terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Os grandes exageros da "simplicidade"



Por Vanessa Barone | De São Paulo
AP
Kate Hudson (à esq.) e Nicole Kidman: atrizes chamaram a atenção na cerimônia do Globo de Ouro por causa de uma magreza exageradíssima
Curioso como a palavra "simplicidade" pode ter interpretações diferentes no mundo da moda. Para as coleções masculinas desta temporada de outono 2013, na Europa, simplicidade tem a ver com as belas coleções mostradas pela Prada e pela Salvatore Ferragamo: absolutamente chiques, sem inventar mesmo nada de novo. Já para a moda feminina, o termo "simplicidade" não se aplica às roupas - maravilhosas, como era esperado -, mas ao corpo.
A quase totalidade das estrelas de Hollywood que brilharam no red carpet da cerimônia do Globo de Ouro vestiu-se da mesma forma: de magreza. Em meio a Diors, Alexander McQueens, Marchesas e Chaneis, o que se destacou mais do que tudo foram os corpos esguios demais. A única que tinha uma boa desculpa para isso era Anne Hathaway, que perdeu 11 quilos para viver a prostituta Fantine, no filme "Les Misérables". A própria apresentadora do prêmio, Tina Fey, fez piada com o fato de ter ficado "semanas sem comer para caber no vestido". Outras que devem ter passado por momentos de agonia foram Kate Hudson, Nicole Kidman, Jessica Alba, Emily Blunt e a veterana atriz Helen Mirren. Todas essas aparentaram estar com alguns quilos a menos até mesmo para o ideal de beleza que rege o showbiz. Se o Globo de Ouro é um ensaio para o Oscar, como dizem, o que se pode esperar para a "grande festa do cinema"? Esqueletos cobertos por seda e renda?
AP
À esquerda, em cima e embaixo, modelos desfilando Prada com cores mais claras, azul e marrom-camelo; ao meio, em cima e embaixo também, desfile da Ferragamo, com tons mais escuros (preto e marrom); à direita, em cima e embaixo, desfile de Jil Sanders, com padrão xadrez (em cima) e a gola mais proeminente (embaixo)
Felizmente, nas passarelas masculinas essa tal "simplicidade" foi mais bem traduzida em coleções de encher os olhos. Sem apelar para exageros ou para mudanças radicais de rota, os estilistas propõem a permanência da elegância, em sua forma mais palatável. Foi Miuccia Prada, em declaração ao jornalista Tim Blanks, do "Style.com", quem melhor definiu o "ar do tempo": "A simplicidade é algo muito difícil de conseguir. É duro tornar perfeito o que é normal e clássico". Mas foi justamente o que ela fez na coleção que a própria considerou "a mais sofisticada que já criou". Os seus rapazes trouxeram um clima "cinquentinha" à passarela, com looks bastante comportados para os padrões da Prada. Miuccia caprichou nos tecidos. Tons vivos de azul e vermelho aparecem discretamente em meio a cáquis e cinzas. A coleção traz linhas retas e privilegia o conjunto de paletó e calça descoordenados, no lugar dos costumes. O casaco 7/8 destaca-se em combinações para o dia a dia, substituindo o blazer tradicional. Calças um pouco mais curtas e rapazes com cabelos compridos e com franjas reforçaram o clima retrô.
A Salvatore Ferragamo foi ainda mais reducionista nas cores. A coleção mostrada na passarela é praticamente inteira preta e azul-marinho - com as cores, inclusive combinadas entre si. O aspecto é de puro mistério e exala poder. Há looks para vários perfis de consumidor: do jovem motociclista, que usa a jaqueta quadrada e mais curta, ao executivo que joga o sobretudo nos ombros. As poucas ousadias estão em suas calças de couro, aqui, ou no poncho usado sobre um terno, acolá. Nada que já não tenha sido visto, mas que foi tratado com preciosismo pela casa italiana.
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Abaixo e à esquerda, no blazer estampado, exemplo da coleção mais ousada de Dolce & Gabbana; acima e no canto inferior direito, desfile da Burberry. Sem apelar para exageros ou para mudanças radicais de rota, os estilistas propõem a permanência da elegância, em sua forma mais palatável
A cartela de cores da Burberry é mais clara e traz a tradicional combinação da marca, entre cáqui, preto, branco e vermelho. Não por acaso, a coleção foi batizada pelo estilista Christopher Bailey de "I Love Classics". Clássicos atualizados, é bom que se diga. Afinal, a silhueta é ajustada e os homens usam sapatos, óculos e bolsas com estampa de leopardo. O trench coat é a peça-chave, em versões que vão do mais tradicional ao extravagante. Os casacos 7/8 da coleção fogem do clássico, com experimentações na textura (ora peluda, ora com aspecto molhado ou emborrachado) e na estamparia (leopardo e zebra). Há também uma série de casacos com inspiração militar, para os mais tradicionais.
O uniforme militar também apareceu no desfile da grife Jil Sander, embora de maneira mais sutil. Batizada de "masculinidade épica", a coleção exala retidão, uma vontade de ir direto ao ponto e mostrar só o que interessa. A imagem combina com o homem europeu contemporâneo - que vê a economia desabar e não pode perder tempo com firulas. As linhas retas da padronagem reforçam esse conceito. Há costumes inteiramente vermelhos, há momentos em que o colete vira túnica, mas nada apela para a androgenia.
O mesmo não se pode dizer do desfile da Dolce & Gabbana, uma das poucas marcas a não embarcar na "simple and chic" da temporada. Como já fez antes, a dupla de estilistas não teve medo de levar a imagem masculina aos limites do fantasioso - que o diga o astro do futebol Lionel Messi. Aliás, ele, que se cuide, pois a nova coleção da Dolce & Gabbana tem, mais uma vez, potencial para virar manchete de jornal, com paletós com acabamento de renda, blusas bordadas com pedrarias coloridas, blazers e casacões com desenho de flores feito no jacquard. É roupa para metrossexual nenhum botar defeito, mas ainda assim, infinitamente sutil se comparada à coleção da Versace - essa sim um festival de excentricidades. Difícil definir o homem idealizado pela Versace, que se cobre de megaestampas sem um critério aparente. Certamente, esse homem tem o seu lugar na moda. Mas num mundo em convulsão econômica ele parece tudo, menos apropriado.


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CHICLETE COM BANANA      ANGELI

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PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE
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DAIQUIRI      CACO GALHARDO

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MUNDO MONSTRO      ADÃO ITURRUSGARAI

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BIFALAND, A CIDADE MALDITA      ALLAN SIEBER

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MALVADOS      ANDRÉ DAHMER

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GARFIELD      JIM DAVIS

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HORA DO CAFÉ      MANDRADE

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Nova lei busca tirar do limbo jurídico e social mais de 2 milhões de brasileiros afetados pelo autismo

