segunda-feira, 17 de junho de 2013

Quadrinhos + Julio&Gina: Vai Japão!

folha de são paulo

CHICLETE COM BANANA      ANGELI
ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE
LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO
CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES
FERNANDO GONSALES
MUNDO MONSTRO      ADÃO ITURRUSGARAI
ADÃO ITURRUSGARAI
BIFALAND, A CIDADE MALDITA      ALLAN SIEBER
ALLAN SIEBER
MALVADOS      DIK BROWNE
DIK BROWNE
GARFIELD      JIM DAVIS
JIM DAVIS

HORA DO CAFÉ      ALVES
ALVES

Ativista do Movimento Passe Livre diz que não negocia trajeto de manifestação

folha de são paulo
ADRIANA FARIAS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O Movimento Passe Livre irá se reunir hoje de manhã com o secretário de segurança pública do Estado, Fernando Grella Vieira.
Ele disse que quer negociar com os manifestantes o trajeto que será feito no protesto de hoje, marcado para às 17h, no largo da Batata, zona oeste de São Paulo.
O grupo afirmou que está aberto para conversar com a finalidade de evitar repressão policial, mas que não irá negociar o itinerário, que isso é uma decisão política do movimento.
Em entrevista para a Folha, a militante Nina Cappello, 23, que é estudante de direito da USP, criticou a criminalização do movimento e foi categórica "a gente não sai das ruas enquanto não for revogado o aumento da tarifa dos ônibus e trens". O grupo promete outro protesto para esta terça-feira (18), ainda sem local e data definidos.
Veja os principais trechos da entrevista:
*
Folha - O secretário de segurança pública, Fernando Grella Vieira, convidou o movimento para conversar hoje às 10h. Vocês vão?
Nina Cappello- Eu não sei exatamente para o que é a reunião, mas a gente está disposto a conversar com eles para evitar a repressão policial, que foi muito violenta no último ato [de quinta-feira (13)], que teve pessoas presas mesmo antes da manifestação começar. Vamos questionar essa criminalização do movimento. O que nós deixamos claro é que a decisão do caminho da manifestação é uma decisão política nossa, nós não vamos decidir o trajeto do movimento com eles. Mas a gente entendeu que isso não seria um problema porque a polícia tem que garantir a segurança dos manifestantes não importa o trajeto que a gente escolha fazer. Quando a gente tiver o trajeto definido nós vamos informar para eles.
Como será o protesto de hoje programado para as 17h no largo da Batata, em Pinheiros?
Vai ser o maior protesto contra o aumento da tarifa de ônibus. A gente continua na rua até o prefeito [Fernando Haddad] e o governador [Geraldo Alckmin] decidirem revogar o aumento do ônibus e dos trens caso contrário a gente vai continuar colocando as nossas forças nas ruas, ocupando ruas importantes e parando a cidade.
Mas grande parcela da sociedade crítica o ato, veem o movimento mais como de "baderneiros" que querem promover o vandalismo?
É a política que eles têm de criminalizar o movimento e que acontece com os movimentos sociais principalmente nas periferias. É o jeito que eles têm para calar a nossa voz. Estamos na rua lutando por um direito, isso não é baderna é simplesmente uma manifestação legítima na luta por transporte público. O movimento não apoia vandalismo, mas a gente entende que a violência é da policia e da tarifa. Retomando o que foram as manifestações fica bem claro que houve violência por parte dos manifestantes porque teve repressão por parte da polícia.
A manifestação de vocês é pelo aumento de 20 centavos na tarifa do transporte público ou também tem um outro viés?
A manifestação é essa, cada aumento de tarifa exclui mais gente do transporte público, e ao mesmo tempo exclui mais gente da cidade. Você não tem dinheiro para usar a cidade, para usar o hospital público, a manifestação é sim contra o aumento de 20 centavos. A gente não sai das ruas enquanto não for revogado esse aumento.
Mas você não acha que algumas pessoas que aderiram ao protesto tem outras reivindicações que não só se referem ao aumento das tarifas? E se há pessoas protestando contra outras coisas não tiraria o foco do movimento?
As manifestações têm crescido porque a nossa pauta é muito clara porque ela causa revolta nos paulistanos. Diariamente a gente sofre uma violência pela questão de pagar uma tarifa para usar algo que é um direito. Você ter que se espremer dentro do ônibus, levar de duas a três horas para ir do trabalho e voltar do trabalho. Essa revolta esta sendo expressada com essas manifestações. A gente está na rua para lutar por um outro modelo de transporte público e cada vez mais as pessoas estão vendo que cabe a elas decidir como vai ser organizada a cidade, mas a manifestação é sim contra o aumento da tarifa.
Além dos jovens e estudantes, o movimento ganhou adesão de outros grupos como o dos trabalhadores.
A pauta é única, o transporte é central para ter acesso a cidade. Conforme as manifestações crescem a repercussão é maior. Eu ando de ônibus e metrô todo dia. Eu escuto pessoas falando no ônibus que apoiam o movimento e que ficam felizes em saber que tem gente lutando por um outro modelo de cidade. A pressão popular pode revogar essas tarifas como aconteceu em outras cidades.
Imaginavam a repercussão nacional e internacional, com comunidades brasileiras fazendo manifestações em solidariedade a vocês?
O MPL se organiza nacionalmente então não foi uma surpresa. Outras cidades estão se articulando com a gente até no sentido de fazer manifestação no mesmo dia, algumas também estão passando por esse mesmo aumento. Já internacionalmente a gente esta bastante surpreso e feliz porque esse apoio é fundamental e traz uma pressão ainda maior no governo e na prefeitura de que eles não só devem parar de criminalizar e reprimir o movimento, como eles vão ter que atender a nossa reivindicação senão isso vai ganhar uma dimensão cada vez maior.
Vocês preveem um fim para isso?
Enquanto não revogar a gente não vai parar. Na terça-feira (18) nós vamos participar com a prefeitura do conselho da cidade, que existe desde o começo do ano que reúne alguns movimentos sociais, mas não tem poder de decisão. A gente vai nesse espaço para cobrar o prefeito [Fernando Haddad], caso não revogue o aumento vai ter manifestação na terça-feira (18) também. Isso está decidido.

