sábado, 10 de novembro de 2012

O erro de Dolores - José Castello



O Globo 10/11/2012

DOLORES, A IMPERFEITA, GOSTA DE SE OBSERVAR NO ESPELHO PARA ADMIRAR A MENINA PERFEITA QUE O HABITA



Dolores, a protagonista de “O tigre na sombra” (Record), novo romance de Lya Luft, é uma personagem exemplar. Sua vida — e sua infelicidade — se originam de um erro que caracteriza o mundo contemporâneo: a separação radical e sem esperança entre a realidade e a imaginação. Dolores já traz esta cisão em seu corpo: uma de suas pernas é mais curta do que a outra. “Não era propriamente um aleijão, mas me tornava diferente. Meu corpo entortado. Meu andar feioso, e a minha parceira, a dor”.

Mais intensa que a dor física, lateja uma dor invisível. Dolores, a imperfeita, gosta de se observar no espelho para admirar a menina perfeita que o habita. “Havia uma menina no espelho, igual a mim, mas não era eu”. Fora do espelho, um primeiro desencontro: rebelde e difícil, Dolores é, em tudo, o oposto da irmã, Dália, ela sim, alegre e “fácil de criar”. Mas a ruptura mais grave se dá entre ela e sua própria imagem. Fora do espelho, é Dolores, “nome escuro, de sombra”. A família não consegue pronunciá-lo e por isso a chama de Dôda, a menina que desejam que ela seja. A menina perfeita que habita o interior do espelho.

“Essa criança tem imaginação demais”, reclama a mãe. Para se livrar da acusação, Dolores despreza a realidade. “Realidade? Bobagem, cada um inventa a sua”. A cisão entre a realidade sombria e a imaginação fulgurante é a que mais dói. Há uma menina do real e uma menina do espelho, e as duas estão separadas para sempre. Não existe saída: ou ela se entrega ao sonho (e delira), ou se afunda na realidade deserta (e se deprime). Duas meninas distintas, como dois vestidos separados, e não como o avesso e o direito de um mesmo vestido.

Dolores, a menina do real, despreza o mundo concreto, apegando-se ao sonho de uma realidade oculta. Compara: “É como no mar: ninguém consegue imaginar o que existe lá embaixo”. Ao partir a existência em dois, ela se impõe um duplo castigo: jamais chegará a ser a menina perfeita que habita o espelho; e, em consequência, está condenada à sujeira e às oscilações do mundo exterior. Não consegue imaginar uma realidade que, apesar de áspera, guarda relâmpagos de beleza. Tampouco aceita a ideia de que também a imaginação e o sonho, para tomarem corpo, devem se contaminar com a borra da existência. Dolores não conhece o caminho do meio. E por isso vive sobre um abismo, e por isso não para de sofrer.

Dolores pensa no desejo da mãe: “Ela queria uma filha normal. Eu nunca fiquei normal”. Retida na mesma cisão, também à mãe — para quem o mundo é composto de duas partes que nunca encaixam — só resta o papel de sofredora. Acostumada à exigência de perfeição, Dolores não aceita o amor torto dos pais, onde “havia mágoa, raiva, revolta, submissão”. Enquanto isso, a mãe luta para desentortá-la e encaixá-la, à força, na imagem refletida no espelho. “Caminha direito, menina”, exige. Dolores se lamenta: “Mas, mãe, eu não consigo andar direito”. A mãe, porém, não abdica de seu sonho: “Então caminha menos torto”. Sonho que — como um veredicto — a impede de amar a realidade. Mãe e filha sofrem da mesma ilusão: vivem à espera do dia em que o mundo será inteiramente reto. Como esse dia jamais chegará, espezinham e denigrem a realidade.

A infeliz Dolores não consegue se amar. “Eu era uma menina cheia de problemas: tinha acessos de fúria ou de alegria sem explicação, vivia distraída”. É instável, claudicante, comete erros e paga por eles: é humana. E é justamente isso (o humano) que ela não aceita. A mãe espezinha: “Essa aí, que dizem ser tão inteligente, nem conhece os naipes de um baralho”. Para a mãe, a realidade é feita de norma e retidão. Como os naipes de um baralho, que são sempre os mesmos, inconfundíveis. A mãe crê que a norma é a essência do real. A filha a deseja como um sonho impossível. Ambas desprezam a vida, com suas falhas e deslizes. As duas bradam pelo fim da sujeira que entorta (e, no entanto, fertiliza) a existência.

Ambas opõem imaginação e realidade, e esse é seu grande erro. Um dia, exausta, a mãe leva Dolores a um médico, que profetiza: “Sua filha é uma artista”. E justifica: “ela tem uma imaginação muito ativa”. O doutor vê a imaginação de Dolores como um dom especial. Uma iluminação. A mãe, ao contrário, a vê como um defeito e uma agressão. Também para Dolores, a imaginação é só uma rota de fuga. Tudo o que presta é imaginário. Tudo o que é desprezível pertence ao real. E, nesse abismo, a dor interminável.

Na escola, Dolores sofre porque se sente imprestável para as “coisas lógicas”. Não consegue entender que esse defeito é também, e ao mesmo tempo, uma qualidade. Porque é imperfeita, sua vida é uma longa viagem através de uma estrada cheia de imagens belas, ainda que com um chão torto e esburacado. Fantasmas do passado, como o tio-avô Félix, que vive em uma cadeira de rodas envolto em sua manta, assombram seu cotidiano. Na casa de mar da avó querida, a empregada Nena — que não pode ter filhos — inventa um filho imaginário, chamado Deco, para se salvar. Como Dolores, também Nena acredita que só existe salvação fora do real. A realidade é pedra. A imaginação, água. Nem Dolores, nem Nena cogitam que a água pode perfurar a pedra e nela desenhar um futuro.

