sábado, 13 de julho de 2013

Quadrinhos - Laertevisão

folha de são paulo
LAERTEVISÃO      LAERTE
LAERTE
CHICLETE COM BANANA      ANGELI
ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LARTE
LARTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO
CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES
FERNANDO GONSALES
PRETO NO BRANCO      ALLAN SIEBER
ALLAN SIEBER
QUASE NADA      FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ
FÁBIO MOON E GABRIEL BÁ
HAGAR      DIK BROWNE
DIK BROWNE

Antes de Clarice - José Castello

O GLOBO - 13/07/2013


Será o escritor um intelectual? Em
que medida a pesquisa meticulosa,
o empenho crítico, o planejamento
comandam a escrita literária? Não
tenho dúvidas de que estes são elementos
de arremate, através dos
quais as palavras tomam, enfim, uma forma.
Algo, porém, os precede. E é neste ponto anterior,
em que outros fatores trabalham secretamente,
que uma escrita (uma autoria) nasce.
Em uma crônica sobre a artista plástica Maria
Bonomi, publicada no “Jornal do Brasil”, enfrentando
o argumento de que sua escrita tem
uma forte dívida com as imagens, Clarice Lispector
escreve: “Um dos argumentos é que o
que eu escrevo é muito visual. Mas se é, é de um
modo inconsciente. No momento em que eu
conscientemente tivesse que ter como meta a
visão, atrapalhar-me-ia toda”. A escrita, Clarice
nos diz, surge antes da palavra. Ela se faz em
um momento anterior ao ato deliberado, ou
planejado. Ao ato intelectual. Surge antes do
próprio escritor — que se prepara para escrever
muito antes de decidir que fará isso.

Leio o trecho da crônica de Clarice em “Clarice
Lispector/Pinturas”, de Carlos Mendes de
Sousa (Rocco). Clarice era apaixonada por “City
in Bloom”, uma xilogravura sobre papel que Bonomi
realizou em 1958. Um trabalho severo e
obscuro, em que a cidade se transfigura em duas
flores negras. Sempre teve as artes plásticas como
uma referência, mas este laço só a arrastou
quando, no ano de 1975 — dois anos antes de
morrer — começou obsessivamente a pintar. Integrando
a visão dolorosa que Bonomi teve da
cidade, as telas de Clarice são, quase sempre, incômodas,
tensas e despertam, mais que prazer
estético, mal-estar. Em um mundo, o da decoração,
no qual a pintura é escolhida para combinar
com o novo conjunto de estofados, elas se tornam
desinteressantes, ou pelo menos inúteis.

Nelas se guardam, porém, e embora realizadas
em um momento no qual a obra literária já
estava praticamente pronta, alguns dos antecedentes
mais preciosos da ficção de Clarice Lispector.
A arte é indiferente ao tempo: o antes vem
depois. Só depois de se transformarem em escrita,
esses fatores caóticos — como no borbulhar
de um parto — podem, enfim, entrar em cena. As
telas levam, além disso, títulos desagradáveis:
“Cérebro adormecido”, “Medo”, “Raiva e reindifição”,
“Caos, metamorfose, sem sentido”, “Eu te
pergunto por quê?”. São apenas dezessete telas,
depositadas nos arquivos da Fundação Casa de
Rui Barbosa, no Rio.

Em 1975, Clarice parecia dominada pela ideia
do medo. Foi em 1975 — se me permitem relembrar
uma história pessoal, na qual não posso deixar
de pensar — que, aos 24 anos de idade, lhe enviei
um pequeno (e precário) conto, em busca da
avaliação do “autor consagrado”. Foi nesse mesmo
ano que ouvi, por telefone, e atravancada de erres,
a resposta que até hoje ecoa em meu interior: “Você
é um homem muito medrrroso e com medo ninguém
escrrreve. Boa tarrrde” — e desligou. Poucas
semanas depois, Clarice viajou a Bogotá para participar
de um Congresso de Bruxaria. Preparou um
texto para ler, “Literatura e magia”, mas na hora
preferiu que fosse lido outro, “O ovo e a galinha”,
um dos mais enigmáticos contos que escreveu.

Pois “Literatura e magia” tem como base uma
reflexão a respeito de um dos quadros mais terríveis
que ela pintou, “Medo”, um óleo sobre madeira
datado de 16 de maio de 1975. Carlos Mendes
de Sousa destaca, em seu livro, um trecho
crucial do discurso desprezado, no qual Clarice
descreve sua pintura. “A tela era pintada de preto,
quase no centro havia uma terrível mancha
amarelo-escuro, dentro dessa mancha algo vermelho,
preto e amarelo vivo”. Conclui sua apreciação
com a veemência que sempre a caracterizou:
“Olhar esse quadro me faz mal”.

