quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Mancadas - Eduardo Almeida Reis

 O arquiteto que projetou bom apart-hotel no Centro de BH conseguiu inventar um milagre: o carro sobe para a garagem, mas não desce


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 08/10/2014



Engenharia e arquitetura andam juntas nas muitas besteiras que temos visto por aí. Isto não impede o Brasil de ter engenharia e arquitetura do mais alto nível, que contrasta com as mancadas inacreditáveis projetadas e construídas por brasileiros diplomados. Aluguei bom apartamento em prédio novo, que tinha o ralo da cozinha mais alto que o nível do piso. Deu para entender? Você lavava a cozinha e a água ficava empoçada porque o ralo era mais alto. Um ano depois troquei de apartamento no mesmo prédio e o ralo também ficava alguns centímetros acima do nível do piso da cozinha.
Na mesma rua foi inaugurado outro prédio de bons apartamentos com dois andares de garagens, vagas soltas, duas por apartamento. Beleza, né? Seria... se a rampa de acesso ao primeiro piso, projetada por arquiteto diplomado, não fosse inviável para automóveis. Contrataram piloto de rali para mostrar que a rampa era ótima, o rapaz conseguiu levar um carro da rua ao primeiro piso, mas gastou na proeza dois pneus novos.
Em BH, capital de todos os mineiros, vi coisas do arco da velha. Aluguei apê de três quartos em que o banheiro da suíte contava com privada, bidê e boxe. Beleza, né? Acontece que para chegar ao boxe você precisava saltar sobre o vaso e sobre o bidê: o banho se transformava numa corrida de obstáculos, de tão estreito que era e continua sendo o comprido banheiro da suíte.
Vaga de garagem é outro drama. Existe, é numerada, mas tem um problema: não cabe um carro normal. Não invento: devem ter sido projetadas para motocicletas e lá estão até hoje. O arquiteto que projetou bom apart-hotel no Centro de BH conseguiu inventar um milagre: o carro sobe para a garagem, mas não desce. Tem uma curva que só funciona para subir. No duro: subi com meu glorioso Opala Comodoro e na manhã seguinte só consegui descer porque contei com o adjutório de oito voluntários entre funcionários do apart e belo-horizontinos que passavam pela calçada: arrastaram na munheca a traseira do Opala na tal curva. Fenômeno, de resto, que acontecia e continua acontecendo com os veículos de outros fabricantes.
Degraus, por exemplo, foram exaustivamente estudados: qualquer coisa que fuja da altura e do comprimento padrão inutiliza uma escada. O padrão está no Neufert, Arte de Projetar em Arquitetura, livro que tenho nas estantes e você pode encontrar o texto de graça na internet. Basta copiar as medidas, mas os gênios brasileiros inventam degraus que inviabilizam as escadas.
Se o ralo fica mais alto que o piso, a rampa da garagem exige piloto profissional ao custo de dois pneus novos, o banheiro obriga o morador a pular por cima da privada e do bidê, e os degraus de uma simples escada contrariam o bom senso e as medidas consagradas, não é de espantar que pontes e viadutos vivam despencando. O país é grande e bobo.

Scrambled eggs
O Google tem 1.130.000 entradas para scrambled eggs, prova de que os ovos mexidos interessam a muita gente, a começar aqui pelo degas. Que me lembre, tive três cozinheiras excepcionais, do time das melhores entre as melhores, nenhuma que chegasse a exceler no prato feito a partir dos ovos de galinhas. No capítulo dos scrambled eggs, uma de minhas filhas anda próxima da perfeição, mas não mora comigo, motivo pelo qual fico sem o prato pelo café matinal.
Tento fazer, sempre sem sucesso. Ovos, manteiga, sal, mas falta alguma coisa. Deve ser um pouco de leite de vaca, que não compro porque não tomo leite desde quando no Rio, com oito ou nove anos, jogando futebol, fui forçado a interromper a partida para tomar leite e não “se dei bem com ele”, como diria o doutor honoris causa.
Se a leitora do grande jornal dos mineiros souber de algo que substitua o leite no preparo de scrambled eggs da melhor supimpitude, me conte, por favor, que dois ovinhos mexidos são ótimos para iniciar ou encerrar uma jornada de trabalho. Pela atenção, muitíssimo obrigado.

