domingo, 2 de dezembro de 2012

Uma droga, duas ações - Carolina Cotta‏

Medicamento mostra eficácia para dois tipos de hipertensão pulmonar: a arterial e a tromboembólica crônica 

Carolina Cotta
Estado de Minas: 02/12/2012 

 
Pacientes com hipertensão pulmonar tromboembólica crônica (HPTEC) estão próximos de conhecer uma forma inédita de tratamento. Durante a reunião anual do American College of Chest Physicians, em outubro, foram anunciados resultados do estudo com o primeiro medicamento para a doença, um dos cinco subtipos da hipertensão pulmonar. Pacientes tratados com riociguat tiveram melhora significativa no teste de caminhada que avalia o quadro. O estudo mostrou ainda segurança para indicação do remédio como terapia única ou combinada com outras drogas, para tratar a hipertensão arterial pulmonar (HAP), outro subtipo.

Nos estudos de fase III do medicamento, último antes que seja submetido às agências de regulação, o riociguat foi bem tolerado. As reações adversas mais frequentes foram tontura, dor de cabeça, edema periférico e sintomas gastrointestinais. Nessa fase, estão sendo avaliadas a eficácia e a segurança do medicamento via oral no tratamento de pacientes com hipertensão pulmonar tromboembólica crônica ou inoperável, ou hipertensão pulmonar persistente ou recorrente após a endarterectomia pulmonar, como é conhecido o tratamento cirúrgico disponível para a doença. Vinte e seis países estão envolvidos na pesquisa.

Segundo Kemal Malik, membro do Comitê Executivo e chefe de Desenvolvimento Global da Bayer HealthCare, há planos de enviar o riociguat para autorização de comercialização ainda no primeiro semestre de 2013. Para o professor Ardeschir Ghofrani, do University Hospital Giessen and Marburg, na Alemanha, principal pesquisador do estudo, os dados até aqui são encorajadores. “Os resultados clínicos positivos observados em pessoas com HAP e HPTEC nos dão provas de que o princípio de ação do riociguat pode ser importante para sua administração bem- sucedida.”

A hipertensão pulmonar é um grupo de patologias que tem como fator comum a elevação da resistência vascular pulmonar e o consequente aumento da pressão na artéria pulmonar, levando à hipertrofia e falência do ventrículo direito. A HPTEC é fatal e tem diagnóstico tardio. Suas causas não estão totalmente esclarecidas, mas a oclusão dos vasos pulmonares com coágulos de sangue que levam a um gradual aumento da pressão nas artérias pulmonares pode ocorrer depois de episódios de embolia pulmonar. O tratamento-padrão é a endarterectomia pulmonar, mas um número considerável de pacientes não pode ser operado.

Segundo Flávio Mendonça Andrade da Silva, vice-presidente da Sociedade Mineira de Pneumologia e Cirurgia Torácica, o tromboembolismo agudo é definido como a migração de um ou mais coágulos das veias sistêmicas para o leito vascular pulmonar. “Define-se HPTEC como o quadro de hipertensão pulmonar observado depois de um período mínimo de seis meses depois de pelo menos um episódio de embolia pulmonar, desde que excluídas outras causas de hipertensão pulmonar.” A incidência nos Estados Unidos é de um caso a cada mil pessoas. No Brasil, cerca de 2% a 4% dos casos de embolia pulmonar aguda evoluem para HPTEC.

O diagnóstico, de acordo com o especialista mineiro, começa pela queixa mais comum: uma piora na capacidade de respirar. O principal exame para o diagnóstico é o ecocardiograma, que estima a pressão na artéria pulmonar. Também ajudam a confirmar a doença os exames que comprovam o tromboembolismo pulmonar, como a cintilografia pulmonar, a angiotomografia computadorizada do tórax e por último a avaliação hemodinâmica invasiva. Segundo a cardiologista Gisela Meyer, responsável pelo Centro de Hipertensão Pulmonar do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre, o prognóstico é muito ruim para os pacientes que não têm indicação de serem submetidos à cirurgia de remoção dos trombos, quadro em que atuará o novo medicamento, se aprovado.

TRATAMENTO Na década de 1990, quando ainda não existia qualquer medicamento para a hipertensão pulmonar, foi realizado um registro de pacientes com hipertensão arterial pulmonar idiopática, outro subtipo, nos EUA. Naquela época, observou-se que a sobrevida mediana desses pacientes era de 2,8 anos. Segundo Jaquelina Sonoe Ota Arakaki, coordenadora do Grupo de Circulação Pulmonar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), dados do registro americano foram recentemente publicados, e aproximadamente 2600 pacientes estão sendo acompanhados. “A sobrevida em cinco anos foi de 58%. Portanto, podemos dizer que a sobrevida média subiu de três para cinco anos. Houve um grande avanço sim, mas a doença ainda tem  evolução desfavorável e não tem cura.”

Como há uma obstrução dos vasos pulmonares por trombos organizados, essa barreira aumenta a resistência nos vasos pulmonares com consequente sobrecarga ao lado direito do coração, que leva o sangue para o pulmão a realizar a troca gasosa (oxigênio e gás carbônico). Dessa forma, além do comprometimento da troca gasosa, ocorre a falência do coração direito, levando aos sintomas de cansaço, falta de ar, tonturas e até desmaios. O melhor tratamento, que pode ser curativo, é a cirurgia, quando os trombos são retirados. Porém, entre 30% e 50% dos casos, dependendo da experiência do centro ou particularidades do caso, os trombos são muito periféricos e não acessíveis a cirurgia.

Segundo Jaquelina Arakaki, nessa situação específica o paciente poderia se beneficiar de medicações que levam à dilatação dos vasos pulmonares. “Estudos anteriores demonstraram que na HPTEC, além do aumento da resistência vascular pulmonar por trombos organizados, existem lesões nos vasos pulmonares semelhantes às observadas na HAP, com proliferação das células que formam os vasos, justificando estudos com as medicações que atuam na circulação pulmonar.”

A especialista acredita na aprovação do riociguat, indicado para aqueles pacientes com trombos organizados inacessíveis e, por isso, sem chances de recorrer à cirurgia. “A medicação não vem para substituir a cirurgia, e sim para tratar aqueles que não podem operar. Como além dos trombos existem lesões nos vasos arteriais do pulmão em alguns casos, mesmo com a cirurgia, o paciente pode continuar com hipertensão pulmonar residual, sendo esta mais uma indicação para o riociguat. Sem dúvidas o medicamento representa um avanço considerável.” 

NOVIDADE

O riociguat, ainda em investigação, é um medicamento oral com abordagem inédita para tratar dois subtipos da hipertensão pulmonar: a hipertensão pulmonar arterial, que já dispõe de medicamentos, e a hipertensão pulmonar tromboembólica crônica, para a qual não existe tratamento medicamentoso. 
 

MODO DE AÇÃO

A hipertensão pulmonar está associada à disfunção endotelial, à síntese diminuída do óxido nítrico e à estimulação insuficiente da via NO-cGMP-sGC. Primeiro membro dessa nova classe de compostos, o riociguat é um estimulador da guanilato ciclase solúvel (sGC), enzima presente no sistema cardiopulmonar. Quando o óxido nítrico se liga ao sGC, a enzima catalisa a síntese de uma molécula cíclica que tem papel importante na regulação do tônus vascular, proliferação, fibrose e inflamação. Por causa desse novo modo de ação, o medicamento em estudo é visto como esperança para tratar os dois subtipos de hipertensão pulmonar.

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