Humor e fantasia guiaram a obra de Tatiana Belinky

folha de são paulo
ANÁLISE
Humor, musicalidade e fundo ético marcam obra
MARISA LAJOLOESPECIAL PARA A FOLHATatiana Belinky foi uma figura ímpar na literatura infantil brasileira.
Meio alheia aos percursos institucionais dos livros para crianças, a obra de Tatiana Belinky impôs-se para o público e para a crítica pela alta qualidade, que vinca seus textos com marcas muito especiais.
Ecoam particularmente em seus livros algumas das mais fortes tradições do gênero infantil, como o humor e a musicalidade.
Primeira voz a difundir por terras verde-amarelas, como tradutora, os "limericks", ela marcou sua produção literária pelo abrasileiramento do tom poético do tradicional gênero inglês, caracterizado por versos curtos e pelo humor.
No conjunto de sua obra, suas raízes russas e judaicas também se fizeram importantes na construção de suas muitas e belas histórias, por vezes recontadas a partir destas matrizes culturais.
Figuras fantásticas, camponeses, cenários ora rurais, ora urbanos, envolventes enredos sentimentais, discussões de fundo ético temperadas de humor são a espinha dorsal de seus livros.
Na atual voga de vampiros e similares criaturas, ganham especial atualidade seus versos de um quase "t 'esconjuro": "Vampiros dentuços,/Viscosos e ruços,/Querendo assustar/A você e a mim;/()/Porque meu segredo/É nunca ter medo /São eles que tremem/Com medo de mim!".
Chegando a centenas de títulos, espalhados em diversas editoras, a obra de Tatiana Belinky cumpre a função maior da literatura para qualquer idade: a fantasia, o reforço da identidade e a solidariedade com o diferente, como tão bem ilustram seus versos que proclamam (com razão): "Tudo é humano,/Bem diferente/Assim, assado/todos são gente/Cada um na sua /E não faz mal/Di-ver-si-da-de /É que é legal".
    Amigos se despedem de Tatiana Belinky
    Escritora se dividiu entre peças, versões para TV e criações originais
    Nascida na Rússia, autora de literatura infantil tinha 94 anos e morreu anteontem; obra supera 200 títulos
    MÔNICA RODRIGUES DA COSTAESPECIAL PARA A FOLHAFoi enterrado ontem à tarde, no Cemitério Israelita da Vila Mariana (zona sul de São Paulo), o corpo da escritora Tatiana Belinky, que morreu no sábado, aos 94 anos, de causa não divulgada.
    Mais cedo, cerca de 80 pessoas estiveram no velório, na casa dela, no Pacaembu (zona oeste). Segundo amigos, Belinky havia sofrido um AVC (acidente vascular cerebral) há pouco e desenvolvera um princípio de pneumonia.
    Ao longo da carreira, ela se dividiu entre os ofícios de poeta, contista, tradutora, roteirista, dramaturga e crítica de teatro e literatura infantis.
    Em mais de 200 livros, Belinky inventou um mundo de aventuras completo, salpicado de prosa e poesia sempre bem-humoradas.
    Quem não se lembra do livro "Dez Sacizinhos" (1998)? Ou das peripécias de "A Operação do Tio Onofre" (1985), em que crianças e adultos brincam de mudar o nome das coisas? Já em "Que Horta!" (1987), a autora se põe a inventar plantas engraçadas ao modo de Edward Lear (1812-1888), como "rabamate" e "palmipolho".
    Além das criações originais, são notáveis as adaptações que Belinky assinou de obras e mitos estrangeiros, como "A Saga de Siegfried" (Companhia das Letrinhas), "O Nariz" (Ática), a partir do conto do russo Nicolai Gógol, e "Di-versos Alemães" (Scipione), com quatro traduções de poemas de Goethe.
    Também verteu ao português textos de Turguêniev, Tolstói, Púchkin, Tchékhov, Makarenko, Kipling e Dickens, entre outros.
    A escritora tornou célebres entre as crianças os "limeriques", estrofes rimadas e levemente cômicas decalcadas dos "limericks" ingleses do século 19, cujo representante maior foi Lear, precursor de Lewis Carroll (1832-1898), outro autor que Belinky transpôs ao português.
    Os tais versos se desdobraram em "Medoliques", "Cacoliques", "Bisaliques", "Bregaliques", "Mandaliques e "Limeriques da Cocanha".
    ORIGEM RUSSA
    No livro de memórias "Transplante de Menina", ela retraça sua chegada ao Brasil, aos dez anos, em 1929, vinda de Riga, na Letônia. Ela nascera na russa Petrogrado (hoje São Petersburgo).
    Em 1948, Belinky fundou o Teatro-Escola de São Paulo. Há registros de que a primeira montagem voltada ao público mirim paulistano, um "Peter Pan", teria estreado ali ainda naquele ano.
    Em 1952, ela e o marido, o educador Julio Gouveia (1914-1988), adaptaram para a TV Tupi "O Sítio do Picapau Amarelo", de Monteiro Lobato. Tratou-se da primeira transposição da obra para a tela. O casal também produziu telepeças para o "Teatro da Juventude" (Tupi).
    No campo institucional, nos anos 1960, Belinky presidiu a Comissão Estadual de Teatro de São Paulo e, no âmbito desta, foi líder da Comissão de Teatro Infantojuvenil Na década seguinte, colaborou para a Folha com resenhas de livros e espetáculos infantis.
    PRÊMIO JABUTI
    Em 1989, recebeu o Prêmio Jabuti na categoria de personalidade literária do ano; em 1991, ganharia distinção da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança.
    Mantendo até há pouco publicações em diferentes casas editoriais, Belinky assinou versos a um só tempo prosaicos e vivazes. Como estes, pinçados de "Limeriques das Coisas Boas": "O parque, o jardim, a floresta.../ Na rede, um gosto de sesta.../ Na escola, no lar,/ Brincar e sonhar.../Viver pode ser uma festa!".
    Belinky deixa um filho, o jornalista, tradutor e escritor Ricardo Gouveia.
      REPERCUSSÃO
      Ziraldo, escritor e ilustrador:
      "A literatura infantil no Brasil tem uma importância maior do que em boa parte dos países. E um dos pilares desse processo foi Tatiana Belinky. Ela nasceu na Rússia, mas foi uma grande brasileira."
      Pedro Bandeira, escritor:
      "Foi pioneira e mestra. Cresci assistindo na Tupi a suas adaptações de Pollyana, do 'Sítio' e da Bíblia. Com o marido, criou o fazer televisivo, numa época em que era tudo 'ao vivo', não havia videoteipe. No caso do 'Sítio', fez a melhor versão, entendeu perfeitamente o que Lobato queria dizer com a boneca Emília. Além disso, era um repositório de folclore germânico, russo e escandinavo. Sabia histórias que nunca tínhamos ouvido por aqui."
      Ruth Rocha, escritora:
      "Ela foi uma personalidade muito importante na cultura brasileira e na de São Paulo. Não só na literatura infantil mas também no teatro e na televisão."
      Eva Furnari, escritora e ilustradora:
      "Foi uma das pioneiras da literatura infantojuvenil brasileira. Tinha uma visão muito clara sobre as crianças. Sua literatura era marcada pela brincadeira e pelos jogos de palavras. Uma pessoa muito doce e de uma energia impressionante. Foi um exemplo."
      Marta Suplicy, ministra da Cultura (em nota oficial):
      "Tatiana Belinky é joia rara. Da lavra de Niemeyer e outros poucos incansáveis. Sensível, produtiva.
      Capaz de nos brindar com centenas de livros para um público extremamente desafiador: o infantojuvenil. Embalou muitas das minhas alegrias de infância! [...] Nossa literatura perde uma grande criadora."
      Heloisa Preito, escritora e editora:
      "Belinky tinha uma lista de méritos infinita. Ela nunca subestimava a inteligência das crianças, nem nos livros, nem em debates. Isso era muito explícito nas suas obras, que, assim como ela, eram muito bem-humoradas. Dona de uma cultura enorme, ela trouxe muitos clássicos para o país, com grande qualidade. Ela tinha um olhar cosmopolita, que fará muita falta."

