domingo, 10 de fevereiro de 2013

Bertold Brecht


10.02 - Há 115 anos nascia Bertolt Brecht
(dramaturgo, poeta e encenador alemão)

Aos que vierem depois de nós
Realmente, vivemos muito sombrios!
A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas
denota insensibilidade. Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível notícia
que está para chegar. 

Que tempos são estes, em que
é quase um delito
falar de coisas inocentes.
Pois implica silenciar tantos horrores!
Esse que cruza tranqüilamente a rua
não poderá jamais ser encontrado
pelos amigos que precisam de ajuda?

É certo: ganho o meu pão ainda,
Mas acreditai-me: é pura casualidade.
Nada do que faço justifica
que eu possa comer até fartar-me.
Por enquanto as coisas me correm bem
(se a sorte me abandonar estou perdido).
E dizem-me: "Bebe, come! Alegra-te, pois tens o quê!"

Mas como posso comer e beber,
se ao faminto arrebato o que como,
se o copo de água falta ao sedento?
E todavia continuo comendo e bebendo.

Também gostaria de ser um sábio.
Os livros antigos nos falam da sabedoria:
é quedar-se afastado das lutas do mundo
e, sem temores,
deixar correr o breve tempo. Mas
evitar a violência,
retribuir o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, antes esquecê-los
é o que chamam sabedoria.
E eu não posso fazê-lo. Realmente,
vivemos tempos sombrios.

Para as cidades vim em tempos de desordem,
quando reinava a fome.
Misturei-me aos homens em tempos turbulentos
e indignei-me com eles. 
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra. 

Comi o meu pão em meio às batalhas.
Deitei-me para dormir entre os assassinos.
Do amor me ocupei descuidadamente
e não tive paciência com a Natureza.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

No meu tempo as ruas conduziam aos atoleiros.
A palavra traiu-me ante o verdugo.
Era muito pouco o que eu podia. Mas os governantes
Se sentiam, sem mim, mais seguros, — espero.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

As forças eram escassas. E a meta
achava-se muito distante.
Pude divisá-la claramente,
ainda quando parecia, para mim, inatingível.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

Vós, que surgireis da maré
em que perecemos,
lembrai-vos também,
quando falardes das nossas fraquezas,
lembrai-vos dos tempos sombrios
de que pudestes escapar.

Íamos, com efeito,
mudando mais freqüentemente de país
do que de sapatos,
através das lutas de classes,
desesperados,
quando havia só injustiça e nenhuma indignação.

E, contudo, sabemos
que também o ódio contra a baixeza
endurece a voz. Ah, os que quisemos
preparar terreno para a bondade
não pudemos ser bons.
Vós, porém, quando chegar o momento
em que o homem seja bom para o homem,
lembrai-vos de nós
com indulgência.
- Bertolt Brecht (Tradução de Manuel Bandeira)
___
Breve Biografia
Bertolt Brecht nasceu em Augsburg, Alemanha, em 1898. Em 1917 inicia o curso de medicina em Munique, mas logo é convocado pelo exército, indo trabalhar como enfermeiro em um hospital militar. Aquele que iria se tornar uma das mais importantes figuras do teatro do século XX, começa a escrever seus primeiros poemas e cedo se rebela contra os "falsos padrões" da arte e da vida burguesa, corroídas pela Primeira Guerra. Tal atitude se reflete já na sua primeira peça, o drama expressionista "Baal", de 1918. Colabora com os diretores Max Reinhardt e Erwin Piscator. Recebe, no fim dos anos 20, instruções marxistas do filósofo Karl Korsch. Em 1928, faz com Kurt Weill a "Ópera dos Três Vinténs". Com a ascensão de Hitler, deixa o país em 1933, e exila-se em países como a Dinamarca e Estados Unidos da América, onde sobrevive à custa de trabalhos para Hollywood. Faz da crítica ao nazismo e à guerra tema de obras como "Mãe coragem e seus filhos" (1939). Vítima da patrulha macartista, parte em 1947 para a Suíça — onde redige o "Pequeno Organon", suma de sua teoria teatral. Volta à Alemanha em 1948, onde funda, no ano seguinte, a companhia Berliner Ensemble. Morre em Berlim, em 1956.

- O poema acima foi extraído do caderno "Mais!", jornal Folha de São Paulo - São Paulo (SP), edição de 07/07/2002, tendo sido traduzido pelo grande poeta brasileiro Manuel Bandeira./Fonte: Releituras
Foto: Bertold Brecht, por Jörg Kolbe (1954)
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Conheça o nosso Blog: http://www.elfikurten.com.br
‎ 10.02 - Há 115 anos nascia Bertolt Brecht
 (dramaturgo, poeta e encenador alemão)

 Aos que vierem depois de nós
 Realmente, vivemos muito sombrios!
 A inocência é loucura. Uma fronte sem rugas
 denota insensibilidade. Aquele que ri
 ainda não recebeu a terrível notícia
 que está para chegar.

 Que tempos são estes, em que
 é quase um delito
 falar de coisas inocentes.
 Pois implica silenciar tantos horrores!
 Esse que cruza tranqüilamente a rua
 não poderá jamais ser encontrado
 pelos amigos que precisam de ajuda?

 É certo: ganho o meu pão ainda,
 Mas acreditai-me: é pura casualidade.
 Nada do que faço justifica
 que eu possa comer até fartar-me.
 Por enquanto as coisas me correm bem
 (se a sorte me abandonar estou perdido).
 E dizem-me: "Bebe, come! Alegra-te, pois tens o quê!"

 Mas como posso comer e beber,
 se ao faminto arrebato o que como,
 se o copo de água falta ao sedento?
E todavia continuo comendo e bebendo.

Também gostaria de ser um sábio.
Os livros antigos nos falam da sabedoria:
é quedar-se afastado das lutas do mundo
e, sem temores,
deixar correr o breve tempo. Mas
evitar a violência,
retribuir o mal com o bem,
não satisfazer os desejos, antes esquecê-los
é o que chamam sabedoria.
E eu não posso fazê-lo. Realmente,
vivemos tempos sombrios.

Para as cidades vim em tempos de desordem,
quando reinava a fome.
Misturei-me aos homens em tempos turbulentos
e indignei-me com eles.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

Comi o meu pão em meio às batalhas.
Deitei-me para dormir entre os assassinos.
Do amor me ocupei descuidadamente
e não tive paciência com a Natureza.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

No meu tempo as ruas conduziam aos atoleiros.
A palavra traiu-me ante o verdugo.
Era muito pouco o que eu podia. Mas os governantes
Se sentiam, sem mim, mais seguros, — espero.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

As forças eram escassas. E a meta
achava-se muito distante.
Pude divisá-la claramente,
ainda quando parecia, para mim, inatingível.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

Vós, que surgireis da maré
em que perecemos,
lembrai-vos também,
quando falardes das nossas fraquezas,
lembrai-vos dos tempos sombrios
de que pudestes escapar.

