terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Quadrinhos

folha de são paulo

CHICLETE COM BANANA      ANGELI

ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE

LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO

CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES

FERNANDO GONSALES
MUNDO MONSTRO      ADÃO ITURRUSGARAI

ADÃO ITURRUSGARAI
BIFALAND, A CIDADE MALDITA      ALLAN SIEBER

ALLAN SIEBER
MALVADOS      ANDRÉ DAHMER

ANDRÉ DAHMER
GARFIELD      JIM DAVIS

JIM DAVIS

HORA DO CAFÉ      TOLES
toles

Diário de uma consumista em jejum

folha de são paulo

Repórter passa 15 dias sem ir às compras e conta como sobreviveu às crises de abstinência e a duas recaídas, uma delas ao comprar uma raquete de matar pernilongos
TETÉ MARTINHOCOLUNISTA DA FOLHAPrimeiro dia. No fim da tarde, estou fazendo hora para ir ao cinema quando uma caveirinha pisca para mim de uma vitrine. Uma, não, várias. Sorridentes e floridas, elas estampam duas nécessaires e um bloco de notas irresistível.
Não sendo exceção entre os admiradores da simpática figura, entro na loja, pergunto o preço, saco o cartão e arremato. Feliz da vida por resolver um problema que nem sabia que tinha: arranjar uma lembrança natalina legal e baratinha, ainda que atrasadíssima, para uma amiga.
Só me daria conta do mau passo depois do filme. No primeiro dos quinze dias em que me dispus a passar sem abrir a carteira (a não ser para comprar comida), a fim de viver uma experiência digna de ser contada aqui, escolho matar o tempo olhando vitrines, invento uma necessidade do além e falho miseravelmente, tudo sem perceber.
Por pior que ande minha memória, não costumo esquecer o que estou fazendo. Desconfortável, prego um post-it mental e retomo a missão.
Os dias seguintes transcorrem sem grandes dramas. Sublimar os impulsos mais malucos de consumo vem sendo um exercício constante (além de questão de sobrevivência) para minha endividada pessoa. Salvo surtos eventuais, alguns deles assustadores, tenho vencido.
Dado o contexto, chega a ser engraçado viver, por duas semanas, na ilusão de que poderia levar tudo o que vejo nas vitrines, mas que não o faço por obrigação profissional. Engraçado e chique.
Já das miudezas e pechinchas, sinto falta. Na impossibilidade de debelar meu consumismo, foi para elas que desviei o ímpeto. Como medida de controle de danos, não é ruim; às vezes, gastar R$ 0,25 em um carretel de linha de uma cor inspiradora pode ser suficiente para me mandar para casa feliz. Só de pensar que vou descer a pé a rua Teodoro Sampaio já me animo; mas lembro do serviço e meu coração afunda.
CRISE DE ABSTINÊNCIA
Um dia, chove inesperadamente e lamento não poder usar o pretexto para comprar uma sombrinha chinesa, mania inocente que me permito. Sim, elas se desintegram logo, mas custam R$ 7 e sempre há uma engraçadinha.
No outro, a caminho de um compromisso, passo por uma ponta de estoque que só por milagre poderia ter algo a oferecer e entro assim mesmo. Acho que nunca vou abrir mão do prazer idiota de examinar umas araras para adiar o batente -por cinco minutos que sejam.
Na segunda semana, começo a achar a vida meio parecida com o Second Life, aquele ambiente virtual onde você ficava comprando coisas para definir seu personagem. A digressão pseudofilosófica deve ser sintoma da síndrome de abstinência.
Outro: ao andar por uma rua crivada de tentações, de repente me engraço por tudo, incluindo coisas sobre as quais não tenho opinião formada. Decido: no primeiro dia livre dessa incumbência, volto para comprar a sandália anabela com salto de corda e o chapéu com fator UV.
Chega um sábado e, alegria, tenho que ir à feira. Meio confusa depois de tanta contenção, compro cenouras orgânicas em duas bancas e arremato mudas de erva-cidreira que, de fato, não são para comer. Na saída, quase caio na tentação de entrar na tenda de uma taróloga.
No caminho para casa, um ambulante no farol oferece uma raquete de fritar mosquitos. Lembro que a nossa pifou. A próxima coisa que sei é que a raquete está no banco traseiro, e eu falhei -de novo.
HÁBITO OU VÍCIO?
Começo a desconfiar do meu cérebro. Quando ele me enganou assim antes? O que é isso que se imiscui na vida, contra todas as deliberações em contrário? Que quando você vê, já fez? Lembro que isso se chama vício, ou hábito se você preferir um eufemismo. Lembro-me do que tive de entender para parar de fumar e vejo que tudo se aplica. Em especial, o fato de que um cérebro dependente de determinado estímulo fará de tudo para obtê-lo.
A recorrência exaustiva do impulso de comprar lembra muito o desejo de fumar de quem larga o cigarro. Não passa uma hora livre em que não me ocorra entrar numa farmácia, não ando um quarteirão sem me deter diante de uma vitrine, não vejo uma papelaria sem vasculhar uma lista mental de itens faltantes.
Mas eis que, assim como no caso do cigarro, resistir compensa. É o que percebo ao me colocar, de propósito, em situações-limite, como um magazine sortido na rua 25 de Março e uma Americanas Express, em Pinheiros (não, o Shopping JK não faria o truque; quando entro lá, minha cabeça se ajusta para o "modo museu", um estado contemplativo e desprovido de intenção de compra).
Já em lojas populares, me jogo. Na primeira, me interesso por sianinhas douradas, dúzias de isqueiros Bic (foram-se os cigarros, mas eles ficaram) e uma caixa de Lenços Presidente. Na segunda, há o DVD de "Bob Esponja - O Filme" (R$ 14,90), um clássico, e um conjunto baratíssimo de copos da Nadir Figueiredo. Mas aí você não compra e, ao pisar de volta na calçada, se dá conta de que nada daquilo faria diferença na vida. Ou quase nada.
Deve ser por isso que sites especializados em aconselhar consumistas compulsivos, como o americano "My Year Without Clothes Shopping", preconizam o jejum como ponto de partida para a mudança de hábito (veja à pág. 6).
Comprar é divertido e comprometedor, como todo vício, mas é mais difícil de combater do que a média. Não só não consideramos nosso hábito de consumo excessivo como agimos como se estivéssemos aqui para isso.
Lapsos à parte, o que o período de privação me mostrou é que parar é ter de prestar atenção. Isso é um começo para quem quer deter a compulsão. Se não para ajudar o Banco Central a conter a inflação, pelo menos para economizar seu dinheirinho. E, quem sabe, abrir espaço para outras experiências.
Já posso voltar à Teodoro para comprar meus copinhos?