Na adolescência, e depois na vida adulta, as decepções de Dolores continuam. As experiências amorosas têm, primeiro, a aparência de um sonho. Mas, logo depois, essa imagem — como em um espelho partido — se racha, deixando sangrar a dor de existir. No entanto, essa dor é o tempero do mundo. A irmã Dália ainda sugere a Dolores que abandone seus sonhos e viva um pouco. “Olhe em torno, há muita coisa boa nessa vida, que você nem imagina”. Ela se espanta: “Mesmo pra mim?” Também Dália não escapará do sofrimento: casada, terá um bebê ciclope — com um só olho no meio da testa —, que não passará dos quatro meses de vida. Com seu único  e medonho olho, o bebê carrega no corpo o sonho, mas também o pesadelo, de um mundo completo. Um mundo único e fechado, no qual a divisão — marca do humano — é vivida como uma condenação

“Esta festa é para o Brasil real” - ARIANO SUASSUNA



ARIANO SUASSUNA
Escritor, na abertura da primeira edição da Flupp

Literatura nas favelas


Nesta semana, debates literários, livros e exposições tomaram as favelas do Fallet e dos Prazeres, em Santa Teresa, durante a primeira edição da Festa Literária Internacional das UPPs (Flupp). Em um charmoso casarão no alto do morro, as narrativas de Lima Barreto, homenageado da edição, além de outros temas foram debatidos por autores em mesas variadas. A programação seguirá até amanhã à noite.

A Flupp foi inaugurada na quarta-feira com uma pequena versão da tradicional aula-espetáculo do escritor pernambucano Ariano Suassuna. Durante a abertura, o autor contou alguns “causos” e lembrou Machado de Assis para tentar explicar a importância da nova festa.

— O convite para participar da Flupp me tocou muito. Machado de Assis dividia o Brasil em dois: o real e o oficial. Esta festa é para o Brasil real — afirmou escritor.

Nos moldes da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), que espalha tendas com atividades culturais no centro da cidade histórica do sul fluminense, os diversos espaços da Flupp abrigaram contação de histórias para os pequenos na Flupp Parque, a exposição sobre Lima Barreto no Espaço Clara dos Anjos e debates na Tenda Policarpo Quaresma.

Além de escritores brasileiros, como João Ubaldo Ribeiro e Ana Maria Machado, autores britânicos também participaram da Flupp, apoiados pelo projeto Transform de intercâmbio cultural do British Council. Yvvette Edwards, Kei Miller e Naomi Alderman trocaram ideias sobre as diferenças e similaridades da produção literária brasileira e da britânica. Para Suzie Nicklin, diretora de literatura do British Council, um dos objetivos do programa é “desconstruir os estereótipos por meio da literatura”.

Hoje, o poeta Ferreira Gullar participa da mesa “O Brasil dos meus poemas”, com mediação do curador da Flip, Miguel Conde, às 17h. (Mariana Moreira) l

O prefeito e o prometido - Zuenir Ventura


O Globo 10/11/2012 

Com o apoio da maioria dos vereadores e do alto de seus mais de 2 milhões de votos, o prefeito reeleito pode tudo, até descumprir promessas de campanha. Ainda é cedo para cobrar o cumprimento de todas, mas já se pode discutir o descumprimento de algumas, como o caso dos transportes e do IPTU. Não me lembro se ele prometeu não aumentar os ônibus, mas duvido que tenha anunciado que haveria outro reajuste de 10% em 2013, elevando para R$ 3,02 as passagens, que serão então as mais altas da região, incluindo SP. Não consigo imaginá-lo num comício anunciando: “E vou aumentar as passagens de ônibus!” No caso do IPTU, ele sempre poderá dizer que foi ambíguo, que não garantiu nada. Quando lhe perguntaram em uma entrevista o que faria, ele desconversou e respondeu que iria “olhar a questão”, acrescentando: “O que não resultará necessariamente em aumento.”

A vereadora Andréa Gouvêa Vieira, no entanto, considera a atitude do prefeito “politicamente vergonhosa do ponto de vista ético”. Segundo ela, “ele disse várias vezes na campanha eleitoral que não mexeria no imposto. Quando, depois da eleição, retirou este item da sua lista das promessas, mentiu de novo, dizendo que o assunto ainda estava em estudo. A proposta está pronta há muito tempo, tanto é que o projeto de lei está chegando à Câmara Municipal”. Na verdade, depois de uma reunião com 27 vereadores na segunda-feira e diante da reação da sociedade, o prefeito mudou de ideia: “A gente queria aprovar para o ano que vem, mas não há tempo pra isso. Essa é uma discussão que a gente vai ter o ano que vem inteiro.”

Vai ter, sim, porque uma das queixas mais ouvidas foi a falta de transparência nos critérios a serem adotados. Admite-se a necessidade de correção de valores, que estão defasados, pois a tabela de cobrança é de 1997, que previa inclusive abatimentos para imóveis em áreas de risco, junto a favelas agora pacificadas. Também não é justo que cerca de 700 mil paguem o seu imposto e mais de um milhão estejam isentos. Portanto, uma atualização seria razoável. Mas e a contrapartida? O que o contribuinte receberá em troca? “Só ando a pé e quase caio com os buracos nas calçadas e os desníveis”, reclamou um aposentado do Alto Leblon, repetindo uma queixa de moradores de vários bairros. “É tão absurdo que nem acredito que será mesmo apresentado”, reagiu o ex-prefeito Cesar Maia, agora na cômoda posição de vereador oposicionista.