Íamos, com efeito,
mudando mais freqüentemente de país
do que de sapatos,
através das lutas de classes,
desesperados,
quando havia só injustiça e nenhuma indignação.

E, contudo, sabemos
que também o ódio contra a baixeza
endurece a voz. Ah, os que quisemos
preparar terreno para a bondade
não pudemos ser bons.
Vós, porém, quando chegar o momento
em que o homem seja bom para o homem,
lembrai-vos de nós
com indulgência.
- Bertolt Brecht (Tradução de Manuel Bandeira)
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Breve Biografia
Bertolt Brecht nasceu em Augsburg, Alemanha, em 1898. Em 1917 inicia o curso de medicina em Munique, mas logo é convocado pelo exército, indo trabalhar como enfermeiro em um hospital militar. Aquele que iria se tornar uma das mais importantes figuras do teatro do século XX, começa a escrever seus primeiros poemas e cedo se rebela contra os "falsos padrões" da arte e da vida burguesa, corroídas pela Primeira Guerra. Tal atitude se reflete já na sua primeira peça, o drama expressionista "Baal", de 1918. Colabora com os diretores Max Reinhardt e Erwin Piscator. Recebe, no fim dos anos 20, instruções marxistas do filósofo Karl Korsch. Em 1928, faz com Kurt Weill a "Ópera dos Três Vinténs". Com a ascensão de Hitler, deixa o país em 1933, e exila-se em países como a Dinamarca e Estados Unidos da América, onde sobrevive à custa de trabalhos para Hollywood. Faz da crítica ao nazismo e à guerra tema de obras como "Mãe coragem e seus filhos" (1939). Vítima da patrulha macartista, parte em 1947 para a Suíça — onde redige o "Pequeno Organon", suma de sua teoria teatral. Volta à Alemanha em 1948, onde funda, no ano seguinte, a companhia Berliner Ensemble. Morre em Berlim, em 1956.

- O poema acima foi extraído do caderno "Mais!", jornal Folha de São Paulo - São Paulo (SP), edição de 07/07/2002, tendo sido traduzido pelo grande poeta brasileiro Manuel Bandeira./Fonte: Releituras
Foto: Bertold Brecht, por Jörg Kolbe (1954)
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Macunaemo - Xico Sá

folha de são paulo

Amigo torcedor, amigo secador, refletindo aqui na concentração da troça carnavalesca olindense "Hoje a mangueira entra", composta pela nata da filosofia tupiniquim, concluímos: o futebol do Brasil foi atacado pela síndrome do Macunaemo, vive com a preguiça do Macunaíma e o chororô digno de um jovem roqueiro emo.
Recorro a tal mistura mais uma vez, agora com um fato específico: a derrota da seleção para a Inglaterra. Perder para a Inglaterra é normalíssimo. Nada no campo do absurdo. Perder da forma como perdemos, porém, foi um desalento.
Só o herói da nossa gente, criação de Mário de Andrade, explica: "Ai que preguiça". Parece que vemos e ouvimos a voz do Grande Otelo representando Macunaíma no filme homônimo de Joaquim Pedro.
"Ai que preguiça" seguido de um chororô sem fim depois. A começar pelo velho e novo comandante Luiz Felipe Scolari, que culpou a falta de preparo físico dos seus atletas em começo de temporada. Pelos bigodes do fiel Murtosa, o Sancho Pança do anti-Quixote.
Até 1958 tivemos o complexo de vira-lata. Depois estufamos, com justiça, o peito varonil com a arrogância de melhores do planeta. Hoje vivemos a era da incerteza, a era do Macunaemo. A maioria das seleções de ponta tem um time ou ao menos um ensaio de equipe. Ainda estamos longe. "Ai que preguiça", chora o Grande Otelo na mata virgem ""não, nada a ver com a Liga da Selva Amazônica inventada pelo desastrado Joey Barton, do Olympique de Marselha que provocou Neymar após o jogo com a Inglaterra.
Choremos o leite derramado, outro esporte nacional por excelência, mas pensemos no futuro. Vem ai, aposte, um batalhão de choque de volantes. Foi o primeiro diagnóstico do comando da amarelinha. Em vez do velho bordão "bota ponta, Telê", grito de guerra do Zé da Galera no "Viva o Gordo" do Jô Soares, agora a moda é "bota volante".
Mas chega de lenga-lenga e resenha de botequim, com licença que vou ali brincar meu Carnaval, afinal de contas hoje é o glorioso sábado de Zé Pereira. É só descer aqui da rua da Aurora e cair no meu do "Galo da Madrugada", este sim o maior bloco de carnaval do universo.
Haja fôlego. Ainda temos pela frente os ursos manhosos e pés de lã do Recife assombrado, papaguns de Bezerro, "Eu Acho é Pouco", "Bunytos de Corpo", "I love Cafusú", blocos de sujos e, quem sabe, ainda prestigiarei os amigos tricolores na Troça Carnavalesca Ofídica Minha Cobra, respeitável agremiação da torcida do Santa Cruz. Ufa. Óbvio que irei fantasiado de Macunaemo.
Como diz o nome de um velho bloco aqui da área, "Nóis Sofre mas Nos Goza". Estou certo, meu caríssimo macaco Simão? Bom Carnaval para quem é de carnaval, boa reflexão para quem é de reflexão.
Xico Sá
Xico Sá, jornalista e escritor, com humor e prosa, faz a coluna para quem "torce". É autor de "Modos de Macho & Modinhas de Fêmea" e "Chabadabadá - Aventuras e Desventuras do Macho Perdido e da Fêmea que se Acha", entre outros livros. Na Folha, foi repórter especial. Na TV, participa dos programas "Cartão Verde" (Cultura) e "Saia Justa" (GNT). Mantém blog e escreve às sextas, a cada quatro semanas, na versão impressa de "Esporte".