“Medo” reaparece na página 148 do livro de Sousa.
Eu a vi, pela primeira vez, em uma das visitas
que fiz ao Museu de Literatura Brasileira, da Casa
de Rui. Não pude tirar os olhos do título, “Medo”, e
da data, “16 de maio de 1975”, assinada no canto
inferior direito do quadro. Eram os anos 1990 e eu
trabalhava na pesquisa de “O poeta da paixão”, minha
biografia do poeta Vinicius de Moraes, cujos
inéditos se acham arquivados no mesmo museu.
Sem nenhum pudor, e com a necessária dose de
desvario que meus vinte anos permitiriam, imediatamente
pensei: “Clarice pintou meu conto”. Mas
a verdade talvez fosse ainda mais incômoda, e
pensei logo em seguida: “Clarice pintou meu
medo”. Não era um quadro, era um espelho. A
que ponto chega a vaidade! Resta amparar-me
na frase de Mário de Andrade: “Todo escritor escreve
por vaidade. Se mostra é por vaidade, se
não mostra é por vaidade também”. Ela serve de
epígrafe ao pequeno conto que enviei a Clarice.

Vejam o que me aconteceu: inspirado pela leitura
do livro de Sousa, me pus a falar da pintura
de Clarice — e acabei falando de mim. Vejam como,
também na leitura, são estranhos e tortos os
caminhos que percorremos. Há coisas que grudam,
nos pesam e nos empurram: o medo, por
exemplo. Clarice sabia o que me dizia e a verdade
é que, pensando ou não em mim, isso está em
seu quadro. Em 1977, fui a seu velório, no Cemitério
Israelita do Caju. O caixão, seguindo a tradição
religiosa, estava lacrado. Senti medo. Olhando
aquela tampa negra, fui tomado por uma
grande vontade de fugir, sentimento que só a palavra
medo pode definir. Mesmo assim, fiquei até
o fim e assisti ao sepultamento.

Hoje, o mesmo sentimento me retorna diante
da tela que Sousa reproduz em seu vigoroso livro.
Como ele mesmo nos lembra, a melhor crítica
da pintura de Clarice é uma de suas personagens,
Angela Pralini, protagonista do romance
póstumo “Um sopro de vida”. Fala-nos Angela
desse momento anterior — anterior a si mesma,
anterior ao próprio artista — em que a arte se esboça.
“De súbito então vem do subconsciente
uma onda de criatividade e a gente se joga nas
nervuras, acompanhando-as um pouco — mas
mantendo a liberdade”. Neste ponto anterior (antes
da própria Angela, antes mesmo de Clarice)
não pode haver deliberação, só entrega. Sem liberdade,
em consequência, nada acontece. Ali
nasce a pintura, Ali nasce a literatura. Alguma
coisa, enfim, se faz. Quem faz? Qualquer resposta
que se possa dar será, sempre, posterior ao
nascimento e à força que o gerou.

