sábado, 27 de dezembro de 2014

Brasil - Eduardo Almeida Reis

Não sei quando nem onde começaram os estudos sociológicos, como era ensinada a disciplina, de que recursos se valiam os primeiros mestres


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas - 27/12/2014



Sociologia é o estudo científico da organização e do funcionamento das sociedades humanas e das leis fundamentais que regem as relações sociais, as instituições etc. É também a descrição sistemática e análise de determinados comportamentos sociais. Não sei quando nem onde começaram os estudos sociológicos, como era ensinada a disciplina, de que recursos se valiam os primeiros mestres, mas hoje é tudo muito fácil através da tevê.
Venho acompanhando as chamadas para o programa E agora prometido “em breve” na GloboNews, não sei se único ou uma série, só os vídeos sem as vozes dos participantes. No dia em que este suelto for publicado o programa já deve ter sido exibido, o que não me impede de antecipar o doloroso philosophar: o Brasil é aquilo que aparece nas chamadas. Não digo todo o país, porque há o ITA, o IME, a Embrapa, o Butantan, a Fiocruz e mais duas dúzias de centros de excelência e esperança, mas o resto é aquilo que vejo nas chamadas filmadas “na laje”, com algumas oscilações para melhor ou para pior.
Há regiões lindíssimas, é certo, mas a sociologia não estuda a organização do pantanal, da floresta amazônica, das praias, dos mares, dos bichos, das flores. As instituições e as relações sociais, salvo melhor juízo, são assustadoras, como também é assustadora a caduquice de um philosopho amigo nosso, que escreveu “relações sexuais” aí atrás, antes de salvo melhor juízo.

Noticiário
Isabel Cristina da Silveira, Jorge Beltrão Negromonte da Silveira e Bruna Cristina Oliveira da Silva foram condenados pela morte, em maio de 2008, de Jéssica Camila da Silva Pereira, de 17 anos. Ficaram conhecidos com Canibais de Garanhuns, porque comeram a carne da mocinha. No julgamento realizado em Olinda, PE, Negromonte foi condenado a 21 anos de reclusão mais um ano e meio de detenção, enquanto Isabel e Bruna foram condenadas a 19 anos de reclusão mais um ano de detenção. Logo, logo estarão soltos para canibalizar outras vítimas.
Garanhuns e Olinda ficam em Pernambuco, República Federativa do Brasil, país em que circula em liberdade, ao cabo de um ano de cadeia, o ilustre paulista Valdemar da Costa Neto, que foi casado com Maria Christina Mendes Caldeira, proporcionando à nação um dos divórcios mais divertidos de que há notícia nos últimos cinco séculos.
Diante deles, a coisa mais natural do mundo é a notícia de que as focas, mamíferos pinípedes carnívoros, da família dos focídeos, encontrados em todos os oceanos, especialmente nas regiões mais frias, têm sido fotografadas pelos cientistas, que fazem documentários sobre a vida selvagem na região do sub-antártico, estuprando pinguins, aves esfenisciformes da família dos esfeniscídeos, restritas ao hemisfério austral, que têm asas modificadas em aletas e pés munidos de nadadeiras adaptados à natação.
Na Ilha Marion, uma das Ilhas de Príncipe Eduardo, no Atlântico Sul, os machos da família dos focídeos, na falta de fêmeas, têm desrespeitado o pinguim-rei em atividades sexuais que, no mundo humano, seriam comparadas aos estupros. O estudo foi publicado na revista Polar Biology e mostra que as focas machos não se importam com o sexo dos pinguins, copulando indistintamente com machos e fêmeas.
Em um dos casos relatados, não conseguindo copular, a foca matou o pinguim e se alimentou de sua carne, talqualmente os canibais de Garanhuns. O que absolutamente não quer dizer que as focas estejam livres de ser estupradas. Em 2011, foram relatados pelo menos 15 casos em que os estupradores eram lontras machos, que chegaram a matar diversas focas no ato.
No meu entendimento de philosopho, lontras que estupram e se alimentam de focas, que estupram e se alimentam de pinguins, são as coisas mais naturais do mundo e não devem espantar um país que tem os canibais de Garanhuns e o carismático honoris causa de Caetés, cidades pernambucanas separadas por 19,6 quilômetros através da BR-424.