        Polícia criou 'metamanifestação' com violência

        folha de são paulo
        OPINIÃO GUERRA DA TARIFA 
        Cidade para por muitas razões --como no Natal, na Paulista--, não só pelo trânsito provocado pelos protestos
        ANTONIO PRATACOLUNISTA DA FOLHAA prisão do jornalista Piero Locatelli, na passeata da última quinta (http://migre.me/f2T7x), pelo inaudito crime de porte de vinagre, diz muito sobre a postura da PM durante aquela tarde e noite. Dá, ainda, uma pista de como o governo paulista conseguiu transformar um movimento de 5.000 pessoas, cujos motivos pareciam questionáveis a quase metade da população, num poderoso imã de insatisfações --a se crer nas confirmações via Facebook, dezenas de milhares podem comparecer hoje à 5ª Manifestação do Movimento Passe Livre, no largo da Batata.
        Piero, repórter da Carta Capital, estava no viaduto do Chá filmando a polícia revistar alguns manifestantes, quando um PM pediu para que ele também abrisse sua mochila. Havia ali uma garrafa de vinagre --substância que, ao ser inalada, minimiza os efeitos do gás lacrimogêneo. Encontrada a garrafa, ele foi detido e levado para o 78º DP.
        Se a produção, o porte e o consumo do ácido acético não configuram crime em território nacional, por que o jornalista foi preso? Porque o vinagre era indício de que ele estava ali para a manifestação --e sair às ruas para manifestar-se, como indicam a detenção do repórter e os relatos, fotos e vídeos dos feridos pelas balas de borracha e golpes de cassetete naquela noite, é visto pelo governo como uma atividade criminosa.
        Justificando as ações da PM, o governador Geraldo Alckmin afirmou que "A polícia tem o dever de preservar o direito de ir e vir". Muito acertadamente, um tuiteiro lembrou que a decoração natalina das agências bancárias da Paulista também restringe o direito de ir e vir, a cada dezembro, e ninguém jamais foi preso ou tomou tiro de borracha no rosto por causa disso. Pelo contrário, nos últimos anos a CET fechou algumas vezes as pistas da avenida, em certas horas do dia, para que os pedestres apreciassem os enfeites.
        A constatação acima não significa subscrever o slogan "Se a tarifa não baixar, São Paulo vai parar", apenas aceitar o fato de que nossa cidade (ou uma parte dela) para por outras razões, sem que seja enviada a Tropa de Choque. Seria a discussão sobre o preço do transporte público motivo menos nobre do que as luzinhas e as renas do Papai Noel?
        Se na última quinta a polícia houvesse acompanhado os manifestantes pacificamente, ou os bloqueado e tentado negociar, talvez o MPL tivesse perdido força. Talvez alguns dos participantes tivessem partido pro quebra-quebra e o movimento acabaria desmoralizado perante a opinião pública. A violência da PM, contudo, criou para hoje essa metamanifestação: é o direito de ir às ruas, mais do que o preço do ônibus, o que parece motivar as 186.014 pessoas que, até a conclusão deste texto, haviam confirmado a presença no largo da Batata, pelo Facebook.
        Claro que nem todo mundo vai --para muitos, dizer que irá já é uma forma de dar apoio-- mas é fundamental que o governo se prepare para um evento de grandes proporções. É imprescindível que a polícia se comporte de maneira radicalmente diferente do que fez na quinta: não só para que se garanta um dos direitos mais básicos da democracia, mas para evitar uma tragédia.