    REGRAS DO JOGO
    O que era permitido comprar
    A repórter recebeu a incumbência de passar 15 dias sem comprar nada que não fosse comida. Foi aventada a ideia de limitar idas a restaurantes, mas um trabalho a obrigou a comer diariamente na rua. De 7 a 22 de janeiro, ela não fez compras ou contratou serviços. O relato inclui duas escapadas "quase" involuntárias.


    10 MANDAMENTOS PARA NÃO ENTRAR NO VERMELHO
    • Ajuste o consumo à necessidade, não à oferta (fuja de liquidações se não precisar de nada específico)
    • Não faça compras com cartão de crédito. Registre seus gastos
    • Descubra programas e prazeres que não envolvam compras e, quando bater a vontade de comprar, faça outra atividade
    • Livre-se da roupa que não cabe ou não agrada mais
    • Não compre por impulso. Faça uma pausa salvadora para pensar
    • Separe peças de roupa que mereçam reforma e mande arrumar
    • Examine o próprio guarda-roupa e pense em como usar as roupas que tem de formas diferentes
    • Descubra o que "dispara" sua vontade de comprar. Não compre para compensar tristeza, raiva ou frustração
    • Atenha-se a roupas, calçados e acessórios que combinem com seu corpo, estilo e atividades
    • Não compre nada que não achar absolutamente incrível

    Compulsivo precisa de cada vez mais para se sentir bem
    COLUNISTA DA FOLHAConsumir algo que se deseja ativa o sistema de recompensa, mecanismo cerebral ligado ao prazer. É viciante, já que produz uma sensação intensa rapidamente. Para o neurocientista Jorge Moll, do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino, porém, o que de fato incita o consumismo é a forma como o mercado renova continuamente seu arsenal de "recompensas".
    "Surge um estilo novo, associado à celebridade, ao sucesso e à saúde, e você quer se projetar nele. O consumo distrai as pessoas", afirma.
    O hábito vira doença quando se torna incontrolável e tem repercussões emocionais e financeiras negativas, incluindo dívidas e conflitos familiares. Embora se aproxime de quadros de dependência e de transtorno obsessivo-compulsivo, estudo recente da Faculdade de Medicina da USP o descreve como uma patologia específica, caracterizada pela dificuldade de controlar o impulso da compra.
    "O comprador compulsivo busca satisfação imediata para sua necessidade de aquisição, que é excessiva. Não consegue planejar ou pensar nas consequências", explica a psicóloga Tatiana Filomensky, autora do estudo que envolveu 85 entrevistas.
    Associado à busca de alívio para emoções negativas, o consumismo produz tolerância: é preciso comprar cada vez mais para obter cada vez menos efeito. "O compulsivo vive uma sensação devastadora de fracasso depois de comprar, exatamente como o dependente químico", afirma Filomensky.
    Segundo ela, alguns fatores influenciam o desenvolvimento do quadro, como predisposição genética, ambiente, problemas emocionais e padrões ensinados pela família. "O consumo é tão comum e estimulado que demora até percebermos um padrão patológico nos hábitos de compra de alguém", diz.

      O COMPRADOR SEM CONTROLE
      • Gasta dinheiro que não tem em coisas das quais não precisa
      • Tem urgência de comprar quando está deprimido, frustrado ou preocupado
      • Fica excitado ao comprar, mas a sensação logo dá lugar a culpa ou remorso
      • Compra coisas que não usa: mantém coisas embaladas e roupas com etiqueta
      • Mente para amigos e familiares sobre compras e esconde itens recém-adquiridos
      • Tem dívidas, mas não para de comprar
      • Seus gastos com consumo comprometem saúde financeira, relações e/ou planos

      Viciadas em compras tentam se curar com privação de consumo
      COLUNISTA DA FOLHAHá uma década, experiências de privação de consumo atiçam o debate sobre os limites do consumismo.
      Em 2004, a americana Judith Levine passou um ano comprando só comida depois de descobrir que tinha oito pares de tênis no closet e seis qualidades de arroz na despensa, entre muitas outras coisas. É o que conta no livro "Not Buying it -My Year Without Shopping" (algo como "não compre isso -meu ano sem ir às compras"), escrito em 2006.
      Em 2010, uma centena de mulheres americanas aceitaram o desafio do site "Six Items or Less" (seis artigos ou menos) e passaram um mês usando apenas seis peças de roupa.
      No blog "Um ano sem Zara", a publicitária brasileira Joanna Moura montava looks diários com peças que já tinha no armário, enquanto resistia a adquirir novas.
      A ex-compulsiva australiana Jill Chivers fez doze meses de jejum e transformou a experiência em método para curar dependentes da moda. Evitar cartões de crédito, examinar o próprio armário e adiar compras de impulso estão entre as estratégias sugeridas por ela e organizações como a Shopaholics Anonymous.

