sábado, 23 de março de 2013

Nos EUA, entidade combate o casamento gay com zelo e estratégia‏


Sheryl Gay Stolberg
Em Washington (EUA) 

  • Christopher Gregory/The New York Times
    Brian Brown, presidente da Organização Nacional pelo Casamento (entidade que foi fundamental na proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo na Califórnia), em seu escritório em WashingtonBrian Brown, presidente da Organização Nacional pelo Casamento (entidade que foi fundamental na proibição do casamento entre pessoas do mesmo sexo na Califórnia), em seu escritório em Washington
Enquanto os casais gays lutam pelo direito de casar, uma força pouco conhecida, mas determinada, está trabalhando para impedi-los: Brian S. Brown, 39, pai de oito filhos, que levantou milhões de dólares de conservadores religiosos --especialmente de seus pares católicos romanos-- e se transformou no principal oponente ao casamento de mesmo sexo nos Estados Unidos.

Brown, presidente da Organização Nacional pelo Casamento, uma entidade sem fins lucrativos, que foi fundamental na aprovação da proposta 8 --a proibição do casamento de mesmo sexo na Califórnia--, está agora trabalhando em uma série de Estados (e, mais recentemente, na França) para derrotar os candidatos favoráveis aos gays e proibir o que ele chama de "redefinição do casamento".

Agora, suas posições estão enfrentando o teste americano maior: uma audiência perante a Suprema Corte, que está considerando a derrubada da proposta 8 e talvez a declare inconstitucional.

Quando os ministros ouvirem os argumentos no caso na próxima terça-feira, Brown --inabalado pelas pesquisas que mostram que a maioria dos americanos discorda dele-- estará na escadaria de mármore do tribunal, liderando uma marcha que ele espera que atraia milhares que acreditam, como ele, que as uniões gays prejudicam as crianças e ameaçam a liberdade religiosa.

"A noção de que de alguma forma estamos em um elevador de sentido único para o casamento gay e que, não importa o que alguém faça, isso vai acontecer, é falsa", disse ele em uma entrevista recente. "Esse é o mito da inevitabilidade."

Natural da Califórnia (ele cresceu levando sua prancha de surfe para um trecho imaculado da costa conhecido como Hollister Ranch, perto de Santa Bárbara), Brown tem um rosto jovem e franco, assim como um riso fácil, que não indica seu status de figura divisora nas guerras culturais. Criado como quacre, ele se converteu ao catolicismo romano na idade adulta, com uma paixão pelo casamento tradicional que ele diz ser enraizada em sua fé.

Como ele disse no ano passado em um debate com Dan Savage, um colunista gay, "a noção da singularidade de homens e mulheres não é uma coisa secundária nas Escrituras, é uma parte chave de nossa visão da humanidade: de que há duas metades da humanidade, o masculino e o feminino, e que complementamos uma à outra e que essa complementaridade tem como fruto as crianças".

Frank Schubert, o diretor político nacional da organização do casamento, disse que "ele tem o zelo de um convertido".

Brown também tem um senso aguçado de estratégia e um estilo polido de falar, características que enervam seus oponentes. Quando defensores dos direitos dos gays começaram a chamar o casamento de mesmo sexo de "questão de direitos civis", Brown, determinado a impedir que a analogia racial se infiltrasse na cultura popular, alistou pastores negros à causa. Em aparições públicas na televisão, ele raramente passa a imagem de um renegado, apesar de seu tom poder se tornar estridente quando a plateia é familiar.

"Quando você derruba um pilar central da sociedade como o casamento e então tenta redefinir as posições bíblicas de casamento como preconceitos, haverá consequências", alertou Brown em agosto passado, em uma carta em seu blog para arrecadação de fundos. "Será que uma das consequências seria um esforço sério para normalizar a pedofilia?"

Grupos cristãos conservadores têm apoiado em peso o trabalho de Brown. Os Cavaleiros de Columbus, uma organização fraternal católica, doou cerca de US$ 2 milhões para a abertura da Organização Nacional pelo Casamento. A Igreja Mórmon contribuiu pesadamente com a campanha da proposta 8, e o bispo Salvatore J. Cordileone, atualmente arcebispo de San Francisco, levantou dinheiro para colocar a iniciativa em votação.

Em uma entrevista, o arcebispo disse que Brown "entende que a civilização ascende e cai com base no casamento".

Mas os defensores dos direitos dos gays veem Brown como a personificação do mal, um homem que transmite distorções e manchas com um sorriso.

O Southern Poverty Law Center, que combate a intolerância, diz que a Organização Nacional do Casamento deveria ser rotulada como grupo de ódio, porque "continua disseminando mentiras sobre os gays" e usa seu site para oferecer links a pesquisas desmentidas. A Campanha de Direitos Humanos, um grupo de defesa, dedica parte de seu site, chamada "NOM Exposed" (Organização Nacional pelo Casamento exposta), rastreando Brown e seu grupo.