          Scliar e o Rio Grande - LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL

          Zero Hora - 17/06/2013

          O Rio Grande do Sul é, desde suas primeiras representações simbólicas, uma metáfora e uma alegoria intelectuais que se organizam a partir da evocação de um antigo tipo luso-platino-rural, que acabou por suplantar as outras vertentes constitutivas de sua presente identidade. Como qualquer construção validada pelos extratos dominantes, essa alegoria teve, até pouco, sua hegemonia incontestada, havendo raro espaço de diálogo com outras representações concomitantes, nomeadamente as que decorrem dos surtos imigratórios dos séculos 19 e 20.

          Nesse conjunto de fatores superpostos – e, não raro, conflitantes –, a obra de Moacyr Scliar avulta por ser aquela que optou por uma via alternativa que instituiu entre nós uma reflexão a que não estávamos acostumados: a de que somos humanos, antes de gaúchos.

          Alguma crítica por vezes diz que o componente judaico seja a face mais visível e representativa de sua obra; trata-se, esta, de uma visão pobre, porque, antes de tudo, Scliar traz para nossa literatura uma via inesperada que aparece não como contraponto, mas como justaposição ao tipo hegemônico. Ambas são perspectivas construídas e, por isso, habitam a mesma legitimidade.

          Outro viés referido pela crítica como essencial é o veio fantástico de seus romances, novelas e contos. Na verdade, trata-se de outra dicção para a mesma universalidade. Se nosso fantástico está presente já desde Lendas do Sul, este mesmo fantástico é um dado previsto pela cultura e pela mitologia; já o fantástico de Scliar é criação pura, isto é, provém de uma fabulação exclusiva e que não se confunde com qualquer outra preexistente mitologia.

          Essas duas circunstâncias temáticas de Scliar – a judaica e a fantástica – significam, no cerne, o alargamento ontológico de uma literatura que se debatia entre seus que-fazeres irremediáveis e miúdos, vítima da estéril dicotomia pampa-cidade.

          A obra de Scliar talvez seja a mais feliz investida nos domínios de uma universalidade moderna, embora tardia em termos regionais, e que precisou desse escritor de exceção para impor-se como possibilidade estética.

          O constructo intelectual que é o Rio Grande, dessa forma, adquirirá, de agora em diante, uma obrigatória nuança, não a desfazê-lo, mas a matizá-lo. Com isso ganha-se em colorido e diversidade, até que outras obras surjam a transformar esse quadro pois, como sabemos, a cultura e a literatura se definem como processo que estará sempre descontruindo o que antes construiu.

