sábado, 15 de dezembro de 2012

O homem que calculava


Com poucos títulos e apostas altas, Jorge Oakim fez da jovem editora Intrínseca uma das maiores do país
Nathalie Melot/Folhapress
O empresário carioca na entrada da editora, em prédio na Gávea
O empresário carioca na entrada da editora, em prédio na Gávea
RAQUEL COZERFOLHA DE SÃO PAULOENVIADA ESPECIAL AO RIONa entrada da Intrínseca, no terceiro andar de um pequeno edifício da Gávea, no Rio, um painel agrega 24 capas tamanho família de títulos lançados desde a estreia da editora, nove anos atrás.
Boa parcela, como "Amanhecer", de Stephenie Meyer, e "Um Dia", de David Nicholls, teve longa estadia nas listas de mais vendidos.
Outros foram muito bem recebidos pela crítica, caso dos premiados "Precisamos Falar sobre o Kevin", de Lionel Shriver, e "A Visita Cruel do Tempo", de Jennifer Egan.
"Está meio desatualizado", observa o carioca Jorge Oakim, 43, dono da editora.
Não há ali nenhuma capa da série "Cinquenta Tons", lançada em julho e que fechará o ano com anunciados 2,5 milhões de cópias vendidas -o que deve deixá-la à frente de editoras como Sextante, Record e Companhia das Letras em faturamento em 2012.
Não que Oakim ache que a trilogia erótica de E.L. James destoe de alguma maneira do catálogo que considera, "sem querer ser pretensioso, um dos mais legais do país".
O editor fica genuinamente ofendido com o desdém da crítica em relação à autora.
"Tem muito best-seller que eu não publicaria, mas 'Cinquenta Tons' tem algo novo. Muita gente diz que 'Trópico de Câncer' [de Henry Miller] é uma literatura erótica melhor, mas não consegue passar da décima página."
Esse conjunto incomum de obras comerciais e literárias sob uma mesma marca -e num enxuto catálogo de 213 títulos em nove anos- fez não só a Intrínseca virar uma das maiores editoras do país como chamou a atenção do mercado para Jorge Oakim.
"Ele é o maior craque que apareceu em muitos, muitos anos", diz Luiz Schwarcz, editor da Companhia das Letras.
A agente literária Luciana Villas-Boas resume o que "muitos, muitos anos" quer dizer: "Desde que Luiz fundou a Companhia, em 1986, não aparecia um editor com tanta visão". "A verdade é que todo editor hoje queria ser ele", ironiza Ivan Pinheiro de Machado, da L&PM.
É verdade também que esse economista, que até pouco tempo atrás era peixe fora d'água no mercado editorial (Oakim gosta de contar como era infeliz, até 2002, atuando no mercado financeiro), vem causando incômodo.
Com a filosofia de apostar em "poucos e bons" títulos, Oakim faz lances agressivos quando vê potencial de venda -conta com dois bons "scouts" (olheiros) internacionais para ajudá-lo nisso.
Por "Cinquenta Tons", ofereceu US$ 780 mil, enquanto um hit como "O Caçador de Pipas" era comprado pela Nova Fronteira por meros US$ 12 mil sete anos atrás.
"O fato de os leilões estarem mais caros é consequências do aumento das vendas de livros e da leitura no país. Isso é positivo para todos", argumenta.

