sábado, 23 de março de 2013

A dona da história - Carolina Braga


Depois de ficar 17 anos longe do Giramundo, Madu Vivacqua põe a mão na massa. Ela criou o Chapeleiro Maluco para As aventuras de Alice no país das maravilhas, que estreia em abril

Carolina Braga
Estado de Minas: 23/03/2013 
Madu Vivacqua com um dos bonecos da nova montagem do Giramundo (Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
Madu Vivacqua com um dos bonecos da nova montagem do Giramundo
“Estou aqui só até passar a chuva. Não voltei”, diz a marionetista Madu Vivacqua. Apesar do tom sério com que faz tal afirmação, é difícil acreditar que o reencontro entre a artista e o grupo Giramundo será nuvem passageira. “Tenho para mim que a fila anda. Sou um dinossauro que ficou. Vim só dar uns pitacos”, insiste ela.

A julgar pela dedicação que se vê nos bastidores, essa parceria está apenas entrando em nova fase. Depois de passar 17 anos fora do Giramundo, a fundadora da companhia (ao lado de Álvaro Apocalypse e de Terezinha Veloso, ambos falecidos em 2003) está de volta à ativa e executa delicada supervisão dos bastidores de As aventuras de Alice no país das maravilhas. O retorno “temporário” se deve ao chamado da amiga Sandra Bianchi.

Incumbida de fazer os desenhos da montagem, baseada no clássico do escritor Lewis Carroll (1832-1898), a artista plástica se deparou com uma cruzada. “Assustei, porque os desenhos nunca foram meus”, explica Sandra, colaboradora da trupe desde 1976. Ela costumava trabalhar os personagens a partir dos esboços de Álvaro Apocalypse e, depois, de Marcos Malafaia. Agora, a questão nem foi o visual dos bonecos, mas o modo como eles sairiam do traço. Na memória, veio o ensinamento antigo da colega: papel aceita tudo. Projeto já é outro departamento – justamente o de Madu.

“Fiquei meio apavorada. Falei: gente, vamos trazer a Madu. Preciso dela”, conta Sandra Bianchi. “Primeiro, eu disse não, naturalmente. Depois vim ver qual era. Não achei que ficaria. É um respeito pelo teatro do Giramundo, que não quero que acabe nunca”, explica a marionetista. A poucos dias da estreia de Alice..., a fundadora do Giramundo vive uma experiência diferente. Saudade não é propriamente a palavra para defini-la. Afinal, nunca se afastou do ofício. “Tenho saudade das pessoas, do Álvaro e da Tereza, que já morreram. Meu negócio é fazer boneco”, ressalta.

Convidada para dar pitacos, há cerca de um mês Madu pôs a sua arte a serviço do Giramundo. “Foi fabuloso, porque a equipe é muito boa, mas a experiência dela é impressionante. Às vezes, olhava e falava: essa articulação deveria ser aqui, ou ali”, revela Sandra Bianchi. Mais do que só comentar, Madu pôs a mão na massa – embora pouco a pouco, sem assumir tal participação. “Só fiz o Chapeleiro Maluco”, diz ela. Detalhe: “apenas” o Chapeleiro Maluco!

Com a estreia da peça marcada para 11 de abril, no Teatro Bradesco, a produção ganha ritmo acelerado. Ainda não é possível dizer ao certo quantos bonecos estarão em cena, ou mesmo quantas técnicas serão empregadas. No meio de tudo isso, Madu garante: não é nostálgica. Constata, apenas, que a maneira como os artistas do Giramundo se relacionam com os bonecos é bastante diferente do que ela chama de “nossa época”.

Leis Em 1970, o Giramundo foi criado por um trio de professores e artistas plásticos. Naquele tempo, lembra Madu, não havia leis de incentivo. O grupo sobrevivia à base da economia doméstica. “O que menos interessava para a gente era o espetáculo. Queríamos a pesquisa, por causa da nossa formação”, explica. Cada nova montagem trazia originalidade e frescor, fruto de descobertas relacionadas à estética, às técnicas de manipulação, à música e, principalmente, às misturas.

Essa continua sendo a característica do Giramundo, atualmente dirigido por Beatriz Apocalypse, Marcos Malafaia e Ulisses Tavares. No entanto, as tecnologias voltadas para a cena se transformaram bastante. Em Aventuras de Alice no país das maravilhas, as técnicas de animação se mesclam a manipulações tradicionais e até a atores no palco.

Nesse quesito, Madu é voz dissonante. “Eles têm outras opções e todo o direito de tê-las. Pode ficar até muito bom! Mas, para mim, boneco é entidade, sozinho. Estou a serviço dele. O contrário não me serve. Isso é dogma”, assegura. Apesar de ser fiel à tradição, ela reconhece a incorporação de novas mídias como sinal dos tempos. Mas, ao estilo dela, sempre com um pé atrás. “Naquela época, só tinha teatro de bonecos. Sou meio resistente a certos gêneros de manipulação, por isso ponho cola na boca quando vou ao ensaio”, brinca.

Sim, as coisas mudaram. Mas a essência permanece. Madu Vivacqua diz que a nova geração consegue lidar com a arte de maneira impensável há 40 anos. “Éramos mais religiosos em relação ao boneco. Eles têm muito mais chances de fazer novidades, porque desrespeitam um pouco mais esse espaço, essa entidade”, reconhece. Mas avisa: “O boneco é o ator perfeito. Nasce para ser aquele personagem, e o homem tem que se adaptar a ele. Por isso há atores ruins e bons. Eles são obrigados a se vestir de uma personalidade, isso é muito duro”.

SAIBA MAIS

 (Giramundo/reprodução
)


Ousadia estética

As aventuras de Alice no país das maravilhas será o 33º espetáculo do grupo Giramundo (entre montagens e remontagens), criado em Lagoa Santa, em 1970. A trupe mineira é considerada um dos grupos de teatro de bonecos mais importantes do país. Os fundadores – Terezinha Veloso (1936-2003), seu marido, Álvaro Apocalypse (1937-2003), e Madu Vivacqua (foto) – eram artistas plásticos e professores universitários. Graças a isso a companhia se diferenciou ao explorar diversos campos da criação artística aplicada ao teatro. Madu se afastou em 1996 e passou a se dedicar à fabricação de bonecos para grupos europeus e latino-americanos.


A trajetória


2007 – Vinte mil léguas submarinas
2006 – Miniteatro ecológico: Caatinga
2005 – Pinocchio
2004 – Amazônia
2003 – Cerrado
2002 – Mata atlântica
2001 – O aprendiz natural
2000 – Os orixás
1999 – Giragerais
1998 – Circo Teatro Maravilha
1997 – O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá
1996 – A redenção pelo sonho
1995 – O diário
1994 – Carnaval dos animais
1993 – Ubu rei
1992 – Antologia mamaluca
1991 – Cortejo brasileiro
1990 – Pedro e o lobo
1988 – Tiradentes
1986 – Le journal
1984 – A flauta mágica
1983 – Diário de um tímido forasteiro
1978 – Giz
1976 – O guarani
1975 – Auto das pastorinhas
1973 – As relações naturais
1971 – Cobra Norato
1970 – El retablo de Maese Pedro; Um baú de fundo fundo; Saci Pererê; Aventuras do reino negro; A bela adormecida

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