Fracasso de novo partido faz Serra buscar opções para disputar eleição

DANIELA LIMA
Folha DE SÃO PAULO
Com o fracasso da operação para criar uma nova legenda de oposição a partir da fusão do PPS com o PMN, o ex-governador José Serra, hoje no PSDB, estuda outras alternativas para sair candidato à Presidência em 2014.
Até então, o partido que nasceria da união do PPS com o PMN, a natimorta MD, seria o destino mais provável para uma candidatura de Serra. O ex-governador está sem espaço no PSDB, já que os tucanos estão praticamente fechados em torno do senador Aécio Neves (PSDB-MG).
Como o PMN desistiu da fusão, o ex-governador passou a estudar uma série de cenários, que incluem desde permanecer em seu partido e, à frente, aguardar a chance de disputar internamente a candidatura com Aécio, até trocar o PSDB pelo PPS, presidido por seu amigo, o deputado federal Roberto Freire.
"O PPS já havia convidado o Serra antes de anunciar qualquer fusão. Portanto, o convite a ele está mantido. Nada mudou", afirma Freire.
Fora do país, o ex-governador conversou ontem com Freire pelo telefone. "Ele demonstrou preocupação com o problema da MD, assim como todos os que torcem para fortalecer a oposição", disse.
Na prática, para Serra, o principal problema causado pelo naufrágio da fusão é que, se decidir sair, terá de deixar o PSDB sozinho.
A criação de uma nova legenda abriria uma janela na lei da fidelidade partidária que permitiria aos deputados e vereadores aliados de Serra deixarem o PSDB sem risco de perda do mandato. Sem a criação da MD, essa possibilidade não existe.
O ex-governador, no entanto, poderia migrar sozinho para o PPS e fazer uma aliança com o PSDB de São Paulo, para a eleição de Geraldo Alckmin ao governo, dividindo o palanque de Aécio no maior Estado do país.
Aliados de Serra já apontam, inclusive, o argumento que o tucano usará, se decidir sair. Dirá que, lançando candidatura, não divide, mas fortalece a oposição. Nessa lógica, quanto mais candidatos forem contra a presidente Dilma Rousseff, mais chances de um segundo turno.
Entre os serristas há ainda quem pregue uma reaproximação com o ex-prefeito Gilberto Kassab, presidente do PSD. O problema é que, hoje, Kassab está com Dilma.
PROTESTOS
Foi a onda de insatisfação popular que ganhou as ruas do país com centenas de protestos em junho que reacendeu a esperança de Serra.
Logo no início dos protestos, ele se reuniu com um de seus colaboradores, o marqueteiro Luiz González, e pediu análises sobre uma candidatura presidencial.
González lhe disse que, até ali, não via chance de sucesso para Serra, dado o desgaste das últimas derrotas eleitorais. Fez, no entanto, uma ressalva: disse que, se o país mergulhasse em uma "grande crise", com frustração econômica e insatisfação social, haveria uma chance de o eleitor buscar "um porto seguro".
Apenas nesse cenário, avaliou, Serra poderia representar uma alternativa, dada sua experiência administrativa.
Desde essa conversa, os protestos atingiram seu ápice e a avaliação da presidente Dilma Rousseff desabou. Serra, então, passou a disputar protagonismo como voz de oposição

