Zero Hora 12/10/2014
Tenho um amigo que só lembra coisas maravilhosas da sua infância, desde
um balanço que havia no pátio da sua casa até os aromas inesquecíveis do
café que a avó preparava todas as tardes. Suas memórias parecem um
comercial de panetone. Teve uma vez em que nós, da turma, nos irritamos
com ele.
Vem cá, você não lembra a vez em que seu pai te colocou de castigo
sem razão, da vez em que você foi o único a não ser convidado para o
aniversário de um colega de aula, da vez em que todos os seus primos
combinaram de fingir que não ouviam nem enxergavam você, de como você
morria de vergonha das espinhas, de quando escutou uma tia chamando você
de filhote de cruz-credo?
Ele respondeu: não.
Ele não lembra essas coisas porque elas não aconteceram, mas
certamente ele vivenciou algumas outras humilhações, teve que engolir
raivas, sentiu-se desprotegido. Só que ele fez uma edição caprichada do
filme da sua vida: deletou os maus momentos e salvou a parte boa, e é
somente sobre ela que comenta com os amigos.
Mesmo a infância mais idílica tem seu lado soturno. O filho do meio
que se sentia negligenciado pelos pais. A menina que era obrigada a se
vestir de princesinha quando queria mesmo era jogar bola com os garotos.
A vez em que o violão tão esperado não veio: Papai Noel trouxe uma
gaita de boca. Sem falar nas questões barra pesada: fome, abusos,
perdas. Todo adulto é o resultado de uma criança que, mesmo tendo tido
avós rechonchudos, bolos, pracinhas, piqueniques, vira-latas, árvores de
Natal e castelos de areia, teve que ser muito homem antes da hora. Ou
muito mulher.
Aí crescemos e há duas opções: ou saboreia-se a vida, ou suporta-se a
vida. Essa sutil diferença de verbo e de postura é consequência do
quanto esse adulto conseguiu entrar num acordo com a própria infância.
Se até hoje ele não perdoou o colega que o difamou na hora do recreio,
se continua acreditando que teve culpa pelo atropelamento do cachorro e
se não se conforma de nunca ter recebido um abraço do pai, vai continuar
arrastando correntes vida afora, preso a um passado que já foi, já era,
e que não vai mudar.
Meu amigo negociou do jeito dele: jura que nada de ruim o afetou na
infância, nada, zero, nem o beijo negado pela namoradinha do bairro, nem
a vez que quebrou o braço na rua e ficou na porta de casa esperando que
alguém chegasse, nem de quando sua mãe esqueceu de buscá-lo na escola.
Ele conseguiu essa proeza: superar o fato de sua mãe ter esquecido
de buscá-lo na escola no dia em que completava oito anos. Temos vontade
de esganá-lo por ser uma criatura tão elevada. E ele, rindo, nos chama
de crianções, nós que ainda não aprendemos, como ele, a deixar os dodóis
do passado para trás.
domingo, 12 de outubro de 2014
Novos tempos - Eduardo Almeida Reis
Poucos anos depois de cometer duplo homicídio, Jossiel, que era e continua sendo bandido incurável, volta às ruas
Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 12/10/2014No Banco do Brasil, um dos nossos melhores colegas de trabalho, iniciais J. C. de S. Filho, mulato, casado, duas filhas, atendia pelo apelido carinhoso de Zé Macaco. Hoje o apelido não seria politicamente correto, além de ser crime de racismo. Outro colega, iniciais A. C. F., homossexual exuberante, sempre requisitado para taquigrafar as reuniões da Excelentíssima Diretoria, era o Princesinha, hoje crime de homofobia. Presidente e diretores formavam a Excelentíssima Diretoria, que teve alguns pilantras, é certo, mas ainda não era o valhacouto de ladrões dos governos petistas.
Num país grande e bobo, em que a política nada tem de correta, falar de politicamente correto é um contrassenso. Talvez fosse melhor dizer socialmente correto, para contrastar com o incorreto, mas o mote desta nossa conversa é outro. Ontem à noite, diante do televisor que exibia pela milésima vez aquela imagem do Estado Islâmico, em que um cavalheiro de sotaque britânico se prepara para decapitar um jornalista ocidental, ocorreu-me a seguinte pergunta: que é pior, um médico brasileiro de boa clínica, que se estrutura para dar sumiço num filho de 11 anos ajudado pela mulher, madrasta do guri, e por uma amiga do casal, assistente social, ou o cavalheiro de sotaque britânico, que, filmado em cores, decapita um cavalheiro que nunca lhe fez mal?