FOLHA DE SÃO PAULO

Menos invisível
Nova lei busca tirar do limbo jurídico e social mais de 2 milhões de brasileiros afetados pelo autismo, transtorno pouco conhecido e mal compreendido no país
Gabo Morales/Folhapress
Em seu quarto, Rafael Camargo Ferraz Oliveira brinca com a irmã, Carolina
Em seu quarto, Rafael Camargo Ferraz Oliveira brinca com a irmã, Carolina
IARA BIDERMANDE SÃO PAULOUma lei instituindo a política nacional para proteção aos direitos da pessoa com transtorno do espectro autista acabou de ser promulgada.
Mas a data, 27/12, espremida no meio do feriadão entre Natal e Ano-Novo, passou despercebida, assim como o problema, que atinge estimados 2 milhões de brasileiros -uma população três vezes maior do que a portadora de síndrome de Down.
"Os autistas no Brasil são invisíveis. A população não sabe o que é, a maioria dos profissionais não sabe do que se trata", diz o psiquiatra Estevão Vadasz, coordenador do programa de transtornos do espectro autista do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo.
É quase um quebra-cabeça compreender e reconhecer o autismo, que pode se apresentar tanto numa pessoa com alguma habilidade extraordinária e boa cognição quanto em alguém com séria deficiência intelectual e que não consegue se comunicar verbalmente.
Por isso, hoje, é chamado de espectro autista, um guarda-chuva que abriga os diversos graus de severidade do distúrbio.
Os diferentes tipos têm três características em comum: comprometimento na área de comunicação e linguagem; transtornos de socialização; interesses restritos e comportamentos repetitivos.
São alterações que podem ser chamadas de comportamentais, mas a teoria mais aceita atualmente é a de que as causas são genéticas.
"Existem mais de mil genes possivelmente comprometidos que podem levar ao autismo. Uns poucos são herdados, mas, na maior parte, são mutações espontâneas e imprevisíveis, ocorrem por acidente ", afirma Vadasz.
Os neurônios dos autistas são mais curtos e com menos ramificações, o que dificulta a condução, a transmissão e o processamento de informações. As alterações vão se manifestar até por volta de um ano e meio de vida.

INVISIBILIDADE
Isso aumenta a invisibilidade dessas pessoas. "Não dá para reconhecer pela aparência, é igual a de um bebê típico. E há casos em que o desenvolvimento no primeiro ano é normal e, depois, a criança deixa de falar e interagir. Imagine a angústia dos pais", diz Joana Portolese, neuropsicóloga e coordenadora da ONG Autismo e Realidade, de São Paulo.
Os casos em que o bebê começa a se desenvolver normalmente e depois volta para trás, chamados de autismo regressivo, correspondem a 10% dos autistas. Os outros 90% manifestam sintomas a partir do oitavo ou nono mês de vida, mas, na maioria das vezes, os sinais não são compreendidos pelos pais.
Embora não exista cura para o autismo, essas pessoas terão um prognóstico melhor se receberem tratamento -preferencialmente, o mais cedo possível.
As terapias incluem técnicas para desenvolver a comunicação por meio de cartões com figuras, criação de rotinas rígidas e sensibilização e orientação das pessoas que convivem com o autista.
"É lugar-comum dizer que o autista não faz contato, mas não é bem assim. Eles entendem o que se passa ao redor. A questão é como as informações são colocadas por nós para eles", diz Portolese.


    'Escola especial não é o ideal, mas às vezes é necessária', diz advogada
    DE SÃO PAULOFernanda Raquel Santana, 19, gosta de conversar sobre videogames, bandas de rock pesado e aviação comercial.
    Rafael Camargo Ferraz Oliveira, 10, também é vidrado em aviões e adora mostrar sua coleção, mas conversar sobre ela está fora de questão.
    A jovem e o menino estão nos dois extremos do espectro autista. Fernanda é asperger, um tipo de autismo caracterizado pela preservação das habilidades cognitivas e maior capacidade verbal, enquanto Rafael é o chamado autista "clássico", com comprometimento mais grave.
    "A maior dificuldade dele é com a linguagem", conta a mãe, a advogada Alessandra Camargo Ferraz, 42. Mas o tratamento intensivo -33 horas semanais de psicoterapia, fonoaudiólogo e aulas especiais- ajuda Rafael a se comunicar, cumprir rotinas, ir à escola (ele foi alfabetizado). E, sim, ele faz contato.
    "Dizem que o autista vive num mundo à parte. Não: o problema é que ele vive no nosso mundo, mas precisa aprender como", diz a mãe.
    O aprendizado implica acesso a tratamento e escola para essas pessoas, recém-saídas de um limbo jurídico ao terem seus direitos equiparados aos de brasileiros com deficiências -antes, legalmente, autistas não eram considerados deficientes.
    "A nova lei cria diretrizes para um plano nacional de proteção. Vamos ver como vai ser na prática. É preciso tirar essa população do limbo social: muitos ficam presos em casa e até as mães são excluídas socialmente, porque têm que cuidar dos filhos", diz a advogada Renata Tibyriça.
    A mãe de Fernanda, Regiane Nascimento, 52, largou trabalho e faculdade para ajudar a filha, que passou por diversas escolas, apesar de não ter deficiência cognitiva.
    NAMORO E BULLYING
    Além da alta funcionalidade, Fernanda tem uma habilidade acima da média para o desenho. Dragões, figuras inspiradas no antigo Egito e personagens de animações são seus temas prediletos.
    Ela já ilustrou um livro didático e sonha em fazer seu desenho animado. Já tem o roteiro pronto: a história, passada na cidade imaginária de Monstrópolis, fala de namoro e de bullying na escola.
    Na Defensoria Pública do Estado de São Paulo, onde Tibyriça trabalha, são atendidos cerca de 30 casos por mês relacionados a demandas de familiares de autistas: escola, tratamentos, transporte especial, além de denúncias de discriminação e maus-tratos em instituições.
    "A inclusão escolar não tem funcionado como deveria. Temos que abrir caminho para a qualificação dos profissionais e das instituições e entender que nem todo autista pode ser colocado em sala regular. Escola especial não é o ideal, mas é o real para alguns casos", diz Tibyriça.
    Em São Paulo, uma sentença de ação civil pública obriga o Estado a ter centros especiais para autistas e, na ausência destes, custear tratamento particular.
    A inclusão do autista gera um conflito muito rico, segundo a psicanalista Fernanda De Franceschi, que defendeu uma tese sobre o tema.
    "Apesar de o autista quase não se expressar, sua presença denuncia o que está debaixo do tapete, porque perturba a ordem preestabelecida e mostra que a escola precisa se rever", diz Franceschi.
    A lei que determina a inclusão é um ganho por forçar as escolas a se capacitarem, mas a obrigatoriedade é só para a rede pública.
    "A maioria das escolas privadas nega matrícula, principalmente as mais bem avaliadas. Mas, como a escola pública está fazendo isso, a tendência é esse cenário mudar. Os pais estão se conscientizando e pega mal para uma escola 'AA' ser denunciada por negar um aluno autista", diz a psicanalista.