          Sua vida digital não é só sua

          folha de são paulo
          Programa americano que vigia a internet reacendeu debates sobre privacidade na rede. Afinal, devemos nos preocupar?
          BRUNO FÁVEROCOLABORAÇÃO PARA A FOLHAEm um episódio com cara de filme de espionagem, Edward Snowden, funcionário da Agência Nacional de Segurança dos EUA, vazou documentos secretos que revelaram um extenso sistema de vigilância da internet, chamado Prism, mantido desde 2007 pelo governo americano.
          A descoberta de que o Estado pode ter acesso a e-mails, conversas e dados pessoais de usuários reacendeu a discussão sobre privacidade na rede. Afinal, devemos nos preocupar em ser vigiados?
          Patrícia Peck, advogada especialista em direito digital, explica que uma empresa só cede informações de usuários sob ordem judicial específica ou com um pedido de autoridade, mas faz um alerta.
          "Na maioria dos serviços gratuitos, os termos de uso dizem que as informações postadas também passam a ser de propriedade de quem presta o serviço". Na prática, isso significa que as empresas são tão donas do que é postado, dos e-mails ou do que é escrito no chat do Facebook quanto os usuários.
          O Prism mostra o quão complexa a questão pode se tornar. O projeto foi criado com base em uma lei dos EUA. Como boa parte das empresas da internet são de lá, o governo americano tem acesso a dados de usuários do mundo todo.
          "A internet tem uma sensação de desterritorialização', mas os serviços são prestados por empresas situadas nos EUA e, grande parte das vezes, seus termos de compromisso submetem usuários do resto do mundo às leis americanas", explica Carlos Affonso de Souza, professor do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV.
          Para Peck, o problema é que o Brasil ainda não tem uma legislação específica para regulamentar a internet. "Se houvesse uma lei protegendo usuários, as empresas de tecnologia que quisessem oferecer seus serviços aqui teriam que se adequar", afirma.
          Souza diz que iniciativas de vigilância como o Prism devem, sim, ser motivo de preocupação, mas que a discussão sobre privacidade na internet deve ir além, abordando também o papel das companhias e o uso cotidiano das redes sociais.
          "Muita gente diz o que eu faço na internet não tem importância, é trivial', mas dados em grande volume podem dar informações sensíveis", diz, citando como exemplo o caso da empresa americana Target, que criou um algoritmo supostamente capaz de descobrir quais clientes suas estavam grávidas a partir de seus hábitos de consumo.
          "Não é uma fala alarmista do tipo vamos sair todos das redes sociais', mas as pessoas devem fazer um filtro do que vai para a internet", afirma.
          Atualmente, há pelo menos dois projetos de lei sobre o assunto no Brasil. O Marco Civil, espécie de "Constituição da Internet", aguarda aprovação na Câmara. Enquanto isso, o Ministério da Justiça elabora um texto para a lei de proteção de dados pessoais.
            Temor sobre privacidade abala setor de tecnologia
            Insegurança sobre como grandes empresas ajudaram o governo pesa
            "Você tem privacidade zero. Pare de se incomodar com isso", disse executivo da Sun Microsystems em 1999
            DAVID STREITFELDDO NEW YORK TIMESO mundo da tecnologia no Vale do Silício, região dos EUA notória por concentrar empresas do setor e que não está acostumada a duvidar do futuro da internet, vive dias de desgosto.
            Manter Washington afastada sempre foi um esforço. Regulamentação governamental sufocaria a inovação, os empreendedores repetiam.
            Assim, a primeira coisa intrigante para alguns observadores é o fato de que companhias importantes --entre as quais Microsoft, Google, Yahoo, Apple e Facebook--sejam acusadas de facilitar o acesso a seus dados.
            As empresas negam ter colaborado diretamente com o Prism (leia mais abaixo), mas não parecem ansiosas por falar sobre como colaboraram indiretamente, e sobre que limite teria sido imposto.
            "O sucesso de qualquer companhia se baseia não apenas no valor dos produtos que oferece, mas também no nível de confiança que seja capaz de estabelecer", afirma Adriano Farano, cofundador da Watchup, produtora de um aplicativo que personaliza vídeos jornalísticos. "O que está em jogo é a credibilidade de um ecossistema".
            E trata-se de um que depende de dados pessoais.
            Novas tecnologias como o Google Glass avançam por territórios que até recentemente eram inatingíveis. De grandes empresas a novas companhias, o setor de tecnologia fervilha com planos para recolher os dados mais íntimos de seus usuários e usá-los para vender coisas.
            "Estamos pressionando o governo a nos proteger, mas também colocamos mais e mais informações sobre nós mesmos em lugares que permitem que outras pessoas as vejam", diz Christopher Clifton, cientista da computação da Universidade Purdue que pesquisou sobre métodos de coleta de dados que preservam a privacidade. "O fato de que parte desse todo será estudado pode perturbar, mas não surpreende", declara.
            O presidente Barack Obama, tentando atenuar os protestos, diz que os alvos do programa são cidadãos estrangeiros, e que vale a pena ceder um pouco de privacidade em troca de segurança.
            PROBLEMA ANTIGO
            Mas o monitoramento de dados é um problema que estava por surgir há tempos.
            As grandes fabricantes de computadores sempre venderam sistemas ao governo e empresas iniciantes de toda espécie sobrevivem com informações pessoais. Por outro lado, as companhias sempre tentaram evitar regras governamentais que restringissem sua visão --e seus lucros.
            Em 1999, Scott McNealy, presidente-executivo da Sun Microsystems, resumiu a atitude do Vale do Silício quanto aos dados pessoais com uma declaração que define o "boom" da internet: "Você tem privacidade zero. Pare de se incomodar com isso."
            McNealy não retira o comentário, ou não todo ele, mas diz que hoje se preocupa mais do que no passado sobre possíveis abusos.
            Ele, porém, argumenta que os fabricantes de computadores têm alguma responsabilidade pela criação do estado de vigilância. "É como culpar os fabricantes de armas pela violência ou uma montadora pelos motoristas embriagados". O problema real, ele diz, é "o avanço no alcance do governo. Acho ótimo que eles estejam tentando identificar o próximo terrorista. Mas já imagino se isso significa que vão me bisbilhotar."
            Aaron Levie, fundador do Box.com, sistema de compartilhamento de arquivos, brincou no Twitter que o Prism apenas reuniu em um mesmo local todos os dados do Gmail, Google, Facebook e Skype. "A NSA chegou antes que cerca de 30 startups com essa ideia", escreveu.
              ANÁLISE
              Rede está virando uma ferramenta de vigilância
              RONALDO LEMOSCOLUNISTA DA FOLHAO escândalo do acesso a dados de usuários por parte do governo do EUA reforça uma constatação cada vez mais evidente: a internet (e outras redes) estão se convertendo em sistemas massivos de vigilância.
              Os EUA enfrentam agora uma situação paradoxal. A ex-secretária de Estado Hillary Clinton rodou o mundo disseminando a ideia de uma paz americana para a rede. Ela enfatizou seu papel para a democracia, citando as revoluções árabes. Enquanto o discurso acontecia, nos bastidores, os EUA punham em prática seu sistema secreto de vigilância, de fazer inveja às posturas da China. Fica a impressão que os EUA foram libertários no discurso e liberticidas na prática.
              Para que a internet não se transforme em máquina universal de vigilância, o único antídoto é a lei. Somente ela pode impor limites ao uso desenfreado. Nem a política, fatores econômicos ou a própria tecnologia são capazes de prevenir o crescimento do "panopticon" digital.
              Por essa razão, as constituições democráticas estão sendo postas à prova. O que significam a proteção à privacidade, as liberdades civis e o devido processo legal quando aplicados à internet? A justificativa de Obama foi que, nos EUA, todo o sistema foi aprovado antes pelo Congresso e que mudanças deveriam receber o mesmo aval.
              Já no Brasil permanece um grande vácuo legislativo. O Marco Civil da Internet, projeto que visa a proteger os direitos dos usuários com relação ao tema, permanece parado na Câmara.
              Enquanto isso, o vazio é preenchido pela Anatel. Em agosto de 2012, a agência outorgou-se poderes para acessar diretamente os registros das chamadas telefônicas de todos os usuários no país. Em maio de 2013, por meio de resolução, obrigou os grandes provedores de internet a guardarem todos os registros de conexão dos usuários por um ano. A justificativa é, respectivamente, fiscalizar a qualidade dos serviços e coibir crimes.
              Mas pode a Anatel regulamentar questões tão complexas por meio de resolução? Não seria esta uma competência privativa da lei? São questões que, tais como muitos aspectos do escândalo nos EUA, permanecem sem resposta em nosso país.