Não posso falar do Estado Islâmico, porque seria socialmente incorreto, configurando quadro de islamofobia, palavra que aprendi ontem à noite através do mesmíssimo televisor LED de 47 polegadas. Por isso, deixo a critério do leitor a avaliação dos fatos relatados e lhe peço o favor de me explicar o papel de uma assistente social no assassinato de um menino de 11 anos, ainda que motivada pela promessa de ganhar 20 mil reais. Em favor do muçulmano de sotaque britânico, parece que decapita de graça.
Escolha
Lanche programado para as sete da noite coincidindo com o remédio do final da tarde, comprimido que custa R$ 10. A julgar pelo preço, deve ser ótimo. Computador interrompido antes das seis, há dois programas em vista: o jornal da GloboNews, edição das 18 horas, ou o programa da Band. Não simpatizo com a jornalista da GloboNews nem com o doutor José Luiz Datena, mesmo sabendo que em julho de 2012 foi eleito “um dos 100 maiores brasileiros de todos os tempos” em concurso realizado pelo SBT com a BBC de Londres. Repito: de todos os tempos!
Entre o grande brasileiro, cujo programa é focado nos crimes cometidos no país que o elegeu, e a ruiva que nunca foi de minha particular afeição, opto pela ruiva que deve estar de folga, pois o programa é apresentado pelo xará Eduardo Grillo. E aí, senhoras e senhores do egrégio conselho, vejo uma série de crimes de fazer inveja ao programa do maior brasileiro de todos os tempos.
A lista começa com o caseiro Jossiel Conceição dos Santos, que matou em 2003 o casal norte-americano Stahelli, residente havia três meses num condomínio da Barra, deixando quatro filhos menores já recambiados para os EUA. Condenado a 25 anos de reclusão, Jossiel cumpriu pequena parte da pena e vem de ser autorizado pela Justiça, baseada em parecer de psicólogo, psiquiatra e assistente social, para passar ao regime semi-aberto, antes da liberdade condicional. O brasileiro matou o casal a golpes de pé de cabra, alavanca metálica que tem a extremidade fendida como um pé de cabra e serve para arrancar pregos e abrir juntas de caixotaria; arranca-pregos. Na linguagem de delinquentes, instrumento usado para arrombar portas.
Assustado com o fato de o duplo homicida, um ano antes do último parecer, ter sido considerado inapto para voltar ao seio da sociedade, Eduardo Grillo ouviu a psicóloga Márcia Badaró, com larga prática em pareceres do gênero. Perguntou à profissional se em 12 meses é possível passar de inapto para capaz, ouviu explicação demorada, não entendeu absolutamente nada, como também não entendi, agradeceu a explicação e passou ao outro crime analisado na mesma edição das 18 horas. Fugi da sala, antecipei o lanche da tarde, tomei o remédio, repassei os últimos cadernos de um dos jornais que assino e concluí: está ficando difícil. Poucos anos depois de cometer duplo homicídio, Jossiel, que era e continua sendo bandido incurável, volta às ruas: leis de m., país de m.
O mundo é uma bola
12 de outubro de 1492: Cristóvão Colombo chega à Ilha de São Salvador, nas Bahamas, convencido de que atingira a Índia por falta de um GPS em sua caravela. Em 1807, Napoleão Bonaparte dá ordem a Junot para entrar em Espanha, o que é mais chique do que entrar na Espanha. Em 1809, tentativa de assassinato do mesmíssimo Napoleão no Palácio de Schönbrunn, em Viena. No dia 12 de outubro, mas em 1808, o Banco do Brasil era fundado pelo regente dom João, mais tarde João VI, de Portugal. No BB do final do século XX e do início do século XXI pontificaria o petista Pizzolato, que rima com peculato. Depois dele, conseguiram nomear alguns ainda piores.
Ruminanças
“As mulheres são extremas: são melhores ou piores que os homens” (La Bruyère, 1645-1696).
CINEBIOGRAFIA - Peso pesado
CINEBIOGRAFIA »
Peso pesado
Babu Santana chegou aos 127kg para viver Tim Maia, seu primeiro protagonista no cinema.
Ele pôs a voz à prova, encarou testes e canta hits do "Síndico" no longa que estreia este mês
Mariana Peixoto
Estado de Minas: 12/10/2014O ator carioca Babu Santana teve que se desdobrar para subir ao palco e cantar como Tim Maia |
“Na verdade, peso e idade não eram fatores determinantes. Foi opção minha engordar, pois o peso se tornou um dado muito presente na vida dele. Queria conviver (com a gordura) no meu dia a dia, ter a experiência mesmo”, explica o ator formado no grupo Nós do Morro, projeto de arte-educação da Favela do Vidigal, no Rio de Janeiro.