        ONDE PROCURAR AJUDA
        Devedores Anônimos www.devedoresanonimos-sp.com.br
        Programa de atendimento de compradores patológicos Universidade Federal de São Paulo. Tel. 0/xx/11/5579-1543 e www.unifesp.br/dpsiq/proad
        Ambulatório de transtornos do impulso Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.
        Tel. 0/xx/11/2661-7805

        Anna Veronica Mautner

        folha de são paulo

        OUTRAS IDEIAS
        ANNA VERONICA MAUTNER - amautner@uol.com.br
        Telefone, um inimigo necessário
        Estar disponível significa perder graus de liberdade, mas, ao mesmo tempo, ganhar em acessibilidade
        Na vida nossa de cada dia, muitos tornam o número de telefone acessível, nem sempre com disposição para atender as exigências que disso decorrem. Existe aí uma responsabilidade em relação ao "outro". Se eu dou meu número para alguém, estou anunciando que sou acessível.
        No tempo em que existia lista telefônica, isso poderia ser discutível, pois os números ficavam públicos de certa forma, por lei. Mas, hoje, meu número de celular não está em lista oficial nenhuma, só é acessível se eu der. A partir daí, torno-me responsável por atendê-lo. O processo funciona em mão dupla. Quando ligo para alguém, imagino que vá me atender -senão, por que teria me dado seu número?
        A relação com a telefonia é uma escolha pessoal. Há quem ama falar, há quem é lacônico. Seja como for, tornar-se acessível significa perder graus de liberdade e, ao mesmo tempo, ganhar em acessibilidade.
        O telefone me torna pública, mas também pode preservar minha privacidade. Para me garantir e me defender, posso usar a secretária eletrônica ou o bina, aliás, inventado e patenteado por um brasileiro.
        Tudo isso é muito recente. Há cinquenta anos, o telefone era uma raridade reservada para pessoas da classe A. A linha era comprada a preço de ouro. Muitas lojas não tinham mais do que um aparelho -muitas vezes com cadeado; outras, com cadeado só das 13h às 15h, quando ilegalmente recebiam o resultado do jogo do bicho -não disponível para fregueses.
        E, então, um dia, privatizaram a companhia telefônica, e a cidade foi inundada por telefones. Logo depois chegaram os celulares, que invadiram definitivamente nossa vida.
        Tudo isso transformou as relações interpessoais de maneira avassaladora. Não atender o celular pode ser visto quase como um estelionato. Você está privando o outro do acesso a você -que você prometeu quando deu o número.
        O celular foi uma revolução tão grande quanto a difusão do telefone fixo. Se ligo para o fixo de alguém que não me atende, só sei que a pessoa não está lá. Mas, com o celular, temos que aprender a mentir melhor. Vamos desenvolvendo jeitinhos. Se fulano não me atende, ligo de um número que ele não conhece e descubro se não está lá ou se não quer me atender. Inventamos o bina e depois inventamos jeitinhos para driblá-lo.
        A barreira da invisibilidade ainda não foi vencida. Se é meu amigo ou meu inimigo, não sou capaz de distinguir antes de atender e ouvir a voz. Só depois de atender, o enigma se desfaz.
        Uma educação para o uso do telefone se faz cada dia mais necessária.

        Infiéis por natureza

        folha de são paulo

        Livros usam teoria evolucionista, genética e neurociência para explicar cientificamente a traição
        IARA BIDERMANDE SÃO PAULO"Não é o que você está pensando. É só uma manifestação de minha herança genética". Se seu parceiro (ou sua parceira) vier com essa, desconfie: ele(a) já deve ter lido o lançamento "A Química do Amor" (ed. Best-Seller, 350 págs., R$ 39,90).
        Novinho nas livrarias, o livro trata de antigas questões: por que amamos e queremos sexo. E do velho problema: por que amamos um e desejamos fazer sexo com outros.
        Escrito pelo neurocientista norte-americano Larry Young e pelo jornalista Brian Alexander, faz parte da categoria de livros que traduzem os conceitos científicos para a linguagem "de gente" e para temas populares, como a infidelidade.
        Young e Alexander afirmam que a monogamia sexual não é uma determinação biológica para homens e mulheres, mas não vão tão longe quanto os autores de outro livro, "Sex at Dawn" (leia ao lado), que pregam que a promiscuidade é a verdadeira natureza humana.
        A obra não fica só nisso. "Explicamos a química cerebral que leva ao desejo sexual e os mecanismos biológicos que entram em ação quando formamos vínculos afetivos", diz Young.
        -
        Folha - A monogamia é uma tendência dos humanos?
        Larry Young - Infelizmente (ou felizmente, dependendo do ponto de vista), a monogamia sexual não é uma tendência natural.
        Estudamos em laboratório um tipo de rato que é socialmente monogâmico -machos e fêmeas formam casais que ficam juntos por anos e criam juntos os filhotes. Mas, se um macho está no campo longe de casa e aparece uma fêmea, ele pode trair a parceira e fazer sexo com a outra. Essa fêmea também pode estar traindo seu par. Mas ambos vão voltar para suas casas e seus parceiros à noite e cuidar de suas famílias.
        Os humanos provavelmente têm a mesma tendência biológica: amar uma pessoa, mas, de vez em quando, ter um caso com outra. A maioria dos mamíferos não têm conexão emocional com o parceiro com que faz sexo. Homens e mulheres têm conexões que fazem com que queiram ficar mais tempo junto de seus parceiros, mas, como acontece com os ratos de laboratório, sua química cerebral também pode os levar a trair.
        Por que as relações monogâmicas são as prevalentes?
        A cultura, a sociedade e a religião incentivam a monogamia sexual e os relacionamentos que duram a vida toda, por isso a monogamia parece ser mais comum, mas isso não implica que seja natural. E mesmo nas muitas pessoas que conseguem ser fiéis por toda a vida, seus cérebros continuam mandando comandos eventuais para que traiam.
        O sr. concorda com autores que afirmam que a promiscuidade é da natureza humana?
        Não. Homens e mulheres são diferentes de outros mamíferos por buscarem parceiros sexuais para criar vínculos. Ficam juntos por outras razões que não apenas sexo, desejam ficar próximos de seus parceiros e sentem saudades deles quando estão separados. Nosso cérebro está programado para se apaixonar. No livro, descrevemos em detalhe como algumas substâncias químicas (oxitocina, dopamina, vasopressina) fazem as pessoas se ligarem a quem amam e como outras substâncias criam o desejo sexual.