                Da sabedoria popular à pesquisa » SHIRLEY PACELLI

                Correio Braziliense - 17/06/2013


                Unicamp desenvolve medicamento a partir do crajiru, planta encontrada e utilizada para fins medicinais em todo o país. O novo produto promete beneficiar diabéticos com ulcerações e pacientes imunodeprimidos
                Belo Horizonte — No Nordeste, chá contra cólicas e tratamento de micoses. Para os índios da Amazônia, tinta para a pele. Em Passos de Minas (MG), banho de assento e tratamento contra picada de insetos. A sabedoria popular já utiliza a Arrabidaea chica verlot, conhecida popularmente como crajiru. Ao lado do alho, do caju e da carqueja, a planta está na relação nacional de espécies medicinais de interesse do Sistema Único de Saúde (SUS), que reúne cerca de 70 itens. Em 2003, um projeto de uma empresa de cosméticos resolveu investigar o crajiru para a produção de batons. O estudo, realizado por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), acabou levando a outras descobertas, como a potencialidade de se criar outro medicamento fitoterápico para cicatrização de lesões de pele e mucosa.

                O novo produto não deve ser apenas mais um no mercado. Os estudos comprovam que ele tem poder cicatrizante muito eficiente e pode atender pacientes diabéticos com ulcerações e imunodeprimidos (pessoas cujo sistema imunológico está enfraquecido). "O crajiru tem baixa toxicidade e eficiência alta", afirma Mary Ann Foglio, coordenadora do projeto e pesquisadora da Divisão de Fitoquímica do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Unicamp.

                No Brasil, de acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), há cerca de 12 milhões de pessoas acometidas com esse mal. Adriana Bosco, presidente da SBD Regional Minas Gerais e coordenadora do Ambulatório do Diabetes tipo 2 da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, explica que, quando a doença não é controlada, com o tempo, a pessoa perde a sensibilidade dos membros inferiores e qualquer lesão pode virar uma úlcera. Há vários medicamentos para tratar os ferimentos em diabéticos, como pomadas e géis específicos.

                No laboratório, testes bem-sucedidos para cicatrização de lesões de pele e mucosa
                O SUS fornece alguns deles. "O ideal é sempre a prevenção, porque depois é mais difícil de controlar. Mas tudo que vem para contribuir para a cura desse mal é muito bem-vindo. Ainda mais se a matéria-prima é brasileira", afirma Adriana.

                Apesar de ser encontrada em todo o país, a Arrabidaea chica verlot é mais comum na Amazônia, onde os indígenas também a utilizam para combater infecções fúngicas. Mary Ann Foglio conta que foi feito um estudo com as populações para saber qual tipo era o mais adequado para o fim pretendido. "Determinamos as variedades e pesquisamos para montar o conteúdo químico de acordo com as estações e o efeito farmacológico. Quanto mais rico em antocianosídeos — substâncias de origem vegetal que demonstram uma poderosa atividade antioxidante, capacidade de promover a biossíntese do colágeno e impedir sua degradação —, maior o poder de cicatrização", diz.

                Foglio esclarece que a equipe, de cerca de 20 pessoas, vai começar a etapa dos estudos clínicos depois de ter passado pela pesquisa com animais. Várias teses sobre a planta estão em andamento. "Ainda leva um tempo até o medicamento chegar ao mercado. Mesmo porque temos que encontrar empresas interessadas em produzi-lo", explica. Além desse entrave, há desafios a serem enfrentados, como garantir uma coloração esteticamente melhor, pois o produto deixa a pele avermelhada (parecendo sangue), e descobrir uma forma para que o crajiru não se degrade facilmente, já que ele é um composto muito sensível aos efeitos do ar. É necessário ainda descobrir por quanto tempo o medicamento fica na corrente sanguínea e o tempo que leva para sair do corpo.

                O crajiru ocorre em todas as regiões do país, porém é mais comum na Amazônia, onde índios a usam para combater infecções por fungos

                Patentes

                A pesquisadora da Unicamp foi orientadora da dissertação de mestrado sobre o crajiru de Ilza Maria de Oliveira Sousa, que avaliou a estabilidade do extrato seco e criou formulações semissólidas com os extratos padronizados a partir das folhas da espécie. O trabalho gerou o depósito de uma patente em relação às técnicas para produção de nanopartículas de longa duração. Há ainda outro pedido de patente para os processos para microencapsulação do extrato da planta.

                Ilza Sousa explica que se decidiu pelo encapsulamento para aumentar a vida útil do composto. Ela produziu microcápsulas com três materiais diferentes: goma de cajueiro, goma arábica e mistura de goma arábica e maltodextrina. Essa última perdeu a coloração depois de 30 dias de armazenamento, mas com outra matriz se manteve por seis meses. Depois desses testes, ela passou a produzir cremes e diferentes tipos de géis, atestando que o de carbopol e o natrosol reduziram de 70% a 80% a área cutânea ulcerada. Enquanto o grupo de controle reduziu apenas 37%.

                Ela conta que ainda não há medicamento natural para cicatrização de pacientes imunodeprimidos. "Trabalhar nesse projeto é uma satisfação pessoal grande, porque alcançamos o objetivo do grupo, que é a pesquisa de medicamentos de uso popular para doenças negligenciadas, aquelas que afetam a população mais carente. Podemos incluí-lo, futuramente, no sistema público de saúde", conta.
                Trepadeira

                O crajiru é uma espécie trepadeira encontrada em todo o território brasileiro, mas é mais comum na região amazônica. Algumas espécies do Sul do Brasil não têm o poder cicatrizante tão bom quanto o de outras regiões. Atribui-se à planta propriedades terapêuticas para enfermidades da pele. O Centro de Pesquisa Agroflorestal da Embrapa de Rondônia também informa sobre outros usos medicinais, como em infecções de origem uterina e males do fígado, do estômago e do intestino, além de serventia para leucemia e conjuntivite aguda.