São 17 anos de carreira, metade da vida de Babu. Com respeitável experiência no cinema (fez 26 filmes, entre curtas e longas), até então ele labutava em papéis coadjuvantes. Tim Maia é o seu primeiro protagonista na telona. Um grande salto, admite, daqueles “de dar borboletas no estômago”, assim como ocorreu quando a filha, Laura, nasceu.
No entanto, não apenas o protagonismo traz ansiedade para Babu, mas principalmente o papel que lhe foi destinado. No longa inspirado na biografia Vale tudo – O som e a fúria de Tim Maia, do jornalista Nelson Motta, o carioca vive o papel-título na segunda parte da narrativa, quando o cantor começa a fazer sucesso. Na parte inicial, o jovem Sebastião Rodrigues Maia é interpretado por Robson Nunes.
Fã “Desde criança, meu pai é fã do Tim e se impressionou quando contei que faria o filme. Ele nunca ficou daquele jeito com qualquer outro papel meu. Também estou maravilhado, pois Tim é o exemplo de um cara pobre que impôs o seu talento para todo o Brasil”, diz Babu. O autor de Vale tudo nasceu na Tijuca, na Zona Norte carioca. Babu veio de Campo Grande, na Zona Oeste. Com poucos meses, mudou-se com a família para o Morro do Vidigal, onde morou até o ano passado. Atualmente, enquanto reforma a sua casa na comunidade, está na Zona Norte, na casa da mulher.
Como Tim Maia, ainda criança Alexandre da Silva Santana sonhava com o palco. O pai, Luiz Carlos, segurança da TV Globo, trabalhava no Teatro Fênix, onde eram gravados os programas de auditório dos Trapalhões e de Xuxa. Garoto, Babu já estudava teatro na escola do Nós do Morro. “Ia ver meu pai trabalhar e ficava encantado com aquele universo”, relembra. Mas o palco dele estava mesmo na favela, junto dos colegas, no curso de Guti Fraga. Dali saíram os jovens atores do clássico Cidade de Deus, de Fernando Meirelles. Babu era um deles.
“O grupo sempre primou pelo meio e não pelo fim. Não existe personagem pequeno ou secundário, mas atores pequenos e secundários. No grupo Nós do Morro, sempre protagonizei espetáculos, mas o sentimento que a gente levou de lá é de que o processo é sempre mais interessante do que o resultado.”
Até Tim Maia, o cinema viu Babu mais como bandido, papel recorrente em trabalhos tão distintos quanto Uma onda no ar (2002, rodado em Belo Horizonte), Cidade dos homens e Estômago (2007). O ator “viveu” também o outro lado, como policial. Fez pequenas participações em Batismo de sangue (2006), como um carcereiro do famigerado Dops, e Meu nome não é Johnny (2008).
Quase Mais recentemente, Babu participou das comédias Os penetras (2012), Júlio sumiu e Copa de elite (2014). “Estou quase virando humorista”, brinca o ator, que tem testado essa faceta também na TV. Em novembro, ele estreia na série de humor Fred e Lucy (Multishow). No mês que vem, começa gravar outro seriado cômico para o canal pago, Suburbanos, cuja estreia deve ocorrer em 2015.
A boa onda deve continuar depois de Tim Maia. Babu protagoniza o longa Mundo cão, de Marcos Jorge, o diretor que apostou nele em Estômago. “Foi esse filme que me deu visibilidade no mundo do cinema”, afirma. Em Estômago, lançado há sete anos, ele interpretou Bujiú – o típico líder da cadeia que abusa do poder.
Já em Mundo cão, misto de comédia e suspense, ele vive Santana, um funcionário do departamento de zoonoses (o chamado “homem da carrocinha”) cuja filha sofre uma tragédia. “Os dois protagonistas (Tim Maia e Santana) vieram na hora certa: já tenho uma convivência com o pessoal do cinema e estou mais seguro”, explica Babu.
NA TELONA
"Tim Maia" narra a trajetória do ícone da música brasileira, incluindo a adolescência no bairro da Tijuca, nos anos 50 |
UMA ONDA NO AR (2002)
Alexandre Moreno e Babu Santana interpretam rapazes do Aglomerado da Serra, em BH, empenhados em criar emissora comunitária. O longa de Helvécio Ratton se inspirou na Rádio Favela.
Babu Santana chegou aos 127kg para viver Tim Maia, seu primeiro protagonista no cinema |
MUNDO CÃO (EM PRODUÇÃO)
Adriana Esteves, Babu Santana e Vinícius Souza Carvalho contracenam no filme de Marcos Jorge, em que um funcionário público se vê às voltas com uma tragédia familiar.