"Até mesmo o governador Wallace mudou de ideia no final", disse Chad Griffin, o presidente da Campanha de Direitos Humanos, sobre o governador segregacionista do Alabama.

Brown cresceu em Whittier, Califórnia, uma cidade com origem quacre na divisa dos condados de Los Angeles e Orange, filho de um contador e de uma dona de casa que se separaram quando ele tinha 13 anos, o que ele disse que "provavelmente afetou" seu pensamento a respeito do casamento.

Maggie Gallagher, sua antecessora como presidente da organização e autora de um livro sobre os riscos do divórcio, disse que Brown "compartilha muitas características de filhos do divórcio", que, como adultos, "se comprometem firmemente em fazer algo diferente por seus filhos".

Brown jogou futebol, dirigiu o Clube Republicano e foi presidente do grêmio estudantil na Whittier College, onde se concentrou na história do pensamento político conservador e leu teóricos como Edmund Burke e Friederich Hayek.

"Ele era alguém de quem eu esperava grandes coisas", disse Frederic Bergerson, um de seus professores de ciência política.

Em meados de 1996, logo após se formar, Brown chegou à cidade de Mecosta, em Michigan, para pesquisar sobre o pensador conservador Russell Kirk. Em meio a conversas ao lado da lareira em um centro acadêmico situado na antiga casa de Kirk, ele se aprofundou na noção de Kirk de que "coisas permanentes" --família e igreja-- são a fundação de uma sociedade saudável.

Quando um colega de quarto o apresentou aos ensinamentos católicos, Brown mergulhou e posteriormente se converteu.

"Ele estava à procura da história, das raízes e do entendimento de qual é a verdadeira cultura", disse Annette Kirk, a viúva de Russell.

Brown obteve um segundo diploma em Oxford, voltou aos Estados Unidos para se casar com uma mulher que conheceu por meio de seu pastor na infância e, posteriormente, fez doutorado pela Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Mas trocou a academia pelo ativismo quando lhe foi oferecido um emprego no Instituto da Família de Connecticut, onde trabalhou, sem sucesso, para impedir uma lei de 2005 de Connecticut que permitia uniões civis entre casais de mesmo sexo.

Lá, o trabalho de Brown chamou a atenção de Gallagher, que na época estava preocupada com o fato de conservadores sociais como ela estarem sendo superados em número por apoiadores organizados dos direitos dos gays. Ela se lembra de ter conhecido Brown em uma conferência na Filadélfia.

"Ele disse que precisávamos de um Clube do Crescimento para o casamento", disse ela, referindo-se ao grupo de defesa que promove a liberdade econômica. "Ele entendeu a necessidade estratégica."

Com a ajuda de Robert P. George, um acadêmico conservador de Princeton, eles fundaram a Organização Nacional pelo Casamento em 2007, com Gallagher como presidente (ela já deixou o cargo) e Brown como diretor executivo.

Se o casamento de mesmo sexo se tornar a norma cultural, diz Brown, os casais heterossexuais não terão mais a preferência sobre gays e lésbicas nas adoções, as crianças aprenderão na escola que pais de mesmo sexo são normais e aqueles que são contrários serão rotulados como intolerantes. Ele já se preocupa com sua segurança e a de seus funcionários, o motivo para haver uma trava de segurança na porta de seu escritório.

"As crianças são ensinadas no jardim de infância, na primeira série, de que é a mesma coisa crescer e se casar com um menino ou com uma menina", disse ele em uma recente entrevista no canal "C-SPAN". "Isso tem consequências profundas."

Além da grande vitória na Califórnia (Brown se mudou com sua família para lá por um ano para ajudar na aprovação da proposta 8), seu grupo ajudou a remover três ministros da Suprema Corte de Iowa que derrubaram uma proibição contra casamento de mesmo sexo lá e ajudou a liderar no ano passado o esforço bem sucedido para proibir o casamento de mesmo sexo na Carolina do Norte. Mas, desde 2009, gays e lésbicas conquistaram o direito de se casar no Distrito de Colúmbia e em oito Estados.

Apesar de seu retrospecto de sucessos e fracassos, Brown está convencido de que sua grande vitória ocorrerá na Suprema Corte dos Estados Unidos.

"Eu não acredito que a corte lançará outra Roe Contra Wade", disse, referindo-se à decisão de 1973 que legalizou o aborto. Mas independente de qual seja o resultado, continuou, haverá mais batalhas, tanto nos tribunais quanto nos legislativos --e ele pretende travá-las.

"Se perdêssemos, seria difícil?" perguntou, antes de responder sua própria pergunta. "É claro que seria difícil. Mas nós não desistiremos."


Tradutor: George El Khouri Andolfato

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