Dilma tenta vacina contra males da saúde, mas efeito pode ser contrário

folha de são paulo
ANÁLISE
SAMY CHARANEKEDITOR-ADJUNTO DE "COTIDIANO"O inferno astral da presidente Dilma Rousseff com a classe médica acaba de ganhar mais um ingrediente.
A decisão do governo de pôr alunos de medicina brasileiros para fazer o Revalida será um tira-teima sobre a eficácia do teste, que garante aos médicos com diploma obtido no exterior o direito de trabalhar no país.
Por um lado, a ideia abre uma brecha para o que a categoria médica mais quer: comprovar que profissionais diplomados em outros países nem sempre têm preparo suficiente para atender pacientes no Brasil.
Mas, por outro, pode ter o efeito de um jogo de truco: e se os alunos testados tiverem desempenho igual ou pior ao dos colegas que estudaram no estrangeiro?
Seja qual for o resultado, a série de quedas de braço entre o governo Dilma e a classe médica já deixa marcas suficientes para cobranças futuras. De ambos os lados.
À polêmica aberta com a decisão de "importar" médicos para atuar nos confins do país se somam os vetos de Dilma ao Ato Médico, abrindo brecha para que outros profissionais (enfermeiros, por exemplo) façam diagnósticos e prescrevam tratamentos.
VACINA
O conjunto de propostas para o setor tem o objetivo de ser uma vacina contra males vindouros, principalmente em ano de reeleição --a saúde, como se sabe, está sempre entre as áreas mais mal avaliadas dos governos.
Mas pode ser também a panaceia que faltava no calendário das urnas. As cartas estão sobre a mesa.
    Formandos no Brasil farão prova de médico estrangeiro
    Governo vai testar alunos para 'calibrar' exame que valida diploma do exterior
    Medida que permite comparar desempenho de estudantes provoca novo desgaste com a comunidade médica
    FLÁVIA FOREQUEJOHANNA NUBLATDE BRASÍLIA
    Diante de altas taxas de reprovação do exame federal para revalidar os diplomas de medicina obtidos no exterior, o governo decidiu aplicar a prova para alunos de medicina de faculdades brasileiras.
    A intenção é constatar se são verdadeiras as críticas de que a prova tem um nível de exigência muito alto e, eventualmente, "calibrar" o exame do próximo ano.
    Oficializada em 2011, a prova, chamada de Revalida, nunca teve suas questões pré-testadas, ao contrário de outros exames aplicados pelo Inep (órgão do Ministério da Educação), como o Enem.
    No mês passado, integrantes do MEC fizeram reunião com coordenadores de cursos de medicina para apresentar a iniciativa e receberam resposta positiva de algumas instituições.
    O objetivo é dispor de uma amostra representativa, de cerca de 4.000 alunos do 6º ano de medicina de todo o país, de instituições públicas e privadas. Isso equivale a quase 26% dos concluintes da graduação, pelo último Censo da Educação Superior.
    A prova será aplicada aos formandos no mesmo dia e local em que os candidatos "verdadeiros" farão o Revalida, em 25 de agosto. O edital de inscrição na prova será publicado na próxima semana.
    O desempenho dos alunos nacionais na prova não terá qualquer repercussão sobre a conclusão do curso nem será divulgado para as escolas de medicina, mas poderá ser solicitado pelo candidato.
    Em 2012, dos 884 candidatos que fizeram o exame, só 8,7% foram aprovados. Grande parte dos diplomas tem como origem a Bolívia (411) e mais da metade dos inscritos (560) são brasileiros.
    O exame é dividido em duas fases: uma prova teórica, com questões objetivas e discursivas, e outra de avaliação de habilidades clínicas.
    O pré-teste que será aplicado neste ano só se refere à primeira fase, que concentra as grandes taxas de reprovação.
    A eventual "calibragem" do exame vem sendo aventada pelo governo nos últimos meses e provoca uma nova faísca no relacionamento com a comunidade médica, que argumenta não haver carência de profissionais no Brasil, e sim má distribuição no território nacional.
    Entidades médicas protestaram recentemente, por exemplo, devido ao programa do governo federal para atrair médicos estrangeiros ao interior e periferias e ao plano de obrigar estudantes de medicina a atuar no SUS.
    Para o vice-presidente do CFM (Conselho Federal de Medicina), Carlos Vital, o exame "não é complexo".
    "O conteúdo que hoje é aplicado é absolutamente coerente com a avaliação de capacidade. Está se fazendo isso sem motivação", disse.
    "Infelizmente, temos sido surpreendidos com medidas casuísticas e fisiológicas por parte do governo brasileiro."
    Hoje não existe um exame nacional para os estudantes de medicina do Brasil. Em São Paulo, há uma prova do Cremesp (conselho regional) --que teve 45,5% de aprovados no ano passado.

    Escolas de medicina já estão inseridas no SUS, dizem alunos

    folha de são paulo
    FOCO
    SABINE RIGHETTIDE SÃO PAULOMesmo sem terem sido afetados pela mudança dos cursos de medicina, os atuais alunos debatem o assunto em redes sociais e faculdades.
    Os cursos terão dois anos de trabalho compulsório no SUS a partir de 2015, depois dos atuais seis anos de curso.
    "Sou totalmente contra essa mudança", argumenta Daniele Battaglini, aluna do 4º ano da Furb (Universidade Regional de Blumenau), no interior de SC, e presidente do centro acadêmico.
    "Já temos um terço do curso no regime de internato, com aulas práticas, em que atendemos pacientes do SUS com supervisão de professores. É o treinamento final para ser médico", afirma.
    Hoje, os estudantes têm quatro anos de disciplina e mais dois anos de "internato" nos hospitais-escola, antes de receberem o diploma.
    Depois, ainda seguem para a residência --as especializações, que podem durar até quatro anos, feitas em hospitais públicos ou privados.
    Para Daniele, a obrigação de os alunos trabalharem para o governo por dois anos "fere o princípio de liberdade da Constituição".
    FAMÍLIA ABASTADA
    O argumento do governo é que os dois anos humanizariam a saúde pública, já que colocariam todos os estudantes em contato com o SUS.
    Conforme levantamento feito pela Folha, os dois anos de internato nos hospitais-escola são, para a maioria dos estudantes de medicina, o único contato com o SUS.
    A maioria deles vem de famílias abastadas. Nas universidades estaduais paulistas, por exemplo, a participação em medicina de quem veio de escola pública é bem inferior à média geral das instituições.
    Na Unesp, apenas 2% cursaram colégio público, contra 40% no geral (veja quadro).
    Na USP, 20% deles têm renda familiar superior a R$ 20 mil. Não há negros na turma ingressante em 2013.
    "Os estudantes de medicina já estão inseridos no SUS", avalia Juliana Campanha, 29, do 5º ano na Unesp em Botucatu, interior de SP. "Eu atendo pelo SUS no hospital-escola da Unesp desde o 3º ano."
    Roger Santana de Araújo, 19, do 2º ano de medicina da USP, considera que os alunos já contribuem para a sociedade via hospitais-escola.
    "Só a medicina atende a sociedade de graça. Isso não acontece no curso de direito, por exemplo. Mas na medicina já atendemos pelo SUS nos hospitais-escola", diz.
    Para ele, o problema do SUS é "mais fundo", como falta de recursos e falta de investimentos. "Se o SUS tivesse boas condições, os médicos iriam para o sistema público por vontade própria, como acontece no Reino Unido", diz.
    Além disso, lembra Roger, o sistema não é composto só por médicos. "O SUS também precisa de enfermeiros, fisioterapeutas e afins."

