sábado, 23 de março de 2013

André Singer

folha de são paulo

Chance
Se cumprida a promessa feita pelo presidente da Câmara dos Deputados, a sociedade brasileira terá, em cerca de 15 dias, a rara oportunidade de melhorar a qualidade da democracia no país. Deve entrar em discussão no plenário a proposta de reforma política elaborada pelo deputado Henrique Fontana (PT-RS). Quase seis anos depois de derrotada a emenda que propunha o financiamento público exclusivo de campanha, a questão voltará à pauta.
De lá para cá, cresceram as evidências de que o assunto é crucial, mas a lembrança do que ocorreu em 2007 deixa claro que a possibilidade de coibir a colonização da política pelo dinheiro dependerá da mobilização em torno do assunto. Os parlamentares foram eleitos, em sua maioria, com extenso acesso a recursos privados. Logo, tenderão a não alterar o sistema. Só a expressão ativa do eleitorado poderá modificar as regras do jogo.
A enxurrada de recursos despejada pelas empresas no processo eleitoral corrompe a igualdade democrática. Digamos que eu tenha doado R$ 250 a um partido ou candidato na eleição municipal de São Paulo de 2012. Que influência tenho sobre o processo político posterior, quando se sabe que só uma grande companhia repassou mais de R$ 2,5 milhões?
Se quantificar, no caso, tivesse algum significado, poder-se-ia dizer que o alvitre do dono do referido empreendimento comercial vale 10 mil vezes mais do que o meu. Em outras palavras, o princípio de "uma cabeça, um voto" torna-se ilusório, fazendo da democracia formal uma plutocracia real.
O financiamento de campanhas (no Brasil, estão entre as mais caras do mundo) contamina todo o sistema partidário-eleitoral. Mantidas as instituições atuais, o duro julgamento da ação penal 470 terá um de dois destinos, ambos ruins. Pode-se repetir "ad infinitum", produzindo permanente desgaste da ideia de democracia, ou ficar como excepcionalidade destinada a punir um lado em benefício do outro.
Das diversas objeções ao financiamento público exclusivo, a que me parece mais forte é a que aponta para a inviabilidade prática de controlar o recebimento de aportes privados, mesmo que a legislação os proíba. Ficaríamos, assim, com o pior dos mundos: dinheiro público somado a dinheiro privado, usando de maneira inútil o erário, pois a derrama ilegal continuaria a desequilibrar os resultados.
Qualquer lei pode ser burlada, nem por isso legalizamos o assassinato. Trata-se de definir limites de gastos baixos, que possam ser fiscalizados pela população a olho nu, e pressionar as instâncias legítimas a punirem os infratores. A experiência mostra que, quando a sociedade se organiza e o Estado quer, as leis, de modo geral, funcionam.
ANDRÉ SINGER escreve aos sábados nesta coluna.
avsinger@usp.br

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