          A Pré-História era uma festa, dizem pesquisadores
          RICARDO BONALUME NETODE SÃO PAULOO homem das cavernas Fred Flintstone era monogâmico e fiel à sua mulher, Wilma. Mas os personagens de desenho animado não correspondem à realidade, segundo a tese de dois especialistas em psicologia evolutiva. Para eles, a promiscuidade era generalizada na Pré-História. E isso afetaria o comportamento sexual humano até hoje, algo mostrado pelo alto índice de adultério.
          A tese está no livro "Sex at Dawn" (sexo na alvorada), do americano Christopher Ryan e da moçambicana Cacilda Jethá, lançado em 2011. Escrito em linguagem popular, o livro virou best-seller.
          A dupla investiu contra uma ideia supostamente "sagrada": a de que os seres humanos são naturalmente propensos à monogamia, o que eles chamaram de "flintstonização" do passado.
          Sobrou, claro, para o naturalista britânico Charles Robert Darwin (1809-1882). Segundo o principal autor da teoria da evolução não dá para falar em promiscuidade generalizada. Para ele, apesar de os machos estarem sempre prontos para o próximo caso -justificado pela ideia de deixar o maior número de descendentes-, as fêmeas querem ter um parceiro fixo que lhes dê segurança para cuidar dos filhotes.
          Já a dupla de pesquisadores sugere que na maior parte da Pré-História as pessoas dividiam tudo: comida e parceiros sexuais. Não haveria a noção de paternidade, pois não haveria como comprová-la, já que o sexo seria "livre".
          O ser humano só teria deixado de ser promíscuo graças à agricultura e ao sedentarismo. A propriedade privada se estenderia à mulher, que teria de ser vigiada para o homem ter certeza de que o filho era de fato seu herdeiro.
          Não é uma tese propriamente nova, mas Ryan e Jethá a embelezaram com dados da psicologia, da antropologia, da história e da biologia. Porém, os dados seriam seletivos, segundo críticas de seus pares acadêmicos. Aquilo que não apoiaria a tese tenderia a ser deixado de lado.
          Por exemplo, o fato de o bebê humano depender dos pais por muito tempo. Isso explicaria a formação de pares monogâmicos. Wilma precisa de Fred para cuidar de Pedrita.

            Denise Fraga

            folha de são paulo

            VIDA REAL
            Mergulhar é preciso
            O que diria um pescador de Dorival Caymmi se soubesse que navegamos no mundo virtual?
            Uma coisa pra se fazer na vida antes de morrer: conhecer o fundo do mar. Estive uma vez em Fernando de Noronha e foi uma experiência transformadora. Entendi completamente o sentido da palavra mergulhar.
            Não sei se pelo estado de alerta que você fica à espera das surpresas submarinas, pela incrível sensação de flutuar no abismo ou simplesmente pelo único som que lhe resta ser o esquecido compasso da sua respiração, você acaba entrando num estado de concentração único e inesquecível. Um verdadeiro mergulho.
            Pouco tempo depois dessa experiência, li no jornal sobre o casal que sobreviveu ao tsunami por estar justamente mergulhando. Pensar que tudo aquilo lhes passou por cima e eles continuaram a ouvir o som de suas respirações. Se estivessem navegando, teriam sido trucidados. Estar mergulhando, o que parecia mais perigoso, os salvou.
            Gosto desta história. Acho bonita e irônica. Salvar-se no profundo. Salvar-se por mergulhar. Além de inacreditáveis tartarugas gigantes, o mar também nos oferece muitas metáforas. Fernando Pessoa e Dorival Caymmi se fartaram nelas. Navegar é preciso, viver não é preciso.
            Passando de novo os olhos pelos versos do poeta, não consigo deixar de pensar em outro mar. Quantos de nós têm deixado de viver pra navegar? Nosso mundo virtual também vive se utilizando de imagens marinhas, mas o que diria um pescador de Caymmi se soubesse que navegamos na rede?
            Já acho curioso falarmos navegar. A janela azul aberta ao mundo virtual parecia coisa de ficção científica, uma tela que nos tragaria da cadeira para um mergulho em outros mundos. Mergulhar pareceria ser o verbo perfeito e até justificaria o efeito de ausência surda e muda que baixa sobre nós, seres de faces azuis, capturados.
            Mas o verbo virtual é navegar. Pensando bem, é justo. É algo que anda na superfície. Você quer um site e lhe são oferecidos outros tantos. Janelas que abrem para janelas. A cada clique, outra centena de possibilidades.
            Tudo se espalha numa ramificação eterna e quando você resolve mergulhar é inevitável a sensação de perda do que poderia estar escondido no imenso mar oferecido à sua navegação. Sinto que a rede nos força naturalmente à superfície em suas imensas possibilidades.
            Volto ao casal mergulhador e penso nos meus mergulhos literários de três horas sem sentir o tempo, na sala escura do cinema, nas peças de teatro e em quantas coisas que nos salvam por serem estados de mergulho pleno. Mergulhar é preciso.