Entrevista - Thierry Lenain

folha de são paulo

Minha vida cor-de-rosa
Autor infantil explora tabus sexuais
RESUMO Autor de livros infantis que tratam de tabus sexuais, Thierry Lenain lança no Brasil história de garoto que descobre gostar de usar o vestido da namorada. Em meio ao debate na França sobre lei que permite casamento, adoção e procriação por casais homossexuais, Lenain comenta moral sexual no país e na literatura.
PAULO WERNECK
EM SUA TERRA NATAL, ela tem o nome de um ícone do feminismo na literatura: Zazie, claramente inspirado na icônica (e boca-suja) personagem de Raymond Queneau. Entre nós, ganhou o nome brejeiro de Ceci, mas nem por isso abandonou o perfil contestador. A heroína criada pelo francês Thierry Lenain, autor de dezenas de livros para crianças, tem mais uma "aventura" lançada no Brasil: "Ceci e o Vestido do Max" [trad. Marcela Vieira, Companhia das Letrinhas, 32 págs., R$ 28,50].
No mundo da literatura infantil, especialmente vulnerável ao moralismo e ao doutrinamento, Lenain emplacou uma série de best-sellers sobre tabus sexuais em uma linguagem direta que chocaria aquele tipo de sensibilidade que adora denunciar "imoralidades" em livros para crianças.
Depois de ter demonstrado, em "Ceci Tem Pipi", o primeiro livro da série, que uma garota não deve nada aos "com-pipi" e pode muito bem desenhar mamutes, subir em árvores etc., agora ela se dá conta de que o vestido que ganhou de presente fica muito melhor no namorado do que nela mesma.
Em outro livro, Ceci já havia ensinado a Max como se faz um bebê -e não com metáforas sobre abelhinhas. Ela pega Max pelo braço e diz: "'Me dá um abraço bem forte.'". O texto segue: "Max obedeceu. Depois de um instante, só três minutos, Max parou. Aí Ceci disse: 'Não, não, ainda não acabou'. Então Max abraçou Ceci mais uma vez. Depois de terminar, eles foram tomar um lanche. Ceci parecia contente. Talvez já estivesse sentindo o bebê se mexer na barriga."
Em "Ceci e o Vestido do Max", Lenain aborda mais um tabu: o gosto de certos meninos por se vestir de menina. Em um livro anterior, "Eu Vou me Casar com a Anna", sem edição no Brasil, já havia retratado uma garota obstinada em se casar com a melhor amiga.
"Não interessa que a lei não permita", diz a menina à mãe chocada. "Eu vou me casar com a Anna." Derrotada, a mãe acaba cedendo e diz que, no futuro, se ainda gostar da Anna, pode morar com ela.
No momento em que a França se divide no debate em torno do casamento, da adoção e da procriação por casais homossexuais, Lenain prepara Ceci para protagonizar um livro sobre o tema. Ele esclarece que não é militante e que só pretende questionar as normas, não substituí-las por outras.
Até agora a única polêmica em que ele se envolveu foi em torno de "Vive la France", sobre a composição étnica do país: o livro foi recebido por parte dos leitores como propaganda multiculturalista para crianças, acusação que diz muito sobre os impasses culturais que assombram a França de hoje. Leia a entrevista que Lenain concedeu àFolha, por telefone.
-
Folha - Como as crianças reagem à linguagem direta com que seus livros tratam de sexo?
Thierry Lenain - Talvez a série agrade porque funciona tanto para as crianças como para os adultos. Há vários graus de leitura. As crianças riem com cumplicidade, como se a gente estivesse falando com elas no espaço delas, no pátio do recreio, como amigos. Tenho essa impressão. Percebem que é delas que estou falando, se reconhecem. E sem dar lição de moral, no mesmo nível delas.
Na sua opinião, como as crianças percebem os casais gays?
É um dos próximos temas da série, estou escrevendo agora. Acho que, para as crianças, um casal homossexual é bem mais natural do que para os adultos. Na história, as crianças só zombam do casal gay quando imitam o que ouvem dos adultos. No fim, voltam a ser crianças por inteiro, se libertam da pressão e acham normal.
Você teve reações negativas da parte dos leitores da série de Ceci?
Não encontrei reticências de leitores. Houve só um momento, quando escrevi um texto chamado "Ceci e as Mulheres Peladas", que era a reação de Ceci e da turma de amigas dela diante da publicidade com modelos seminuas. Era uma espécie de ativismo antipublicidade: elas cobriam os cartazes com desenhos etc. Mas não foi aprovado pela editora Nathan.
Mexi no texto, retirei o ativismo e retomei de outra forma. Vai ser o próximo da série, que sai nesta semana na França, "Ceci tem Peitões". Para seduzir Max, Ceci põe grapefruits no lugar dos seios. A história foi aceita pela editora porque a nudez traz menos problemas do que o ativismo antipublicidade.
Por quê?
Porque talvez a dimensão política para crianças seja, até mais do que a dimensão moral, um tabu. Aconteceu com outro livro, em que discuto o racismo, "Vive la France", ao qual houve reações violentas. Afirmaram que era propaganda multiculturalista para crianças, que tenho "parti-pris", que tenho uma concepção multicultural edulcorada. Discursos políticos em que se percebe a expressão da política francesa de hoje.
A França continua na vanguarda no que diz respeito à liberdade sexual?
A França é um país curioso, o país do Iluminismo, da vanguarda, da liberdade e, ao mesmo tempo, é o país que colaborou com os nazistas. Há os dois extremos na França, e eles se enfrentam. Não acho que os que se opõem ao casamento homossexual sejam fascistas e que os que são a favor são esclarecidos.
Mas, nesse caso, houve um problema político, uma falta de jeito que permitiu que esse confronto acontecesse: misturaram casamento, adoção e procriação assistida para casais homossexuais. Se fosse só casamento, todo mundo concordaria. Mas existe uma diferença entre a resistência política, em nível partidário, e a prática cotidiana, que é bem mais progressista. O amor faz as coisas avançarem bem mais do que a política, do que as instituições.

    Bisneto de Joaquim Nabuco contesta artigo de Luiz Felipe de Alencastro

    folha de são paulo

    RÉPLICA
    Abolicionista convicto
    Nabuco e o fim do tráfico de escravos
    RESUMO Bisneto de Joaquim Nabuco contesta artigo de Luiz Felipe de Alencastro, segundo o qual o autor de "Minha Formação" renegou seus escritos abolicionistas ao endossar atos de seu pai, ministro do Império, para legalizar a posse de 750 mil escravos trazidos ao país depois de 1831, data da proibição do tráfico negreiro no país.