O mundo é uma bola
Por causa da adoção do Calendário Gregoriano, o dia 8 de outubro de 1582 não existiu na Espanha, na França, na Itália, na Polônia e em Portugal. Não existiu, mas hoje existe e é boa época para visitar a Europa antes de começar o maldito inverno.
Em 1871, grande incêndio de Chicago, EUA: 300 mortos e 90 mil desabrigados. Em 1967, captura de Che Guevara na Bolívia: boa coisa não estava fazendo por lá. Em 1986, vazamento de água radioativa da Usina Angra I, em Angra dos Reis (RJ).
Em 1799, nascimento de Evaristo da Veiga, poeta, jornalista, político e livreiro, autor do Hino à Independência. Diz a Wikipédia que Evaristo “foi membro da ABL”: não sei como, pois morreu em 1837 e a Academia fui fundada em 1897. Hoje é o Dia do Asfaltador e o Dia do Nordestino.

Ruminanças
“Já reparaste que a casa de Machado de Assis não tem quintal?” (Coelho Neto, 1864-1934).

POESIA » Homenagem a Yeda Bernis

Carlos Herculano Lopes
Estado de Minas: 08/10/2014 




Amanhã, a escritora Yeda Prates Bernis vai ganhar sarau em BH (Jair Amaral/EM/D.A Press)
Amanhã, a escritora Yeda Prates Bernis vai ganhar sarau em BH


Uma das vozes mais aclamadas da poesia mineira, amiga de Carlos Drummond de Andrade, confidente de Henriqueta Lisboa e “irmã mais velha” de Bartolomeu Campos de Queirós, Yeda Prates Bernis, de 88 anos, será a homenageada do projeto Café com poesia, amanhã à noite, no Museu das Minas e do Metal. O curador Wilmar Silva e a professora Bianka de Andrade Silva vão ler textos escritos por ela.

Yeda participará do sarau, mas não declamará seus poemas. “Vou ficar quietinha no meu canto, mas sem esconder a alegria pela homenagem, que muito me emocionou. Não vou falar nenhum texto meu porque minha palavra é a escrita, com a qual venho labutando estes anos todos”, diz. O primeiro livro dela, Entre a rosa e o azul, foi lançado em 1967 pela Editora O Cruzeiro, com ilustrações da artista plástica Sara Ávila.

Graduada em letras neolatinas, a escritora se formou em canto e piano pelo Conservatório Mineiro de Música. Poemas dela ganharam melodias de Camargo Guarnieri. Com textos traduzidos para várias línguas, a belo-horizontina recebeu prêmios de prestígio, como o Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras, concedido a O rosto do silêncio (Editora Cuatiara, 1992), e o Conjunto de Obras, da União Brasileira de Escritores, recebido em 1990. Entre seus livros mais aclamados estão Grão de arroz (Editora Itatiaia, 1986) e Entressombras, que saiu no ano passado.

CAFÉ COM POESIA
Homenagem a Yeda Prates Bernis. Amanhã, às 19h30. Museu das Minas e
do Metal, Praça da Liberdade, Funcionários. Entrada franca. Informações:
(31) 3516-7200 e www.mmgerdau.org.br . 

LITERATURA » Militante da palavra

O escritor e compositor carioca Antonio Cicero vem a BH fazer palestra sobre a importância da poesia. Para ele, o homem contemporâneo tem muito a aprender com a leitura de versos


Ailton Magioli
Estado de Minas: 08/10/2014




Antonio Cicero afirma que as escolas devem, desde cedo, ensinar às crianças a ler poesia
 (Eduardo Trópia/divulgação)
Antonio Cicero afirma que as escolas devem, desde cedo, ensinar às crianças a ler poesia


Uma letra de música pode perfeitamente dar um bom ou um grande poema. E nada impede que um bom poema escrito dê uma boa letra de música. A constatação é do poeta carioca Antonio Cicero, que vai abordar o tema “A dimensão da poesia”, hoje à noite, na Academia Mineira de Letras (AML).

Apesar de muitos afirmarem que a poesia ficou para trás neste mundo veloz e dominado pela tecnologia, Cicero pensa o oposto. “Não se pode ler um poema no ritmo em que se lê uma mensagem no celular”, adverte, salientando que se o leitor não entrar no ritmo do poema e não pensar através da sonoridade e do imaginário daqueles versos, não vai conseguir apreciá-los. “Isso demora algum tempo”, acrescenta. Ao nos abrir uma temporalidade distinta daquela cotidiana e convencional, o poema enriquece a vida de quem o lê, acrescenta Cicero. “Daí a importância de ler poesia hoje. Seria importante que ela fosse lida nas escolas desde o primário”, afirma.