              Rosely Sayão

              folha de são paulo

              Lições de alimentação
              O comportamento dos pais determina o estilo alimentar das crianças; comer bem é uma questão de educação
              A Nina Horta que me perdoe, mas vou recomeçar o trabalho com o assunto dela: comida. Alguém já me disse que férias boas são aquelas em que a gente volta fisicamente um pouco mais cansada e gorda. Concordo porque foi assim que retornei.
              Nada como relaxar, comer coisa boa, diferente e nos horários em que o organismo determina, não é verdade? Foi o que fiz, caro leitor. Cozinhei -meu lazer predileto-, li sobre comida, visitei restaurantes desconhecidos e preferidos e comi com gosto. Com muito gosto, aliás.
              E, nesse período, também observei muitas famílias, com filhos pequenos e maiores, ao redor da mesa ou na cozinha de casa. E mais: assisti a um documentário que tomo como ponto de partida para nossa conversa de hoje. O filme chama-se "Muito Além do Peso" e está disponível no site www.muitoalemdopeso.com.br. Eu recomendo.
              Devo confessar que, entre os diversos motivos que me fazem muitas vezes sentir pena dos mais jovens, um deles é a comida. E não me refiro às questões nutricionais, de saúde ou coisa semelhante, que são pertinentes e importantes.
              No meu ponto de vista, comer é principalmente uma questão social e afetiva que leva ao prazer, e uma grande parcela dos mais novos não tem a chance de desfrutar desses aspectos da alimentação porque simplesmente não aprende como fazê-lo.
              Eles gostam de muitas porcarias e o documentário comprova isso. Mas nem precisava, não é? Quem convive com crianças sabe que elas adoram doces industrializados, salgadinhos e refrigerantes. Não conhecem legumes, verduras e frutas e, por isso, recusam tais alimentos.
              Muitos, inclusive o documentário citado, creditam a preferência deles à ação danosa da propaganda dirigida ao público infantil. Claro que a publicidade tem grande influência e não apenas junto às crianças, mas sobre todos nós. Mas eu considero o comportamento dos pais o principal motivo para determinar o estilo alimentar das crianças e adolescentes.
              Afinal, quem é que apresenta essas porcarias gostosas para as crianças? Quem é que abastece a casa regularmente com alimentos industrializados? Quem é que cede aos caprichos das crianças que querem substituir uma refeição por salgadinhos? Quem é que não aguenta negar um pedido do filho?
              Por outro lado, com o estilo de vida corrido de nossa época, quem é que se dedica a cozinhar para os filhos, mesmo que seja uma refeição rápida e simples? Devo dizer, caro leitor, que o cheiro da comida sendo preparada na cozinha é muito estimulante para as crianças.
              Além disso, perceber que os pais (ou um deles) dedicam parte de seu tempo para fazer uma comida gostosa para o filho é, para a criança, um sinal de acolhimento e amor. E o sentido desse ato significa mais para ela do que ganhar uma porcaria gostosa quando os pais chegam do trabalho.
              Ajudar a criança a refinar seus sentidos gustativo e olfativo e a desenvolver o prazer de comer com outras pessoas, inserindo-a nas tradições culinárias da família, é um modo de fazer com que ela sinta que pertence àquele grupo familiar.
              E esse sentimento de pertencimento, que nos acompanha até o final da vida, é um alento perante as adversidades que enfrentamos.
              Comer bem, com prazer e em boa companhia é uma questão de educação. Cozinhar para outra pessoa é uma demonstração de amor.

              A dona da rua - Maria Esther Maciel‏


              Maria Esther Maciel
              Estado de Minas: 05/02/2013 

              Raul fazia o seu usual percurso de carro rumo ao trabalho quando lhe aconteceu o que vou narrar. Era uma quarta-feira nublada, antes das 8h. A Avenida do Contorno, perto do Bairro São Lucas, estava movimentada, embora o trânsito fluísse bem. Incrível como, no período das férias, Belo Horizonte se torna uma cidade transitável.

              A certa altura, já perto da Carandaí, o sinal ficou vermelho e Raul parou logo atrás de um Gol cinza, no centro da via. Os pedestres começaram a atravessar a faixa, com exceção de uma mulher de uns 60 anos, que preferiu passar pelo espaço entre os carros parados mais abaixo. Ela andava com lentidão e segurava uma sacola de plástico. Teria passado despercebida se não tivesse parado na frente do carro de Raul e posto a sacola no chão. Depois, curvando-se com dificuldade, abriu a sacola e começou a remexê-la, como se procurasse algo. De dentro, tirou um pente e, ali mesmo, entre os carros, começou a pentear o cabelo, encostada no carro de Raul. “Deve ser meio doida”, ele pensou. Nisso, o sinal abriu e os carros da frente se moveram apressados. Os daquela fileira, porém, ficaram parados, aguardando a mulher sair da frente. Mas ela continuou lá, encostada no carro, penteando o cabelo, alheia ao mundo. Raul tocou a buzina de leve. Outros motoristas também buzinaram. E nada. Os que estavam nas filas paralelas resolveram, então, ir adiante. Um deles chegou a chamar a mulher de folgada. 

              O homem continuou parado, esperando. Ele não podia mover o carro, e o fluxo de veículos nos dois lados era grande. O jeito foi abrir a janela e pedir a ela que fosse para o passeio. “Ficar aí é perigoso para a senhora e está me atrapalhando”, falou. Atrás dele, os motoristas impacientes ligavam a seta e tentavam enfiar os carros nas outras pistas, buzinando com histeria. E a mulher, nada. Parecia absorta, sem se preocupar com o entorno. O homem, então, decidiu esperar o sinal fechar e ir até ela. Ligou o pisca alerta e, com cuidado, saiu do carro. Ao se aproximar da mulher, viu que ela estava com os olhos molhados e vermelhos. Ficou mais surpreso ainda. Aí perguntou-lhe se estava se sentindo mal e precisava de ajuda. Ela respondeu, imóvel: “Se quiser passar em cima de mim, vai estar me fazendo um favor”. Um rapaz, na calçada, gritou que ia chamar a polícia para resolver o caso. Mas com um gesto de mão, Raul pediu calma ao moço e cogitou: “Será que ela está querendo se matar mesmo ou é apenas uma daquelas malucas de rua?” Achava que, se chamasse a polícia, poderia complicar mais as coisas.

