NELSON DE SÁ
DE SÃO PAULO
Alec Ross, 41, deixou o cargo de assessor para inovação do Departamento de Estado americano, onde ficou quatro anos, no dia 11 de março. Antes, havia sido peça-chave na campanha que elegeu Barack Obama em 2008.
Passados três meses, não esconde a crítica aos ataques que o governo Obama faz à privacidade. "Precisamos ser autocríticos", diz, questionado sobre o mais recente. "É importante que nós não deixemos a tecnologia tomar a frente dos nossos valores."
*
Folha - Seu amigo Jared Cohen, que foi também seu colega no governo Obama e hoje está no Google, acaba de publicar "The New Digital Age", com Eric Schmidt, presidente-executivo do Google. O livro foi criticado no "New York Times" do último domingo por...
Alec Ross - Por Julian Assange. Eu não considero isso crítica. Crítica vindo de Julian Assange é grande elogio. Julian Assange é um idiota.
Folha - Mas há um questionamento também por críticos como Evgeny Morozov.
Ross - Até aqui, não me comove. (risos) Com esses críticos, não me comove. Há 7,2 bilhões de pessoas no planeta Terra. Se os dois críticos mais proeminentes do livro são Assange e Morozov, então o livro está se saindo muito bem.
Folha - A crítica central de ambos e de outros é quanto à privacidade.
Ross - Eles discordam da visão sobre privacidade, eles têm uma outra visão. Eric Schmidt já afirmou que nós precisaríamos de uma borracha para a internet para sermos capazes de proteger a privacidade das pessoas. Parte do que Schmidt e Cohen fazem no livro é explicar às pessoas que haverá uma perda significativa de privacidade no futuro.
Folha - Não que eles a defendam, é isso?.
Ross - Sim. Eles são, na verdade, muito realistas sobre isso.
Folha - De qualquer maneira, tem havido muitas críticas ao desrespeito à privacidade, em ações do governo dos EUA. Houve até uma hoje, sobre a Verizon...
Ross - Sim, eu sei.
Folha - Você identifica um problema aí?
Ross - Sim. Eu penso duas coisas. Primeiro, há 196 países no mundo. Os EUA estão entre os cinco mais livres. Nós desfrutamos um nível maior de liberdade do que 190 países no resto do mundo. Mas eu penso também que nós precisamos ser muito autocríticos. A coisa com que precisamos nos preocupar é que, conforme a tecnologia se torna mais sofisticada, isso na verdade torna mais fácil examinar os dados de todas as pessoas. São ferramentas muito fortes para o empoderamento do indivíduo, mas elas também podem ser usadas para oprimir as pessoas.
O que eu acho importante é que nós não deixemos a tecnologia tomar a frente dos nossos valores. Nós temos que reconciliar nossos valores com a tecnologia. E neste exato momento tem havido uma reconciliação muito difícil entre valores e tecnologia. A tecnologia não quer outra coisa a não ser se tornar mais sofisticada, mas ela pode crescer de uma maneira que trabalhe contra valores de longa data. Isso está provando ser um problema para governos ao redor do mundo hoje.
Folha - Um problema que vai crescer.
Ross - Que só vai crescer. No meu caso, tenho três filhos, de seis, oito e dez anos. Eles vão crescer num mundo com muito menos privacidade do que eu tive. Quer dizer, eu fico muito contente de não existir Facebook quando estive na universidade, eu me diverti muito na faculdade. (risos) Mas os garotos hoje vão crescer com suas vidas sendo gravadas de maneira muito mais transparente, e eu acredito que isso é muito preocupante. Preocupante para mim como líder de políticas públicas e como pai.
Folha - A "Economist", num especial sobre a internet na China, destacou que a previsão de que ela traria democracia não se confirmou. A mídia social chinesa é usada para o controle da insatisfação popular. Censores identificam a insatisfação, que é apagada com a destinação de recursos. A internet reforça o Estado autoritário?
Ross - Eu acredito que a internet reduziu significativamente o autoritarismo na China. Existe hoje meio bilhão de usuários de internet na China, mais de metade com menos de 25 anos. Eles estão se expressando em questões culturais, sociais e políticas de uma maneira que seus pais nunca puderam. Basta olhar o que aconteceu com Bo Xilai, olhar o combate à corrupção local. O governo central tem sido sofisticado na maneira como usa a internet, mas você pode reduzir isso a uma pergunta muito simples: A internet tornou a China mais ou menos livre? Muito mais livre. Mais livre econômica, social, cultural e politicamente.
É um erro que muitos comentaristas ocidentais fazem. Eles não entendem a China e, portanto, pensam que o que virá dessa conectividade é uma forma ocidental de democracia. Mas quem quer que estude os milhares de anos de história chinesa sabe que o futuro da China é determinado pelos próprios chineses e não de fora. Acredito que a internet vai criar mais abertura na China, mas seria um erro imaginar que a abertura será o modelo ocidental de democracia. Ou seja, penso que muitos dos comentários sobre a China vêm de gente que não estudou sua cultura e sua história.
Folha - Você conhece o jornalista Moisés Naím?
Ross - Sim, é um amigo.
Folha - Ele escreveu um livro...
Ross - "The End of Power."
Folha - Isso. Ele diz que a mídia social não foi tão importante na Primavera Árabe e em outros movimentos recentes como a maioria das pessoas costuma pensar. Você concorda com ele?