    PEDRO NABUCO

    QUANDO, EM 1849, o ministro da Justiça do Império Eusébio de Queirós (1812-68) debruçava-se sobre a questão do tráfico de escravos -que não cessara em nosso país, a despeito da lei de 1831 que o proibira, decretada por Diogo Feijó em virtude de exigências do tratado de 1826 com a Inglaterra, quando aquele país reconhecia a nossa independência-, escreveu um memorando em que se lia:
    "Para reprimir o tráfico de africanos no país sem excitar uma revolução faz-se necessário: 1º. atacar com vigor as novas introduções, esquecendo e anistiando as anteriores à lei; 2º. dirigir a repressão contra o tráfico no mar, ou no momento do desembarque, enquanto os africanos estão em mãos dos introdutores."
    No ano seguinte, 1850, a Câmara votou projeto do Senado, e Eusébio de Queirós promulgou nova lei reprimindo o tráfico e o seu comércio hediondo de seres humanos.
    Entre 1831 e 1850, Brasil e Inglaterra haviam se empenhado em luta diplomática em torno do tráfico nefasto. Em 1845 os ingleses aprovaram o Bill Aberdeen, perseguindo os navios negreiros em nossos portos, mas deixando-os passar livremente em navios com o pavilhão dos Estados Unidos.
    O artigo inicial da lei de 1850 remetia-se à lei anterior, mandando apreender navios brasileiros em qualquer parte, navios estrangeiros em nossos portos, "tendo a seu bordo escravos, cuja importação é proibida pela lei de 7 de novembro de 1831".
    Em "O Abolicionismo" (1883), Joaquim Nabuco (1849-1910) anotou: "O mesmo estadista, no seu célebre discurso de 1852, procurando mostrar como o tráfico somente acabou pelo interesse dos agricultores, cujas propriedades estavam passando para as mãos dos especuladores e dos traficantes, por causa das dívidas contraídas pelo fornecimento de escravos, confessou a pressão exercida, de 1831 a 1850, pela agricultura consorciada com aquele comércio, sobre todos os governos e todos os partidos".
    José Thomaz Nabuco de Araújo, pai de Joaquim, sucedeu a Eusébio como ministro da Justiça, tomando medidas que fulminaram o tráfico, como subtrair do júri popular o julgamento dos traficantes, porque nas pequenas localidades os jurados eram ameaçados e terminavam por absolver os criminosos. O que fez foi dar efeito à lei de 1850, perseguindo os cúmplices do último grande desembarque de escravos que se tem notícia no Brasil, ocorrido na praia pernambucana de Serinhaém, em 1853.
    Em "Um Estadista do Império", publicado por Joaquim Nabuco em 1897, encontra-se a carta ao presidente da província de São Paulo a que se referiu, no texto "A Guerra Civil, lá e cá" ("Ilustríssima" de 27/1), Luiz Felipe de Alencastro. A missiva é datada de 1854, ano seguinte, portanto, a Serinhaém e mais de duas décadas após a lei de 1831.
    Em seu livro "Da Senzala à Colônia", no qual se colhe citação da mesma carta, a historiadora Emília Viotti da Costa, conclui: "Apesar de tudo, a lei de 1850 teve resultados mais felizes do que a de 1831. O tráfico acabou por cessar definitivamente. Os efeitos dessa interrupção, entretanto, só se farão sentir dez anos depois".
    Ao homenagear Abraham Lincoln em seu centenário, no ano de 1909, Joaquim Nabuco, então embaixador do Brasil em Washington, enfatizou o caráter de movimento civil na luta final da Abolição no Brasil.

      A paixão de Chávez

      folha de são paulo

      REPORTAGEM
      De joelhos ao chão, a Venezuela se vê entre a fé e o militarismo
      RESUMO A agonia de Hugo Chávez reaviva a mescla de fé e militarismo que marca a cultura política venezuelana. Ecoando a morte de Eva Perón e intensificado pela TV e pelas manifestações populares, o fenômeno ganha feições religiosas, tanto cristãs como sincréticas, e atualiza a figura de Bolívar como herói do chavismo.
      FLÁVIA MARREIRO