              Enquanto isso, os motoristas continuavam buzinando e falando impropérios. “Por favor, senhora, vamos sair daqui”, ele tentou mais uma vez, pondo a mão no ombro dela. E ouviu o seguinte: “Se o senhor me der R$ 100, eu saio”. Homem de coração mole, imaginou possíveis infortúnios para a pobre senhora. Por outro lado, ficou meio cabreiro. De qualquer forma, concluiu que, pagando, ficaria livre daquilo tudo. Tirou duas notas de 50 do bolso e deu-as à mulher. Ela, dizendo “Deus te pague”, esperou o sinal fechar de novo e seguiu, ágil, até a calçada. Raul, por sua vez, voltou para o carro, com alívio. Mas sem se livrar da desagradável sensação de ter sido enganado.

              Nizan Guanaes

              folha de são paulo

              Super
              A TV segue dominante no mundo pós-digital e a grande TV aliada à web é uma combinação matadora
              Domingo foi dia de Super Bowl. A final do campeonato americano de futebol americano é um dos grandes momentos do calendário anual da publicidade.
              Uma posição medida pelo valor do segundo de comercial durante sua transmissão: US$ 133 mil.
              Ou US$ 4 milhões por "spot" de 30 segundos.
              Essa montanha de dinheiro por segundo conquista a atenção de mais de um terço da população dos Estados Unidos, ou mais de 100 milhões de espectadores, e mostra como esporte, televisão e publicidade juntos podem criar riqueza e oportunidades para marcas, produtos e ideias.
              O Superbowl é superlativo em tudo, inclusive como fonte de ensinamentos ao país da Copa das Confederações, da Copa do Mundo e da Olimpíada.
              Antes de seu sucesso, veio a visão compartilhada da liga de futebol americano, das empresas de comunicação e dos publicitários/anunciantes de que poderiam tornar a final um evento especial dada a popularidade do esporte no país e a dramaticidade do momento: ao contrário dos outros dois esportes populares nos Estados Unidos, o basquete e o beisebol, o futebol americano termina numa única e decisiva partida, como a Copa do Mundo.
              Graças à força da visão e ao talento de atletas, dirigentes esportivos, executivos de mídia, publicitários e anunciantes, a superfinal transformou-se num grandioso momento de união nacional, patriotismo e cultura que atrai todo ano milhares de pessoas à cidade-sede da partida: no final de semana passado, o circo foi montado em Nova Orleans, teve show de Beyoncé no intervalo (no ano passado foi Madonna), Alicia Keys cantando o Hino Nacional e até um apagão que paralisou o jogo por minutos.
              A força da publicidade americana é parte essencial desse enorme sucesso.
              Foram os anunciantes, no final das contas, que sustentaram a grande visão e permitiram às redes de TV pagar cifras cada vez maiores pelo direito de transmissão, alavancando investimentos milionários das equipes e o desenvolvimento de uma próspera indústria esportiva.
              O Super Bowl, do ponto de vista publicitário, transformou-se na grande plataforma de lançamento das campanhas mais sofisticadas, principalmente a partir de 1984, quando o gênio de Steve Jobs entrou em campo.
              Os comerciais do intervalo do Super Bowl tornaram-se referência cultural depois do anúncio da Apple de 1984. Dirigido pelo cineasta Ridley Scott, a obra reproduzia o cenário sombrio do livro "1984", de George Orwell, até uma atlética loira em shorts curtos aparecer correndo entre zumbis e, com o lançamento de um martelo, destruir a tela do Big Brother.
              No que subiam letreiro e voz dizendo: "Em 24 de janeiro de 1984 a Apple Computer lançará o Macintosh. E você verá por que 1984 não será como '1984'".
              É verdade que a web deixou 2013 muito mais parecido com "1984" do que 1984. Mas, para quem quer se comunicar, a internet só pode ser vista como aliada. Para uma audiência nacional de mais de 100 milhões de um domingo de Super Bowl, alguns comerciais feitos para o evento são hoje vistos até 400 milhões de vezes on-line.
              O Super Bowl, assim, prova duas coisas: a grande TV ainda segue dominante no mundo pós-digital e a grande TV aliada à web é uma combinação matadora.
              O barulho envolvendo o Super Bowl agora começa semanas antes, com grandes esforços de relações públicas e mídias sociais lançando campanhas que atingirão o clímax nos filmes de 30 segundos exibidos no momento da partida e seguirão reverberando.
              O campeão pré-jogo deste ano foi a Toyota, que teve 11 milhões de exibições na web de versão de seu filme de Super Bowl.
              No Brasil, o que mais se assemelha ao Super Bowl são os jogos da seleção brasileira em Copa do Mundo: ocasiões que transcendem o esporte para também se tornar celebração familiar, cultural e, por que não, patriótica.
              A Copa do Mundo agora será em nossa casa. Serão vários Super Bowls em sequência. Cada jogo, uma oportunidade espetacular para nossas marcas, nossos produtos e o talento de nossos publicitários. Afinal, teremos o mundo como plateia.

                TEREZA CRUVINEL » O mal e o remédio‏

                O perverso sistema de financiamento privado das eleições (e da atividade política) tem feito com que, a cada legislatura, a banda boa do Congresso se encolha, ao passo que se amplia a banda comprometida com o fisiologismo e as práticas que a sociedade civil repudia 

                Estado de Minas: 05/02/2013 
                Um aviso gritante sobre a necessidade e a urgência da reforma política, especialmente no que toca ao financiamento da política (e não só das eleições), acompanhou todo o processo de renovação das Mesas do Congresso, concluído ontem com a eleição de Henrique Eduardo Alves para presidente da Câmara. Um aviso amplamente ignorado: é bem mais fácil e mais simples expor as nódoas das fichas individuais e desqualificar os políticos de modo geral do que tentar compreender as razões dos resultados que, segundo todas as mídias, ofenderam o que se convencionou chamar de opinião pública. A execração geral vai minando a crença da população na representação política e na democracia que, a tantos, custou tanto. Ontem mesmo soubemos mais sobre o martírio de Rubens Paiva e ouvimos o novo presidente da Câmara evocar os duros tempos da resistência, nos primeiros de seus 11 mandatos. 