      NO CINEMA
      "Rain Man" (Barry Levinson, 1988)
      Dustin Hoffman vive um autista que conhece o irmão (Tom Cruise) após a morte do pai. Juntos, fazem uma viagem que os aproxima
      "Gilbert Grape - Aprendiz de Sonhador" (Lasse Hallström, 1993)
      Gilbert Grape (Johnny Depp) toma conta de seu irmão autista Arnie (Leonardo DiCaprio) e da mãe extremamente obesa
      "Experimentando a Vida" (John Duigan, 1999)
      Molly (Elisabeth Shue) é uma autista que se submete a uma cirurgia que supostamente a recuperaria. Sem sucesso, precisa aceitar sua condição
      "Loucos de Amor" (Petter Næss, 2005)
      Donald (Josh Hartnett) e Isabelle (Radha Mitchell) sofrem de síndrome de Asperger e tentam enfrentar o problema para ficarem juntos
      "O Nome Dela é Sabine" (Sandrine Bonnaire, 2007)
      Com imagens gravadas ao longo de 25 anos, a diretora conta a trajetória da irmã autista, Sabine, que viveu internada em uma instituição psiquiátrica
      "Temple Grandin" (Mick Jackson, 2010)
      Conta a vida de Temple Grandin (Claire Danes), autista criadora de métodos considerados revolucionários para tratamento de gado em matadouros

        Ensino técnico é insumo fundamental para o crescimento

        folha de são paulo

        Análise: Ensino técnico é insumo fundamental para o crescimento


        LUIS ALBERTO PIEMONTE

        ESPECIAL PARA A FOLHA
        Após a Segunda Guerra Mundial, a reconstrução na Alemanha e no Japão demandou de 15 a 20 anos, tempo surpreendentemente curto frente aos danos ocorridos.
        Durante e após a reconstrução, os dois países investiram fortemente em educação, principalmente o país asiático. A reforma focou o ensino público, que atende a 90% da população, básico e técnico; e na remuneração concedida aos professores, que é 25% maior do que a média dos servidores públicos.
        Mais tarde, a Coreia do Sul seguiu o mesmo caminho. Bons alunos têm acesso a bolsas, e o governo incentiva a pesquisa. Como resultado, o país cresceu 9% ao ano por mais ou menos três décadas Atualmente, é a vez da China, com um sistema mais "duro": o progresso de professores e estudantes depende dos seus desempenhos.
        Histórico de notas altas permite que ambos frequentem as melhores escolas, nas quais o governo investe mais. Notas menores levam a escolas de menor nível ou o mercado de trabalho. E o crescimento da China também é similar aos casos anteriores.
        Alguns países compreenderam que o conhecimento é o caminho para obter no futuro uma posição destacada. Trata-se de uma questão de vontade social e política.
        Em decorrência de observações feitas durante muitos anos -a partir dos quais desenvolvemos programas específicos para escolas técnicas e empresas-, constatamos que o nível técnico é fundamental para atingir altos níveis de produtividade.
        Estratégias, políticas e planejamento são normalmente de competência de cargos com nível universitário, enquanto "pôr as mãos na massa" nem sempre é "bem-visto". Quem toma as decisões deixa nas mãos de outros a sua implantação.
        Esse distanciamento se repete também horizontalmente, com pouco trabalho em equipe e, consequentemente, pouca reflexão sobre como as coisas são feitas.
        Mudar cultura é possível, porém demorado. É necessário buscar alternativas mais rápidas. Parece-nos que uma alternativa viável é reforçar fortemente o nível técnico, onde as "coisas acontecem" em qualidade e produtividade, oferecendo capacitação em inovação e melhoria contínua, para que as empresas já incorporem jovens com tais conhecimentos.
        Num grupo de trabalho de aproximadamente dez pessoas, é necessário que um deles, no mínimo, observe permanentemente como as operações são executadas no seu setor e detecte oportunidades de fazer diferente e melhor.
        Assim agindo, a estagnação (e consequentemente a obsolescência) dos processos operacionais poderia ser diminuída ou evitada, com o consequente aumento de inovação e melhoria contínua.
        Esses conceitos precisam ser levados "às pontas" ou ao "negócio" -ou seja, às escolas e às empresas-, já que atualmente órgãos centralizados não se mostram muito efetivos.
        LUIS ALBERTO PIEMONTE é especialista em couching e treinamento executivo e professor da FGV. Foi gerente da Siemens na Alemanha e no Brasil, diretor da Mangels, fundador da Symnetics e presidente da IDS Scheer South America.
        + CANAIS

        Michael Kepp - Para observar, não basta olhar

        FOLHA DE SÃO PAULO

        Para observar, não basta olhar
        É preciso dispor de um bom binóculo para captar as tonalidades de um beija-flor-de-fronte-violeta
        Minha aversão aos observadores de aves começou numa pousada no Pantanal mato-grossense onde um deles puxou papo comigo. Mas, quando um tucano passou voando, ele pulou da cadeira com a câmera na mão sem nem me dar "tchau". Ou, como explicou outro gringo do grupo dele: "Quando observadores de aves conversam, estão apenas matando tempo até aparecer outro pássaro".
        Para esses americanos, o Brasil não era uma nova cultura, nem mesmo um "pot-pourri" de paisagens a conhecer. Era apenas um campo no qual queriam identificar e colher troféus fotográficos de novas penas.
        Os brasileiros que têm o mesmo hobby são igualmente obcecados. Recentemente, à noite e sob chuvisco, 30 deles aguardaram num pasto pelo que me pareceu uma eternidade para fotografar um narcejão, uma ave grande, de bico longo, que às vezes pousa nesse local na hora do crepúsculo. Mas não naquela noite. E eu só mostrava impaciência.
        Então por que estava no meio desses fanáticos? Dois anos antes, na Amazônia e com um binóculo emprestado, penetrei no mundo deles e fiquei sem fôlego. Assim, de volta ao Rio, comprei um binóculo melhor, comecei a ir ao Jardim Botânico e aquele mundo entrou em foco mais preciso.
        Para observá-lo, olho nu não basta. Muitas aves são pequenas, ariscas ou estão distantes. Logo, é preciso dispor de uma boa câmera ou um bom binóculo para captar todas as tonalidades de uma saíra-de-sete-cores ou de um beija-flor-de-fronte-violeta.
        Sim, eu virei membro de uma tribo que rejeitava! Nos passeios mensais para avistar as aves do arboreto, também eu encerro bate-papos quando uma passa voando.
        Mas não faço parte dos paparazzi que clicam as espécies mais célebres do arboreto com teleobjetivas grandes e usam playback dos cantos das aves para atraí-las. Para mim, basta o binóculo.
        Sendo novato, contudo, fico encantado quando vejo pela primeira vez um exemplar de uma das 170 espécies de ave do Jardim Botânico. Recentemente o guia do passeio me ajudou a identificar outras quatro, inclusive o menor pica-pau do país. A cada descoberta eu soltava um "uau"-não o nome científico que observadores sérios usam.
        Após meu quarto "uau", o guia falou: "Há anos não vejo tantas aves novas aqui em uma só manhã". O olhar em seu rosto revelava não inveja, mas a alegria que sentia por enxergá-las através de meus olhos. Ele estava me deixando ver sua própria nostalgia do mundo.
        MICHAEL KEPP, jornalista americano radicado há 30 anos no Brasil, é autor do livro "Tropeços nos Trópicos - crônicas de um gringo brasileiro" (Record)www.michaelkepp.com.br