      João Paulo - Cultura também é cultura‏

      Estado de Minas - 13/07/2013

      O debate em torno do que é ou não é cultura é antigo e polêmico. Quem agora mete a colher de pau nessa cumbuca é o escritor peruano Mario Vargas Llosa, que tem sua diatribe vitaminada pelo fato de ter conquistado o Nobel de Literatura em 2010. Autor de grandes romances, como Conversa na Catedral e A festa do bode, Vargas Llosa fez parte de uma geração que se formou entre o marxismo e o existencialismo, viveu na França nos anos 1960 e integrou a turma dos autores latino-americanos que foram responsáveis pela literatura que dominou o cenário internacional por boas décadas.

      Da esquerda para a direita, ou dono de posições liberais, como todo direitista gosta de assumir, Vargas Llosa renegou o marxismo e o existencialismo, entrou para a política concorrendo à presidência de seu país em 1990, perdendo para Alberto Fujimori. Em campanha, defendeu o ideário neoliberal que tomava conta do mundo de norte a sul. Depois da derrota, recolheu as armas ideológicas, se tornou intelectual cosmopolita e passou a escrever sobre política, além de manter produção de respeito no campo literário. Hoje é professor de universidades americanas e publica em jornais de todo o mundo.

      De certa forma, Vargas Llosa compõe com Gabriel García Márquez um par de antípodas que, nascidos no mesmo solo latino-americano e cultores do romance de alto nível, se separaram primeiro em política e depois em estética. O colombiano, hoje silenciado pela doença, se aproximou da mesma Cuba que Llosa renegou depois de sua paixão de juventude. De seus amores juvenis, costuma confessar, ficou apenas Flaubert e Madame Bovary. Em matéria de gosto literário, Llosa é inatacável.

      Com o tempo, a sofisticada literatura fantástica de García Márquez se popularizou e perdeu seu lugar de destaque para uma nova geração que virou as costas para o realismo mágico de forma determinada e até raivosa. Hoje é comum entre os novos escritores renegar o autor de Cem anos de solidão, como quem se livra de um entulho. O que talvez não percebam é que, ao buscar batismo na literatura prestigiada dos EUA e Europa, não andam necessariamente para a frente. No seu tempo, Márquez, Cortázar, Llosa, Onetti e Borges não eram os melhores escritores de seus países, mas do mundo.

      Mario Vargas Llosa trilhou a via contrária e vem se tornando cada vez mais respeitado, se transformando num clássico moderno. O fato de ter passado a escrever romances de fundo histórico é um sinal dessa busca de equidistância das disputas da república das letras. Nesse sentido, até mesmo a derrota política e a retirada para um lugar mais crítico que ideológico reforça sua postura atual. E é desse lugar que ele agora se insurge para atacar a banalização da cultura que ronda o mundo com seu espectro de bobagens. É esse o tema de seu novo livro, A civilização do espetáculo – Uma radiografia do nosso tempo e da nossa cultura (Editora Objetiva, 208 páginas, R$ 34,90).
      Efêmero e banal O diagnóstico é de aceitação geral: nunca a chamada alta cultura esteve tão desprestigiada. Vivemos o tempo da banalização das artes (que por vezes beira a impostura), da frivolidade em política (traduzida nos mais diversos modelos de populismo) e de triunfo absoluto do jornalismo sensacionalista, em que uma celebridade vale por muitas ideias. A palavra perdeu para a imagem, o conceito para a sensação, a inteligência para a diversão. A esse panorama Llosa dá o nome de civilização do espetáculo.