Irmão de Marina Lima, ele é autor de parcerias de sucesso com a cantora e compositora, entre as quais se destacam Fullgás, Pra começar e À francesa. Cicero faz questão de lembrar: a primeira poesia conhecida no Ocidente são os poemas de Homero, que eram recitativos. “Nesse sentido, eles eram parentes do rap, que é uma espécie de recitativo”, compara. “Já os poemas líricos, como seu próprio nome indica, eram musicados. Ou seja, o que chamamos de letra de canção. Como os gregos não desenvolveram uma notação musical adequada, perdemos a música, mas conservamos as letras dessas canções. Essas letras são os poemas gregos antigos de Safo, Píndaro, Anacreonte, Teócrito e Calimaço, que conhecemos e admiramos”.

De acordo com o escritor, um poema não precisa dar uma boa letra para ser bom. E vice-versa. Com efeito, a letra é criada para fazer parte de uma canção, explica. “Se ela servir para produzir uma bela canção, então é boa, independentemente de dar um bom poema escrito. E, naturalmente, o poema é feito para ser lido, de modo que não precisa dar uma boa letra”, diz.
Ensaios Atualmente, o carioca prepara um novo livro de poemas. Em 2015, ele pretende também publicar uma coletânea dos ensaios que escreveu nos últimos cinco anos. “Recentemente, fiz, em parceria com o compositor Arthur Nogueira, uma canção que acaba de ser gravada por Gal Costa”, revela.

Aliás, Antonio Cicero não acredita no propalado fim do formato canção. “Não penso que as formas artísticas existentes terminem. O que elas têm são momentos de maior ou de menor voga”, diz.

Apesar de ter se candidatado no ano passado à cadeira 10 da Academia Brasileira de Letras – e perdido –, Cicero explica que é natural o escritor desejar ser reconhecido por seus pares. “Conheço, admiro e me relaciono bem com vários membros da ABL. Por isso, quando alguns deles me estimularam a candidatar à cadeira que foi ocupada por meu amigo, o poeta Lêdo Ivo, resolvi fazê-lo”, conclui.


O AUTOR NA ACADEMIA
Com o poeta e compositor Antonio Cicero. Hoje, às 19h. Academia Mineira de Letras, Rua da Bahia, 1.466, Centro. Informações: (31) 3222-5764.
Entrada franca. 

Bossa do Norte - Os oitenta anos de João Donato

Os oitenta anos de João Donato são comemorados com série de shows em Belo Horizonte. Hoje, o compositor se apresenta com Toninho Horta, no Centro Cultural Banco do Brasil


Ana Clara Brant
Estado de Minas: 08/10/2014




Autor de clássicos da MPB como Lugar comum e Nasci para bailar, João Donato é admirado pelos colegas pela sofisticação e balanço de suas composições (Cristina Granato/Divulgação
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Autor de clássicos da MPB como Lugar comum e Nasci para bailar, João Donato é admirado pelos colegas pela sofisticação e balanço de suas composições


Até quem sabe é a escolhida de Toninho Horta. Emoriô cativou Aline Calixto. Já Lugar comum tem um lugar especial na vida de Thiago Delegado, enquanto que Mosquito é a preferida de Tiago Eiras, da banda Dibigode. Essas composições fazem parte do repertório de um dos grandes nomes da música brasileira, o acreano João Donato, que completou 80 anos em agosto. E para marcar a data, o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em Belo Horizonte, inicia hoje o projeto João Donato 80+, série de seis shows que vai contar com a presença do homenageado e mais seis convidados, boa parte deles mineiros, incluindo Toninho, Aline, Delegado e Dibigode.

Em todas as apresentações, sempre às quartas-feiras, até 26 de novembro, além das participações especiais, Donato estará acompanhado de sua banda, formada por Robertinho Silva (bateria), Luiz Alves (contrabaixo), Ricardo Pontes (sax/flauta) e José Arimatéa (trompete).

O cantor e compositor Toninho Horta é quem abre hoje a programação e está orgulhoso em participar da iniciativa. “João é um ídolo. Uma pessoa que já tinha um nome na época da bossa nova, com uma estrada enorme. Virou uma referência no nosso meio. Mesmo com simplicidade, sua música tem uma sofisticação, uma harmonia e um suingue únicos. João é um mestre e um artista completo”, elogia o integrante do Clube da Esquina.

Na semana que vem, a convidada é a cantora Aline Calixto. A sambista nunca dividiu o palco com João Donato e ficou emocionada de ser lembrada para o tributo. Aline conta que sempre foi uma admiradora do trabalho do músico e que o considera um dos grandes representantes da MPB. “João é um superartista, não só como compositor, mas como intérprete da própria obra, além de ser um instrumentista fabuloso. Dividir o palco com ele e ainda numa comemoração dos 80 anos é uma honra. Na semana passada, ensaiamos juntos lá no Rio e foi muito gostoso e divertido. Ele é uma figura extremamente espirituosa e tenho certeza de que o público vai adorar nossa apresentação”, garante a cantora.