      "Comandante, eu sou Chávez e levo joelhos ao chão", disse o apresentador de TV Winston Vallenilla, diante de milhares de seguidores do presidente venezuelano, ministros e presidentes latino-americanos em Caracas. Ajoelhou-se.
      A exibição de fervor de um dos rostos mais conhecidos da TV privada venezuelana -fez carreira na extinta RCTV, arqui-inimiga do chavismo cuja concessão não foi renovada em 2007- foi um ponto alto da cerimônia de 10/1, que marcou o início do quarto mandato de Hugo Chávez, só que sem ele.
      "Com Chávez, joelhos ao chão!", bradava, pouco antes, o funcionário público Andrés Velásquez, 45, que assistia ao ato diante do palácio presidencial de Miraflores, no centro de Caracas. "Rodilla en tierra", no jargão militar brasileiro, se traduz por "posição de joelhos" ou "posição de atirador ajoelhado", na qual o soldado firma um dos joelhos no chão e fica de prontidão para mirar e atirar. De joelhos, porém, também se venera e se reza.
      Flexionada no plural pelo chavismo, a expressão marca a mistura tão venezuelana de fé e militarismo no martírio do presidente que trata um câncer há 19 meses. "O comandante dos mil milagres vai em sua batalha. Cada dia consolidando sua recuperação. Nós, na Caracas de Bolívar, esperamos", disse o vice Nicolás Maduro, nomeado herdeiro político.
      Batalha e milagre sempre andaram juntos no discurso de Chávez, o tenente-coronel reformado que prega a recuperação dos ideais do herói da independência Simón Bolívar (1783-1830), a união cívico-militar, o socialismo do século 21, o anti-imperialismo e uma espécie de cristianismo revolucionário.
      Seus auxiliares recorrem às metáforas militares para falar do tratamento contra o câncer -embora não informem qual ou quais órgãos o inimigo atacou, de que tipo é, nem quem está vencendo a batalha. Sabe-se apenas que Chávez está na retaguarda, recolhido em Cuba há quase dois meses sem aparições públicas. Nesta semana, embarcaram para a ilha de Fidel Castro, nas mãos de ministros, imagens da Virgem do Vale e da Virgem de Betânia.
      Se o chavismo e o peronismo já mostraram afinidades políticas e discursivas, a paixão de Chávez, vivida e encenada na era da TV, atualiza a agonia de Eva Perón, a primeira-dama argentina que morreu de câncer de útero em 1952, em plena era de ouro do rádio. Chávez se vale dos mesmos recursos de Evita -o corpo em sacrifício, antes político do que físico.
      "Uma característica importante do chavismo foi ter recuperado essa faceta religiosa venezuelana, que não se via tanto no século passado. Recupera a cultura política venezuelana, de religião e militarismo", afirma a historiadora venezuelana Margarita López Maya. "Há antecedente no culto a Bolívar. Uma espécie de religião do Estado para legitimar os que estão no governo. Agora estão tratando de construir um culto a Chávez, para legitimar os que ficaram como seus sucessores."
      Para fustigar a presidente Cristina Kirchner, a crítica cultural argentina Beatriz Sarlo, autora de um livro sobre a construção da imagem de Eva Perón, reconheceu em artigo no jornal "La Nación" os dons midiáticos do presidente venezuelano: "[na TV] se pode escutar Chávez, um colorido orador anti-imperialista, seguro dentro dessa cultura e com sensibilidade verbal para diferentes registros: da maldição à ameaça, da promessa à confiança. Independentemente do juízo que se faça sobre sua política, Chávez tem estilo".
      Isso faz do câncer de Chávez, ao mesmo tempo, um acontecimento pessoal e épico. O enredo foi sendo tecido desde o anúncio, feito pelo presidente em 30 de junho de 2011 em Havana, de que tinha células cancerosas. Em suas palavras, a doença era uma nova ameaça de debacle, assim como havia sido a tentativa de golpe urdida por ele em 1992, bem como foi a tentativa de golpe que ele, já no poder, enfrentou dez anos depois.
      "Por enquanto e para sempre: viveremos e venceremos!", disse ele na ocasião, ecoando o crucial "por enquanto" dito em 1992. Postado atrás de um púlpito, um pálido Hugo Chávez lia seu discurso pela primeira vez em muitos anos, em vez de improvisar.
      Há 20 anos, derrotado na intentona golpista, Chávez foi obrigado a difundir pela TV uma mensagem de rendição a seus asseclas, no que seria a estreia de sua longa carreira em rede nacional. Após pedir um tempo para se recompor, o paraquedista surgiu de farda verde-oliva e boina vermelha, conforme conta a biografia "Hugo Chávez sem Uniforme" (Gryphus, 2006), de Alberto Barrera Tyszka e Cristina Marcano.
      "Companheiros, lamentavelmente, por enquanto, os objetivos a que nos propomos não foram conseguidos na capital", disse, rosto magro, olhos fixos na câmera. No embalo daquele "por enquanto", Chávez chegou à Presidência, pelo voto, em 1998.
      "Sem os poucos segundos que teve diante das câmeras, provavelmente sua história teria sido outra", escreveu Tyszka na revista mexicana "Letras Libres". "Chávez fracassou militarmente, mas triunfou na televisão. Talvez aí tenha entendido que esse era seu verdadeiro campo de batalha."
      Quatro dias depois de revelar sua doença, em 4 de julho de 2011, véspera do aniversário da independência do país, Chávez reapareceu em público, na sacada do palácio Miraflores. Fardado, saudou os militantes e cantou o hino nacional. "Que ninguém entenda que minha presença aqui neste 4 de julho significa que vencemos a batalha. Estou certo de que vocês compreendem. Começamos a vencer a batalha contra esse mal que se incubou em meu corpo, quem sabe por quais razões."
      Atribuiu sua presença ali "a um milagre". Falou de pé. Após 20 minutos, a voz falhou. Bebeu água. Prosseguiu, até que os chavistas pediram: "Descanse! Descanse!". Era a primeira vez que os seguidores do incansável presidente, há mais de uma década no poder, "que nunca tira férias", viam sua fragilidade e pediam pausa.
      Desde então, cada ida a Cuba foi um megaevento político-religioso; cada retorno, uma apoteose, com agradecimentos a Deus e a Bolívar. Não faltavam cantos de guerra ao som de tambores das religiões afro-caribenhas, cultos indígenas, recitais evangélicos, tudo transmitido pela TV. Por sete meses, foi exibida uma série de spots curtos, "Ao Calor da Fé".
      Em fevereiro passado, depois de se dizer curado, o presidente admitiu que teria de fazer uma nova cirurgia, a terceira para tratar o câncer. No dia da partida a Havana, foi para o aeroporto em uma picape enfeitada com uma imagem de Jesus Cristo colada no para-brisa. Foi de pé, espichando-se para fora no teto solar da boleia.
      Em meados de maio, o venezuelano novamente se declarou livre do câncer. As preces foram substituídas pelos alegres vídeos da campanha de reeleição, supervisionada pelo marqueteiro de Lula, João Santana. "Nem me lembro [da doença]", limitou-se a dizer.
      O "sprint" final, de cinco dias, começou na Sabaneta natal e terminou num comício em Caracas, em 4/10: sete avenidas tomadas de vermelho. Chovia torrencialmente, mas Chávez entrou no palco, sem cobertura. Inchado e com bolsas sob os olhos, avisou que falaria pouco, "pelas circunstâncias".
      "Hoje é dia de são Francisco. Estamos sendo banhados pelas águas benditas. São Francisco, aquele que era rico e entregou toda a sua riqueza aos pobres e se tornou santo. Somos como são Francisco", disse. "Várias vezes estive a ponto de morrer por ser fiel ao povo venezuelano. Não vou falhar. Serei fiel para sempre."
      Veio a vitória que lhe deu um novo mandato, até 2019, com 55 % dos votos. Dois meses depois, foi feito o anúncio da recidiva. Numa noite de sábado, 8/12, Chávez disse pela primeira vez que o câncer poderia retirá-lo de vez do poder. Solene, indicou o ex-sindicalista Nicolás Maduro como seu delfim.
      A propaganda oficial na TV deu, então, mais um giro. Em vídeos antigos, um Chávez jovem e magro foi parar na tela, num misto de homenagem e preparação para o luto. Ministros e líderes do chavismo se puseram a falar do presidente de maneira atemporal. "Se fôssemos Chávez, ainda que por cinco minutos, teríamos a revolução por muito tempo", disse Diosdado Cabello, o chavista presidente da Assembleia Nacional.
      "Exijo lealdade absoluta porque eu não sou eu! Eu sou o povo, carajo!", diz em "off" o presidente no vídeo #YoSoyChávez, sobre imagens de crianças e velhinhas. Repetida à exaustão na TV estatal, a peça, cujo slogan virou o mote da festa de "não posse" do dia 10, começa com Bolívar, Marx, Che Guevara e Lincoln. Termina com Chávez com as mãos entrelaçadas, como se rezasse, ensopado pela chuva do comício de outubro, o derradeiro ato de sacrifício.