      A perda de substância é grave. Não se trata apenas da troca de uma literatura sofisticada por best-sellers, com sua característica planura, mas do entorpecimento da crítica. A arte, lembra o romancista, foi sempre uma espécie de consciência que não permitia que virássemos as costas para a realidade. Hoje, desviar pela chicana do entretenimento é a norma no campo da cultura. A superficialidade deixou de ser um risco para ser um método.

      Vargas Llosa começa seu ensaio dialogando com outros diagnósticos sobre a situação da cultura. Como a obra Notas sobre a definição de cultura, de T. S. Elliot, de 1948, que defende, entre outros temas, a força da religião e da transcendência. Em seguida, busca referências em textos de Guy Debord, A sociedade do espetáculo, de 1968; Algumas notas para definição de cultura, de Georges Steiner, de 1971; e finalmente A cultura-mundo, de Gilles Lipovetsky e Jean Serroy, de 2010. São autores que, por caminhos diversos, alimentam o pessimismo em relação à cultura, com a soma de muitos sintomas teratológicos: deterioração da palavra, alienação política, coisificação e mundialização com tendência a nivelar por baixo. Com esse trampolim, Vargas Llosa se joga em sua crítica pessoal.

      Capítulo a capítulo ele vai compondo uma fenomenologia da dissolução da cultura. Começando pela espetacularização e banalização que atinge todas as artes, financiada de maneira astuta pelos mercados e pela indústria cultural, que acaba por desaguar no jornalismo vazio e na ausência de crítica que hoje dominam os meios de comunicação. Na sequência, desanca com os pós-modernismos em filosofia, aponta para a troca do erotismo pela pornografia e ataca a condescendência em política, que permite a emergência das tiranias de toda espécie (com o desapego à lei e à democracia). Segue identificando a emergência de uma sociedade que perde as referências religiosas e não coloca nada no lugar, abrindo o flanco para os fundamentalismos reativos, e questionando a cultura digital em sua busca obsessiva pela superficialidade.

      O que conservar Mario Vargas Llosa é conservador, mas é inteligente. Seu ataque à incultura pode soar como chororô passadista, de quem lamenta que os valores estão se perdendo e que antes era bem melhor. Pode ainda ser acusado de defender posturas elitistas, contra a democratização da arte propiciada pelos meios tecnológicos, em favor de uma produção sofisticada e limitada a poucos fruidores, quase sempre os mais ricos. Em outras palavras, ele seria um passadista, elitista e conservador.

      A recusa pura e simples da argumentação teórica e dos exemplos históricos e estéticos de Vargas Llosa não é o melhor caminho. Como em todo debate de fundo ético, o mais provável é que os dois lados estejam certos. Há algum tempo, o semiólogo Umberto Eco dividiu os analistas culturais em dois grupos: de um lado os apocalípticos, que diziam que a cultura popular iria destruir a civilização; na outra trincheira, os integrados, que saudavam a democratização e avanço da cultura em sua porosidade para o novo que vinha, sobretudo, dos excluídos do campo da cultura entronizada (excluídos pela estética e pela posição de classe).

      O livro do autor de Tia Júlia e o escrivinhador (não por acaso sobre um autor de novelas radiofônicas, o que mostra que a cultura popular sempre esteve por perto) é um panfleto raivoso, nem sempre muito bem informado, mas que tem no fundo um desejo de defender o que deve ser conservado para que o homem não deixe de trilhar o caminho da perfectibilidade. Nesse ponto, conservadores e revolucionários parecem ter o mesmo desejo: ir adiante. Talvez por isso o melhor seja ler A civilização do espetáculo como um integrado e levar adiante o debate como um apocalíptico. 

      Soberania que vem das ruas-Eduardo Nunes Campos‏

      O canto e grito do povo têm despertado o desejo de discutir o sistema político brasileiro, mas o poder permanece surdo. Pensadores clássicos contribuem para o cenário de ideias e ações 


      Eduardo Nunes Campos

      Estado de Minas: 13/07/2013 

      Enquanto a voz das multidões ecoa pelas ruas de todo o país, a surdez do poder acentua-se a cada dia.

      Governos e os principais partidos de oposição, atônitos com a avalanche de protestos que varre o Brasil de norte a sul, ficaram praticamente sem reação nos primeiros dias. Limitavam-se, quando muito, a dizer: “É preciso entender o que está acontecendo”.

      A essa altura, certamente já captaram a mensagem. Entender, claro, entenderam. Mas preferem fazer ouvido de mercador, por puro instinto de sobrevivência política.