Quem também vai estrear ao lado do artista octogenário é a banda Dibigode, que nunca teve um contato tão íntimo com a obra donatiana. Para Tiago Eiras, baterista do grupo de música instrumental autoral, formado em BH, João Donato é um artista muito vivo, dinâmico e sempre está explorando novidades. “Acho que o convite surgiu porque estavam em busca de alguém com uma pegada instrumental contemporânea. Estamos ensaiando um repertório dele que tem a ver com o nosso universo, como o do disco A bad Donato. E o bacana é que no nosso show vamos ter a participação do filho dele, o Donatinho”, destaca.

Já o compositor, arranjador e violonista Thiago Delegado tem uma ligação ímpar com o compositor de A paz, A rã, Bananeira, Até quem sabe e Nasci para bailar, entre outros sucessos. Ele não se esquece da primeira vez que ouviu Amazonas, numa roda de samba no Rio de Janeiro, há cerca de 10 anos. Delegado ainda estava no começo da carreira e, desde então, a canção passou a fazer parte do seu repertório, ao lado de outros temas de Donato. “Quando ouvi aquilo, falei: ‘Nossa, isso também é do João Donato!’. Que maravilha de música. Ele é uma referência para todos que trabalham com MPB. Não tem como classificá-lo. João Donato é João Donato, assim como o Dorival Caymmi é Dorival Caymmi. Estou muito honrado de participar desta iniciativa e vê-lo com essa vitalidade”, frisa.

A admiração pelo músico acreano só foi crescendo e quando Thiago lançou seu segundo disco, em 2012, acabou convidado Donato para vir a BH. O músico veio e participou do show, com direito a canja. “A gente tinha uma verba do patrocinador e aí resolvemos arriscar e chamá-lo. Era um sonho tocar com ele, porque João Donato é um ídolo. Ele topou e foi supergeneroso. Ele aprendeu a tocar uma música minha na hora, para poder me acompanhar e foi uma noite muito especial”, recorda Delegado.

João Donato 80 João Donato, banda e Toninho Horta
Hoje, às 20h, Centro Cultural Banco do Brasil (Praça da Liberdade, 450). Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia-entrada), à venda na bilheteria do CCBB-BH e no site veloxtickets.com.br. A venda será para cada show e terá início sempre na quarta-feira da semana anterior à apresentação.
Informações: (31) 3431-9400

Puro suingue

Nascido em agosto de 1934, em Rio Branco, no Acre, João Donato começou a tocar piano e acordeom na infância. Em 1945, mudou-se para o Rio de Janeiro com a família e passou a tocar em festas e jam sessions. Na década de 1950, já atuava como músico profissional na noite carioca. Logo conheceu Tom Jobim, João Gilberto e Johnny Alf, entre outros, passando a se interessar pelo jazz e pela bossa nova. Morou nos Estados Unidos, onde tocou e gravou com Ron Carter, Bud Shank, Herbie Mann e Wes Montgomery. Suas músicas são conhecidas pelo forte caráter instrumental e ganharam letras do irmão Lysias Ênio e de Gilberto Gil, Caetano Veloso, Martinho da Vila e Marcelo D2. Alguns dos grandes intérpretes de suas músicas são Nana Caymmi, Gal Costa, Adriana Calcanhotto, Tim Maia, Nara Leão, Luiz Eça e Bebel Gilberto.

A canção favorita de…
Toninho Horta – Até quem sabe (João Donoto e Lysias Ênio)

“Gosto dela porque é uma canção que não é tão balançada, suingada, e tem uma melodia muito bonita e calma. É uma música interessante.”

Aline Calixto – Emoriô (João Donato e Gilberto Gil)
“É uma música que me toca muito, porque fala de amor, de brasilidade com africanidade. João mistura as duas culturas, a África e o Brasil, e isso é muito a essência do nosso povo, bem a cara da gente. E Emoriô tem uma melodia linda, além de me consumir 100%
como intérprete.”

Tiago Eiras, baterista da banda Dibigode – Mosquito (João Donato)
“É uma música bem intensa, forte, rápida, com bastante improviso e suingue. Logo que começa a tocar você já reconhece que é João Donato pela brasilidade e latinidade.”

Thiago Delegado – Lugar comum (João Donato e Gilberto Gil)
“É uma canção leve, bem suingada, com uma harmonia boa para tocar. Com a letra do Gil a música ficou ainda mais completa. Lugar comum tem uma onda bem caribenha e é uma das minhas preferidas. Quase sempre está no meu repertório.”