sábado, 23 de março de 2013

Atentado contra diretor do balé Bolshoi joga luz em rede de intrigas e levanta suspeitas

folha de são paulo

MARINA DARMAROS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM MOSCOU
MATHEUS MAGENTA
DE SÃO PAULO

Disputas por poder, pressões e ameaças por papéis em espetáculos, intrigas entre colegas, suspeitas de corrupção e da existência de uma rede de prostituição.
Facilmente encontrados em clássicos da literatura russa, esses elementos romanescos hoje fazem parte da crise vivida pelo Teatro Bolshoi desde janeiro, quando o diretor da companhia de balé mais famosa do mundo, Sergei Filin, sofreu um atentado.
A prisão, no último dia 5, de três suspeitos do ataque feito com ácido --entre eles, Pavel Dmitrichenko, bailarino do Bolshoi-- não foi suficiente para estancar os desdobramentos do caso.
Na sexta-feira (22), o Tribunal de Contas da Federação Russa anunciou que fará auditoria dos gastos do teatro após denúncias de corrupção envolvendo Filin e diretor-geral do espaço, Anatoli Iksanov. Não está claro se a medida tem relação com o atentado.
A notícia que ocupou as manchetes dos jornais nesta semana, no entanto, foi a declaração polêmica da ex-bailarina Anastassia Volotchkova, que se tornou célebre depois de dizer que foi demitida do balé em 2003 por ter sido considerada "gorda".

A "novela" do Bolshoi

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18.jan.2013/Reuters
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Sergei Filin, diretor do Balé Bolshoi, hoje se recupera num hospital da Alemanha do ataque com ácido que sofreu; a lesão pode impedi-lo de voltar ao trabalho
Aproveitando a onda de denúncias envolvendo a instituição, Volotchkova disse no último domingo à emissora NTV que as turnês do balé são uma fachada para a prostituição das bailarinas.
"Isso não é sério. Ela é uma figura que saiu do balé profissional para o show business há cerca de oito anos atrás. Só a imprensa marrom e as empresas de relações públicas dão atenção a isso", afirmou à Folha Leila Gutchmazova, crítica de dança e teatro na revista russa "Itógui".
Iksanov, o diretor-geral do teatro, se recusou a "comentar as afirmações delirantes e sujas" da ex-bailarina.
ABAIXO-ASSINADO
A polícia russa chegou ao suposto mandante do ataque a Filin há duas semanas. Mas a confissão de Dmitrichenko, solista principal do balé, não convenceu seus colegas.
"Organizei o ataque, mas não nas medidas em que ele ocorreu", diz Dmitrichenko num vídeo divulgado na internet logo após sua prisão.
Segundo a polícia, Dmitrichenko teria encomendado agressões físicas ao diretor artístico pelo valor de 50 mil rublos (cerca de R$ 3.260), mas sem o uso do ácido que feriu seu rosto.
Diante da aparência de Dmitrichenko após a suposta confissão, cerca de 300 funcionários do teatro, entre artistas e equipe administrativa, assinaram uma carta de apoio ao dançarino endereçada ao presidente russo Vladimir Putin.
"Para todos nós que conhecem Dmitrichenko, é absurdo pensar que ele possa ser o mandante de crime tão cruel", escreveram no documento. Eles sugerem que a confissão pode ter sido feita após coação policial.
Editoria de Arte/Folhapress
A preocupação dos funcionários do Bolshoi vai além da descoberta dos culpados. "O que está em jogo não é apenas o destino de artistas famosos, mas a reputação de um dos melhores teatros do mundo e da cultura russa de maneira geral", diz a carta.
"No teatro, a atmosfera é essa: as pessoas não acreditam que foi o Pavel", disse à FolhaAnastasia Meskova, primeira-solista do Bolshoi.
Em resposta à carta, a polícia russa emitiu um comunicado em que diz que "quem trabalha na polícia também são profissionais em seu ramo, e os investigadores fazem seu trabalho honestamente".
SUSPEITAS
Uma das linhas de investigação da polícia aponta como suposto pivô do atentado a bailarina Angelina Vorontsova, namorada de Dmitrichenko, que não conseguia papéis principais no Bolshoi.
Em sua primeira entrevista desde fevereiro, quando iniciou tratamento na Alemanha, Filin sugeriu o envolvimento de outras pessoas no crime que marcou seu rosto.
"Nunca vi duas das pessoas [que me atacaram]: o executor e o cúmplice. Eu tinha um círculo muito estreito de pessoas que me dedicavam hostilidade e me provocavam. Mas eu não entrava em conflitos. O possível mandante desse crime monstruoso [Dmitrichenko] está no círculo de pessoas que eu considero suspeitas", disse Filin.
Jornais russos sugerem outra hipótese para o crime: o bailarino premiê Nikolai Tsiskaridze pode ser o mentor. Furioso oponente do diretor do Bolshoi, Tsiskaridze disse à agência Ria-Novosti que a administração do teatro conduz uma "perseguição sistemática" contra ele.
"A lei no Bolshoi é matar ou morrer", afirmou Tsiskaridze a uma emissora russa.
No domingo passado, Iksanov disse ao principal canal da TV russa, o estatal Rossia-1, que os recentes escândalos são parte de uma campanha para difamar o teatro, e que Dmitrichenko foi "uma marionete em mãos alheias", mas não acusou ninguém.
Além disso, anunciou que o dançarino será readmitido, caso seja inocentado.

SAIBA MAIS
Bolshoi já foi privado e virou ícone da Rússia
DE SÃO PAULOFundado em 1776, quando Catarina 2ª, a Grande (1729-96), comandava o então Império Russo, o Teatro Bolshoi tem uma das principais companhias de balé do mundo.
Originalmente privada, a instituição passou às mãos do Estado em 1806. Em meio a difusão, produção e preservação das tradições clássicas de dança e música, o Bolshoi se tornou gradativamente um instrumento político e um microcosmo da Rússia.
O regime comunista, implantado em 1917, fez do Bolshoi objeto de propaganda durante a Guerra Fria -ainda que líderes da Revolução Russa tenham inicialmente desprezado a instituição, dada a ligação com regimes czaristas.
Hoje o Bolshoi tem mais de mil funcionários e espelha o momento do país após o fim da União Soviética, com magnatas do petróleo entre os conselheiros.

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