      ESPETÁCULO "A política do espetáculo chega a um clímax quando entra a questão da doença. Eva Perón estava muito consciente da doença dela. Até o último momento, ela participou da construção de seu próprio mito. Chávez se prepara para virar o mártir que sacrificou sua vida pela Venezuela, como Evita dizia ter dado a dela ao povo da Argentina", diz a professora da USP Maria Helena Capelato, autora de "Multidões em Cena: Propaganda Política no Varguismo e no Peronismo" (Unesp, 2009).
      "Tudo é Perón", discursou Evita em 1951, já doente. Dois meses depois, voltou à carga: "Peço uma coisa: estou certa de que em breve estarei com vocês, mas, se não estiver por minha saúde, cuidem do general [Perón]. Continuem fiéis a ele como até agora, porque isso é com a pátria. É com vocês mesmos". A mulher de Perón, segundo Beatriz Sarlo, se despediu da vida colando-se ao imaginário do sublime, santa e purificada, mito instantâneo que seria reivindicado por todos, dos grupos guerrilheiros peronistas dos anos 70 à presidente Cristina Kirchner.
      "Agora, na TV, esse tipo de operação é muito mais intensa do que no rádio. E é preciso lembrar que isso não envolve só os meios de comunicação. Há o incentivo às manifestações de massas", completa a professora Capelato.
      As massas que fermentam nos atos chavistas são diversas, mas são, sobretudo, os pobres. Em 14 anos, Chávez se firmou como herói da inclusão real e simbólica dos que se viam excluídos dos petrodólares do país -que, segundo a Opep, que reúne os maiores exportadores mundiais, tem as mais vastas reservas de óleo do planeta.
      A redenção simbólica não é menos importante que a melhora nos indicadores sociais, na visão do antropólogo Fernando Coronil, autor de um estudo já clássico sobre a modernização do país. "Na Venezuela, a revolução de Chávez é verbal antes de ser social", dizia ele, morto em 2011, quando preparava um livro sobre o chavismo.
      Em sua tese, defendida na Universidade de Chicago na década de 90, Coronil estudou a "magia" do petroestado venezuelano, que promete ser capaz de tirar da cartola o Estado de bem-estar para seus cidadãos antes da consolidação das instituições ou de um esforço para mudar a dependência da "monocultura" petroleira.
      Mas, com Chávez, o Estado mágico ganha escala apoteótica, dizia Coronil. "O Estado mágico faz um novo 'début' com Chávez", diz Margarita López Maya.
      O chavismo acrescenta uma variável na equação: o presidente, ao discursar, não oferece só benefícios sociais. Sua ambição é tirar toda uma nova Venezuela da cartola, ou melhor, da boina. É o fim da história "harmônica". É o "nós", a maioria, contra "eles", a elite. E tudo começa pela redefinição do lugar de Simón Bolívar.
      Não por acaso, sob o chavismo, Bolívar foi parar no nome do país -República Bolivariana da Venezuela-, com a Constituição de 1999. O herói nacional deixou de ser o patrício das elites caraquenhas para virar, no discurso oficial, o redentor dos pobres. Conta o historiador venezuelano Elías Pino Iturrieta que o caráter religioso de Bolívar começou a ser dado pela própria Igreja Católica, que lhe deu atributos de "semissanto". Daí para a devoção popular, católica ou não, foi um pulo.
      MARÍA LIONZA Nos arredores de Caracas, às margens da represa La Mariposa, que abastece a cidade, altares exibem lado a lado santos católicos, representações de Bolívar e a imagem de uma mulher de seios à mostra. A cena não raro é composta com velas e outros ornamentos com as cores da bandeira -azul, vermelho e amarelo. A estátua nua do pedestal é a rainha indígena María Lionza ou Yara, matrona da religião que mistura as crenças autóctones, religiões africanas e kardecismo. Para os "maríalionceros", Bolívar e outros militares da luta contra os espanhóis pela independência, como o escravo Negro Primero, são divindades: formam a "corte libertadora". Só os médiuns mais puros recebem o espírito de Bolívar.
      Ecléticos, os fiéis de María Lionza também incorporaram a seus altares Juan Vicente Goméz, ditador militar do país (1908-35), heróis vikings de um seriado de TV dos anos 70 e até famigerados criminosos das favelas caraquenhas. Pino Iturrieta, autor de "El Divino Bolívar: una Religión Republicana" (2003), vê uma peculiaridade local na combinação de nacionalismo, misticismo e militarismo que aparece em María Lionza e na cultura religiosa do país.
      Segundo Iturrieta, Chávez pretende "representar a leitura oficial dos evangelhos bolivarianos", apresentando Bolívar como socialista, dando-lhe um novo rosto (literalmente) e construindo-lhe até um novo mausoléu. Com efeito, em julho de 2010, Chávez surpreendeu o país ao exibir, em cadeia nacional de rádio e TV, cenas da abertura do caixão de Bolívar.
      "São 11h da noite, vamos apresentar ao país Bolívar, que voltou", anunciou o presidente. Do alto, uma câmera exibia o túmulo, na nave central da igreja da Santíssima Trindade de Caracas, transformada em panteão no século 19. Soldados da Guarda de Honra da Presidência, vestidos com uma roupa especial branca, faziam a saudação militar. Em tom neutro, Chávez narrava tudo.
      A abertura do caixão, lacrado desde 1876, fora na madrugada anterior. "Tem que ser Bolívar esse esqueleto glorioso, pois podemos sentir sua chama flamejante", antecipou Chávez, pelo Twitter. "Deus meu, Deus meu. Cristo meu, Cristo nosso. Enquanto orava em silêncio vendo aqueles ossos, lembrei de Ti! E como queria que chegasses e ordenasses como a Lázaro: levanta-te, Simón, que não é tempo de morrer. De imediato lembrei que Bolívar vive!."
      O país se pôs a discutir se Chávez tinha o direito de ordenar a exumação de Bolívar sem consultar historiadores ou o Parlamento. Colunistas conservadores sugeriam que os ossos teriam sido usados em um ritual religioso. Um ano depois, quando foi anunciado o câncer, ganhou força a atribuição da doença a uma "maldição" gerada pela "profanação" do túmulo. Os chavistas, é claro, não aceitam a tese. "Se Bolívar não quisesse, Chávez jamais teria aberto a tumba. É um espírito poderoso e gosta de Chávez", disse Ana Leda Villegas, 80, veterana "maríalioncera", moradora de La Pastora, bairro de classe média baixa próximo ao palácio presidencial.
      Em julho, o presidente apresentou o único resultado concreto da exumação. Exames médicos foram inconclusivos quanto à morte do herói -Chávez dizia que ele morrera envenenado, e não de tuberculose, como rezam os livros de história. Com base no estudo da ossada, Chávez ordenou a construção, em 3D, de um novo rosto para Bolívar, mais moreno e anguloso. É o retrato que agora está nas repartições, no Palácio Miraflores e nos atos públicos do presidente.
      Teodoro Petkoff, proeminente jornalista e opositor de Chávez, diz que o presidente não só reescreveu a história. No poder, construiu uma nova "santíssima trindade": "Bolívar, Chávez, o Povo". A tríade parece ter ganhado um novo marco na campanha presidencial do ano passado, por obra de João Santana. Numa peça publicitária criada pelo brasileiro, Antônio Ospino conta sua história: morava em uma favela até receber uma casa do programa habitacional. "Até que chegou este Bolívar, que tirou minha família lá de baixo", diz, apontando para uma foto de Chávez. "Tenho um ditado: primeiro Deus, segundo meu comandante."
      "Estamos justamente no período no qual estão tentando, um pouco apressadamente, enraizar uma identidade do chavismo, para poder sustentar uma liderança coletiva", diz López Maya.
      "Dá-me Tua coroa, Cristo, que eu sangro. Dá-me Tua cruz, cem cruzes, que eu as levo. Mas me dá vida, porque ainda me falta fazer coisas por esse povo e por essa pátria. Não me leves ainda." As palavras, ditas por Chávez em uma missa em maio em Barinas, estampavam um dos banners que o vendedor Roberto Martínez brandia na festa de "não posse", em 10/1. "Bonitas palavras, não? Como batem fundo. É o que mais vende."
      Morador de Cátia, bairro popular no oeste de Caracas, o vendedor lembra emocionado sua infância pobre. Diz que antes de Chávez não era nacionalista, não falava de Bolívar. Agora, sim, e por isso tem certeza de que seu legado o sobreviverá. "É como o caminho de Jesus Cristo, que disse a palavra há 2.000 anos, e hoje está a palavra. 'Eu a deixo para vocês, disse Cristo'. E virão outras gerações, e estará a palavra de Cristo. Assim será com a palavra de Chávez. Ficará no tempo, durará."