        Suzana Herculano-Houzel

        FOLHA DE SÃO PAULO

        NEURO
        Sua rádio mental personalizada
        Sem precisar de caixa de som nem de eletricidade, meu cérebro tocou a música que eu queria ouvir
        O que fazer quando você gostaria de uma musiquinha de fundo para embalar seu trabalho, mas não tem nenhum aparelho ao alcance das mãos? Você pode apelar para sua rádio mental interna -cortesia daquela sua boa companheira, a memória.
        Voltei de uns dias de férias em Paris determinada a reproduzir em casa a torta de maçã "de cabeça para baixo" que comi lá. Uma rápida consulta à versão francesa do oráculo eletrônico me retornou uma receita bastante simples e ilustrada, então fui para a cozinha tentar a sorte.
        A cozinha é um de meus lugares favoritos para ouvir música, e temos uma caixinha de som sem fio, portátil e poderosa, que dá conta do recado. No entanto, meu marido ainda estava dormindo; meus fones sem fio, a próxima melhor opção, agora ficam no laboratório; e não quis interromper meu momento de inspiração culinária para ir à cata de algum tocador portátil que ainda me deixaria com um fio pendurado entre minhas mãos cheias de manteiga.
        A solução? Notei que meu cérebro, com zero eletrônica e sem precisar de caixas de som, já estava tocando a música que eu queria ouvir: "Cálix Bento", do Milton Nascimento, de um disco que eu ouvi dezenas de vezes quando era criança.
        Descobri que a versão reproduzida por meus neurônios, em sequências e padrões de ativação adquiridos e aperfeiçoados durante as várias audições repetidas, é bastante boa, e inclui o arranjo completo. Quando a memória da letra eventualmente falha, meu cérebro discretamente tapa os buracos com um "nãnãnã" genérico, até reencontrar o fio da meada, enquanto a melodia continua. Meu cérebro se autoengana muito bem.
        Além de eficaz e silenciosa, minha rádio mental é personalizada: ao contrário das rádios que selecionam músicas segundo uma lógica alheia, em meu cérebro a transição segue minha experiência pessoal -e foi de "Cálix Bento" diretamente à próxima mais ouvida: "Saudades dos Aviões da Panair".
        De onde veio a música? Provavelmente de um anúncio no jornal de uma peça de teatro com músicas do Milton, que me veio à mente talvez à visão do iPad, onde leio o jornal, na mesa da cozinha. Assim funciona a memória: por associação, uma coisa levando à outra mais fortemente vinculada -do iPad ao jornal, ao Milton, às suas músicas, e a uma em particular, provavelmente a que eu mais ouvi e portanto bem aprendi a reproduzir mentalmente de cor, com todos seus detalhes. Minha rádio interna sabe do que eu gosto...
        SUZANA HERCULANO-HOUZEL é neurocientista, professora da UFRJ, autora de "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante) e do blogwww.suzanaherculanohouzel.com

          Ariane Cosme

          FOLHA DE SÃO PAULO

          Escola e felicidade
          Mais do que trazer alegria, as instituições devem fazer com que os alunos saiam da zona de conforto
          Devem as escolas ser espaços de felicidade para os alunos que as frequentam?
          Os mais conservadores repudiam tal exigência porque defendem que as escolas, em nome da disciplina, não poderão deixar de confrontar os alunos com atividades que nem sempre lhes são simpáticas. Aqueles que abordam as escolas numa perspetiva focalizada nos interesses e no bem-estar dos alunos defendem, pelo contrário, que a felicidade é condição fundamental de um projeto de escolarização bem-sucedido.
          Será esse um debate útil? A experiência que temos tido, sempre que o assunto é abordado, mostra que não.
          O tema é interessante, mas o modo como é discutido nos desvia da questão crucial: a de saber qual é a missão das escolas nas sociedades contemporâneas. Uma questão para a qual há uma resposta mais ou menos consensual, em função da qual se entende que as escolas existem para que os alunos se apropriem de um conjunto de informações, instrumentos, procedimentos e atitudes entendido como necessário à afirmação e à vida de cada um nas sociedades contemporâneas.
          Assim, as divergências que possam existir no modo de pensar a missão das escolas têm a ver, sobretudo, com o modo como se concebe a realização de um projeto.
          É que, para alguns, os alunos são alunos porque são ignorantes que podem deixar de o ser graças à ação educativa das escolas. Para outros, alunos são seres portadores de saberes que as escolas terão que ser capazes de reconhecer para que aquela ação esteja em conformidade com os valores e as exigências do mundo em que vivemos.
          Basta-nos recorrer ao nosso bom senso para compreendermos que nem os alunos são ignorantes, nem basta respeitar, apenas, os seus saberes para que eles possam compreender outras perspetivas ou encontrar outras respostas e outras maneiras de agir. Por isso é que a função das escolas é fazer com que cada um saia da sua zona de conforto e se aventure num mundo desconhecido, vivendo experiências pessoais, sociais e culturais que de outro modo não viveria.
          O que é que esse projeto tem a ver com a felicidade? Não sei. Mais do que a felicidade dos seus alunos, a preocupação das escolas deverá ser a de tentar que eles estabeleçam uma relação significativa com todas as tarefas e os desafios intelectuais, relacionais e éticos que aí lhes são propostos.
          Talvez passe a haver mais momentos de felicidade nessas escolas. O que vai acontecer dependerá do rigor com que as instituições assumam uma tarefa tão exigente.
          ARIANA COSME é professora da Universidade do Porto (Portugal), doutora em Ciências da Educação e especialista nas áreas da gestão e organização do trabalho pedagógico e da intervenção com crianças e jovens em risco de insucesso escolar
          ROSELY SAYÃO
          A colunista está em férias.

            Benjamin Steinbruch

            FOLHA DE SÃO PAULO

            Próspero 2013
            Ano novo próspero seria um período de economia aquecida, inflação baixa, boa oferta de emprego
            Poucas vezes paramos para raciocinar sobre o sentido do "próspero ano novo", essa expressão presente em quase todas as saudações de fim de ano, companheira inseparável do "feliz Natal". Como 2013 está apenas começando, gostaria de explicitar o que, a meu ver, seria um verdadeiro próspero ano novo para todos os brasileiros.
            Em primeiro lugar, significa um ano de crescimento econômico maior do que o singelo 1% de 2012. Uma expansão mais forte, com inflação baixa, é inadiavelmente necessária para que não se perca o bom momento vivido pelo país em matéria de emprego -o índice de desemprego é um dos mais baixos da história, de 4,9%. Há até uma certa perplexidade entre analistas pelo fato de o baixo crescimento ter convivido, em 2012, com o elevado e crescente índice de ocupação da mão de obra. Em parte, esse enigma se explica porque os empregadores, escaldados pelas dificuldades recentes para contratar mão de obra, fazem todos os esforços para mantê-la mesmo com queda de demanda, na expectativa de uma recuperação. Porém, se o baixo crescimento se mantiver por mais tempo, certamente começará a haver dispensa de trabalhadores.
            Um ano próspero depende também do sucesso no esforço para elevar os investimentos públicos, principalmente em infraestrutura. Mais por problemas de gestão do que por falta de recursos, os investimentos continuam a representar uma parcela ínfima dos gastos públicos.
            A prosperidade do ano depende de uma redução drástica no custo dos financiamentos na economia. O Banco Central cortou em 2012 a taxa básica de juros para os atuais 7,25% ao ano, o nível mais baixo da história e menos de dois pontos percentuais acima da inflação. Foi um grande avanço, mas infelizmente não acompanhado por uma redução na mesma proporção nos custos do crédito tanto para a pessoa física quanto para a jurídica.
            Não há como impulsionar uma economia sem expandir o crédito e não há como expandir o crédito com as taxas elevadíssimas ainda cobradas. Está correto o esforço do Ministério da Fazenda para que o sistema financeiro privado participe mais de financiamento de longo prazo, tarefa que não pode ser apenas do BNDES, que no ano passado desembolsou R$ 150 bilhões em créditos.
            O ano próspero desejado nas saudações também exige continuidade da política de desoneração de tributos finalmente colocada em prática -até agora, foram beneficiados alguns setores intensivos em mão de obra. Outras desonerações, previstas em R$ 25 bilhões no Orçamento federal, são esperadas para este ano em folhas de pagamentos e em tributos em geral. A competitividade da empresa brasileira, em especial da indústria, depende disso, assim como de reduções de custos de energia, logística e burocracia.
            Próspero ano novo significa conscientização das autoridades municipais, estaduais e federais a respeito da importância da educação no país. Cabe ao poder público a responsabilidade de oferecer oportunidades iguais de educação de qualidade a todos os brasileiros. Há muito tempo temos uma Lei de Responsabilidade Fiscal. Seria necessário criar também uma Lei de Responsabilidade Educacional, para punir administradores públicos que não cumprissem suas obrigações nessa área.
            Igual responsabilidade deve-se exigir desses administradores no caso da saúde, setor em que a realidade ainda nos envergonha. Para o péssimo nível de saúde pública colabora o quadro desolador do saneamento no país, onde os rios que passam pelas cidades são quase sempre esgoto a céu aberto. Apenas 46% dos brasileiros são atendidos por rede de esgoto e só 38% do material coletado é tratado.
            Em resumo, ano novo próspero seria um período de economia aquecida, inflação baixa, boa oferta de emprego, renda em alta e correções nas áreas em que a deficiência brasileira compromete a dignidade do cidadão ou a competitividade do país.
            Vejo frequentemente nos EUA camisetas com a inscrição "God Bless America", referência à música patriótica com o mesmo título. Temos de perder a vergonha de pedir algo semelhante e passar a torcer, independentemente de ideologias ou cores partidárias, que Deus abençoe o Brasil. E para que todos tenham um ano efetivamente próspero.
            BENJAMIN STEINBRUCH, 59, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp. Escreve às terças-feiras, a cada 14 dias, nesta coluna.