Para o ator carioca Babu Santana, de 34 anos, os 15 quilos ganhos com algum esforço não foram nada durante o processo que experimentou para interpretar Tim Maia |
ESTÔMAGO (2007)
No filme de Marcos Jorge, Babu Santana interpreta Bujiú, o violento líder da cadeia que se vê enfeitiçado pelos pratos preparados pelo protagonista Raimundo (João Miguel).
Nascido no Bairro da Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro, Tim Maia começou a compor melodias ainda criança |
MARÉ, NOSSA HISTÓRIA DE AMOR (2007)
No musical dirigido por Lúcia Murat, Babu Santana faz o papel de Dudu, o violento chefe do tráfico amigo de Jonatha, MC que sonha
se tornar cantor.
EM DIA COM A PSICANáLISE » De volta às urnas
EM DIA COM A PSICANáLISE »
De volta às urnas
Deviam prometer menos, mas seriam eleitos se assim o fizessem?
Regina Teixeira da Costa
Estado de Minas: 12/10/2014
Segundo turno. Uma
nova eleição, agora entre dois mineiros, e seremos responsáveis pelo
futuro do país. Faremos nossa escolha compulsória, sem nenhuma garantia
de que teremos o que nos prometem. Palavras voam com o vento e muitas
das promessas de um e outro não serão realizadas. Promete-se sempre mais
do que é possível cumprir.
E, como dizem os bons cristãos, colheremos os frutos do que semeamos. É matemático. Saber que tudo o que escolhemos traz perdas e ganhos é aceitar que o mundo não é perfeito e nenhum político igualmente pode ser, nem nunca será. São humanos e fazem promessas. E quando chegam aos cargos para os quais foram eleitos, são barrados por muitas situações externas, além de, creio, internas. O real é duro. Deviam prometer menos, mas seriam eleitos se assim o fizessem?
Nunca saberemos se aquelas promessas que ficaram esquecidas foram abandonadas ou que urgências e pressões levaram nossos representantes a decidir nem sempre como desejaríamos que fosse. Mesmo assim, temos de fazer essa difícil escolha.
Viveremos os resultados dela a cada dia, e esperamos que vença o melhor. Mas resta uma questão: o melhor para quem? Existe um bem que represente a todos? Que garanta o bem comum numa sociedade com interesses tão diversos e múltiplos, fruto da diferença berrante entre as classes sociais?
Aí está a coisa complicada. O bem comum não é único e o bem particular, o de cada um, no um a um dos votos, somará o total que poderá pender para um lado ou outro. Ninguém tem a garantia sobre o resultado, mesmo que as pesquisas continuem fazendo seu trabalho e nos oferecendo números quase precisos como referências da vontade da maioria.
Aquele que mais se aproximar da vontade da maioria será eleito e todos os opositores deverão respeitar a escolha democrática. Sabemos disso e da impossibilidade de um %u201Ctodos sairemos satisfeitos%u201D. As impossibilidades caminham junto com a vida humana.
Mesmo em questões menores e pessoais, sabemos da impossibilidade de realização total, pois até internamente somos divididos entre o que desejamos e o que podemos de fato realizar. Na vida pública, essa demonstração é inegável. Não podemos servir a dois senhores, embora haja em nós a consciência racional e paixões inconscientes alheias ao nosso conhecimento. Estamos entre pulsões de vida e de morte. Portanto, nem mesmo temos a nossa própria casa totalmente em ordem.
Todos devemos algo à civilização que construímos e pagamos um preço por isso. O resultado de nosso esforço em garantir seu bom funcionamento é um estatuto legal para todos, exceto os que são incapazes de ingressar numa comunidade e, por esse estatuto, cada um contribuirá com o sacrifício de seus instintos (agressividade, sexualidade) e, assim, ninguém ficaria à mercê da força bruta.
A liberdade individual não constitui um dom da civilização, prevalecendo a vontade do grupo, e esse conflito é irreconciliável, uma vez que não existe apenas um bem comum a todos. A civilização foi e é construída com o sacrifício de nossas vontades individuais. O processo civilizatório é tecido pelo sacrifício de cada um e pela formação de laços que conseguimos fazer para lutar juntos contra as adversidades, sejam da natureza, as catástrofes, ou pela sobrevivência da espécie.
Sacrifícios são necessários pela vida comum, que nos exige uma renúncia da felicidade pela segurança. Porém, nos dias de hoje, de capitalismo, individualismo, consumismo e de falsas promessas de felicidade plena, feitas pela indústria da propaganda, ainda concordamos com o sacrifício individual pelo bem comum?