        Tereza Cruvinel - Cronograma da verdade‏

        A maioria dos membros da Comissão da Verdade prefere guardar as revelações para o fim dos trabalhos, frustrando as famílias que anseiam por informações sobre seus mortos e desaparecidos 

        Estado de Minas: 10/02/2013 
        Agora todos sabem a verdade antes sufocada sobre Wladimir Herzog e Rubens Paiva. Mas quem são aqueles que, durante 109 dias, supliciaram Eduardo Leite, o Bacuri, na mais prolongada tortura de um preso político pela ditadura? O guerrilheiro de olhos azuis militou na Polop e na VPR, tal como a atual presidente. Quem torturou Mario Alves, do PCBR, que morreu depois de empalado com um cassetete de borracha? E a verdade sobre Stuart Angel Jones, preso na manhã de 14 de junho de 1971? No início da noite, seu corpo de atleta já dilacerado pela tortura foi arrastado por um jipe da Aeronáutica. Com a boca amarrada ao cano de descarga, morreu asfixiado. Outro preso, Alex Polari, tudo viu e relatou à mãe de Stuart, Zuzu Angel, que morreria num acidente suspeito, após denunciar o desaparecimento do filho. Centenas de linhas não bastariam para falar de todos os crimes ainda não esclarecidos.

        Em maio, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) completa um ano de funcionamento, mas o Brasil, até agora, pouco sabe sobre o que apurou. A confirmação de que Paiva e Herzog morreram sob tortura aumentou a ansiedade dos parentes de outros mortos e desaparecidos. A verdade será revelada aos poucos ou apenas no fim dos trabalhos, em maio de 2014, como parece desejar a maioria dos membros da comissão? A coluna conversou sobre esta e outras questões com o atual coordenador da CNV, o ex-Procurador-geral Claudio Fonteles, que no dia 16 será substituído no posto pelo professor Paulo Sérgio Pinheiro.

         Até agora, apenas Fonteles tem revelado suas descobertas, por meio de textos e documentos postados no site www.cnv.org.br. Há uma divisão interna na comissão sobre a divulgação das conclusões, que ele evita abordar. “Houve um debate interno sobre essa questão, mas ela já foi resolvida. Prevaleceu a decisão de que seria respeitada a liberdade de produzir e divulgar textos e documentos, em nome pessoal, pelos que consideram necessário um intenso e contínuo diálogo entre a CNV e a sociedade. Tenho feito isso por meio do site oficial. Mas, por força de lei, no fim dos trabalhos teremos que apresentar um relatório circunstanciado sobre tudo o que foi apurado.”

        A conduta solitária de Fonteles faz crer que os demais membros da CNV tenham optado por guardar todas as conclusões para o relatório final, frustrando as famílias que anseiam por informações sobre o que aconteceu com seus entes queridos. Tal metodologia também não contribui para ampliar o debate e valorizar a conquista da democracia, especialmente pelos mais jovens, que não viveram a ditadura. Fonteles, entretanto, acha que a comissão tem cumprido esse papel. “No pressuposto de que devemos criar uma forte rede de proteção à democracia, para que nenhuma outra geração viva a experiência do Estado ditatorial militar, a CNV foi a campo desde sua criação. Visitamos todas as regiões do país, realizamos 11 audiências públicas em oito estados, participamos de atos públicos e incentivamos a criação de comissões da verdade por entidades da sociedade civil ou mesmo por governos estaduais e municipais. Queremos que as pessoas busquem saber o que se passou neste país e se envolvam com a bela tarefa de defender a democracia. Tenho dito que a CNV, sozinha, não vai a lugar algum.” Ele reconhece, porém, que este envolvimento ainda é muito “acanhado”.

        De sua parte, ele diz que continuará divulgando as conclusões. No segundo semestre, terá novidades sobre a Guerrilha do Araguaia. “Concluímos as pesquisas sobre 1972 e estamos entrando em 1973. Não podemos prometer que encontraremos corpos, mas muitas coisas serão esclarecidas.” Ele continuará mergulhando semanalmente no Arquivo Nacional, onde existem mais de 16 milhões de documentos sobre o período. “A CNV encerrará seu mandato sem conseguir examinar todos eles. Mas eu vou continuar nesse trabalho. Hoje sei que os arquivos são a maior fonte de conhecimento sobre o passado.”

        Além do relatório final, a CNV deverá  apresentar recomendações. Uma, que já foi apresentada aos governadores de estados onde funcionavam centros de tortura e repressão, é para que transformem estes locais em centros de preservação da memória. “Nesses locais devem ser criados espaços para a reflexão e a celebração da verdade, em ambientes museológicos. O Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) foi muito sensível à nossa proposta”, diz Fonteles.

        Quando a presidente Dilma criou a CNV, em maio passado, entidades como a OAB e o Grupo Tortura Nunca Mais criticaram o fato de a comissão não ter poderes para julgar e condenar os responsáveis por torturas, assassinatos e prisões ilegais. Dilma já havia enfrentado resistências e acusações de revanchismo por parte dos militares. “Estamos impedidos de qualquer ação neste sentido, pois o Supremo considerou que a Lei da Anistia, com seu perdão bilateral, é constitucional. Mas isso ainda não transitou em julgado, porque a OAB entrou com recurso. De todo modo, quando a verdade, em toda a sua extensão, for amplamente conhecida e comprovada, as forças sociais poderão se mobilizar, exigindo uma mudança nesta interpretação.”

        Em tempo de mobilizações pela internet, eis aí um tema que deveria importar muito aos jovens democratas que militam na rede.

        Alô, Senacom
        A Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça (Senacon/MJ) multou a Gol e a TAM, na sexta-feira, pelo truque de seus sites, que induzia à compra de um seguro opcional. Devia agora investigar outro problema que a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) não vê: há tarifas promocionais em que o passageiro perde o direito à restituição se não voar. Isso está no contrato. O problema é que as empresas ficam também com a taxa de embarque que cobraram para repassar à Infraero.

        AFFONSO ROMANO DE SANT'ANNA » O assassinato de Lincoln‏


        Estado de Minas: 10/02/2013 
        O filme de Spielberg poupa o espectador de ver e/ou discutir o assassinato de Lincoln. Foi uma opção de roteiro. Tratar da trama de sua morte seria não só outro filme, mas algo inconveniente aos EUA, onde vários presidentes foram assassinados. 

        E realmente a vida de Lincoln tem tudo de uma tragédia grega. Consultei os três volumes da vida de Lincoln escritos pelo poeta Carl Sandburg, editados pela antiga Livraria Itatiaia (de Belo Horizonte), antes de ir à internet e encontrar a síntese histórica daquele atentado feita pelo professor gaúcho Voltaire Schilling.