Ross - Tenho escrito bastante sobre isso. Foram cinco os principais condutores da revolução: falta de oportunidades econômicas, falta de participação democrática, raiva contra a corrupção, raiva contra as famílias no poder e o alto preço dos alimentos. Esses foram os condutores das revoluções árabes, não a mídia social.
Mas a mídia social fez três coisas. Primeiro, acelerou os movimentos. Segundo, enriqueceu o ambiente de informação, tornando mais difícil para os regimes sufocar o que acontecia e mais fácil para as pessoas trocar informação. Terceiro, facilitou redes sem líderes. Não existiu um líder cujo rosto você pudesse colocar numa camiseta. Não houve figuras carismáticas revolucionárias individuais, inspirando e organizando as massas lá de cima. Em lugar disso, a estrutura das revoluções lembrou a própria internet, mais rede do que pirâmide. Portanto, a internet não foi uma das razões pelas quais as pessoas fizeram a revolução, mas suas ferramentas foram instrumentos da revolução.
Folha - Você vê o mesmo quadro na Turquia, agora?
Ross - Na Turquia, [o primeiro-ministro] Erdogan está cometendo os mesmos erros que líderes no Oriente Médio cometeram. Ele precisa entender que, se tentar conter o fluxo livre de informação, se tentar controlar a informação, vai ser alvo da raiva de muitas pessoas do seu povo. Erdogan está cometendo um grande erro.
Folha - Ele é primeiro-ministro eleito, mas não tem abertura...
Ross - Se você olhar a conta de Twitter de Erdogan, ele tem mais de dois milhões de seguidores, mas ele segue zero. Parte dessa tensão é geracional. Líderes mais velhos não compreendem, eles não entendem que os mais jovens acreditam ter o direito de usar essas ferramentas como eles quiseram. Que acreditam ter o direito de poder postar o que quiserem, discutir o que quiserem. Se algum velho líder diz, "não, vocês não podem fazer isso", então tudo o que ele consegue é trazer a raiva de uma geração inteira de pessoas.
Folha - Você está escrevendo um livro sobre globalização para a editora Simon & Schuster.
Ross - O que eu penso, basicamente, é que muitos livros de qualidade foram escritos sobre globalização, de 1995 a 2010. Mas não existe um livro escrito para as pessoas comuns sobre a globalização de 2010 até 2025. Muito do que vou escrever é sobre o impacto do próximo estágio da globalização, em educação, energia, nas indústrias do futuro. Muitas pessoas pensam no impacto da globalização em termos de ICT [tecnologias de informação e comunicações, na sigla em inglês], mas no futuro haverá indústrias como a de ciências da vida ou a robótica.
Coisas que, eu acredito, serão as partes mais proeminentes da próxima onda de globalização.
Folha - Você não vai focar mais em internet ou comunicações?
Ross - Não será um livro sobre tecnologia, mas sobre liderança empresarial e paternidade. Vou escrever muito da perspectiva do pai de três filhos pequenos, do que significará, para os pais, serem bons administradores do futuro de suas crianças.
Folha - Você participou da primeira campanha de Obama para presidente. Você tem contato com a campanha de Hillary Clinton, se é que ela já existe?
Ross - Não tem uma campanha ainda.
Folha - Você pretende se afastar da política?
Ross - Eu não era um político. Só me envolvi em 2008 por causa de Obama. Mas, se Hillary concorrer em 2016, se fizer essa opção, então eu farei seja lá o que ela me pedir. Bater de porta em porta, qualquer coisa que ela quiser.
Folha - Há uma crítica insistente em relação à política externa americana e sua relação com as empresas de tecnologia. Pessoas saem do governo para as empresas e vice-versa. Como você responde a essa crítica?
Ross - Acredito que nós precisamos de mais disso, não menos. É uma coisa boa.
Folha - O Google é uma empresa planetária, mas que tem muitos elos com o governo americano. Isso não torna a empresa e o governo parceiros em política externa?
Ross - Não. Se muitas das pessoas mais inteligentes estão trabalhando em empresas de tecnologia, eu as quero no governo. Se podemos trazer algo do empreendedorismo do Vale do Silício para o governo, para fazer o governo funcionar melhor, é bom. E se as pessoas no governo, que entendem de geopolítica, são capazes de tornar essas empresas do Vale do Silício mais inteligentes, também é bom. Essas empresas muitas vezes têm mais poder do que governos. Se você trouxer uma pessoa que entenda de geopolítica, cultura e história para essa comunidade de engenheiros, é bom. Ou seja, acredito que é preciso mais troca, não menos.
Agora, quanto à questão de isso unir o Google à política externa americana, eu diria que, tendo estado no meio disso por quatro anos, há coisas em que concordamos e coisas em que discordamos. Mas isso é normal em qualquer relação aberta e honesta. Mesmo sendo amigos, se duas pessoas concordam em tudo, só uma delas está pensando. Se houve algum efeito, o fato de eu conhecer os CEOs das grandes empresas de tecnologia tornou mais fácil, para mim, dizer não para eles.
Muito disso tem a ver com o nível pessoal. Se eles algum dia me pediram algo que eu pensava ser contra o interesse público... Primeiro, eles me conhecem bem o bastante para saber que provavelmente não deveriam perguntar, porque eles sabem qual seria a resposta. Seria não. Acredito que um bom governante compreende as fronteiras entre o que é de interesse corporativo e o que é de interesse público. Algumas vezes eles são os mesmos, mas algumas vezes eles são diferentes. Se você trabalha com integridade no governo, não importa se não faz sempre o que as empresas querem. Se houver algum efeito, é que as empresas vão respeitá-lo mais.