            Droga para elevar colesterol 'bom' é alvo de recall global

            FOLHA DE SÃO PAULO

            À venda no Brasil desde 2009, remédio também é usado para reduzir colesterol 'ruim' e triglicérides
            Estudo com 25 mil pessoas mostrou que combinação de substâncias não reduz risco cardíaco
            DÉBORA MISMETTIEDITORA INTERINA DE “CIÊNCIA+SAÚDE”O remédio Cordaptive, que associa duas substâncias para aumentar o colesterol "bom" (HDL) e reduzir o "ruim" (LDL) e os triglicérides, vai ser recolhido nos cerca de 40 países onde era vendido, inclusive no Brasil.
            De acordo com a MSD (Merck), fabricante da droga, a decisão foi tomada após a análise de dados preliminares de um estudo internacional sobre o remédio.
            A pesquisa, com mais de 25 mil pessoas, mostrou que o Cordaptive não reduz o risco cardíaco e ainda aumenta a chance de efeitos colaterais não fatais, ainda não detalhados pela empresa.
            No Brasil, segundo o laboratório, 1.500 pessoas usam o medicamento. Recomenda-se que elas procurem seus médicos para receberem novas prescrições.
            O resultado ruim vem depois da interrupção de dois testes clínicos sobre outros medicamentos que também tentavam reduzir o risco cardíaco aumentando o colesterol "bom", o que levanta dúvidas sobre o futuro dessa estratégia para evitar infartos.
            O Cordaptive é composto por niacina (vitamina B3) e uma substância chamada laropipranto. A niacina ou ácido nicotínico reduz a produção de triglicérides (gorduras) e aumenta a fabricação do colesterol "bom", que ajuda a "limpar" as artérias, recolhendo as gorduras que formam placas nos vasos.
            VERMELHO
            O problema é que essa substância é vasodilatadora e causa vermelhidão intensa e sensação de calor no rosto, como explica o cardiologista Raul Santos, diretor da unidade clínica de lípides do Incor (Instituto do Coração da Hospital das Clínicas de SP).
            Para aumentar a tolerância dos pacientes à niacina, foi adicionada ao remédio a substância laropipranto, que combate esse efeito colateral. É essa combinação que vai sair do mercado. A niacina sozinha continua à venda.
            De acordo com Santos, o remédio é recomendado a pessoas que não conseguem tomar as estatinas, drogas mais usadas no controle do colesterol, por sofrerem com alergias ou dores musculares.
            Pacientes que já haviam infartado e tinham colesterol "bom" muito baixo e os que têm triglicérides e colesterol "ruim" muito altos também poderiam usar o medicamento associado às estatinas.
            Em 2011, um artigo publicado no "New England Journal of Medicine" questionava se já não era hora de aposentar a niacina. Em sua forma isolada, ela está no mercado há 50 anos, mas, em estudos recentes, a droga tem mostrado resultados fracos.
            Segundo o cardiologista, editor da diretriz brasileira para o tratamento do colesterol elevado familiar, apesar do resultado "decepcionante" do Cordaptive, a niacina sozinha ainda pode beneficiar alguns pacientes. No entanto, sua indicação fica cada vez mais restrita.
            "Sabemos que o HDL baixo é um sinal de risco. Mas esse é mais um estudo mostrando que usar um remédio para aumentar o HDL não protege o paciente."
            Para Santos, por enquanto, o foco continua na redução do colesterol "ruim".

              Ministro Mercadante defende exigência de carta a alunas

              FOLHA DE SÃO PAULO

              Estudantes citadas em reportagem sobre atraso em repasse tiveram de escrever declaração
              DE BRASÍLIAO ministro Aloizio Mercadante (Educação) defendeu ontem a exigência da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) para que alunas do programa Ciências sem Fronteiras enviassem e-mail ao governo brasileiro declarando sua intenção de permanecer no exterior.
              As universitárias, beneficiadas por bolsa do programa, foram citadas em reportagem daFolha que revelou atraso no pagamento de ajuda de custo, no valor de 400 libras, a estudantes da UEL (University of East London).
              Diante da demora, a instituição britânica ofereceu empréstimos de 500 libras (R$ 1.631) aos brasileiros.
              No mesmo dia da publicação da notícia, o órgão exigiu que as alunas enviassem e-mail para confirmar se permaneceriam no exterior.
              "Foi um gesto de gentileza e de atenção. É com essa atenção que temos tratado todos os bolsistas. Espero que seja assim que tenha sido entendido", disse o ministro ontem sobre a exigência do e-mail.
              Mercadante afirmou que a Capes e o CNPq, principais agências de fomento à pesquisa no país, mantêm 35 mil bolsistas brasileiros no exterior, dos quais 21 mil são do Ciência sem Fronteiras.
              "Se houve manifestação de qualquer tipo de dificuldades, a Capes deve perguntar se tem alguma coisa que possa fazer. E qualquer estudante que quiser voltar para o Brasil pode voltar na hora que quiser", ponderou o ministro.
              "Até o final desta semana a situação estará resolvida", garantiu Mercadante. (FLÁVIA FOREQUE)