Drogas da inteligência - ALOK JHA


Relatório gera preocupações éticas sobre tecnologias que melhoram o ser humano

ALOK JHA
DO "GUARDIAN

Drogas e tecnologias digitais que permitirão às pessoas trabalhar com mais empenho, por mais tempo e com mais inteligência devem surgir em breve, segundo cientistas e especialistas em ética, e por isso precisamos decidir agora qual será a melhor maneira de garantir seu uso adequado.
Esses comentários foram publicados na última quarta (7) em um relatório sobre o aprimoramento humano no local de trabalho, escrito por especialistas da Real Sociedade britânica, da Real Academia de Engenharia, da Academia Britânica e da Academia de Ciências Médicas.
O texto, intitulado "Aprimoramento Humano e o Futuro do Trabalho", leva em conta tudo o que poderia ser dito para melhorar a capacidade de trabalho das pessoas, incluindo as chamadas "drogas da inteligência", capazes de estimular a memória e a atenção, e também recursos físicos e digitais, como implantes biônicos ou tecnologias informatizadas cada vez mais eficientes para armazenar e acessar informações.
Genevra Richardson, professora de direito no King's College, em Londres, e presidente do comitê gestor que produziu o relatório, disse ter definido "aprimoramento humano" como sendo as tecnologias que melhoram uma pessoa além da norma. "Elas podem influenciar nossa capacidade de aprender ou realizar tarefas, influenciar nossa motivação, poderiam nos permitir trabalhar em condições mais extremas, ou até a velhice", afirmou ela.
"Embora as tecnologias de aprimoramento humano possam beneficiar sociedades de formas importantes, seu uso no trabalho também gera sérias questões éticas, políticas e econômicas, que exigem ampla consideração. Essas questões incluem como o público vê essas tecnologias, e quais são as consequências do seu uso prolongado para os indivíduos. Há a questão da coerção. E quem paga? Se o indivíduo particular pagar, então os ricos vão ficar cada vez mais inteligentes."
As drogas de melhoria cognitiva, por exemplo, podem tornar as pessoas mais produtivas no trabalho, permitindo que realizem as tarefas com mais eficiência e satisfação, segundo Barbara Sahakian, neurocientista da Universidade de Cambridge. "Mas se conseguirmos melhorar a produção econômica do Reino Unido, será que essa competitividade deve nos guiar a ponto de queremos fazer isso como nação?"
Eric Gay-28.ago.2010/AP
A jogadora de basquete americana Diana Taurasi, pega no antidoping pelo uso do estimulante Modafinil
A jogadora de basquete americana Diana Taurasi, pega no antidoping pelo uso do estimulante Modafinil
O Modafinil, desenvolvido originalmente como tratamento contra a narcolepsia, provou melhorar a atenção e tornar as tarefas mais agradáveis, em comparação a um placebo. Ele demonstrou também reduzir o índice de acidentes entre trabalhadores em plantões. Outras drogas usadas sem receitas incluem Adderall e a Ritalina, por alunos universitários que querem mais concentração, e a cetamina, consumida por médicos como antidepressivo de ação rápida.
Drogas concebidas para mitigar o mal de Alzheimer e doenças cerebrais como a esquizofrenia também pode ser usadas no futuro por pessoas saudáveis para reforçar sua capacidade cognitiva, segundo Sahakian.

OPÇÃO PESSOAL

Usar estimuladores cognitivos como uma opção pessoal é apenas uma parte da história. E se um motorista de ônibus for obrigado por seu patrão a usar drogas de melhoria cognitiva a fim de permanecer acordado e trabalhar por mais tempo, perguntou Sahakian. "Isso é aceitável? Se você vai ser empregado numa situação dessas, isso é uma coisa boa para as pessoas?"
Nigel Shadbolt, professor de inteligência artificial da Universidade de Southampton, disse que as tecnologias físicas e digitais destinadas a melhorar a capacidade humana já estão tão onipresentes que nem tomamos ciência de que existem. "Se você não acredita que o aprimoramento tecnológico já está aí, tente desligar a barafunda de aplicativos que vão da web aos seus celulares."
O crescente poder e velocidade da informática, acrescentou ele, significarão que as pessoas poderão armazenar toda uma vida das suas experiências em vigília num dispositivo portátil.
Exoesqueletos e membros biônicos ajudariam não só deficientes a recuperarem funções úteis, como também poderiam ser usados por outros para andar ou correr mais rapidamente, ou para fazer mais trabalhos físicos, disse Shadbolt.
Jackie Leach Scully, especialista em ética da Universidade de Newcastle, disse que, apesar das muitas vantagens de um futuro de aperfeiçoamento humano, é preciso haver um debate público para garantir que as pessoas não sejam obrigadas a trabalhar em condições inadequadas só porque drogas ou outros aprimoramentos assim permitem. "Temos nos empenhado muito neste país e em outros lugares para estabelecer exigências legais quanto a condições de trabalho toleráveis, e a última coisa que gostaríamos de ver acontecer é que isso nos escape", afirmou.
Sahakian disse que também é importante iniciar estudos prolongados a respeito do efeito das drogas de aprimoramento cognitivo sobre pessoas saudáveis. Atualmente, milhares e milhares de pessoas compram essas drogas pela internet, mas, caso testes tenham aferido sua segurança, os consumidores deveriam poder saber mais sobre seus efeitos, e comprá-las em locais credenciados, como farmácias.
Richardson disse que o objetivo do relatório era despertar o interesse para essa questão por parte de empregadores, sindicatos, agências reguladoras e governo. "O potencial de aprimoramento humano em geral tem atraído um grande interesse público e acadêmico, mas pouquíssima atenção tem sido dada às implicações das tecnologias de aperfeiçoamento humano no contexto do trabalho", disse ela. "O que esperamos é que este relatório inicie e forme um debate muito necessário."
Tradução de RODRIGO LEITE.

