque burocrático que atrasa o acesso a remédios modernos. Também incorporamos bem rapidamente, de modo eficiente e amplo, a prevenção da transmissão neonatal.
Hoje, pacientes têm expectativa de vida quase normal se mantiverem boa aderência ao tratamento correto. Estamos percebendo que o processo de inflamação crônica originado pelo HIV aumenta muito o risco cardiovascular, e é preciso afastar fatores que possam fazer os contagiados enfartarem precocemente. O mais fácil de mudar é o tabagismo.
Onde pecamos? Onde todos pecam: prevenção de novas infecções.
Isso depende muito de modificações comportamentais, mais que de recursos médicos. Mudar condutas é muito mais complicado que tomar pílulas ou injetar vacinas.
Por falar em vacinas, essa é uma decepção que esperamos que um dia desapareça: todas as experiências não mostram eficácia ou tiveram resultados precários. Não contamos com nenhum imunizante assim em perspectiva para os próximos anos -e eles levam cinco anos ou mais para entrar na vida real.
A profilaxia medicamentosa existe e provavelmente deve ser aceita em alguns grupos -achamos que iremos ressuscitar os grupos de risco, qualificação que faz tempo não mencionamos. As implicações desse procedimento e suas expensas merecem um artigo específico, que vai ficar para uma outra vez.
Diversos gestores da saúde pública no Brasil se preocupam, felizmente, com a AIDS. Na prevenção, os sucessos não são marcantes, certamente por singularidades do mal. Por seu turno, a assistência concedida de múltiplas maneiras é louvável.

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