E, como dizem os bons cristãos, colheremos os frutos do que semeamos. É matemático. Saber que tudo o que escolhemos traz perdas e ganhos é aceitar que o mundo não é perfeito e nenhum político igualmente pode ser, nem nunca será. São humanos e fazem promessas. E quando chegam aos cargos para os quais foram eleitos, são barrados por muitas situações externas, além de, creio, internas. O real é duro. Deviam prometer menos, mas seriam eleitos se assim o fizessem?
Nunca saberemos se aquelas promessas que ficaram esquecidas foram abandonadas ou que urgências e pressões levaram nossos representantes a decidir nem sempre como desejaríamos que fosse. Mesmo assim, temos de fazer essa difícil escolha.
Viveremos os resultados dela a cada dia, e esperamos que vença o melhor. Mas resta uma questão: o melhor para quem? Existe um bem que represente a todos? Que garanta o bem comum numa sociedade com interesses tão diversos e múltiplos, fruto da diferença berrante entre as classes sociais?
Aí está a coisa complicada. O bem comum não é único e o bem particular, o de cada um, no um a um dos votos, somará o total que poderá pender para um lado ou outro. Ninguém tem a garantia sobre o resultado, mesmo que as pesquisas continuem fazendo seu trabalho e nos oferecendo números quase precisos como referências da vontade da maioria.
Aquele que mais se aproximar da vontade da maioria será eleito e todos os opositores deverão respeitar a escolha democrática. Sabemos disso e da impossibilidade de um %u201Ctodos sairemos satisfeitos%u201D. As impossibilidades caminham junto com a vida humana.
Mesmo em questões menores e pessoais, sabemos da impossibilidade de realização total, pois até internamente somos divididos entre o que desejamos e o que podemos de fato realizar. Na vida pública, essa demonstração é inegável. Não podemos servir a dois senhores, embora haja em nós a consciência racional e paixões inconscientes alheias ao nosso conhecimento. Estamos entre pulsões de vida e de morte. Portanto, nem mesmo temos a nossa própria casa totalmente em ordem.
Todos devemos algo à civilização que construímos e pagamos um preço por isso. O resultado de nosso esforço em garantir seu bom funcionamento é um estatuto legal para todos, exceto os que são incapazes de ingressar numa comunidade e, por esse estatuto, cada um contribuirá com o sacrifício de seus instintos (agressividade, sexualidade) e, assim, ninguém ficaria à mercê da força bruta.
A liberdade individual não constitui um dom da civilização, prevalecendo a vontade do grupo, e esse conflito é irreconciliável, uma vez que não existe apenas um bem comum a todos. A civilização foi e é construída com o sacrifício de nossas vontades individuais. O processo civilizatório é tecido pelo sacrifício de cada um e pela formação de laços que conseguimos fazer para lutar juntos contra as adversidades, sejam da natureza, as catástrofes, ou pela sobrevivência da espécie.
Sacrifícios são necessários pela vida comum, que nos exige uma renúncia da felicidade pela segurança. Porém, nos dias de hoje, de capitalismo, individualismo, consumismo e de falsas promessas de felicidade plena, feitas pela indústria da propaganda, ainda concordamos com o sacrifício individual pelo bem comum?
Ele é o Kara
Um dos autores mais
queridos entre os jovens leitores, Pedro Bandeira já publicou 108
títulos, entre eles, A droga da obediência, e vendeu mais de 30 milhões
de exemplares
Ana Clara Brant
Estado de Minas: 12/10/2014São referências para os autores infantojuvenis brasileiros desde então e, de certa forma, responsáveis pela força do setor na indústria do livro. O Estado de Minas inicia hoje, Dia das Crianças, série de reportagens com os mestres da literatura para jovens no Brasil. O primeiro autor é o paulista Pedro Bandeira, de 72 anos, que costuma dizer que escreve para aqueles que vão “da primeira cartilha até a primeira barba ou o primeiro salto alto”.
Não foi à toa que Pedro Bandeira se tornou um dos autores mais lidos do país, com cerca de 30 milhões de exemplares vendidos ao longo de três décadas de carreira e 108 títulos publicados. “Essa é a minha faixa etária: meninos de 8 até os 15 anos no máximo. Daí para a frente, já não servem mais para mim e quero que leiam outras coisas”, comenta o autor, sempre brincalhão, e o primeiro escritor da série de reportagens do Estado de Minas.