Charge [João Montanaro]


Charge


A hora do café


HORA DO CAFÉ      MANDRADE

Quadrinhos


CHICLETE COM BANANA      ANGELI

ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE

LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO

CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES

FERNANDO GONSALES
PRETO NO BRANCO      ALLAN SIEBER

ALLAN SIEBER
QUASE NADA      FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ

FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ
HAGAR      DIK BROWNE


PAISAGENS MINEIRAS » Terra de todas as maravilhas - Arnaldo Viana‏

PAISAGENS MINEIRAS » Terra de todas as maravilhas 

Terceira edição do concurso de fotografias do patrimônio, natural, cultural e histórico do estado começa dia 31, com inscrições em quatro categorias
 

Arnaldo Viana
Estado de Minas 10/11/2012
Minas Gerais é maior do que imaginamos. Não estamos falando, absolutamente, do território, mas dos tesouros expostos nos topos das montanhas; no verde bucólico dos vales, na flor d’água de rios, lagos e lagos; nas porteiras, fachadas e telhados dos casarões das fazendas seculares; nas torres e sinos de igrejas e no adobe de residências coloniais. Estamos falando das flores e frutos do sertão do cerrado e da mata atlântica; do barroco, da art déco e do modernismo que pintam de tendências nossos olhos; de festas folclóricas, danças e artesanato. Não há, sem dúvida, memória suficiente para tanto, nem para as maravilhas escondidas em cavernas, ravinas, veredas e nos fundos dos quintais. É preciso guardar essa riqueza de outras formas, como em textos e imagens.

E é para eternizar o que há de belo e marcante nesse território que os Diários Associados, com patrocínio da Petrobras, lançam a terceira edição do concurso Paisagens Mineiras http://www.dzai.com.br/pm/  . Para participar, bastam uma boa câmera fotográfica nas mãos, um olhar cuidadoso, observador, sobre tudo e identidade com a cultura, a geografia, a tradição e a história do estado. Clique o que entende como uma boa referência natural, cultural ou histórica de Minas. Verifique se a fotografia é fiel à cena e, a partir do dia 31, a envie parawww.paisagensmineiras.com.br. Nesta edição, as fotos podem ser inscritas em quatro categorias: Cidades Históricas e Natureza; Cultura e Artesanato; Paisagens Urbanas e Cozinha Mineira.

Na categoria Cidades Históricas e Natureza podem ser inscritas fotos de igrejas, construções históricas, parques ecológicos, reservas naturais, estátuas e monumentos públicos, coretos, oratórios, peças sacras. Na Cultura e Artesanato, representações da cultura e artesanato mineiro em expressões populares como congado, teatro, festas juninas, batuques; além de objetos típicos feitos de chita, barro, pedra-sabão, estanho, palha, cabaça, tapetes de serragem, entre outros. Em Paisagens Urbanas, fotografias de movimentos urbanos, viadutos, vistas de cidades, edificações, aglomerados, linhas sólidas e contemporâneas. Em Cozinha Mineira, imagens de feiras livres, de diversidade de alimentos e de toda a tradição gastronômica do estado refletida nos hábitos cotidianos.

SELETIVAS O concurso é dividido em quatro seletivas. A cada uma, duas fotos de cada categoria serão selecionadas por uma comissão julgadora (segundo critérios de qualidade técnica, representatividade para o estado e estética), totalizando oito fotografias, que disputarão o voto popular pela internet. Os autores das duas mais votadas em cada etapa escolherão uma instituição educacional ou assistencial da região fotografada para ganhar um kit multimídia: computador, monitor LCD e impressora multifuncional. A entrega dos prêmios será registrada em matérias no Estado de Minas e na TV Alterosa.

_ As imagens vencedoras de cada fase voltam a competir no final do concurso pelo voto popular (oito finalistas). O autor da mais votada será conhecido no evento de premiação e ganhará uma moderna câmera fotográfica digital. A terceira edição do Paisagens Mineiras apresenta, ainda, a categoria especial Instagram, na qual as fotografias podem ser inscritas durante todo o concurso, independentemente de seletivas, por meio da sua publicação no Instagram com a hashtag#paisagensmineiras. O candidato deverá antes se cadastrar no site do concurso.

O autor da melhor foto dessa categoria, eleita por uma comissão no final do concurso, ganhará uma câmera especial tipo lomo. Ao final do Paisagens Mineiras todas as fotos selecionadas pela comissão julgadora serão publicadas em revista especial que circulará encartada no Estado de Minas, com versão especial para iPad, e serão mostradas ao público em uma exposição.