O mundo é uma bola
27 de dezembro de 1831: Charles Darwin embarca no HMS Beagle para sua viagem ao redor do mundo. Em 1797, nascimento de Domitila de Castro Canto e Melo, marquesa de Santos, que foi a Rose de dom Pedro I. Em 1822, nasceu Louis Pasteur, cientista francês, benfeitor da humanidade. A exemplo de vários outros gênios, nunca foi aluno brilhante no colégio e na universidade.
Em 1935, a Pérsia passa a se chamar Irã. Em 1939, criação do DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo, na ditadura Getúlio Vargas. Em 1945, criação do FMI, o Fundo Monetário Internacional. Em 1949, os Países Baixos reconhecem a independência da Indonésia. Em 1978, depois de 40 anos de franquismo, a Espanha aprova uma Constituição democrática. Em 2007, assassinada no Paquistão Benazir Bhutto, duas vezes primeira-ministra, educada em Harvard e em Oxford, advogada, a primeira mulher a ocupar o cargo de chefe de Governo de um estado muçulmano moderno.

Ruminanças
“Hawk Eyes, olhos de falcão, é o nome de uma das empresas do lobista Fernando Soares, o Baiano, fornecedor do PMDB. Faz sentido” (R. Manso Neto).

RETROSPECTIVA 2014 CINEMA » O Brasil indie

O país teve boas produções fora do circuito comercial, que circularam por festivais brasileiros e estrangeiros com repercussão na internet. Destaque para Hoje eu quero voltar sozinho


Gracie Santos
Estado de Minas: 27/12/2014



Hoje eu quero voltar sozinho foi o filme brasileiro de maior repercussão internacional, sucesso no segmento independente (Lacuan Filmes/Divulgação)
Hoje eu quero voltar sozinho foi o filme brasileiro de maior repercussão internacional, sucesso no segmento independente

Simples e potente. Duas palavras traduzem bem a grande surpresa do cinema brasileiro em 2014: Hoje eu quero voltar sozinho, do paulista Daniel Ribeiro, versão longa de Eu não quero voltar sozinho, lançado em 2010. O primeiro mérito do filme é tratar de um tema universal: a descoberta da sexualidade por um adolescente. Cego, Leonardo (Guilherme Lobo) tem que driblar a mãe superprotetora e lutar por sua independência. Tudo muda quando Gabriel (Fabio Audi) chega à cidade e eles se tornam amigos. A abordagem delicada, a boa interpretação dos jovens atores e a direção naturalista de Daniel tornam o filme único, capaz de surfar em outros mares – longe das comédias nacionais, apostas fáceis de boas bilheterias.

Exibido na Mostra Panorama, evento paralelo do Festival de Berlim em fevereiro, o longa brasuca iniciou assim sua profícua carreira por festivais. Chegou a ser exibido em Pequim, durante a quinta edição do Festival do Cinema Brasileiro na China, encerrado no dia 7. Incursões de sucesso e elogios da crítica culminaram com a indicação do longa a candidato a candidato a uma vaga na disputa pelo Oscar 2015 de filme em língua estrangeira. O filme passou por várias etapas, mas não está mais no páreo. Os indicados serão conhecidos em 15 de janeiro. Quem não teve oportunidade de assistir à produção cult brasileira mais badalada deste ano pode adquirir o DVD, à venda no site da produtora Laguna Filmes (www.lagunafilmes.com.br) por R$ 10. O custo baixo se deve à oportuna campanha de combate à pirataria.


 (Trem Chic/Divulgação)

Mineiros em ação
Em Berlim, Hoje eu quero voltar sozinho dividiu os holofotes com outro longa, O homem das multidões, dirigido a quatro mãos pelo mineiro Cao Guimarães e o pernambucano Marcelo Gomes. Rodado em BH, o filme tem o ator Paulo André (do Galpão) no papel do solitário Juvenal, que sente necessidade de trafegar entre a multidão. A obra baseada em conto de Edgar Allan Poe circulou por festivais dentro e fora do país e chamou a atenção por sua estética diferenciada, exibido em aspect ratio de 3x3, proporção quadrada (e reduzida) da imagem. Estética diferenciada é a marca de outro longa mineiro lançado este ano em festivais (ainda não entrou em circuito comercial): O deserto azul, de Éder Santos. A ficção científica retrô tem como cenário obras de arte de dezenas de artistas plásticos, além de Brasília e do Deserto do Atacama. Os efeitos especiais foram criados na Alemanha. Destaque para a interpretação impecável do ator Odilon Esteves, da Cia. Luna Lunera (foto). E, para fechar o ano mineiro no cinema, Helvécio Ratton lançou sua aventura infantojuvenil O segredo dos diamantes, sobre três amigos em busca de um tesouro. Grande mérito é fazer “desfilar” na tela belezas naturais de Minas raramente mostradas no cinema. (GS)