Pedro dá entrevista como se estivesse cotando uma história. Sua capacidade de envolver seu interlocutor é a mesma que entretém o leitor. Começou no teatro, em Santos, litoral de São Paulo, onde nasceu. Foi dirigido pela poeta e escritora Patrícia Galvão, a Pagu, e ainda encenou peças de Plínio Marcos, de quem era grande amigo. “Queria mesmo ser ator e me mudei para São Paulo, para seguir carreira nos palcos. Mas como não queria ser um ator burro, me formei em ciências sociais. O problema é que o teatro é uma profissão ótima para quem quer emagrecer. Você nunca sabe quando vai ter dinheiro para comprar a próxima refeição. E como tinha mulher e três filhos, acabei indo parar no jornalismo, que, mesmo sem um grande salário, garantia um dinheirinho no fim do mês, ao contrário do teatro”, recorda.
Com passagens pelo extinto Última Hora e pela Editora Abril, Pedro Bandeira começou a criar pequenas histórias para crianças em publicação de bancas de revista. Logo em seguida, surgia o primeiro livro infantil, O dinossauro que fazia au-au. “Fez um enorme sucesso. Depois, a editora sugeriu para que eu escrevesse uma obra para os pré-adolescentes, que foi A droga da obediência. Foi um estouro. Aí, pude largar o jornalismo e, desde então, sou só escritor. E não vou parar mais”, garante.
O escritor é o criador da coleção Os Karas, a famosa série infantojuvenil que reúne os volumes A droga da obediência (1984), Pântano de sangue (1987), Anjo da morte (1988), A droga do amor (1994), Droga de americana! (1999) e o recém-lançado A droga da amizade (Editora Moderna), o livro que mais tempo demorou para ficar pronto em toda a sua carreira, totalizando 10 anos entre idas e vindas.
Quando foi idealizar a turminha formada por Miguel, Magrí, Crânio, Calu e Chumbinho, Pedro Bandeira pensou em um nome que resumisse exatamente o que seria o adolescente, que é ao mesmo tempo aquele menino que está começando a ficar independente, ter ideias próprias, mas ainda não se desprendeu totalmente dos pais. “É o avesso dos coroas e dos caretas e, para ficar diferente, coloquei um K. E é impressionante como é um nome que pegou. Vou aos lançamentos e é bacana como a garotada me aparece com um K desenhado nas mãos”, observa.
Sempre que termina um livro, sua esposa Lia, que foi educadora e especialista em psicologia de adolescentes, é a primeira leitora. A professora de literatura Marisa Lajolo, amiga de infância, é a segunda da lista. “Depois vem minha editora. Meus filhos e netos nunca deram palpite, nem quando eram crianças. Até porque, mesmo se eles não gostassem, jamais iam me falar, não é?”, brinca.
A droga da obediência
“A campainha do Colégio Elite não soou dando o sinal para o recreio porque o Colégio Elite não tinha campainha. Um colégio especial como aquele, para estudantes muito especiais, não precisava de sinal. Todas as decisões no Elite contavam com a participação direta dos alunos, que, por isso, cumpriam as regras sem precisar de qualquer comando. As regras eram deles. Naquele momento, porém, Miguel não estava pensando nas regras democráticas do colégio, embora fosse um dos mais entusiasmados oradores das assembleias semanais. Não estava também ligado nas suas responsabilidades como presidente do Grêmio do Colégio Elite.”
A saga dos karas
A droga da obediência (1984)
Pântano de sangue (1987)
Anjo da morte (1988)
A droga do amor (1994)
Droga de americana! (1999)
A droga da amizade (2014)
"O importante é a forma"
Escritor trouxe lições do jornalismo para sua literatura, mas se dedicou a estudar
psicologia para entender melhor seus leitores. Para ele, o maior pecado é ser chato
Ana Clara Brant
Pedro Bandeira leva para suas histórias temas
como ecologia, guerra e doenças sexualmente transmissíveis, mas sem
ficar ditando regras |
Por ter vindo do
jornalismo, Pedro Bandeira tem uma grande preocupação em fisgar o leitor
já no começo da história, tanto que costuma reescrever os capítulos
iniciais de seus livros várias vezes. É como se fosse um lide (abertura
da matéria jornalística). “Se não pegar no pé do meu leitor já no
primeiro parágrafo não dá certo. Desde o começo, tem que ser
emocionante. E a partir daí vai se desenvolvendo. Ainda mais com criança
e adolescente, é preciso que o texto seja gostoso e atraente. Se o
livro for muito chato, ele não vai seguir em frente. O importante é a
forma, não é o que, mas como dizer. E isso vale para o livro inteiro. A
forma é tudo. É isso que faz o escritor”, frisa.