Intensa participação popular 
Publicação: 10/11/2012 04:00
Paisagens Mineiras recebeu em sua segunda edição 4.369 fotografias. Durante a promoção, o site registrou 533.385 votos, com 1,2 milhão de acessos. Mas a participação do público na escolha das melhores imagens não se limitou à internet. Houve votação itinerante em Belo Horizonte, Betim, Contagem e Ipatinga. Por meio de tablets, com plataforma especialmente desenvolvida para o concurso, o público pôde participar, nas ruas, da escolha da melhor imagem.

O vencedor, depois de todas as seletivas da segunda edição, foi Gabriel Oliveira, de Itabira, com o retrato de uma bucólica paisagem de seu município. Teve 83.734 votos, 47,25% do total recebido na final. Além de seis meses de assinatura do Estado de Minas e uma ampliação da foto impressa em papel especial, ele ganhou uma câmera fotográfica Canon EOS 5D Mark II, lente 24-105 e case personalizado.

A cerimônia de premiação ocorreu no Museu de Artes e Ofícios, na Praça da Estação, em BH, com a presença de autoridades, finalistas e convidados, representantes dos Diários Associados e das instituições beneficiadas. As fotos vencedoras das seletivas, incluindo a da final, foram expostas por 15 dias no terminal rodoviário da capital e no Minas Tênis Clube. 

A revista Paisagens Mineiras circulou com novo leiaute. As fotografias foram publicadas em páginas inteiras. A tiragem da revista foi de 102 mil exemplares, distribuídos aos assinantes do EM e colocados para venda avulsa em bancas de revistas do estado. Além do novo formato, a diagramação foi especialmente pensada para ganhar destaque na edição virtual desenvolvida para o iPad, com conteúdo exclusivo disponível no aplicativo dom jornal. 

Além de Gabriel Oliveira, vencedor de uma das seletivas e da final, os ganhadores das outras sete etapas foram Antônio Carvalho (São João del-Rei), Letícia Hosken (Santa Bárbara), Jean Carlo Oliveira (Espera Feliz), Alexandra Vilas Boas (Milho Verde), Rodrigo Dias (Gouveia), João Batista Sá do Nascimento (Muriaé) e Sidney de Almeida (Oliveira). Instituições premiadas com o kit multimídia na segunda edição: as Apaes de Espera Feliz, Gouveia, Oliveira e Santa Bárbara; o Centro Espírita São Vicente de Paulo, de Patrocínio de Muriaé; o Albergue Santo Antônio de São João del-Rei; as escolas estaduais Professora Palmira Morais, de Itabira, e Joaquim Salles, do Serro.

Porta aberta para o mundo

O concurso Paisagens Mineiras  http://www.dzai.com.br/pm/  não só abre portas para exposição das maravilhas do patrimônio natural, histórico e cultural do estado como também proporciona visibilidade aos participantes. Na primeira edição, com 4.323 fotos inscritas, que receberam 545,8 mil votos, o vencedor foi Achille de Pace, com a foto de uma ponte ferroviária sobre um rio, em Santa Rita de Jacutinga, Zona da Mata. Com o prêmio, ele decidiu definitivamente pelo trabalho com fotografia. 

Antônio Carvalho, de São João del-Rei, no Campo das Vertentes, vencedor de uma das seletivas da segunda edição, ainda está surpreso com o sucesso. “Além da oportunidade de mostrar mais uma imagem da minha histórica cidade, a repercussão foi grande. Recebi e-mails até de fotógrafos profissionais parabenizando pela foto. Tanto recomendo a participação no concurso que estou preparado para concorrer novamente.”


 Alexandra Vilas Boas, outra vencedora de etapa na segunda edição, com uma fotografia do bucólico distrito de Milho Verde, no município do Serro, Região Central, comemora. “Como fotógrafa, ganhei visibilidade, mais perspectivas na minha profissão. Formada e publicidade e pós-graduada em fotografia, diz que seu trabalho tem hoje outra dimensão. “Foi importante participar do Paisagens Mineiras e o recomendo a quem estiver disposto a inscrever uma imagem.” 

Sidney de Almeida está feliz pela oportunidade que teve no concurso para mostrar uma das maravilhas de sua cidade, Oliveira, Região Centro-Oeste, também terra natal do cientista e bacteriologista Carlos Chagas (1878-1934). “Gosto de divulgar minha terra de forma positiva. Meu trabalho, fotografias de eventos sociais, ganhou projeção, pois a repercussão de minha participação no Paisagens Mineiras foi muito grande.”

Signo de Minas - Angelo Oswaldo‏

Matriz de Nossa Senhora do Pilar, a catedral do barroco mineiro, vai se tornar basílica. Erguido na década de 1700, o templo sintetiza a história de Ouro Preto 

Angelo Oswaldo
Estado de Minas: 10/11/2012 


Matriz de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto ganha reconhecimento eclesiástico, que sempre foi expresso pela população da cidade


Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar é a morada da padroeira de Ouro Preto. De uma palhoça construída pelos primeiros mineradores, na alvorada do século 18, transformou-se no esplêndido templo que recebe do papa Bento XVI a dignidade de basílica, primeira da cidade patrimônio mundial e quinta da Arquidiocese de Mariana. Dom Geraldo Lyrio Rocha, ao lado do pároco do Pilar, padre Marcelo Santiago, realiza a dedicação da nova basílica em 1º de dezembro. O templo torna-se sede de vários privilégios eclesiásticos e se liga diretamente ao pontífice romano. 

