De hoje a sábado, Ouro Preto reúne 900
médicos do país e do exterior em torno dos congressos brasileiro e
internacional de acupuntura, uma das seis especialidades com foco de
atuação em dor
Lilian Monteiro
Estado de Minas: 03/10/2013
Muitos se
assustam se têm aversão à agulha. Mas no caso da acupuntura, elas são
praticamente indolores e podem ser a solução para vários males. Os
primeiros relatos acerca dessa prática chegaram à Europa no século 17
por meio dos jesuítas e viajantes do extremo oriente e se espalharam
pelo mundo. Ramo da medicina tradicional chinesa, declarado Patrimônio
Cultural Intangível da Humanidade pela Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 19 de novembro de
2010, a acupuntura é aplicada por 13 mil médicos brasileiros entre os
filiados ao Colégio Médico Brasileiro de Acupuntura (CMBA) e com título
de especialistas emitidos pela Associação Médica Brasileira (AMB). Algo
em torno de 3% da comunidade médica no país. A prática chinesa é tão
aceita por aqui que, somente no ano passado, o Sistema Único de Saúde
fez 1,2 milhão de atendimentos no país.
Os benefícios são tantos que
desde 2012 a acupuntura é uma das seis especialidades com foco de
atuação em dor, ao lado da neurologia, ortopedia, fisiatria, clínica
médica, reumatologia e anestesiologia. Para debater as novidades na
área, casos clínicos, pesquisas e novas indicações na área de saúde para
serem tratadas com as agulhas, Ouro Preto, a 98 quilômetros de Belo
Horizonte, sedia de hoje a sábado o 18º Congresso Brasileiro de
Acupuntura e o 8º Congresso Internacional da Federação Ibero-Latino
Americana de Sociedades Médicas de Acupuntura (Filasma).
Segundo o
presidente do CMBA e coordenador do Congresso, Hildebrando Sábato, a
aplicação da acupuntura é vasta – vai de inúmeras doenças e disfunções
orgânicas das diversas especialidades médicas como reumatologia,
gastroenterologia, endocrinologia, dermatologia, fisiatria, pneumologia,
ginecologia, neurologia e psiquiatria, a técnicas associadas como a
eletroacupuntura. De acordo com ele, também serão debatidos temas
relacionados à regulamentação da profissão, o tratamento pelo Sistema
Único de Saúde (SUS), projetos de lei no Congresso Nacional e os
principais avanços científicos.
Vice-presidente do CMBA, o
acupunturiatra Ricardo Bassetto vai mostrar como a acupuntura age na
diminuição das consequências do estresse crônico, que é uma resposta de
adaptação do corpo reagindo para se adaptar a uma sensação de risco real
que perdura por muito tempo. “Uso a acupuntura para fazer a profilaxia e
diminuir a chance de gerar doença nas pessoas.” De acordo com o médico,
há estudos científicos que comprovam não só a sensação de bem-estar do
paciente quanto a melhora no quadro clínico. “Acupuntura é aliada, um
tratamento complementar que segue padrões de comportamento e ritmo de
vida para minimizar problemas. Não tem contraindicação. A sensação é
subjetiva, mas já na primeira aplicação o paciente sente melhora. Não
está curado, mas vê resultado em incômodos periféricos como sono,
cansaço e fadiga.”
Rubens Zanella, acupunturiatra e membro do CMBA,
se debruçará sobre a aplicação de correntes elétricas nas agulhas
(eletroacupuntura) na esclerose múltipla, enxaqueca e síndrome
miofascial. Segundo ele, a estimulação elétrica potencializa em mais de
300 vezes o efeito do ponto de acupuntura na liberação, como também na
produção, de endorfina e cortisona endógenas (produzidas pelo corpo).
Com isso, a eletroacupuntura, além de mais potente, também é mais
duradoura. “O principal benefício do aumento da produção e liberação de
endorfinas em pacientes com esclerose múltipla é que elas entram em
contato com o sistema imunológico, diminuindo tanto a liberação de
substâncias inflamatórias, quanto a produção de anticorpos. Além disso,
por aumentar a produção de corticoide endógeno, evita o aparecimento de
lesões e sequelas.”