                A histeria contra os eleitos nada resolverá. Os histéricos erram no diagnóstico quando miram pessoas, e não o sistema. A estrutura das Mesas e a proporcionalidade que rege a eleição interna existem desde 1904. Os eleitos puderam concorrer, primeiramente, porque foram postos no Congresso pelo povo. Depois, todos os deputados seguiram a regra da proporcionalidade, inclusive os da oposição, PSDB e DEM. Exceção foi o PSB, ao abraçar a candidatura de Júlio Delgado, embora o partido não fizesse jus ao cargo. Rose de Freitas foi só uma dissidente do PMDB. Se o sistema eleitoral não permite a eleição de bons parlamentares, e por decorrência, de bons dirigentes para as Mesas, o sistema é que precisa ser mudado. Aqui é que entra a reforma política.

                Os financiadores da política, também chamados imprecisamente de “o poder econômico”, atuam nas eleições populares, mas também nos processos internos do Parlamento. Certamente atuaram na escolha de líderes e de membros das Mesas, por meio de candidatos que ganharam votos de seus pares acenando com ajudas eleitorais futuras. É assim, leitores, que as coisas de fato funcionam. Ao longo da legislatura, os financiadores recorrem ainda àqueles que ajudaram ou ajudarão para aprovar emendas orçamentárias, enfiar “contrabandos” em medidas provisórias ou indicar nomes para cargos.

                O perverso sistema de financiamento privado das eleições (e da atividade política, mesmo na fase que o ex-presidente do STF Ayres Britto chamou de entressafra eleitoral) tem feito com que, a cada legislatura, a banda boa do Congresso se encolha, ao passo que se amplia a banda comprometida com o fisiologismo e as práticas que a sociedade civil repudia. Com o financiamento público e a criminalização de doações privadas fora do previsto, haverá chance para a renovação, tanto dos atores políticos quanto das práticas. Quando o parlamentar não deve nada a ninguém, é mais livre para votar e contrariar interesses, observando apenas o que quer a sociedade. 

                Com a legislatura começando e a parte mais crítica da sociedade irada com o Congresso, seus novos dirigentes deviam colocar a reforma política, e especialmente esse ponto, no alto das prioridades. Ainda que contornando a desculpa de que estamos em cima da hora com um acordo para que vigore só em 2016. Essa é a bandeira que deveria ser levantada agora pelos que se indignaram tanto com as eleições de Renan Calheiros, Henrique Alves e do conjunto das Mesas.

                O governo e o novo Congresso

                É certo que o PMDB mandará nas duas Casas do Congresso, aumentando a força do vice-presidente Michel Temer e a dependência do governo Dilma em relação ao partido. Mas pior foi para o governo petista quando, não tendo o PMDB, precisou do apoio dos partidos periféricos e os socorreu com dinheiro do valerioduto e ficou com o carimbo do mensalão. 

                Renan e Henrique Alves, pelos problemas que enfrentarão, não serão “condestáveis” do governo, como foi Ulysses para Sarney, ou mesmo Luiz Eduardo Magalhães para Fernando Henrique. Agora que o estoque de munição dos adversários contra o PT minguará, com o fim do julgamento do mensalão, desgastar os dirigentes do Congresso será também uma forma de limar o prestígio de Dilma e manter o PT nas cordas. Não foram eleitos com o apoio dela, ainda que algo envergonhado, e os votos dos petistas? PT e PMDB, se tiverem juízo, fortalecerão a aliança, olhando para 2014. O PSB, do governador Eduardo Campos, é que sai do processo ainda mais distante de Dilma. O candidato do partido, Júlio Delgado, quase levou a eleição para o segundo turno, ao colher 165 votos. Faltaram só 14 para isso. Mas, em toda eleição, quem ganha leva as batatas e pronto. Henrique, que teve 271, esperava uma vitória maior. Mas, daqui a pouco, ninguém se lembrará mais disso. 

                Ganha a literatura

                Agora que deixou a Presidência do Senado, o senador José Sarney (PMDB-AP) voltará a ter mais tempo para sua outra paixão, a literatura. Primeira tarefa: entregar ao editor, em março, as memórias da vida inteira, que já escreveu e está revisando.

                Guerreira-Walter Sebastião‏

                Estrelado pela índia Wiranu Tembé, Tainá %u2013 A origem é a primeira série do cinema nacional a chegar ao terceiro episódio. Longa ganhou prêmio nos EUA antes mesmo de estrear no Brasil 

                Walter Sebastião
                Estado de Minas: 05/02/2013 
                A indiazinha Tainá, cujo sonho é se tornar guerreira e defender a floresta, deixa para trás as “grifes” famosas e crava a marca de estrelar a primeira franquia do cinema brasileiro a chegar ao terceiro episódio.

                A estreia nacional de Tainá – A origem está marcada para sexta-feira, véspera de carnaval. O filme conta o início da trajetória da órfã adotada pelo “vô” Tigê (Gracindo Júnior), que não desiste de sua importante missão. Rejeitada por ser menina, ela vai à luta com a ajuda de Laurinha (Beatriz Noskoski), amiguinha da cidade, e de Gobi (Igor Ozzy), um índio meio nerd, que adora eletrônica.

                Rodado no Amazonas, no Pará e no Acre, o longa brasileiro traz tudo o que a região oferece: florestas, árvores gigantescas e rios que parecem mar, além de onças, macacos, preguiças e araras. A heroína ganhou novo rosto: o papel coube a Wiranu Tembé, de 5 anos, descoberta na aldeia paraense de Tekohaw e selecionada entre 2,2 mil meninas da região amazônica.