      É o que se pode depreender das propostas de reforma política em debate. Depois do fracasso rotundo da ideia, política e juridicamente insustentável, de uma constituinte específica para tratar do tema, foi a vez de um plebiscito nacional relâmpago aparecer como solução mágica para aquietar o ânimo das massas e fazer parecer que, enfim, os podres poderes entrarão nos trilhos. Descartado como solução imediata, fala-se agora em nova proposta do Congresso, a ser ratificada por meio de referendo.

      As forças hegemônicas agem como se fossem capazes de neutralizar a revolta contra os gastos absurdos com a Copa, a indignação contra a malversação do dinheiro público, a intensificação da violência urbana, os crescentes abusos policiais nas comunidades da periferia e os péssimos serviços públicos, em particular nas áreas do transporte de massas, da saúde e da educação, com reformas secundárias no jogo de poder que elas comandam e compartilham.

      Com certeza, o povo está descontente, e muito, com o processo eleitoral brasileiro, tema quase exclusivo das propostas de reforma em debate. E com razão. Muitas das regras vigentes são mesmo uma afronta à democracia, como a permissividade nas doações feitas por empresários a candidatos, mediante uma singela contrapartida: o retorno, exponencialmente multiplicado, do investimento feito na campanha.

      Mas o povo nas ruas mostra que quer muito mais e aos poucos o recado vai ficando claro. Imediatamente após as primeiras conquistas na redução do preço das passagens, os manifestantes passaram a exigir a abertura da caixa-preta das empresas de transporte e o mapeamento do nebuloso percurso que termina na definição da tarifa. E mais: rechaçaram o caminho das desonerações tributárias, que acabam por prejudicar o investimento em outras áreas sociais, reivindicaram que os custos saíssem dos lucros das empresas do setor e, sobretudo, transparência nos negócios públicos.

      O Hino Nacional, efusivamente cantado nas manifestações, emite uma mensagem clara da população: cantamos pelo país que queremos e que sabemos que podemos construir, não pelo país que temos. E mais: manifestamo-nos não contra o partido A ou o partido B, que não nos parecem tão diferentes assim, mas contra as instituições do Estado – Executivo, Legislativo e mesmo Judiciário, em seus diversos níveis –, insensíveis às nossas aspirações. Mais ainda: queremos ser protagonistas de nossa própria história.

      Enquanto cada passo das forças hegemônicas, presentes nos governos ou nas oposições conservadoras, é calculado tendo em vista seus interesses nas eleições de 2014, as demandas dos cidadãos dizem respeito a mudanças estruturais na ordem política, econômica e social do país.

      As manifestações são, sabidamente, pouco orgânicas, sem lideranças claras e sem uma pauta unificadora coletivamente construída. Foram se tornando, dia após dia, o desaguadouro do descontentamento generalizado, não apenas da juventude, mas de toda a população. Mas isso não implica que não tenham um conteúdo intrínseco, quase explícito.

      Trata-se, na verdade, de uma luta por um novo modelo de Estado, em que o povo se sinta senhor de seu próprio destino e definidor de suas prioridades, assumindo o poder que lhe foi usurpado, a despeito de o parágrafo único do art. 1º da Constituição afirmar que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente...”.

      As diferentes concepções acerca do exercício do poder soberano têm suas origens na Antiguidade clássica, dividindo gregos e romanos. No processo de consolidação do Estado moderno, contudo, o debate adquire novos contornos, sendo protagonizado, no século 18, por Montesquieu e Rousseau. Resta analisarmos sua aplicação na contemporaneidade.

      Não se trata, evidentemente, de contrapor a democracia direta da Grécia antiga – que, diga-se de passagem, era restritiva e elitista, excluindo escravos, estrangeiros e mulheres –, aos mecanismos de representação parlamentar que emergiram pós-revoluções burguesas do século 18 e que prevalecem em nossos dias. A questão que se coloca é de como assegurar a soberania popular nas decisões fundamentais da res publica. Afinal, apesar do grande temor da burguesia, nem mesmo a universalização do direito ao voto – em certa medida conquistada no século 19 e consolidada no século 20 – subtraiu-lhe o comando do Estado. Mesmo sendo fração minoritária da sociedade, a burguesia conseguiu transformar as eleições em instrumento de continuidade de seu domínio.

      Construção coletiva Considerando que nosso modelo atual, no que tange ao exercício do poder popular, vincula-se às concepções de Montesquieu, e inferindo que o desejo dos manifestantes aproxima-os do modelo rousseauniano, vejamos, muito sinteticamente, algumas das teses centrais de ambos.