Zanella explica que trata quatro pacientes com
esclerose múltipla, dos quais três há mais de uma década. Um deles
perdeu e recuperou a visão e outro apresentou perda de força em membros
inferiores e grande dificuldade de caminhar. Atualmente estão todos sem
sequelas. “Neste período de 10 anos, dois pacientes tiveram apenas dois
surtos de formigamento leve em membros superior ou inferior, enquanto
que o mínimo esperado na forma mais branda da doença a média é de 10 a
20 surtos no mesmo período. Esses pacientes não usaram medicação
convencional como interferon, remédios imunomoduladores ou altas doses
de vitamina D.”
Quanto à enxaqueca e à dor de cabeça, Zanella
explica que 90% delas têm envolvimento do ramo superior do nervo
trigêmeo e sensibilização do gânglio e dos núcleos desse nervo no tronco
cerebral. “A eletroacupuntura diminui esta sensibilização pela produção
e liberação de encefalinas, pela ativação do sistema inibidor
descendente da dor a base de serotonina, pela desativação dos pontos
gatilho e da memória da dor. Além disso, pesquisas realizadas por Peter
Goadsby, da Universidade da Califórnia; Jean Schoenen e equipe, da
Unidade de Pesquisa de Dor de Cabeça da Universidade de Liege, na
Bélgica; Anna Ambrosini, da Clínica Neuromédica de Dor de Cabeça de
Pozzilli, na Itália; e por Marcelo Bigal, do Colégio de Medicina Albert
Einstein, em Nova York comprovam que o estímulo elétrico de baixa
frequência no nervo occipital maior faz a modulação hipotalâmica
(equilíbrio das funções do Sistema Nervoso Central).”
IN VITRO O
também especialista Silvio Harres, com 40 anos de medicina e 30 de
acupuntura, vai falar sobre a ressonância magnética funcional, que pode
definir com clareza os locais no Sistema Nervoso Central onde os
estímulos periféricos das agulhas de acupuntura determinam uma ativação
neuronal. E ainda sobre a fertilização in vitro, um estudo clínico com
duração de quatro anos que avaliou 104 pacientes. “A fertilização tenta
contornar os problemas de infertilidade da mulher causados por uma série
de problemas uterinos, tubários e ovarianos, que dificultam a
fecundação. Pensando no útero com problemas, a acupuntura vai estimular,
por meio de impulsos nervosos gerados pela agulha, pontos específicos
na região. O que vai repercutir numa melhoria da vascularização e da
oferta de sangue no útero.”
Harres lembra que um dos vários problemas
nessa região é o endométrio baixo. Com esse procedimento, nutrindo-o
com mais sangue, o endométrio mais desenvolvido é mais fértil para
receber o óvulo. “Preparamos o terreno e a clínica de fertilização faz o
procedimento. A prática não é nova, mas pesquisas são desenvolvidas há
pouco tempo. Antes, o sucesso era em torno de 25%, ou seja, uma mulher
em cada quatro fertilizadas. Associando a acupuntura, o resultado
dobrou: 50%, de cada quatro, duas fertilizações.” Harres enfatiza que o
tratamento não envolve medicamentos, é um trabalho conjunto, aliado ao
tratamento hormonal. “Dos 104 pacientes estudados, 50% foi recorde em
termos mundiais. No entanto, é bom lembrar que o avanço da idade, a
endometriose, os distúrbios hormonais e cistos ovarianos tornam mais
difícil a fertilização. A acupuntura é uma aliada e garante melhor
resposta ao tratamento, que requer 20 semanas. A maioria das pacientes
se sente tão bem que vai até o fim da gestação. Aliás, a acupuntura é
indicada para a melhoria da qualidade de vida das pessoas e para
restabelecer a saúde”, atesta.