Ergueu-se a capela no Fundo de Ouro Preto, assim chamada a parte baixa do primitivo arraial, no qual se aglomeraram os reinóis chegados ao território dominado pelos paulistas pioneiros. Cresceu como referência na história da arte pela originalidade e riqueza de sua ornamentação. É centro de forte devoção. Os moradores de Ouro Preto, no exato momento da criação de Vila Rica, em 8 de julho de 1711, reunindo os diversos arraiais da região, pediram ao governador Antônio de Albuquerque fosse a Virgem do Pilar declarada padroeira da nova vila, conforme se registrou no termo então firmado.

O poeta e ensaísta Affonso Ávila afirma que o Pilar representa, “na sua monumentalidade, a marca de um contingente humano, de um conglomerado cristão que veio para apropriar-se social e economicamente de uma extensão dadivosa da colônia, para nela trabalhar, construir uma vida e uma descendência, enfim, para nela permanecer: a igreja magnífica é um signo religioso e cultural de um desejo coletivo de fixação”. O historiador português Jaime Cortesão percebeu a referência das origens na definição da velha capital das Minas: “Ao vê-la assim tão genuinamente setecentista, pareceu-me que havia fundido em si, com perfeita harmonia, para melhor beleza da cidade, a severidade transmontana de Vila Real, a opulência religiosa de Braga e a majestade senhoril de Coimbra”.

Ao escrever sobre “a arte em Ouro Preto”, o historiador Diogo de Vasconcellos sublinha o fato de que, “sertão bravio, longe de recursos, disputado ousadamente às brenhas e às feras”, o território das minas de ouro “começou por não ter que dar aos invasores abrigo outro que as cabanas grosseiras de ramos enlaçados”. Mas, acrescenta, “as construções de madeira aparelhada não se fizeram esperar, sendo antes de tudo substituídas as palhoças, que se destinaram a oratórios, por edifícios mais regulares”. Diz, ainda, que, “fundadas todas as casas por portugueses incultos, trouxeram de suas aldeias o tipo desproporcionado e sombrio das velhas construções”.

A taipa de pilão (barro e pedras socados) é percebida em “janela” praticada na parede do corredor da sacristia, sendo, portanto, parede da capela-mor do Pilar. A construção da década de 1720, concluída em 1733, quando das festas opulentas do Triunfo Eucarístico, o célebre festival barroquista, deixou esse remanescente original, recorrente nas primeiras edificações de Ouro Preto. O exterior do templo teve sua estrutura de taipa substituída por alvenaria de pedra, um século mais tarde, nos anos de 1820, quando a deterioração ameaçava o edifício por inteiro. Isso ocorreu sem afetar a harmonia do conjunto.


No interior do templo, se destaca a riqueza da ornamentação e a força arquitetônica e simbólica dos elementos religiosos

Zimbório 
Detalhe curioso foi a breve existência de um zimbório sextavado na capela-mor. Implantado em 1754, foi eliminado em agosto de 1770, devido a problemas causados pela infiltração de águas pluviais. Elemento usado para permitir a luz zenital, aparece no cimo de abóbadas, cúpulas e telhados, e assim foi no Pilar. Em seu lugar, “para cobrir-lhe decorosamente o vão”, encomendou-se o painel da Santa Ceia (1772), pintura sobre madeira, que ali se vê. Rodrigo Almeida Bastos, arquiteto, engenheiro e professor da UFMG, focaliza o tema em sua tese de doutorado na USP, “A maravilhosa fábrica de virtudes: o decoro na arquitetura religiosa de Vila Rica, Minas Gerais (1711-1822)”. De outro zimbório ouro-pretano encontra-se registro no camarim do altar-mor da Igreja do Carmo.

Nas densas discussões sobre o destino do zimbório, ornamentação e fábrica da matriz ouro-pretana, pode-se identificar o fenômeno que o historiador da arte francês Germain Bazin constatou nas Minas Gerais do Ciclo do Ouro: “Pela primeira vez, assistimos a puras especulações estéticas, geradoras de formas criadas ‘para a arte’ (...) o que poderíamos chamar de o nascimento do sentimento estético no Brasil”.

Segundo Rodrigo Almeida Bastos, em nenhuma das antigas matrizes de Minas Gerais “o modo de efetivação da eloquência arquitetônica é tão engenhoso” como no Pilar de Ouro Preto. A “máquina engenhosa” integra pés-direitos, retábulos laterais, púlpitos, tribunas, cimalha real e forro apainelado numa “figura ovada por dentro” de outra, resultando em esplendoroso ambiente cenográfico. O primeiro dos altares laterais à esquerda da nave contém partes do primevo altar-mor entalhado em madeira, por ser encimado pela figura de Deus Pai, o que contraria o princípio teocêntrico e denota a procedência e a reutilização. 

Festa para os olhos, o espetáculo proporcionado pelo delírio da talha dourada é sustentado pelo precário acabamento das partes posteriores dos retábulos, cuja exuberância frontal jamais deixaria pressupor tanto desalinho. Quando se passa por pequena porta, no corredor da sacristia, tem-se acesso a essas estruturas que revelam o desinteresse dos mestres da arte barroca por tudo que não estivesse ao alcance do olhar. 