Pedro Bandeira enumera as lições que carrega do tempo do jornalismo. “Aprendi a escrever no jornalismo e ele tem três características que ajudam muito. A primeira é que você tem que escrever com ou sem inspiração para não perder o emprego. A segunda é que você é obrigado a escrever sobre qualquer tema. E você tem que escrever em qualquer estilo.” Ele lembra que produziu reportagens para mulheres na revista Claudia e sobre carros e motos na Quatro Rodas. “No jornalismo, você não pode escolher o assunto”, recorda.
Hoje a história é diferente: ele decide sobre o que quer escrever. Seus personagens mais conhecidos e amados por milhões de leitores são os Karas. Bandeira diz que a turminha foi criada para pudesse falar com seu público, que vai dos 9 até os 15 anos, sobre assuntos que julga relevantes. “Por meio deles, posso falar de qualquer tema. De ecologia e destruição da natureza, com em Pântano de sangue; de nazismo e Segunda Guerra Mundial, em O anjo da morte; de doenças sexualmente transmissíveis em A droga do amor”, explica. Os temas podem ser muito animados e provocar debates acalorados, mas Pedro Bandeira diz que, para criar, precisa de silêncio total. “Nem música!”, garante.
Como surgem suas histórias?
Depende. Como vim do jornalismo e de suas lições, quando resolvi escrever só para crianças e adolescentes, precisei me aprofundar no ramo. Tinha feito ciências sociais e aí fui estudar psicologia do desenvolvimento e pedagogia para compreender a diferença entre uma criança de 8 e de 12 anos, para que meu livro pudesse se encaixar melhor dentro da psicologia de alguém da idade que eu queria atingir.
Toques do mestre
Qual o seu método de trabalho?
Escrever todos os dias. Tem que ser assim. Igual jornalista. Mas, infelizmente, por falta de tempo e como viajo muito, faço palestra e participo de lançamentos, fica complicado. Costumo levar computador para as minhas viagens, mas só para ler. Quando surge alguma ideia, anoto num caderninho. Antigamente, escrevia à mão. A máquina de escrever era muito ruim, porque você não podia errar, mudar um pedacinho. Então eu escrevia a lápis para apagar e mudar. Mas o computador mudou a minha vida. Está sempre limpinho, bonitinho. Você pode recortar, colar, mudar. É uma maravilha. Preciso de silêncio, com tranquilidade, na minha casa mesmo. Sem música, barulho de água. Nada. Silêncio total!
Como você desenvolve seus personagens?
Vou te dar um exemplo básico, do meu livro de maior sucesso, A droga da obediência. Do que os adolescentes gostam? Mistério, aventura. Aí pensei: como vai ser o protagonista? Nessa idade, a gente não é mais sozinho, começa a formar uma turma, os melhores amigos, que acabam te acompanhando a vida inteira. Todo mundo tem amigos até hoje que foram feitos na época do colégio. Foi então que surgiu a turminha dos Karas. Depois, pensei: esses meninos vão ser espiões? Detetives? Não queria que fosse uma coisa realista. A literatura tem que trabalhar com metáfora. Queria algo metafórico. E então veio a ideia de falar da censura, mas de modo metafórico. Uma droga da obediência, uma droga do cala a boca. Voltada para a criança de hoje que não sabe o que é censura, mas sabe o que é o cala a boca, o ficar quieto quando a mãe manda.
Você lembra qual o primeiro livro que você leu?
Tenho um livro que ficou no meu coração. Meu primeiro autor é o Monteiro Lobato, mas tenho guardada uma adaptação da Cidade da formiga, escrita por um brasileiro chamado José Reis, muito bonitinha, ilustrada, colorida, e que tem uma dedicatória da minha mãe. Ela me deu quando fiz 5 anos, em 1947. Guardei, mas não sei se foi o primeiro livro que li. Provavelmente ela leu para mim e depois li por conta própria. Mas meu autor foi sem dúvida Monteiro Lobato. Li e reli, até porque só tinha ele.
LIVRO NÃO É CHEQUE
O escritor sempre autografou seus livros com uma assinatura bem simples: “Abraços e beijos do Pedro Bandeira”. Mas certa vez, em uma tarde de lançamentos ao lado do colega Ziraldo, foi aconselhado a mudar seu jeito de autografar. “Ziraldo sempre faz desenhos para a criançada e ficou meio chocado com minha assinatura e me perguntou se eu estava assinando cheques em vez de livros. Falou para eu criar uma coisa mais bonita para as crianças, e, desde então, tenho essa nova assinatura, com o nome Pedro dentro de uma bandeira desenhada”, conta.