    'Recuso-me a ir atrás do que funciona para outras'
    Editor da Intrínseca, Jorge Oakim diz que lidera 'empresa de entretenimento'
    Para agente, assumir riscos é diferencial do editor; apostas incluem thriller de J.J. Abrams, criador da série 'Lost'
    DA ENVIADA AO RIO
    Poucos meses após a chegada de "Cinquenta Tons", não havia papel e gráfica que dessem conta da demanda.
    O primeiro problema a Intrínseca resolveu comprando toda a produção média da Suzano do papel usado para o livro: 600 toneladas por mês.
    Quando a editora foi encomendar a uma nova gráfica uma tiragem extra de 400 mil cópias, a empresa pediu por livro um real a mais do que a tabela. Se o título faltasse no mercado, sairia do topo das listas. Jorge Oakim bancou os R$ 400 mil de diferença.
    "Ele sabe que publicar hoje não pode implicar as contas de padeiro do negócio editorial no século passado", diz a agente Luciana Villas-Boas.
    É mais simples para quem coleciona mega-sellers.
    Nove anos atrás, a situação era outra. Descendente de libaneses, formado em economia, Oakim abriu a editora numa salinha em Ipanema, ele e mais um funcionário.
    Sua aposta era um título que tinha comprado por US$ 1.000 na Feira de Frankfurt, à qual chegou sem saber que deveria ter marcado reuniões com meses de antecedência.
    O livro era "Hell", relato de Lolita Pille sobre as patricinhas de Paris. Saiu em dezembro de 2003, vendeu 20 mil e deu a marca pop da editora -Oakim a define como "empresa de entretenimento".
    A casa tinha três anos quando veio o mega-seller "A Menina que Roubava Livros", de Marcus Zusak. A Intrínseca, com quatro funcionários (hoje são 36), concorria com a Companhia das Letras.
    Uma carta de Oakim ao autor levou ao desempate -Zusak se dobrou ao entusiasmo característico do editor.
    "É O QUE HÁ"
    Ao citar livros previstos para 2013, como "Gone Girl", de Gillian Flynn, e um thriller de J.J. Abrams, criador da série "Lost", Oakim esbanja expressões como "espetacular", "demais" e "é o que há".
    O estilo o tem ajudado a convencer livreiros de que tem preciosidades em mãos. Foi assim com o livro de Zusak, que estourou aqui -onde vendeu 2 milhões de cópias- em 2007, antes de virar best-seller em qualquer outro país.
    Naquela época, a Sextante comprou 50% da Intrínseca. A editora já operava no azul, mas Oakim concluiu que, deixando a parte operacional com uma sócia, teria tempo para cuidar do editorial.
    Em 2008, a Sextante já colhia novos louros -saía pela Intrínseca o primeiro volume da série "Crepúsculo", 5,7 milhões de livros vendidos e a culpada pela onda de vampiros que assolou as livrarias.
    "Eu me recuso a ir atrás do que já funciona para outras editoras", alfineta Oakim.
    Nem todo risco rende o esperado. O plano de publicar não ficção nacional se concretizou no começo deste ano, com "Filho Teu Não Foge à Luta", de Fellipe Awi, sobre MMA (artes marciais mistas). A tiragem foi de 30 mil, alta para um estreante nacional. Por ora, vendeu 10 mil.
    Há pouco, Jorge Oakim levou Miriam Leitão para seu time. Ofereceu por "A História do Futuro", próximo livro da jornalista, mais que o dobro do que oferecia a Record, editora dos anteriores.
    "Hoje todos querem publicar pela Intrínseca, reconhecida pela qualidade e pelas vendas", diz a agente Lucia Riff, que fechou com a casa o novo romance de Letícia Wierzchowski, de "A Casa das Sete Mulheres" (Record).
    Em entrevista recente ao "Valor", Sergio Machado, dono da Record, lamentou a "briga de faca" que vem obrigando editores a "concorrerem por seus próprios escritores". ÀFolha disse apenas achar Oakim "audaz".

    Lance de R$ 1,6 mi por "50 Tons" eliminou rivais
    DA ENVIADA AO RIO"Há algo acontecendo com esse livro", alertou Koukla MacLehose, a scout (olheira) inglesa contratada por Jorge Oakim para garimpar títulos internacionais.
    Era final de fevereiro, e uma trilogia erótica inspirada em "Crepúsculo" liderava as listas inglesas de e-books mais vendidos -"Cinquenta Tons" saíra por uma pequena editora australiana, que não dera conta de reabastecer as lojas físicas.
    Oakim leu as 1.300 páginas em quatro dias. Soube estar "diante de algo grande".
    Dias antes, a Record oferecera US$ 30 mil pela série. O negócio estava quase fechado quando a Companhia das Letras fez uma oferta, e o livro entrou em leilão.
    O mundo todo competia pelo título naquela semana. A Random House adquiriu-o por "valor de sete dígitos", disse a imprensa inglesa.
    Por aqui, já perto do fim da disputa, a Companhia ofereceu US$ 150 mil -US$ 25 mil a mais que a Geração Editorial. Juntas, as propostas não davam metade da feita pela Intrínseca, de US$ 780 mil (R$ 1,6 milhão).
    Havia motivo para aposta tão alta. A Record, por ter feito a primeira oferta, tinha o direito de "floor", situação rara e confortável em que a editora não entra no leilão, mas leva o livro se igualar a proposta mais alta.
    Diante do R$ 1,6 milhão, recuou."Foi uma oferta para desencorajar a concorrência", diz Sergio Machado, dono da Record.
    As vendas de "Cinquenta Tons" já somam R$ 80 milhões no Brasil. Descontados intermediários, royalties, impressão e outros gastos, a Intrínseca lucrou, na estimativa do consultor de mercado editorial Carlo Carrenho, cerca de R$ 10 milhões em quatro meses.

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