O prestígio da sede paroquial e a liturgia tridentina explicam a imponência da sacristia, com o forro artezoado policromado, o lavabo em pedra-sabão, o admirável arcaz, o oratório aleijadiano e a elegante mesa que, desmembrada, havia virado dois consoles, durante remoto período. O amplo coro acolheu orquestra regida pelo grande compositor José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita, autor da Salve Regina, sempre executada nas festas do Pilar. Depois de ter atuado em Diamantina e antes de seguir para o Rio de Janeiro, onde morreu em 1805, Lobo de Mesquita participou ativamente da vida musical do Pilar, na qual também se destacaram Francisco Gomes da Rocha, Marcos Coelho Neto e Inácio Parreira Neves.

Antônio Francisco Pombal, tio paterno do Aleijadinho, foi um dos construtores da matriz. Manuel Francisco Lisboa, o pai, também se fez presente. A talha joanina (estilo dom João V) do grande Francisco Xavier de Brito, a partir do projeto de Francisco Barrigua, distingue o retábulo-mor, num dos mais altos momentos do barroco mineiro. O forro da nave e suas belas pinturas em painéis, de autoria de José Carvalhaes, a balaustrada de jacarandá, os púlpitos, o tapa-vento e o batistério somam-se na harmonia dos detalhes que compõem o todo esplendoroso do Pilar. Daí a confidência de Affonso Ávila de ser ela a igreja ouro-pretana que “prende mais que todas os olhos afetivos do contemplador e a atenção ao mesmo tempo lúcida e comovida do estudioso”. 

A Unesco inscreveu Ouro Preto no patrimônio da humanidade, em 1980. No ano do tricentenário da criação da paróquia da padroeira, o papa insere o Pilar na relação dos templos maiores do catolicismo. O arraial minerador se fez monumento mundial e sua velha matriz, catedral do barroco, agora é basílica. 

Angelo Oswaldo de Araújo Santos é jornalista e prefeito de Ouro Preto

Arte ou negócio? (regras de financiamento do cinema nacional)-Gracie Santos‏

Livro do crítico Franthiesco Ballerini mostra que regras de financiamento do cinema nacional privilegiam os realizadores em detrimento do público 

Gracie Santos
Estado de Minas - 10/11/2012

Lançado em 1976, Dona flor e seus dois maridos, de Bruno Barreto, teve público de 10,7 milhões de pessoas


Uma câmera na mão, uma ideia na cabeça e dinheiro público para bancar a criação. Assim, com recursos garantidos desde a implantação das normas de dedução fiscal nos anos 1990, o filme nacional se pagaria antes mesmo de estrear, o que tornaria o público espécie de “bônus”. Com ou sem ele, o cineasta não terá prejuízo, o que alimentaria produção autoral sem a preocupação de atrair espectadores. Essa colocação das mais polêmicas está entre as reflexões do livro Cinema brasileiro no século 21 (Summus Editorial), de Franthiesco Ballerini. Durante dois anos, o jornalista, professor e crítico investigou a cinematografia nacional. Mais do que se possa concluir ou refletir a partir das questões postas – e respondidas por profissionais do meio (51 entrevistados) –, incomoda perceber que o cinema nacional tem longo caminho a percorrer antes de enterrar de vez o preconceito (ou resistência) do brasileiro à produção de seu próprio país.

Independentemente das polêmicas levantadas, o livro de Franthiesco Ballerini faz importante passeio pela história do cinema nacional, guiado por especialistas entrevistados, pesquisas e opiniões. Tudo colocado em texto simples e instigante, ao longo de 12 capítulos. “Bônus” para o leitor (pesquisador ou curioso) são as extensas relações de filmes com mais de 1 milhão de espectadores a partir dos anos 1970, e também daqueles que atingiram de 500 mil a 1 milhão, além de anexo com os longas brasileiros lançados comercialmente entre 2000 e 2009. O autor informa valores totais autorizados para captação, valores captados, bilheteria e público. Trabalho minucioso, contextualizado historicamente e embasado em reportagens (com posições muitas vezes conflitantes).

No prefácio em forma de depoimento, o crítico, cineasta e escritor Jean Claude Bernardet explicita problemas que considera criados pelo fato de o filme já estar pago quando concluído. “Eliminar as leis seria grande besteira, pois tudo desapareceria”, defende. Mas tanto ele quanto o autor discorrem sobre a necessidade de a legislação ser revista. Para Bernardet, deveriam “considerar sistema mais complexo, que envolva capitais de risco na produção, nas empresas e nas fases de transição da produção cinematográfica”. Para o especialista, a esperança vem dos fundos setoriais da Ancine, entre outras opções.





Bernardet acredita que a estrutura das leis de financiamento “tampouco favorece um intercâmbio entre a produção e o público, ou se produz pensando no público.” E afirma: “ Se o filme se paga com os recursos advindos da própria produção, via leis de incentivo, o público não é uma necessidade, ele é um bônus. Isso viciou muito a relação entre as duas partes, entre a produção e o público. (...) Não pensar no público é fruto de toda uma concepção desenvolvida pelos intelectuais sobre o cinema brasileiro desde os anos 1960, referente a um cinema totalmente centrado em um diretor, na ideia de autor, cinema de arte”.

Para Franthiesco Ballerini, “a lei não é incentivo para se fazer cinema com intuito de formação de um público maior”. Deve-se pensar numa fatia do cinema para o público mais fiel, afirma. “Nosso market share fica sempre abaixo de 10%”, lembra, sugerindo a criação de critérios para definir a obtenção de recursos, por meio da lei, vinculada à bilheteria do projeto anterior beneficiado. 