Pedro Bandeira enumera as lições que carrega do tempo do jornalismo. “Aprendi a escrever no jornalismo e ele tem três características que ajudam muito. A primeira é que você tem que escrever com ou sem inspiração para não perder o emprego. A segunda é que você é obrigado a escrever sobre qualquer tema. E você tem que escrever em qualquer estilo.” Ele lembra que produziu reportagens para mulheres na revista Claudia e sobre carros e motos na Quatro Rodas. “No jornalismo, você não pode escolher o assunto”, recorda.
Hoje a história é diferente: ele decide sobre o que quer escrever. Seus personagens mais conhecidos e amados por milhões de leitores são os Karas. Bandeira diz que a turminha foi criada para pudesse falar com seu público, que vai dos 9 até os 15 anos, sobre assuntos que julga relevantes. “Por meio deles, posso falar de qualquer tema. De ecologia e destruição da natureza, com em Pântano de sangue; de nazismo e Segunda Guerra Mundial, em O anjo da morte; de doenças sexualmente transmissíveis em A droga do amor”, explica. Os temas podem ser muito animados e provocar debates acalorados, mas Pedro Bandeira diz que, para criar, precisa de silêncio total. “Nem música!”, garante.
Como surgem suas histórias?
Depende. Como vim do jornalismo e de suas lições, quando resolvi escrever só para crianças e adolescentes, precisei me aprofundar no ramo. Tinha feito ciências sociais e aí fui estudar psicologia do desenvolvimento e pedagogia para compreender a diferença entre uma criança de 8 e de 12 anos, para que meu livro pudesse se encaixar melhor dentro da psicologia de alguém da idade que eu queria atingir.
Toques do mestre
Qual o seu método de trabalho?
Escrever todos os dias. Tem que ser assim. Igual jornalista. Mas, infelizmente, por falta de tempo e como viajo muito, faço palestra e participo de lançamentos, fica complicado. Costumo levar computador para as minhas viagens, mas só para ler. Quando surge alguma ideia, anoto num caderninho. Antigamente, escrevia à mão. A máquina de escrever era muito ruim, porque você não podia errar, mudar um pedacinho. Então eu escrevia a lápis para apagar e mudar. Mas o computador mudou a minha vida. Está sempre limpinho, bonitinho. Você pode recortar, colar, mudar. É uma maravilha. Preciso de silêncio, com tranquilidade, na minha casa mesmo. Sem música, barulho de água. Nada. Silêncio total!
Como você desenvolve seus personagens?
Vou te dar um exemplo básico, do meu livro de maior sucesso, A droga da obediência. Do que os adolescentes gostam? Mistério, aventura. Aí pensei: como vai ser o protagonista? Nessa idade, a gente não é mais sozinho, começa a formar uma turma, os melhores amigos, que acabam te acompanhando a vida inteira. Todo mundo tem amigos até hoje que foram feitos na época do colégio. Foi então que surgiu a turminha dos Karas. Depois, pensei: esses meninos vão ser espiões? Detetives? Não queria que fosse uma coisa realista. A literatura tem que trabalhar com metáfora. Queria algo metafórico. E então veio a ideia de falar da censura, mas de modo metafórico. Uma droga da obediência, uma droga do cala a boca. Voltada para a criança de hoje que não sabe o que é censura, mas sabe o que é o cala a boca, o ficar quieto quando a mãe manda.
Você lembra qual o primeiro livro que você leu?
Tenho um livro que ficou no meu coração. Meu primeiro autor é o Monteiro Lobato, mas tenho guardada uma adaptação da Cidade da formiga, escrita por um brasileiro chamado José Reis, muito bonitinha, ilustrada, colorida, e que tem uma dedicatória da minha mãe. Ela me deu quando fiz 5 anos, em 1947. Guardei, mas não sei se foi o primeiro livro que li. Provavelmente ela leu para mim e depois li por conta própria. Mas meu autor foi sem dúvida Monteiro Lobato. Li e reli, até porque só tinha ele.
LIVRO NÃO É CHEQUE
O escritor sempre autografou seus livros com uma assinatura bem simples: “Abraços e beijos do Pedro Bandeira”. Mas certa vez, em uma tarde de lançamentos ao lado do colega Ziraldo, foi aconselhado a mudar seu jeito de autografar. “Ziraldo sempre faz desenhos para a criançada e ficou meio chocado com minha assinatura e me perguntou se eu estava assinando cheques em vez de livros. Falou para eu criar uma coisa mais bonita para as crianças, e, desde então, tenho essa nova assinatura, com o nome Pedro dentro de uma bandeira desenhada”, conta.
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