                Jairo Marques

                FOLHA DE SÃO PAULO

                Insensíveis, não
                Não são só crianças que se intrigam diante da ausência de uma sensibilidade óbvia, sobretudo nas pernas
                O menino começou catucando a perna do rapagão. Em seguida, puxou os pelos da canela. Não contente, ele resolveu dar um beliscão caprichado. Nada. Como era possível o homem ficar impassível diante de algo tão doído?
                E não são apenas crianças que se intrigam diante da ausência de uma sensibilidade óbvia, sobretudo nas pernas, de pessoas que tiveram lesões medulares após acidentes ou em decorrência de enfermidades raras.
                Rasteiramente falando, é como se fios que saem dos membros inferiores e se conectam à medula, que por sua vez conversa com o cérebro, fossem cortados. Dependendo da altura em que essas ligações rompidas estiverem, será determinado, grosso modo, o nível de perdas motoras e sensoriais do sujeito.
                Mas ninguém se torna insensível, não. Vários amigos meus "lesadinhos" têm o que chamam de sensações profundas. Às vezes, mesmo de maneira muito discreta, conseguem sacar que alguém está tocando em suas pernas ou está de saliência com suas partes.
                Alguns detectam um calorzinho diante do fogo ou um geladinho gostoso dentro do congelador. Há também quem relate não ter sensação nenhuma da cintura para baixo e pronto. A lógica do corpo humano é de intrigar até os mais sabidos dos neurologistas.
                O que rola muito também é uma maluquice de transferência de pontos de alta sensibilidade no organismo do povo quebrado. Alguns tetraplégicos -aqueles que dão um trabalhão danado e têm movimentos comprometidos do pescoço para baixo- poderiam usar calcinhas ou cuecas na orelha de tanto que o local se torna ponto de prazer... ui!
                Tive uma namorada, cadeirante como eu, que só olhar fixamente para o pescoço dela tinha quase o mesmo efeito que dar para a moça meio litro de pinga. A danada ficava mais assanhada que relógio cuco ao meio-dia.
                Mas a ausência de sensações nos "lesadinhos" não é algo a comemorar pelo fato de o sujeito jamais ter dor de bicho-de-pé ou de menisco. Há agravantes importantes em ter essa condição no dia a dia.
                Uma grande amiga, vítima de um acidente de carro durante um Réveillon já há vários anos, teve de passar outra virada internada justamente por ter demorado dias para notar que o joelho estava se transformando em uma bola de basquete. Circulação ineficiente, risco de trombose, cama e medicação por uma semana.
                Por isso, é sempre bom alertar pessoas com deficiência física, com delicadeza e bom-senso, de que seus pés estão dobrados, que há um cachorro mordendo suas canelas, que um marimbondo está atacando o calcanhar, que há um inchaço anormal no joelho.
                É incrível para os mortais comuns imaginar o fato, mas, realmente pode acontecer de um cadeirante ter uma perebinha há dias sem ter notado. Daí, um bom amigo, um bom observador, pode ajudar.
                Importante ficar claro, porém, que nem todo cadeirante tem comprometimento de sensibilidade e que ser um "mal-acabado" dos movimentos não quer dizer ser insensível e não ter nenhum tipo de dor. Pelo contrário, há várias, infelizmente.
                Ver o mundo de outras perspectivas sensoriais, além das tradicionais, talvez possa tornar essas pessoas até mais aptas para captar garranchos e belezas da existência humana.

                  Suicídio reabre debate sobre ativismo digital [Aaron Swartz]

                  FOLHA DE SÃO PAULO

                  Aaron Swartz, 26, que se matou na sexta, era processado por baixar artigos acadêmicos
                  DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS
                  O suicídio do ativista digital Aaron Swartz, 26, encontrado enforcado em seu apartamento em Nova York (EUA) na última sexta, reacendeu o debate sobre a punição de crimes cometidos pela internet.
                  Swartz ajudou a desenvolver a rede social Reddit e o Creative Commons -licença que libera conteúdos sem a cobrança de direitos por parte dos autores- e, aos 14 anos, participou da criação do RSS, mecanismo que avisa sobre atualizações de sites.
                  Em 2011, a polícia descobriu que o ativista havia acessado ilegalmente milhões de artigos acadêmicos da base de dados JSTOR, que exige assinatura, por meio de um computador secretamente instalado no MIT (Massachusetts Institute of Technology).
                  Embora alegasse que sua intenção não era obter lucro com os artigos, mas sim colocá-los gratuitamente à disposição do público, Swartz foi processado e estava sujeito a até 35 anos de prisão e multa de cerca de R$ 2,03 milhões.
                  "O governo usou contra um gênio de 26 anos as mesmas leis que aplica a quem assalta bancos pela internet", disse o especialista Chris Soghoian.
                  O presidente do MIT, Rafael Reid, disse que nomeou um professor para investigar o papel da universidade no caso e na morte da Swartz.
                  A família do ativista acusou a Justiça de ser "repleta de intimidação e exagero". Hackers invadiram o site do MIT, que fez a denúncia, e acadêmicos homenagearam Swartz divulgando links para download gratuito dos seus artigos.
                  Leia mais no Tec

                  Cuba vive 1º dia de nova regra para ir ao exterior

                  FOLHA DE SÃO PAULO

                  Blogueira faz trâmite e espera viajar em breve
                  DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIASCubanos ontem lotaram agências de viagens e escritórios de migração da ilha no primeiro dia da reforma migratória, que eliminou a exigência de uma "autorização" dada pelo governo para permitir viagens de cidadãos ao exterior em vigor havia mais de 50 anos.
                  No bairro de Vedado, em Havana, a blogueira crítica do governo Yoani Sánchez foi a primeira a ser atendida no escritório de Migrações para pedir um novo passaporte -obter o novo documento é parte do trâmite para conseguir deixar o país.
                  Sánchez, que já teve a autorização de saída negada mais de 20 vezes, inclusive para o Brasil, foi informada por um funcionário que receberá o novo documento num prazo de 15 dias úteis.
                  "Perguntei aos funcionários se eu poderia viajar e eles me disseram que sim, mas só vou acreditar quando estiver dentro do avião. Tenho esperança, mas mantenho a cautela", disse ela.
                  O ceticismo da blogueira reflete os termos da reforma migratória. A lei prevê veto de saída aos processados pelo regime, situação da maioria dos dissidentes. Também cita que pode negar a autorização por "razões de segurança e defesa" e "por razões de interesse público", o que é vago o suficiente para abarcar até os não processados.
                  Especialistas não esperam saída em massa da ilha porque a maioria dos países exige visto aos cubanos, sem falar do custo da viagem.

                    Clovis Rossi

                    FOLHA DE SÃO PAULO

                    Cuba, hora de apagar a luz?
                    Liberdade para que os cubanos possam viajar representa o maior desafio para o regime
                    A revolução cubana começou ontem a enfrentar o que tende a ser o seu maior desafio desde o fim de sua patrocinadora, a União Soviética, faz já 20 anos.
                    Foi eliminada a infame "tarjeta blanca", a autorização que todo cidadão cubano tinha que solicitar para deixar o país, uma clara violação a um clássico dos direitos humanos, que é o de ir e vir.
                    Se já houve um considerável êxodo durante a vigência da "tarjeta blanca", a sabedoria convencional manda dizer que a diáspora só tende a aumentar agora.
                    Reforça essa dedução lógica o fato de os Estados Unidos, claramente o destino preferido pelos cubanos, estarem jogando para até três anos à frente o prazo para as entrevistas indispensáveis para a obtenção do visto de entrada. Um raro acordo entre Washington e Havana prevê a concessão de 20 mil vistos de não imigrantes por ano, um número elevado se se considera que a população cubana é de só 11,8 milhões de habitantes, mais ou menos a mesma da cidade de São Paulo.
                    Por mais que os paulistanos reclamem da lentidão na concessão de vistos pelos EUA, nunca é preciso esperar três anos para a entrevista. Já há 1,8 milhão de cubanos vivendo nos EUA ou 10% da população da ilha (postas em proporção as respectivas populações, significaria que 20 milhões de brasileiros teriam fugido para um único país).
                    "Comparados com o resto da população hispânica nos Estados Unidos, os cubanos são mais velhos, têm nível mais elevado de educação, renda familiar mais alta e taxa de propriedade de imóveis também mais alta", informa o braço hispânico do Centro Pew de Pesquisas.
                    A renda dos cubanos vivendo nos EUA é de US$ 38 mil/ano, o que chega a ser um insulto para os miseráveis salários recebidos em Cuba. Ainda mais que o salário real declinou 73% entre 1989 e 2010.
                    É razoável supor que os cubanos que agora podem viajar mais ou menos livremente a outros países farão comparações e as chances de Cuba perder são naturalmente elevadas.
                    Basta lembrar que, dos 941.953 cubanos que viajaram ao exterior entre 2000 e agosto passado, 12,8% não voltaram -e era gente confiável aos olhos do regime, a ponto de ter obtido a "tarjeta blanca".
                    Por fim, a chamada "atualização" do modelo econômico prevê a dispensa de entre 500 mil e 1,3 milhão de trabalhadores ociosos nas empresas estatais.
                    Parece improvável que essa massa possa ser absorvida pelos pequenos negócios privados cuja abertura está sendo lentamente autorizada no marco da "atualização".
                    A possibilidade de viajar e ficar 24 meses fora sem perder a cidadania funcionará como estímulo para que os dispensados procurem colocar-se no exterior.
                    É importante lembrar que a queda do Muro de Berlim e o consequente fim do comunismo se deram depois que a então Alemanha Oriental não conseguiu conter a avalanche de pessoas que corriam para a porta de saída, cansadas do regime e seduzidas pelo pouco que podiam ver da luminosa Berlim Ocidental.
                    Acontecerá com Cuba? Respostas a partir de agora.
                    crossi@uol.com.br