“Se um cineasta lança um filme e faz 50% ou menos de bilheteria do custo do filme, no próximo projeto ele vai poder captar menos dinheiro que da primeira vez. E, se ele continuar com esse grau de bilheteria, o índice deve diminuir. Você vai dizer que isso é dirigismo cultural. Mas ele está usando dinheiro do contribuinte para fazer algo que não é necessidade básica. Isso é muito diferente de estrada e rodovia, o mínimo que ele precisa é pensar em fazer um cinema para o público.”




“Nada impede o cineasta de fazer obra absolutamente hermética, incompreensível, mas com recursos próprios”, alfineta Ballerini, acrescentando que diretores consagrados, por causa de seus nomes, “captam recursos, mas nunca tiveram portfólio de filmes que se pagaram”. O especialista acredita que há “um discurso pseudodemocrático sobre o assunto, de quem não leva em consideração que o dinheiro gasto é recurso público. Cinema não é necessidade básica, tem que haver comprometimento com a formação de plateia. É bem diferente de você usar dinheiro público para dar casa própria, alimentação, pois não precisa esperar retorno”. O Brasil vive uma esquizofrenia, aponta o autor. “Quando você vai financiar uma casa, tem que pagar as prestações à Caixa Econômica Federal”, lembra.

Levantamentos de Ballerini indicam que, das quase 70 produções brasileiras/ano, em média, provavelmente menos de 10% têm capacidade de atingir o público e aumentar o market share do cinema nacional, “fomentando, assim, o hábito de ir ao cinema para assistir às produções feitas internamente, o que é crucial para a formação de uma indústria menos dependente de recursos do Estado”. Ele avalia que praticamente todos os filmes brasileiros usam recursos públicos durante o processo de produção. E diz: “Só em 2010, foram captados mais de R$ 154 milhões para a realização de produções audiovisuais. É muito dinheiro, especialmente levando-se em conta que tal investimento não retorna para o governo nem para o contribuinte”.

Futuro 

Qual seria, então, a melhor diretriz para o cinema brasileiro? “Hoje, estamos no bom caminho, o da heterogeneidade, mas é preciso pensar um pouco mais na formação de plateia, dar menor grau de importância a filmes que não têm potencial de público. Se Daniel Filho tem grande chance de fazer bilheteria, você não pode dar a mesma oportunidade a Júlio Bressane. Daniel tem mais fôlego, está pensando na formação de público. Bressane não. Você vai dizer que é aberração Xuxa e Didi dependerem de dinheiro público, mas eles têm público”, responde.

O jornalista acha que todo o esforço, “que é a conclusão do livro, que não é só minha e que pode incomodar alguns artistas, é que temos que buscar melhores estratégias para sermos cada vez mais vistos por nós mesmos, para gerarmos mais empregos, criarmos o hábito de ver filmes internos e também um ciclo rico de produção artística nacional, que às vezes desaparece. É muito melhor gostarmos de Se eu fosse você que de Harry Potter 7”.

Mercado simbólico


Formar público não é tarefa simples. Certamente, não pode ser algo contabilizado em números, “grau” de bilheteria ou market share. É trabalho de formiguinha, construído anos a fio. Cinema é arte e negócio – como tal, deve gerar empregos, dar lucro, destinar produtos competitivos aos mercados interno e externo. Mas o cinema, como a literatura, o teatro e as artes visuais, pode ser analisado sob outra ótica: a do mercado de bens simbólicos, tema muito bem explorado pelo filósofo e sociólogo francês Pierre Bordieu (1930-2002) em As regras da arte – Gênese e estrutura do campo literário (Companhia das Letras).

No capítulo “Mercado dos bens simbólicos”, Bordieu diz: “Um romance que não faz sucesso tem uma duração de vida (a curto prazo) que pode ser inferior a três semanas. Em caso de sucesso a curto prazo, uma vez subtraídos os gastos de fabricação, os direitos autorais e as despesas de difusão, restam cerca de 20% do preço de venda ao editor, que deve amortizar os não vendidos, financiar seu estoque, pagar seus gastos gerais e seus impostos. Mas, quando um livro prolonga sua carreira além do primeiro ano e entra no ‘acervo’, constitui uma ‘reserva’ financeira que fornece as bases de uma previsão e de uma ‘política’ de investimentos a longo prazo: tendo a primeira edição amortizado os gastos fixos, o livro pode ser reimpresso com preços de custo consideravelmente reduzidos e assegura, assim, recebimentos regulares (recebimentos diretos e também direitos anexos, traduções, edições de bolso, vendas para a televisão ou para o cinema), o que permite financiar investimentos mais ou menos arriscados de forma a garantir, por sua vez, a prazo, o aumento do ‘acervo’”.

Por esse viés ou abordagem do mercado simbólico, não seria impossível dizer, por exemplo, que filmes de Júlio Bressane podem não ter sucesso de bilheteria, mas a longo prazo o diretor vem construindo cinematografia que leva sua obra a cineclubes, escolas, festivais, palestras e a uma infinidade de situações não mensuráveis. É inegável: o diretor sempre amplia o seu “acervo”. Nesses locais por onde trafega, independentemente da baixa bilheteria computada, Bressane amplia seu score e a vida “útil” de sua obra, além de contribuir para formar tanto público de cinema quanto cineastas.

Cidadão Kane (1941, Orson Welles) não foi o campeão de bilheteria de sua época, mas certamente soma uma das maiores arrecadações da história do cinema mundial se computadas suas variadas exibições até hoje. O clássico contribuiu, contribui e continuará contribuindo para a formação de público e de profissionais de cinema.