segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Legalidade da ida de mensaleiros para o DF divide juristas

O Globo - 18/11/2013

GUSTAVO URIBE

A legalidade da prisão em regime fechado e da transferência para Brasília dos condenados que cumprirão a pena em regime semiaberto divide a opinião de juristas ouvidos pelo GLOBO. Para alguns, a permanência José Dirceu e José Genoino e  outros condenados em regime fechado no sábado e no domingo contraria as exigências legais. Para outros, por ter sido expedido o mandado de prisão durante um feriado, não haveria como cumprir a pena de imediato em regime semiaberto.

Na avaliação dos analistas, haverá ilegalidade caso condenados em regime semiaberto sigam em pena fechada a partir de hoje.  Para o jurista Dalmo Dallari, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, o cumprimento em regime mais grave que o da condenação e a transferência dos réus para local distante  de suas residências “contrariam exigências legais”.  — As disposições legais determinam a prisão em semiaberto e há exigência legal de que o cumprimento da pena se faça próximo à residência do condenado.

Então, essa transferência é absolutamente ilegal — afirmou Dallari.  Na avaliação do jurista Oscar Vilhena, da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (FGV-SP), por sua vez, foi adequada a decisão do ministro Joaquim Barbosa de transferir o encaminhamento da pena ao juiz da Vara Criminal de Brasília, onde foi cometido o crime. Para ele, a transferência dos condenados não foi ilegal. Haverá ilegalidade, contudo, caso eles sejam mantidos em unidade prisional afastada de seus locais de residência. 


— O problema é que a decisão ocorreu num feriado e o juiz da execução assumirá o processo na segunda-feira (hoje). É adequado que os advogados estejam reclamando, porque eles deveriam ir para o semiaberto, mas, tendo em vista que isso ocorreu num feriado, não é incomum. Para parte dos presos brasileiros, pode ter ocorrido o mesmo — avaliou Vilhena.


A prisão dos condenados - Renato Janine Ribeiro

Valor Econômico 18/11/2013

O julgamento do mensalão não teve efeito pedagógico. Não fez ninguém mudar de ideia sobre a culpa ou não dos réus


A prisão dos condenados no caso do mensalão - ou Ação Penal 470, como dizem seus defensores - levanta a questão dos efeitos políticos do julgamento. Não discutirei aqui se foi justo ou não, se os réus mereciam ou não a condenação. Penso que o papel desta coluna seja medir seus efeitos sobre nossa política. Estes são quatro.

O primeiro efeito se deu já em 2005-6. Ele excluiu da cena política dois dos maiores nomes do Partido dos Trabalhadores: seu presidente, um político que lutara no Araguaia contra a ditadura e depois, no Congresso, se mostrara exímio articulador e negociador respeitado por todos os partidos, José Genoino; e José Dirceu, político amado e odiado, que então exercia o cargo mais próximo que temos de primeiro-ministro. Dirceu e mesmo Genoino eram presidenciáveis. Com a denúncia e sua repercussão na mídia, o PT ficou sem alternativas para concorrer à Presidência. Ironicamente, o que o salvou, permitindo que mantivesse o poder em 2006, foi uma medida criada para Fernando Henrique Cardoso: a reeleição. A ironia está em que a reeleição não teria sido necessária para garantir um segundo mandato ao PSDB, que em 1998 ganharia as eleições com Serra ou Tasso sem problemas. Mas veio a calhar para o PT, em 2006, quando na falta de outro nome deu Lula de novo. O efeito inicial do mensalão foi robustecer o nome de Lula - que, lembremos, não parecia tão convencido de concorrer a sua própria sucessão.

Um segundo resultado, que data do mesmo período, foi converter nossa disputa política em guerra. É básico para qualquer analista político que a democracia se distingue dos outros regimes porque nela há adversários e não inimigos. Ela não é guerra. A democracia é o único regime no qual a divergência é admitida, e a oposição - que ao longo de milhares de anos foi presa, banida, executada com requintes de crueldade - tem o direito de falar, e de tornar-se governo. Mas desde o mensalão o que temos é um estado de guerra inscrito no espaço político, substituindo o debate pelo ódio. Vários oposicionistas comparam o país à Venezuela ou Argentina, onde o governo reprime a imprensa de oposição - o que não faz no Brasil - e tutela a Corte Suprema - o que também não acontece aqui. Para vários situacionistas, quem respeita a oposição, como eu, é considerado um perigoso ou desprezível direitista. Pois é.