                      Painel - Fabio Zambeli [interino]

                      FOLHA DE SÃO PAULO

                      Tudo em casa
                      Candidato favorito à presidência do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) repassou nos últimos quatro anos R$ 117 mil de sua verba de gabinete para o próprio suplente como pagamento de aluguel do imóvel onde funciona seu escritório político em Alagoas. Fábio Lopes de Farias é amigo do senador e integra a direção alagoana do partido. De abril de 2009 a novembro do ano passado, ele recebeu mensalmente valores que oscilavam de R$ 2.589 a R$ 2.799 pela cessão do imóvel.
                      Outro lado A assessoria do senador afirma que o contrato é de julho de 2005, "não havendo relação de causa ou consequência entre a locação e a suplência". Procurado, o suplente informou que conhece Renan "desde os tempos da universidade".
                      Divã Em retiro em Alagoas, Renan telefonou ontem para Michel Temer. Pediu ao vice-presidente conversa em Brasília nos próximos dias.
                      Rédea curta Na conversa de ontem com Temer, Dilma Rousseff quis saber em que pé está a disputa na liderança do PMDB na Câmara. O vice prometeu à presidente que terá "controle absoluto" sobre os movimentos do sucessor de Henrique Alves (RN). Estão no páreo Eduardo Cunha (RJ), Sandro Mabel (GO) e Osmar Terra (RS).
                      Rodízio Cunha, Luiz Sérgio (PT) e Hugo Leal (PSC) convidaram a bancada do Rio, em nome de Sérgio Cabral e Eduardo Paes, para almoço de apoio à candidatura de Henrique Alves no Palácio da Cidade, sede da prefeitura, na quinta-feira. Avisados sobre os riscos legais, aliados de Alves mudaram o encontro para uma churrascaria.
                      Baião de dois O PT realizará, pela primeira vez, uma reunião de seu diretório nacional no Nordeste. O partido escolheu Fortaleza, administrada por aliados de Ciro e Cid Gomes (PSB), para sediar o encontro de 1° e 2 março. À ocasião, dirigentes tratarão da reforma política e da eleição de grupo para coordenar o quinto congresso da sigla.
                      Agora vai? Marina Silva convocou os "sonháticos" de São Paulo para explicar, no dia 22, as diretrizes do projeto de fundação de seu novo partido. O sarau foi programado para tradicional reduto marineiro na Vila Madalena.
                      Apertem... Frente ao que a Secretaria de Fazenda classifica como "ligeira queda na arrecadação", Geraldo Alckmin assinou decreto contingenciando 20% do custeio e investimentos das secretarias. Ficaram livres da degola Educação e Saúde, além das universidades.
                      ... os cintos A retenção, já adotada por Alckmin no início do mandato, será obrigatória até março. O governo vai monitorar a "evolução da arrecadação no trimestre".
                      Quem não chora A medida provocou romaria de secretários ao Bandeirantes. Mônika Bergamaschi (Agricultura), Linamara Battistella (Pessoa com Deficiência) e Silvio Torres (Habitação) puxam a fila da lamúria.
                      Ato... Depois do protesto de petistas, líderes da Igreja Católica contestam critérios de escolha dos subprefeitos em São Paulo. "Não pode ser um burocrata que pega o carro às 17h e vai embora pra casa. Fernando Haddad prometeu que seria alguém do bairro, para motivar a comunidade local", diz o padre Antonio Marchioni, o Ticão.
                      ... de contrição O prefeito nomeou para a administração regional de Ermelino Matarazzo, área de atuação do padre, Cláudio Toshio Itinoshe, que mora na Mooca.
                      Afago Acolhendo pleito de prefeitos, o Ministério da Fazenda adiou para 2014 o prazo para municípios adequarem práticas contábeis ao manual do setor público.
                      TIROTEIO
                      Quem postula dirigir um colegiado com 513 deputados não pode alegar desconhecimento sobre emendas que beneficiam seu assessor.
                      DO DEPUTADO CHICO ALENCAR (PSOL-RJ), sobre empresa de funcionário de Henrique Alves (RN) ter recebido recursos de emendas do peemedebista.
                      CONTRAPONTO
                      Eles estão descontrolados
                      Durante solenidade em que tomou posse o novo secretário paulista de Esportes e Lazer, José Auricchio Jr., ontem, no Bandeirantes, deputados discutiam o que consideram "excessivo rigor" dos mecanismos de controle sobre a administração pública. Roque Barbiere (PTB) disse:
                      -Criamos e apoiamos tantos órgãos de fiscalização para nos controlar... É tribunal de contas, procuradoria...
                      Ante a perplexidade dos colegas, o delator do "escândalo das emendas" na Assembleia paulista concluiu:
                      -Mesmo assim, não controlamos nem a nós mesmos. Cada um faz o que quer.

                        Maria Esther Maciel - Marías e Marias‏


                        Estado de Minas: 15/01/2013 
                        Em dezembro, uma leitora chamada Maria Helena pediu-me que escrevesse uma crônica com sugestões de livros para ler nas férias. Ela queria indicações de “romances agradáveis, bem escritos e inteligentes”, pois estava cansada dos “best-sellers imbecis que estão por aí”. Respondi-lhe que tentaria escrever a crônica em janeiro, pois já estava com outros temas engatilhados para as três semanas seguintes. Os dias voaram, desde então, e agora vejo que já estamos no meio do mês e as férias acabam em duas semanas. Mas creio que ainda há tempo para a leitura de, pelo menos, um bom romance. 

                        Minha sugestão é Os enamoramentos, do escritor espanhol Javier Marías, publicado no Brasil em 2012. Confesso que há muito tempo não me sentia tão capturada por um livro, como aconteceu com esse. Um livro de 343 páginas, capaz de entreter e, ao mesmo tempo, provocar reflexões sobre a vida, a morte e as relações humanas. Recebi meu exemplar, acompanhado de uma novela de Balzac (que tem a ver com o romance de Marías), da minha editora e amiga Maria Emília Bender, da Companhia das Letras. E, para o meu deleite, ao começar a lê-lo, vi que a história era narrada, em primeira pessoa, por uma personagem também chamada Maria (no caso, Maria Dolz), editora de livros em Madri.