                Atividades em grupo têm sido mais procuradas por pais de crianças com autismo

                folha de são paulo
                FERNANDO TADEU MORAES
                DE SÃO PAULO

                Assim que a cortina desceu e o teatro lotado começou a aplaudir, Wilker Vilela, 12, ficou feliz com a sua estreia nos palcos. "Gostei, é muito bom o calor dos aplausos."
                Wilker é um dos 21 jovens do projeto Aut, que busca, por meio do teatro, ajudar crianças com autismo a melhorar suas habilidades sociais e a superar dificuldades de comunicação.
                Ze Carlos Barretta/Folhapress
                Wilker Vilela, 12, encena peça musical no teatro Dias Gomes, em SP
                Wilker Vilela, 12, encena peça musical no teatro Dias Gomes, em SP
                "Para ser um ator é necessário se expor ao público, esperar a vez de entrar, interagir, passar um certo charme. Tudo o que uma criança com autismo não tem", diz a neuropsicóloga Tatiane Ribeiro, que montou o projeto com a ajuda da também especialista em neuropsicologia Liège Felício, da fonoaudióloga Lais Mazzega e do diretor Deto Montenegro.
                Depois de um ano de ensaios semanais, a estreia do musical teatral aconteceu no mês passado, no teatro Dias Gomes, em São Paulo.
                No início, conta Ribeiro, os jovens não olhavam uns para os outros, apenas para baixo. O som alto, o ambiente apertado da coxia e a expressão das emoções em cada fala foram dificuldades superadas pelos agora atores.
                Apesar de o objetivo inicial não ter sido uma terapia formal, as aulas de teatro acabaram dando resultados. A melhora na empatia dos jovens será medida por testes.
                Esse tipo de atividade em grupo tem sido cada vez mais procurada pelos pais das crianças com autismo, segundo a psicóloga Roberta Marcello, diretora do instituto Priorit, no Rio.
                "O foco é estimular a troca social das crianças", diz ela. Entre as atividades oferecidas na Priorit, especializada no tratamento de crianças com autismo e deficit de atenção, estão a capoeira, o judô, o canto e o desenho, indicadas a partir dos quatro anos de idade e realizadas com terapeutas que as adaptam à realidade do transtorno.
                Segundo a psicóloga, muitos pais buscavam essas atividades em escolas normais, mas as crianças não conseguiam se adequar.
                "É importante não só contornar as dificuldades da criança mas estimular suas habilidades", diz Marcello.
                Segundo a psicóloga Caia Pacífico, colaboradora no Ambulatório de Autismo do IPq (Instituto de Psiquiatria) da USP, essas atividades não podem ser consideradas terapias, pois carecem de evidências científicas, "mas podem ter caráter terapêutico, na medida em que favorecem uma interação com o outro".
                TERAPIAS
                Entre os tratamentos individuais do autismo, destacam-se as terapias comportamentais e a psicanálise, sendo que a última tem sido alvo de críticas pela alegada falta de estudos científicos que comprovem seus resultados.
                O método ABA (análise aplicada do comportamento, em inglês), usado desde a década de 1960, baseia-se em programas estruturados sob a ideia de um comando, um comportamento resultante (reação ou falta de reação) e uma consequência, como a recompensa por um comportamento desejado, explica a psicóloga comportamental Cláudia Romano, diretora do grupo Gradual.
                "Há programas para desenvolver a sociabilidade, treinar o uso do banheiro, para alfabetização, linguagem etc.", completa Pacífico.
                Já o Teacch (Tratamento e Educação para Autistas e Crianças com Deficits relacionados com a Comunicação), desenvolvido no início dos anos 1970, usa estímulos visuais, como figuras, e corporais, como gestos, para a comunicação.
                A psicanálise, por outro lado, não se concentra nos sintomas. Segundo Vera Regina Fonseca, diretora científica da Sociedade Brasileira de Psicanálise, o método busca a superação das dificuldades de relacionamento da criança por meio de jogos e da participação ativa do analista, como objeto de desenvolvimento da criança.
                O objetivo é que ela consiga compartilhar emoções e compreender o que outras pessoas estão sentindo.
                "Buscamos identificar quem a criança é, e não como gostaríamos que ela fosse. As outras terapias têm uma ideia de como a criança deve ser."
                O Centro de Educação Terapêutica Lugar de Vida, em São Paulo, usa uma abordagem que mescla a psicanálise com a educação e também as atividades em grupo.
                "Partimos da ideia de que a educação constrói a subjetividade e molda um modo de ser e como a criança se relaciona com os outros", diz Maria Cristina Kupfer, uma das fundadoras da instituição.
                Uma característica do local são os grupos de educação terapêutica. "Formamos minigrupos com crianças com diferentes dificuldades, formando uma pequena experiência do que seria uma socialização de fato", diz Cristina Keiko, do conselho administrativo da instituição. Entre as atividades propostas estão oficinas de música, de cozinha e de escrita.
                Maria Eugênia Pesaro, também da Lugar de Vida, diz que há uma busca por dar voz à criança autista: "Isso não significa que ela tenha de falar, o objetivo é que o que quer que a criança produza, seja fala, seja outro meio de expressão, tenha a ver com querer estar com o outro."
                Editoria de Arte/Folhapress
                Cães facilitam aceitação da terapia
                DE SÃO PAULOO Ambulatório de Autismo da USP já usa há quatro anos a "pet terapia", que ajuda as crianças com o transtorno a se tornar mais abertas ao tratamento. "São cães treinados para não latir e não reagir a puxões", diz Estevão Vadasz, coordenador do ambulatório.
                Vadasz diz que pesquisas já mostraram que o contato das crianças com cachorros aumenta os níveis da oxitocina, o hormônio da empatia.
                "O uso desse hormônio para o autismo vem sendo estudado há alguns anos e sua produção ajuda o terapeuta no tratamento."