O congresso
900 médicos do Brasil e exterior, especialistas em acupuntura
130 palestrantes
25 workshops
40 horas de atividades de atualização profissional
300 temas sobre a especialidade e as pesquisas científicas na área
Panorama no país
10 mil médicos, filiados ao CMBA, representam 3% da população médica do país
3 mil médicos com título de especialistas já foram emitidos pela Associação Médica Brasileira (AMB)
1,2 milhão de atendimentos pelo SUS em 2012. Procedimento presente desde 1988
O Brasil é o único país do mundo que tem programa de residência médica em acupuntura
Três perguntas para...
Hildebrando Sábato, Presidente do colégio Médico Brasileiro de Acupuntura (CMBA) e do congresso Internacional de acupuntura
Como o Conselho Federal de Medicina (CFM) aceita uma terapêutica como prática médica?
Para
aceitar qualquer terapêutica como procedimento médico, o CFM exige
comprovação científica. Com isso evita-se que a população corra o risco
de ser submetida a terapêuticas ineficazes ou enganadoras, ou mesmo a
atrasos diagnósticos que, quando mal realizados ou subestimados, podem
comprometer os rumos de uma doença ou de sua cura. No caso da
acupuntura, os médicos acupunturistas já a vinham praticando desde os
anos 1960, e organizados em uma sociedade médica da especialidade desde
1982. No SUS, desde 1988.
Quando a acupuntura teve seu reconhecimento no Brasil?
Apesar
de a prática existir desde a década de 1960, somente em 1995, com base
em trabalhos científicos que comprovaram sua eficácia e efetividade, a
acupuntura foi reconhecida como especialidade médica pelo Conselho
Federal de Medicina brasileiro. Entendemos que a acupuntura é medicina, e
como tal exige a realização de um diagnóstico etio (a origem da
doença), clínico (exames que constatam a doença) e nosológico (que
doença é essa), além da expectativa de um prognóstico (resultado das
ações), e do estabelecimento de um tratamento. Só o médico, depois
destes procedimentos, pode estabelecer se este tratamento será por
acupuntura ou não. Uma dor de cabeça, por exemplo, pode ser uma simples
enxaqueca, mas pode ser também um tumor cerebral. Há pelo menos 150
causas de cefaléia descritas na literatura médica. Diante das queixas do
paciente, só o médico pode discernir com relativa segurança por um
diagnóstico diferencial. Além da odontologia e da medicina veterinária,
as outras profissões de saúde não têm nas leis e normas que as
regulamentam, nem em sua formação, essas atribuições da profissão
médica. Esta é uma das razões pela quais entendemos que esses
profissionais não devem realizar os procedimentos da acupuntura. E, por
ser um procedimento invasivo, a introdução das agulhas pode ser bem
profunda, passando por nervos, vasos e estruturas nobres como órgãos.
Mas
há outros profissionais de saúde, inclusive com formação na China, que
conhecem bem de anatomia. Por que então ser uma exclusividade médica?
É
preciso conhecimento amplo de anatomia, já que mãos inábeis a
acupuntura pode chegar a causar lesões. A acupuntura não é isenta de
riscos. Diante das decisões de alguns Conselhos Profissionais de Saúde
em reconhecer a acupuntura como atribuição sua, e por discordarmos,
recorremos à Justiça em 2001 e em 27 de abril de 2012 uma turma de cinco
desembargadores do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em
Brasília, por meio de um acórdão e por unanimidade, nos deram ganho de
causa. Consideraram que aqueles conselhos ampliaram sua área de atuação e
atribuições por meio de resoluções internas e ao arrepio da Lei que os
regulamenta, o que não é permitido. Portanto, estão com o exercício em
acupuntura suspenso. Algumas delas, como a psicologia e a enfermagem,
apelaram ao Superior Tribunal Federal, mas também naquela corte a
decisão dos acórdãos do TRF-1 foi corroborada. Este ano, foi julgada a
ação judicial contra a biomedicina e esta também teve definição
similar.”