                O roteiro previa uma atriz de 7 anos, mas a indiazinha se saiu tão bem que os planos foram adequados à idade dela. “Quando vi a Wiranu, não consegui tirar mais os olhos. É uma Tainá muito especial”, afirma a diretora Rosane Svartman. A pequena atriz tinha 4 anos quando o longa-metragem começou a ser rodado. Nem sequer falava português. Mas as brincadeiras daquela menina em sua tribo encheram os olhos de Rosane. E entraram no filme. Tainá-Wiranu escala um pé de açaí de mais de 10 metros. “Quando a vi fazendo aquilo, pedi ao roteirista para criar a cena sem cortes, para mostrar que é tudo verdade”, revela a diretora.

                Tainá – A origem busca, sobretudo, a emoção. “Mostramos como a protagonista se tornou a guerreira que conhecemos de outros filmes, e também como uma menina se transforma a partir de aventuras, desafios e do convívio com amigos”, explica Rosane Svartman. O fascínio por essa personagem vem da mistura de dois elementos: a heroína da floresta e a pequena guerreira, ingênua e sábia. Palavra de origem tupi-guarani, tainá quer dizer estrela, raio de luz, luz da manhã.

                Trabalhar com atores mirins foi um desafio e tanto para a diretora. O mais importante é levar para a tela o frescor que a criança transmite na vida real. “O que aparece fluente, espontâneo, leve e simples no filme é produto de muito trabalho”, avisa Rosane. Isso significa planejar ensaios que tratem as situações da trama como brincadeira, além de evitar que as tensões do set afetem a criançada.

                Filmar na Amazônia é complicado. “Chove, faz sol, tem lama, chão arenoso, muito bicho, mosquito. Você tem de pegar barco, van, avião. Mas a região é belíssima, chegamos a locais que estão entre os mais bonitos do mundo”, garante a diretora. Em resumo, Tainá – A origem buscou retratar toda a magia, grandiosidade, beleza e diversidade da floresta.

                Outro desafio: filmar bichos selvagens, que não podem ser adestrados. “O macaco ia de um lado para o outro. A equipe, pacientemente, era obrigada a esperar o momento em que a onça decidia se levantar”, relembra Rosane. Foi necessário criar unidade apenas para captar as cenas da fauna.

                Tanto esforço valeu a pena: Tainá – A origem já estreia com um prêmio: o de melhor filme, na opinião do público, concedido pelo International Children’s Film, realizado na Califórnia (EUA).

                Pai coruja

                A história da série Tainá começou quando Pedro Rovai integrava a equipe que filmava documentário sobre populações ribeirinhas da Amazônia. Encantado em ver as crianças se divertindo sem ter brinquedo algum, o produtor propôs a franceses um filme sobre esse aspecto da vida amazônica.

                “Mas eles vieram com catástrofe e drama social, enquanto eu imaginava algo otimista, para cima. Ou seja: um filme sobre a alegria das crianças destinado aos pequenos – não aos adultos. E com uma visão encantadora, mas não idílica, da Amazônia. Algo diferente do que vemos todos os dias sobre aquela região”, conta Rovai.

                Em 2000, surgiu a primeira incursão de Tainá no cinema: Um aventura na Amazônia, dirigido por Tânia Lamarca e Sérgio Bloch. O segundo longa, de Mauro Lima, foi lançado em 2004: A aventura continua. Esses trabalhos caíram nas graças de ambientalistas, escolas e de festivais de cinema. Conquistaram 22 prêmios em eventos internacionais dedicados à produção infantil. 

                “Tainá é algo raro: uma personagem de cinema que não veio da literatura ou da televisão”, afirma, vaidoso, Pedro Rovai. Aspecto fundamental do sucesso da série, ressalta ele, é o carisma das Tainás: a pioneira Eunice Bahia, hoje com 21 anos, e agora Wiranu Tembé. Ambas foram descobertas pelo produtor de elenco Cláudio Barros.

                A satisfação com o bom resultado não apaga um problema. Produções dessa natureza são caras. “Falta-nos estrutura, como a dos norte-americanos, para fazer filmes assim”, observa Rovai. Por enquanto, A origem encerra o ciclo, acredita o “pai” de Tainá. “Vai ficar na história do nosso cinema o fato de, um dia, um sujeito corajoso ter feito essa trilogia”, orgulha-se.

                Os novos planos para a indiazinha, por enquanto, são apenas sonho. Rovai torce para que Tainá seja a estrela de outra série. Desta vez, em animação produzida para a TV.

                Pluft vem aí

                Rosane Svartman é formada em cinema pela Universidade Federal Fluminense. Diretora e roteirista, ela trabalha também na TV: atualmente, integra a equipe de Malhação (Rede Globo). Lançou dois livros para jovens: Melhores amigas e Onde os porquês têm resposta; dirigiu os longas Como ser solteiro (1998), Mais uma vez amor (2005) e Desenrola (2001). Atualmente, ela desenvolve projeto para adaptar Pluft, o fantasminha, clássico teatral de Maria Clara Machado, para o cinema. “Saio da floresta diretamente para o mundo dos fantasmas”, brinca ela.

                Três perguntas para...

                Rosane sVARTMAN
                CINEASTA

                Como é assinar a série de cinema que, pela primeira vez no Brasil, chega ao terceiro episódio?

                Acho muito bom o Brasil ter suas franquias, algo comum no cinema internacional. São histórias que constroem um público. Para mim, isso é também uma corrente de afeto. E, nesse sentido, compartilho o mérito com todos que fizeram Tainá 1 e 2 e com o Pedro Rovai, criador do personagem.

                O que fazer cinema significa para você?

                Ouvi de um professor, ao rodar o primeiro longa, que não deveria me preocupar em fazer o meu grande filme, mas em contar uma boa história no cinema. Tento levar essa lição de despretensão para cada trabalho. Assistir a um filme, na sala escura, em situação em que a imagem faz um ‘solo’, é experiência forte.

                Por que você optou pelo ofício?

                Faço filmes para festejar a vida. Procuro histórias que fazem o público se sentir bem, se divertir. Quando apresento um filme para o público, gosto de dizer, no início da sessão: ‘Boa viagem’. Cinema significa o grande mergulho em um novo universo.