                  A violência faz a diferença - Renato Janine Ribeiro

                  Valor Econômico - 17/06/2013


                  Quem for violento perde o apoio da sociedade



                  Antes da violência policial da quinta-feira, li no Facebook posts sustentando que, para fazer mudanças sociais reais, é preciso usar da violência. Manifestações pacíficas, ao gosto da classe média, não levariam a nada. No mesmo dia, à noite, os autores dessa análise, a meu ver totalmente errada, foram desmentidos pelos fatos. Porque a simpatia da opinião pública tem seguido, em boa medida, a linha de repúdio à violência. Os manifestantes que destruíram ônibus ou vidraças só fizeram sua causa perder apoio. Mas tudo mudou na quinta-feira, quando e porque a violência mudou de autor. Dessa vez a polícia agrediu sem provocação, como li nos depoimentos dos jornalistas Ivan Marsiglia, Armando Antenore e Elio Gaspari, ou da escritora Angela Lago.


                  Na vida social, há fatos importantes que decorrem de uma longa série causal - e outros, que surgem de uma causa fortuita, repentina, que poderia muito bem não ter existido. O Brasil é um país unificado, em vez de ter-se retalhado em várias repúblicas, por quê? Porque a família real veio para cá, num caso único de metrópole que muda para a colônia. Mas, se dom João atrasasse um só dia, os franceses o prenderiam e não teríamos unidade nacional. Ou: o PT governa o Brasil e o PSDB, São Paulo, por quê? Nos dois casos uma série longa de ações e reações lentamente foi construindo a hegemonia política de um partido no país e de outro no Estado mais populoso. Mesmo as manifestações, decorrem do quê? De uma lenta e determinada degradação do transporte público, apesar de sua tarifa subir em valores reais (considerados os últimos vinte anos). Reportagem do "Estado de S. Paulo" mostra que o número de ônibus não cresce desde 2004, mesmo com um aumento de 80% na quantidade de viagens efetuadas por dia pelos passageiros. Já as viagens de ônibus se reduziram em 3,5%, o que praticamente dobra a lotação por veículo. O desconforto dos usuários só aumentou - e notem que o levantamento cobre um período de prosperidade no país, quando a vida do cidadão "da porta da rua para fora" poderia ter melhorado. Ante essa constante degradação do transporte público, era inevitável que os cidadãos se indignassem, exigindo melhoras na condução. (Eu, pessoalmente, embora defenda uma tarifa de transporte subsidiada, a exemplo do que sucede nas capitais importantes do mundo, inclusive para desestimular o uso do veículo privado no deslocamento para o trabalho, considero que as prioridades absolutas no assunto deveriam ser maior rapidez e conforto nas viagens de ônibus). O problema vem de longe, a resposta só demorou a surgir, e deve continuar até que o tema se resolva.

                  Mas a violência... Eis o tema em que a causa pode ser fortuita, imediata, o tipo de coisa que poderia não ter ocorrido. Até quinta-feira, a acusação de violência era dirigida sobretudo contra os manifestantes. Obviamente não eram violentos todos os manifestantes, mas entre eles havia quem usasse da violência - e a sociedade não simpatiza com quem desrespeita a integridade física dos demais. Ouvi afirmações irresponsáveis, como a famosa frase, atribuída a Lênin, sobre a omelete que não se faz sem quebrar ovos (o problema é que, se a omelete não sair, os ovos foram quebrados à toa; a violência, sem bons resultados, é apenas violência - gratuita, inútil). E tudo mudou quando mudou de lado a violência. O que aconteceu, aparentemente, porque um pelotão da tropa de choque de repente - após o próprio comandante da PM ter dado parabéns aos manifestantes - atacou um grupo de pessoas nos entornos da rua Maria Antônia. Isso poderia perfeitamente não ter acontecido (como, por outro lado, poderiam não ter acontecido as destruições de ônibus ou de vidraças).

                  Ou será que isso tinha que acontecer? Se as manifestações não têm liderança clara e distinta, é natural que possam ser transbordadas por criminosos infiltrados nelas. Se a PM não tem um treinamento impecável para manter o sangue frio e lidar democraticamente com manifestantes, é lógico que possa agredir, atuando muito além do que lhe facultam a lei e a decência. É mais fácil resolver o segundo problema do que o primeiro. Manifestações sem líderes são uma conquista - democrática - dos últimos anos. A Primavera Árabe assim foi. A praça Tahrir, no Cairo, e a praça Taksim, em Istambul, são dois emblemas desses movimentos altamente capilares que, para cada vez mais de nós, são a cara de um espirito democrático que desconfia da manipulação por líderes. Já as polícias militarizadas são organismos hierarquizados. Temos assim duas formas de sociabilidade totalmente opostas. Uma é fluida e livre, outra é organizada e rígida. Uma é a vida da sociedade buscando a liberdade, outra é ação do Estado para manter a ordem. As duas são necessárias, mas a segunda tem de levar em conta a primeira, porque Estado e polícia só existem para a sociedade.
                  Tudo agora depende do que vai acontecer esta segunda-feira. É bem provável que quem for mais violento perca a luta pela opinião pública. Se a polícia for novamente brutal, a manifestação terá vencido. Se manifestantes, ainda que minoritários, depredarem, e a polícia conseguir controlar a situação sem espancamentos e tiros, será outro o desfecho. Isso podem parecer detalhes, e de fato não afetam o mérito das visões sobre o transporte público que hoje temos. Mas detalhes significam muito na vida política. O regime democrático é a forma mais inteligente até hoje inventada para excluir, do enfrentamento político, a violência. Quem reintroduz a violência acima do estritamente necessário peca contra a democracia.

                  Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
                  E-mail: rjanine@usp.br