      Para Montesquieu, “já que, num Estado livre, todo homem que supõe ter uma alma livre deve governar a si próprio, é necessário que o povo, em seu conjunto, possua o poder legislativo. Mas, como isso é impossível nos grandes Estados, e sendo sujeito a muitos inconvenientes nos pequenos, é preciso que o povo, através de seus representantes, faça tudo o que não pode fazer por si mesmo... Convém que, em cada localidade principal, os habitantes elejam entre si um representante. A grande vantagem dos representantes é que são capazes de discutir os negócios públicos. O povo não é, de modo algum, capaz disso, fato que constitui um dos graves inconvenientes da democracia” (Do espírito das leis).

      Rousseau, por sua vez, considerava uma farsa a ideia de representação do povo soberano. Para ele, “a soberania não pode ser representada, pela mesma razão que não pode ser alienada; consiste essencialmente na vontade geral, e a vontade geral não se representa: ou é a mesma, ou é outra – não existe meio-termo. Os deputados do povo não são, pois, nem podem ser os seus representantes; são simples comissários, e nada podem concluir definitivamente” (O contrato social).

      Para o filósofo genebrino, contudo, o povo não apenas pode, mas deve ser representado no Poder Executivo, “que nada mais é que a força aplicada à lei”. “Os depositários do Poder Executivo não são os senhores do povo, mas seus oficiais, que ele pode nomear ou destituir quando lhe aprouver, que de modo algum lhes cabe contratar, mas obedecer, e que, incumbindo-se das funções que o Estado lhes impõe, nada mais fazem que cumprir com seu dever de cidadãos, sem ter, de forma alguma, o direito de discutir as condições”.

      Como sustenta Carlos Nelson Coutinho, “desde Rousseau (...) a democracia é concebida como a construção coletiva do espaço público, como a plena participação consciente de todos na gestação e no controle da esfera política. É precisamente isso que Rousseau entende como ‘soberania popular’”.

      A democracia representativa brasileira, aliada ao conteúdo imperial de nosso presidencialismo – que desmistifica a falácia da teoria da separação de poderes atribuída a Montesquieu –, nada tem a ver com a soberania popular advogada por Rousseau e, embrionariamente, inscrita em nossa Constituição, que a ela também faz referência no art. 14, que institui o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular. Os processos eleitorais atuam, sobretudo, como instrumentos de legitimação do poder, controlados que são pelo poder econômico, pelos abusos do poder político e pelas distorções provocadas pelos meios de comunicação.

      A complexidade do mundo contemporâneo, que incorpora, entre inúmeros elementos, o enorme contingente populacional das grandes cidades e as revolucionárias tecnologias de informação, não permite estabelecer uma contraposição absoluta entre democracia direta e democracia representativa. O que não se pode admitir, se se pretende assegurar a soberania popular nos processos de definição das prioridades do Estado, é a quase exclusividade dos mecanismos de representação, ainda mais considerando as graves distorções que eles apresentam, no Brasil e em todo o mundo.

      É urgente, sim, realizar um amplo e profundo debate nacional sobre as correções necessárias no sistema político brasileiro, de forma a minimizar as suas aberrações, assegurar um efetivo controle social sobre os mecanismos de representação e, acima de tudo, fortalecer os mecanismos de democracia participativa presentes em nosso ordenamento institucional, multiplicá-los e criar instrumentos garantidores de sua eficácia. Um debate, contudo, que envolva os movimentos sociais, as entidades representativas da sociedade civil, o movimento sindical, os diversos agentes econômicos. Um debate que não seja feito a toque de caixa e que não signifique apenas a composição dos interesses das forças hegemônicas. Um debate que desemboque em um plebiscito, e não em um mero referendo protocolar. Um plebiscito que tenha as suas perguntas decididas e formuladas através de um vigoroso processo de mobilização e que garanta ao universo de seus protagonistas – e não apenas aos partidos institucionalizados – os canais necessários à defesa de suas ideias, especialmente o amplo acesso aos meios de comunicação de massa.

      Esse debate seria, na verdade, o desdobramento das manifestações em curso e o início do amadurecimento de uma grande reflexão nacional sobre a afirmação da soberania popular. Com toda a certeza, serviria para jogar por terra a afirmação de Montesquieu segundo a qual o povo “não é capaz de discutir os negócios públicos”.

      Eduardo Nunes Campos é jornalista, advogado e professor de direito.