                        Pouquíssimos escritores homens se aventuram a adotar uma voz feminina em primeira pessoa na narração de um romance. Javier Marías não só se arriscou a isso, como também conseguiu fazê-lo de maneira habilidosa, para não dizer admirável. Maria, como narradora, é muito convincente. Se, num primeiro momento, a impressão que se tem é que ela narra tudo de longe, como uma mera observadora de cenas e acontecimentos, a certa altura, porém, tal impressão desaparece, visto que Maria vai, aos poucos, revelando seu próprio envolvimento com a trama e os personagens. Torna-se, assim, uma peça-chave dentro do jogo. Um jogo, aliás, no qual os fatos importam menos do que as ideias e sensações que nos provocam. 

                        Não vou contar aqui o que acontece com os personagens Maria, Javier, Dasver e Luísa. Só digo que o romance é sobre o amor e toda a complexa rede de sentimentos contraditórios que o envolve. É também um romance de suspense, que trata de um crime terrível e embaralha os supostos motivos e circunstâncias que o teriam causado. É, sobretudo, um romance que vasculha as zonas de luz e sombras da alma humana, misturando estrategicamente as noções de verdade e mentira, realidade e ficção. E é, ainda, um romance sobre nossa difícil relação com a morte e os mortos. 

                        Javier Marías, com sua surpreendente Maria, entrou de vez para o rol de meus escritores contemporâneos preferidos. Foi um belo presente de Maria Emília, que agora repasso, como sugestão de férias, à minha leitora Maria Helena. E olhem que também tenho Maria no nome. Como se vê, o plural no sobrenome do autor faz, aqui, todo o sentido.

                        P.S.: Se sobrar algum tempo, vale a pena ler também os romances brasileiros Diário da queda, de Michel Laub, e A vendedora de fósforos, de Adriana Lunardi, ambos excelentes. Já no meu resto de férias, tentarei terminar mais um de Javier Marías, Coração tão branco, e começar O retorno, da portuguesa Dulce Maria Cardoso.

                        Tereza Cruvinel - Fogo alto‏

                        Diz um chiste entre os políticos baianos que é Geddel, e não o novo prefeito de Salvador, ACM Neto, do DEM, quem melhor encarna o estilo do falecido ACM em sua versão Toninho Malvadeza
                         

                        Estado de Minas: 15/01/2013 
                        Os disparos contra o candidato do PMDB a presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, trouxeram a incerteza para uma disputa que até aqui seguia amena. Embora chamuscado, ele tem, ainda, as melhores condições para vencê-la, mas precisa responder às denúncias, pelo menos em consideração ao conforto político de seus potenciais eleitores. E, depois de ter subestimado o problema que deu origem a tudo, terá que administrá-lo corretamente: a disputa na bancada pelo seu cargo de líder, que colocou em lados opostos atores que manejam bem a artilharia pesada na política. Mais chumbo é esperado para hoje.

                        Em momento recente, Henrique Alves recebeu o aviso, registrado por esta coluna, de que a presidente Dilma Rousseff não aceitaria o deputado Eduardo Cunha como líder da bancada. Além de não gostar de seu estilo trator de esteira, ela e Lula não o perdoam por ter sabotado, como relator, a tramitação da emenda que prorrogava a CPMF, contribuindo decisivamente para sua derrota. Henrique, que sempre teve Cunha como aliado, lavou as mãos, dizendo que não apoiaria nem um nem outro dos candidatos. Mas, na prática, isso passou a significar apoio ao postulante goiano, Sandro Mabel. Osmar Terra continuou correndo por fora. Cunha buscou o apoio do ex-deputado e hoje diretor da Caixa Econômica Federal Geddel Vieira Lima.

                        Diz um chiste entre os políticos baianos que é Geddel, e não o novo prefeito de Salvador, ACM Neto, do DEM, quem melhor encarna o estilo do falecido ACM em sua versão “Toninho Malvadeza”, anterior ao “Toninho Ternura”, como ele se definiu ao romper com o regime militar e apoiar a eleição de Tancredo Neves, em 1985. Geddel, como o antigo adversário, bate pesado. Embora ele negue, dentro e fora do PMDB sua participação na difusão de denúncias contra Henrique Alves é dada como certa.

                        Mas por que teria ele entrado na briga, ajudando Cunha na tentativa de detonação da candidatura de Henrique Alves a presidente da Câmara? Um dos melhores conhecedores do psiquismo interno do PMDB garantia ontem: Geddel, que sempre foi um queridinho do vice-presidente Michel Temer, enciumou-se com o apoio do vice à candidatura de Henrique Alves. Embora, como diz este peemedebista, deva a Michel o cargo que tem na CEF, não tendo mandato e sendo oposição ao governador Jaques Wagner (PT) na Bahia. As emendas de Alves para obras municipais que foram executadas por empreiteira de um colaborador passam pelo ministério que ele ocupou no governo Lula. O importante, nessa denúncia, é saber se o empreiteiro ganhou as obras, de valores pouco expressivos, em licitação correta e sem vícios. 

                        Ontem Alves estava no Rio e deve ter tido contato, direto ou indireto, com outra turma do armamento pesado, composta pelo governador Sérgio Cabral, o vice-governador Pezão e o prefeito Eduardo Paes. Deles teria partido um aviso: ou ele faz Eduardo Cunha líder ou levará mais tiros. 

                        Se eles vieram, resta saber se Henrique resistirá.

                        Os concorrentes Júlio Delgado (PSB) e Rose de Freitas (PMDB) naturalmente estão salivando ante a possibilidade de ver o principal adversário abatido na decolagem. Se isso acontecer, tudo pode ocorrer. Setores do PT já se assanhavam ontem pregando o rompimento do acordo de revezamento e o lançamento da candidatura de Arlindo Chinaglia. 

                        Tucanos no galho

                        Júlio Delgado, que é de Minas, saiu satisfeito do encontro que teve ontem com o governador Antonio Anastasia (PSDB) e a bancada federal do estado. Anastasia prometeu até fazer um telefonema de apresentação a seu colega paraense, Simão Jatene, que esta semana recebe Delgado. Mas amanhã recebe o peemedebista Henrique Alves. O deputado Marcus Pestana resume a objetividade tucana no caso. “Temos muita simpatia pelo Delgado, mas o que nos favorece é a observância da regra da proporcionalidade, não a luta campal. A regra nos garantirá, por direito, a primeira-secretaria.”

                        O cargo é cobiçado pelo PSD, que tem o tamanho, mas não a antiguidade do PDSB. O atual presidente, Marco Maia, baterá o martelo, mas isso também ainda pode parar no STF.

                        Missão

                        A primeira parte do despacho de ontem entre Dilma e seu vice, Michel Temer, foi diplomática. Ele relatou suas viagens internacionais e eles acertaram a atuação dele no esforço para derrubar o embargo russo à carne brasileira. O premiê Dmitri Medvedev está chegando. No fim, os dois tangenciaram o formigueiro político no PMDB.

                        Destino de Lobão

                        O ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, tem conversado com seus pares do PMDB sobre a possibilidade de deixar o cargo quando a presidente Dilma deflagrar sua minirreforma ministerial. Estaria precisando começar a preparar o terreno para a candidatura a governador do Maranhão. Para Dilma, seria mamão com açúcar. Ela poderia colocar um técnico de seus sonhos na pasta que foi dela para enfrentar a questão energética e compensar o PMDB com outro ministério.