Pois não é que alguns leitores me dizem que ando brava? Um pouquinho. É que a vida corre, mas tudo anda tão devagar! Quando você passa por duas gerações e vê que as coisas se repetem sem remorso…
Imagino que, de 15 em 15 anos, mais ou menos, retomamos os mesmos assuntos. Por exemplo: comida fresca, horta, couves ainda com gotas de orvalho esperando o almoço. Comida de rua que precisa ser revitalizada. Vamos comer jambu e mangarito e priprioca. Tradição versus modernidade. A luta entre a agricultura do pequeno produtor e o complexo agroindustrial. A formação do chef, as novas técnicas usadas na culinária. A apresentação da comida. Comida e saúde.
Tá, vamos começar tudo de novo. Acredito que, a cada subida e descida de Sísifo, as coisas mudem um bocadinho. Tínhamos somente um restaurante de comida bem brasileira em São Paulo, hoje temos mais. Os chefs se aperfeiçoaram. Surgiram escolas. Os que mais orgulhosamente lutavam para que comêssemos o nosso arroz com feijão eram franceses e belgas com restaurantes aqui no Brasil. Hoje, nós mesmos entramos na onda.
A comida que antes era servida ao lado da mesa, primeiro achatou-se nos pratos. Depois, amontoou-se em castelinhos e hoje anda abaixando outra vez. Mitos são revistos, o ovo vai e o ovo vem, o óleo de coco não tem melhor, sustentabilidade virou chavão, a doença da vaca louca terá mesmo existido? E as galinhas gripadas? E as infelizes das abelhas que se botaram a correr ninguém sabe o porquê, morrendo de enjoo das flores com um gosto danado de pesticida? Pesticida, sim, pesticida, não? “Orgânica” é a palavra mais usada em todos os vocabulários como se não fosse a mãe de todas as palavras.
“Relações de comida, integradas pelos circuitos de ‘commodities’ que dia a dia aumentam as restrições do nosso relacionamento possível com a comida de um modo que não seja o da lógica da coprodução camponesa. Desse modo, o sistema econômico da comida representa uma vez mais um claro exemplo de expansionismo do sistema, enquanto o entorno, dentro do qual são sustentadas as relações econômicas, está cada vez mais ligado à lógica da própria economia, perdendo a capacidade de se regenerar e sustentar o sistema econômico a longo prazo” (Luigi Russi, em “Hungry Capital”, capital da fome). Que límpida clareza! Uau.
Pois é leitores, a poesia anda perdendo o pé, afundada na economia e no mercado.
Mas, ontem veio alguém fotografar a casa da cozinheira com a cozinheira dentro e pediu que eu segurasse uma galinha no colo. Ela era pequenina, toda xadrez de preto e branco e se aninhou no meu braço com o coração batendo forte.
Tive tempo de reparar bem de perto na sua crista que eu acreditava dura, mas era delicada como a orelha de um bebê, translúcida, muito bem formada e pink. Uma galinha Barbie, “docezita”. Quis mudar a sua posição e acho que a desestabilizei e, no susto, fez um cocô na minha calça de cashmere que eu lavara e passara para ficar bonita na foto. As galinhas não entendem nada de marketing nem de finanças, essas ridículas.