Esses, os efeitos da denúncia de Roberto Jefferson, em 2005, e da manifestação da Procuradoria Geral, em 2007. Agora, e o julgamento?

Efeito pedagógico do julgamento foi quase nulo

Quando se julgam figuras de altíssimo escalão, a grande pergunta é pelo significado pedagógico. Poderia ter sido ótimo. O impeachment de Collor convenceu de sua culpa seus próprios eleitores. Havia uma oportunidade de provar que dirigentes importantes do partido que continuava a governar o país tinham cometido crimes e de condená-los por isso - ou de absolvê-los, caso inocentes. Infelizmente, ou pior, o processo apenas reforçou convicções preexistentes. Quem acreditava na culpa continuou acreditando. Quem considerava o processo um ajuste de contas dos derrotados nas eleições, um terceiro turno espúrio a criminalizar a esquerda, se convenceu de que a oposição, na qual incluía o Supremo Tribunal e a maioria da grande imprensa, montara uma paródia de justiça.

Não importa aqui a opinião pessoal. O efeito político do julgamento foi, apenas, fortalecer cada lado em suas crenças. Não substituiu crença por saber, fé por razão. Não teve efeito pedagógico - lembrando que pedagogia, ou educação, é o que faz alguém subir dos preconceitos ao conceito, sair da ignorância para o conhecimento, melhorar em suma sua relação com o mundo. Para quem odeia o PT, o processo foi a ocasião de se vingar do partido, com o pseudônimo de justiça. A oposição errou ao exigir condenações, em vez de fincar o pé no ideal de justiça. Para quem apoia o PT, o processo favoreceu uma atitude defensiva, recusando-se a discutir seriamente por que o partido que mais clamou pela ética no Brasil, ao longo de 20 anos, relativizou essa preocupação uma vez no poder. Ninguém aprendeu nada com o julgamento.

Último efeito, o do encarceramento. Tudo pode acontecer, mas até agora o que vimos foi que o PT, refazendo-se dos danos que sofreu em 2005, se saiu bem nas eleições de 2012, concomitantes ao julgamento. Este não o prejudicou politicamente. Com certeza, o espetáculo de dois de seus maiores líderes na cadeia indignará quem apoia o partido e rejubilará quem o detesta. Os 40% restantes da população como reagirão? Pode ser que não lhe deem tanta importância. Afinal, o impacto ocorrerá no momento da prisão e no quase ano restante muita água passará sob os viadutos. Mas o que eu lamento é a ocasião perdida: não só nossa disputa política virou guerra, não só o diálogo entre nossos dois melhores partidos cedeu lugar ao ódio, como um julgamento que poderia ter sido exemplar pariu um rato. Ao longo do processo, alertei para os riscos que corria a direita (termo que para mim não tem nenhum sentido pejorativo) ao querer ganhar a qualquer custo, e ao pressionar o Judiciário. Pois é, ela corre o risco de ter obtido uma vitória de Pirro - para lembrar o rei do Épiro que, no século III antes de Cristo venceu Roma, mas a tão alto custo que seus generais diziam: "Se vencermos mais duas batalhas assim, estaremos perdidos". Terá excluído dois nomes do PT, e nada mais. Lamento esse resultado. Preferia mais que isso. Preferia que a sentença final, fosse ela de absolvição ou condenação, granjeasse o respeito da sociedade, para acima das barreiras partidárias. Este, sim, teria sido um grande avanço.


Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
E-mail: rjanine@usp.br


Cotas: questão de justiça social

Correio Braziliense - 18/11/2013

 VIRIDIANO CUSTÓDIO DE BRITO
Secretário da Secretaria Especial da Promoção da Igualdade Racial (Sepir/DF)


O Brasil foi colonizado por portugueses há mais de 500 anos, a invasão deixou prejuízos à terra explorada, a identidade foi construída com base no eurocentrismo. O povo nativo foi massacrado e a barbárie marcou o processo da escravatura. Os africanos trazidos para o Brasil foram violentados em seus direitos básicos e sofreram agressões físicas, sexuais e psicológicas. Sancionada em 13 de maio de 1888, a Lei Áurea foi incompleta, pois não proporcionou nenhuma mudança estrutural para a inclusão social; os negros foram largados à própria sorte.

A política de branqueamento da população brasileira sempre foi presente na sociedade. Após 100 anos de abolição da escravatura, a população negra ainda tem lutado pelo direito de exercer sua cidadania e viver de forma igualitária.

Na contramão dessa resistência dos negros, os dados divulgados no Mapa da Violência 2013 revelam o aumento de homicídios de negros, principalmente jovens (entre 15 e 24 anos). Dos 467,7 mil homicídios contabilizados entre 2002 e 2010, 307,6 mil (65,8%) foram de negros. Nesse período, houve decréscimo de 26,4% nos casos de homicídios de brancos e acréscimo de 30,6% dos de negros. Nesses mesmos oito anos, foram mais de 231 mil homicídios de jovens, dos quais, 122,5 mil eram negros (53,1%).

Outra pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirma que a população branca tem, em média, rendimentos entre 60% e 70% superiores ao da população negra. O Mapa da Violência reafirma uma situação que já vem sendo há muito tempo anunciada pelos indicadores sociais. Os estudos mostram a exclusão em que vivem os negros e revela a necessidade de políticas públicas voltadas para essa população.

A ação afirmativa mais evidente do governo federal foi a aprovação de cotas raciais nas instituições de ensino públicas ou privadas. A medida entrou em vigor em 2001; o objetivo é oportunizar o acesso de negros e índios à educação superior e, consequentemente, ao mercado de trabalho. Em 2012, 180 instituições públicas de ensino, como universidades, faculdades e institutos federais ou estaduais, ofereciam algum tipo de ação afirmativa a pobres, negros, pardos e indígenas.

O sistema de reserva de vagas foi questionado por acadêmicos, que colocaram em pauta o desempenho dos cotistas, afirmando que os beneficiados não estavam preparados para cursar o ensino superior.

Conforme análise divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o rendimento dos cotistas em quatro universidades — UnB, Unicamp, Federal da Bahia (UFBa) e do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) — revelou que alunos que ingressaram pelo sistema de cotas tiveram desempenho similar ou até melhor em relação aos não cotistas.

Nesse mesmo ano, em 26 de abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 186 e estabeleceu que as cotas são constitucionais. Em agosto, a presidente Dilma Rousseff sancionou a Lei de Cotas Sociais, nº 12.711, a qual determina que, até agosto de 2016, todas as instituições de ensino federais deverão reservar no mínimo 50% das vagas para estudantes de escolas públicas, pobres, negros, pardos ou índios e 50% serão destinados à ampla concorrência.

As políticas afirmativas em prol das questões étnico-raciais ganharam efetividade no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a criação, em 2003, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. A partir desse período, o movimento negro e outros grupos sociais foram reconhecidos e novos órgãos foram implantados, como, em agosto de 2011, a Secretaria Especial da Promoção da Igualdade Racial (Sepir/DF), além de, em outras regiões, secretarias municipais, estaduais e coordenadorias que promovem a igualdade racial.

Em 5 de novembro, a presidente Dilma anunciou o projeto de lei que reserva 20% das vagas do serviço público federal para negros. O PL tem sido brutalmente questionado pela sociedade, assim como as cotas raciais em universidades. Os críticos devem entender que o objetivo das cotas é corrigir injustiças históricas provocadas pela escravidão e exercer compensação, ainda não suficiente, para assegurar a igualdade de oportunidades para a maioria do povo brasileiro, visto que, no último Censo do IBGE (2010), mais da metade da população se declara preta ou parda.