O Globo 13/01/2013
Sobre Steve Jobs e música
“O sucesso da empresa foi alicerçado
não só no carisma de Jobs, na
satisfação de ser permanentemente
insatisfeito, mas nas proverbiais
apresentações (leia-se concertos)”
A revista “Macworld” publicou em 2010 um artigo revelador sobre Steve
Jobs: “How Steve Jobs beats presentation panic.” O tema era relacionado
aos famosos lançamentos de seus produtos, que entraram para a história
da informática como os campeões de fantasia e eficiência. O sucesso colossal
que a empresa adquiriu nesses últimos anos foi alicerçado não só no
carisma de Jobs, na sua satisfação de ser permanentemente insatisfeito,
mas nas proverbiais apresentações (leia-se concertos), onde ele se dirigia
a um público heterogêneo mostrando suas últimas conquistas.
Muitas vezes, porém, surgiam imprevistos, como no caso do lançamento
do iPhone 4. Enquanto Jobs tentava demonstrar as funções do novo produto,
surgiram graves problemas de conexão com a rede wi-fi. O que poderia
resultar em pânico para um apresentador normal provocou em Jobs
uma reação tranquila: “...parece que estamos tendo problemas com nossa
rede, ela é sempre imprevisível. Eu não tenho a menor ideia do que vai
acontecer, hoje ela está lenta...” E, sem avisar ninguém, pulou para o próximo
assunto da exposição.
De acordo com uma testemunha: “…ele estava tão bem preparado que
sabia qual seria o próximo tópico. Jobs tinha um backup e pulou para o
tema seguinte sem perder um segundo...”
Na verdade, a lista de acidentes que podem ocorrer durante uma apresentação
é absolutamente imponderável. O segredo de Jobs: muito ensaio.
Não se conhece quantas horas ele dedicou a se preparar para cada
lançamento, mas sabe-se que ele trabalhava 99% a mais do que os seus
concorrentes. Este exemplo nos mostra que não basta o talento, é essencial
o trabalho que o fundamenta — o velho “muita transpiração e pouca
inspiração”.
No terreno da música em coletivo, constatamos que o tempo que se dedica
a cada récita ou concerto é condicionado às leis inexoráveis do mercado
e das disponibilidades das orquestras, oscilando entre dez ensaios
no caso das óperas e quatro para os concertos. Um mínimo de esforço para
um máximo de eficiência. Esta prática leva a situações extremas: em caso
de acidentes no palco, um solista que se perde ou um maestro que dá
uma entrada errada, há pouco espaço para manobras; estabelece-se o pânico
geral. Muitas vezes o público nem percebe, mas a apresentação está
irremediavelmente comprometida. Um dos grandes maestros da História,
Sergiu Celibidache era conhecido pela sua obsessão na preparação de um
concerto. Seu número mínimo de ensaios oscilava entre dez e 15, podendo
se estender até a um mês de árduo trabalho à mercê da dificuldade da
obra. Os resultados eram impressionantes: durante o concerto os músicos
tocavam livres, soltos e totalmente magnetizados pela figura de Celibidache.
Confiante no grupo, ele começava a improvisar gestos, a criar atmosferas,
imbuído da força mágica da partitura musical. Não tenho dúvidas:
Celibidache foi o Steve Jobs da música! Ele vem apenas confirmar que, em
qualquer situação, dependendo do trabalho investido, maestro e orquestra
constituem a moldura de uma apresentação bem-sucedida