Praia brasuca
Aguardada espera do ano, Praia do Futuro, longa de Karin Aïnouz, teve o mérito de estrear no Festival de Berlim, concorrendo ao Urso de Ouro. A coprodução Brasil e Alemanha morreu na praia e teve recepção morna durante o evento. O que, certamente, não reduz os méritos da trama sobre Donato, salva-vidas da praia homônima de Fortaleza, papel de Wagner Moura, que tem problemas existenciais quando não consegue cumprir seu papel e “perde” um turista afogado. O longa confirmou o ator Jesuíta Barbosa (na foto, à direita) como um dos novos talentos do cinema brasileiro. Vida longa a Jesuíta e, claro, a Aïnouz. (GS)

Festivais de peso

A divisão do principal prêmio do Festival de Brasília entre todos os diretores concorrentes acentuou o tom político de um dos eventos mais tradicionais do audiovisual brasileiro. Foi um protesto contra a destinação de R$ 250 mil apenas ao vencedor na categoria longa-metragem – Branco sai, preto fica, de Adirley Queirós. O segundo maior prêmio foi de R$ 50 mil, para o melhor longa segundo o júri popular. O ano também foi marcado pela volta do Festival de Paulínia e pela consolidação da Mostra de Cinema de Tiradentes como o principal evento do país dedicado ao arriscado cinema de autor. (Carolina Braga)

 (Universal Pictures/Divulgação)

Experiência única
O filme-sensação Boyhood (foto) só existe graças à engenhosidade, sensibilidade e perseverança do diretor Richard Linklater, à competência do elenco e a uma enorme dose de sorte. A narrativa retrata a trajetória de seu protagonista, o garoto Mason, seus pais e irmã durante 12 anos. O elenco foi filmado ao longo desse período em poucos dias a cada ano. Toda a narrativa se construiu por meio do cotidiano, de ações comuns (até mesmo banais) que constituem o universo de uma pessoa qualquer. Em foco, a vida de Mason da infância à juventude. Bons ou maus, os momentos é que nos formam. E eles, na maior parte das vezes, ocorrem no tempo comum e sem fogos de artifício, é o que Linklater nos prova. (Mariana Peixoto)

Viagens espaciais

Ficções científicas ocuparam as telas com força total. Impactantes, chamaram a atenção de público e crítica o incrível Gravidade, com Sandra Bullock (foto), em sua melhor interpretação, e George Clooney. Premiadíssimo, o filme dirigido por Alfonso Cuarón faturou merecidamente sete Oscars. Melhor em resolução 3D, ganhou elogios inflamados dos diretores James Cameron e Quentin Tarantino. Hermético, o filme centrou-se na atuação de Bullock e nos efeitos visuais para levar o espectador a “boiar” sem gravidade na sala de exibição. Mais pretensioso, o também hermético Interestelar vai além das histórias de heróis do espaço. Tem momentos e teses interessantes sobre o futuro da humanidade, mas a longa e muitas vezes confusa trama exige paciência e interesse do espectador por temas pouco conhecidos da física quântica. O filme de Christopher Nolan tem elenco de peso: Matthew McConaughey e Anne Hathaway em boas atuações, mas quem se destaca é Jessica Chastain. A trilha sonora do compositor Hans Zimmer é deslumbrante. (GS)

Em dois volumes
Nada no cinema do dinamarquês Lars von Trier é obra do ocaso. Cineasta cuja trajetória se confunde com as polêmicas, seu Ninfomaníaca (foto) virou assunto da hora ao longo do primeiro semestre porque no Brasil a empresa responsável pela produção do DVD e blu-ray se recusou a fazê-lo, alegando se tratar de uma obra de sexo explícito. Com o debate na ordem do dia, o cineasta fez uma de suas melhores bilheterias no país. O filme, que como toda a filmografia de Von Trier não permite os comentários reducionistas “gostei” ou “não gostei”, leva para o centro da narrativa uma ninfomaníaca na meia-idade que despeja, sem meias palavras, um cotidiano de múltiplos parceiros. Repleto de metáforas – da pescaria à religião –, o longa mostra a personagem cortando, pouco a pouco, os laços com o mundo convencional. (MP)