        A confirmação de que aquilo era uma tragédia começa dos dois lados. Do lado do assassino e do próprio Lincoln. Vejam: John Wilkes Booth, o criminoso, era um conhecido ator. Tinha o sentido teatral da vida. Preparou aquela encenação como se ensaia detalhadamente uma peça. Havia até representado Shakespeare. Não era um amador. Conhecia o Teatro Ford, e, ironia das ironias: Lincoln já o havia visto representar. 

        Lincoln só não sabia que Booth havia ensaiado aquele trágico reality show. Na biografia que fez de Lincoln, Sandburg diz que um intruso fez, naquela tarde, antes do espetáculo, um pequeno orifício na porta do camarote para vigiar a vítima e decidir a hora do ataque. Coincidentemente, o guarda Parker resolveu sair para tomar uns tragos durante a representação. Tudo favorecia o assassino, que trazia o punhal na mão esquerda e, na outra, a pistola Derringer. Entrou no camarote subrepticiamente e atirou na nuca de Lincoln. O ator que estava no palco representando vê Lincoln reclinar a cabeça na sua poltrona de balanço. O major Rathbone pula sobre o assassino, mas recebe uma punhalada no peito. Diz Sandburg: “Como um ágil animal selvagem, o ator-assassino sobe no parapeito do camarote triunfante, mas sua perna se engastalha na bandeira americana e cai no palco onde lança para a plateia a frase de Brutus diante do cadáver de César: ‘sic semper tyrannis’ (Assim sucede sempre aos tiranos)”.

        Tenta fugir para alcançar o cavalo que o espera. Morrerá pouco depois, num celeiro, sob balas de soldados. Mas aquilo era algo maior, um complô. Outros (que foram enforcados) tentaram matar o secretário de Estado e o vice-presidente, que sobreviveu (como no caso Kennedy, chamava-se Johnson).

        De parte de Lincoln, a tragédia, há muito, estava também em curso. Não foi aquela a primeira tentativa de matá-lo. O filme de Spielberg relata um pesadelo de Lincoln (que Sandburg descreve em pormenores): depois de um dia exaustivo, sonhou que ouvia ruídos estranhos na Casa Branca. Saiu caminhando e gemidos o acompanhavam. Quando chegou ao Salão Oriental, a nefasta surpresa: um cadáver e soldados em torno. Quando perguntou o que havia ocorrido, lhe disseram que um assassino havia tirado a vida do presidente.

        A senhora Lincoln, ao ouvir essa narrativa do marido, disse preferir que ele nunca a tivesse contado. O fato é que, de alguma maneira, Lincoln tinha o sentido trágico da vida. Sabia que não estava apenas numa guerra, mas era alvo permanente. Para escapar de atentados anteriores, teve que se disfarçar, cancelar compromissos.

        Numa conversa com o assessor, foi claro: “Sabe, Cook, creio que há homens que querem tirar-me a vida. E não tenho dúvida alguma de que o conseguirão”.

        Embora a história tenha seus momentos de comédia e festa, é sobretudo um drama, e, nos casos extremos, uma tragédia. Não há muita distância entre o camarote e o palco no teatro da vida. E Lincoln é um personagem trágico. Comunicava-se muito por párabolas e provérbios. Era um indivíduo excepcional, embora cometesse mazelas como os simples mortais. Mas há um provérbio entre os lenhadores que ele mesmo gostava de dizer e explica o fascínio crescente em torno de sua figura: a árvore se mede melhor depois de derrubada.

        Vale o escrito (legendas de filmes e seriados) -Sérgio Rodrigo Reis‏

        Profissionais enfrentam o desafio de traduzir diálogos complexos de outros idiomas para o curto espaço das legendas de filmes. Piratas na internet se perdem na pressa 

        Sérgio Rodrigo Reis
        Estado de Minas: 10/02/2013 
        Os principais estúdios de cinema e as televisões pagas no Brasil, com o aumento do consumo cultural da classe C, têm investido pesado em dublagens. De uma hora para outra, os diálogos originais de filmes e seriados internacionais foram sendo substituídos, na maioria das vezes a toque de caixa, por vozes de artistas anônimos, nem sempre de maneira convincente. Nem todos gostaram. Para os mais exigentes, a tendência não conseguiu substituir o prazer de se assistir a uma produção na língua de origem. Também não diminuiu a importância de uma boa legenda como meio de conduzir, quando as luzes se apagam, os espectadores aos mais distantes mundos e histórias. 

        A boa tradução exige técnica, experiência e sensibilidade. A exigência aumenta quando se trata de filmes mais herméticos ou com diálogos complexos, como os atuais concorrentes ao Oscar Lincoln, de Steven Spielberg, e Django livre, de Quentin Tarantino. Com histórias narradas no fim do século 19, período que antecede o fim da escravidão nos Estados Unidos, as produções são essencialmente calcadas em interpretações e no embate de ideias. Enquanto Lincoln é baseado nos densos diálogos adaptados do livro Team of rivals: The genius of Abraham Lincoln, de Doris Kearns Doodwin (uma versão brasileira, da Editora Record, recém-lançada no Brasil, traz o resumo do original), o filme Django livre aposta em gírias e coloquialismos típicos do Sul dos Estados Unidos da época. Resumir toda a atmosfera em poucas palavras é a tarefa que tira o sono de qualquer profissional da área.

        O primeiro passo para uma boa tradução é conseguir o script do filme, seriado ou novela, com a transcrição literal dos diálogos nas línguas de origem. De posse do material e das imagens, o tradutor assiste às produções. Sua missão é resumir cada diálogo em duas linhas, ou seja, não mais que 60 caracteres. “A legenda tem que caber no tempo de leitura, senão as pessoas piscam e não conseguem entender a cena”, explica a carioca Daniela Soares, que há 20 anos se dedica à profissão. A situação fica ainda mais complicada quando as falas dos personagens são rápidas. “Enquanto o desafio do bom dublador é sincronizar sua fala com a do ator, no caso das legendas o mais difícil é conseguir chegar à concisão dos textos”, explica.  O curto espaço de tempo para executar o trabalho e as diferenças culturais entre os idiomas dificultam ainda mais a tarefa. “O inglês é mais sintético. Já no português, usamos mais palavras para falar a mesma coisa. Aí temos que realizar adaptações. Às vezes, é necessário esquecer o texto original e seguir pelo sentido das cenas.” O mesmo ocorre com as diferenças culturais nas falas de povos ou em relação às expressões ou piadas que só têm sentido onde surgiram. Foi usando adaptações que Daniela conseguiu concluir a tradução de filmes como De olhos bem fechados, de Stanley Kubrick, e do japonês Sonhos, de Akira Kurosawa. “Peguei o script já traduzido para o inglês e tive que fazer as legendas em português. O que os brasileiros viram no cinema foi a segunda versão do original. Os diálogos eram complexos e, como não falo japonês, mesmo com todo o cuidado não há como não ter perdas”, reconhece. 

        Cultura geral As dificuldades no processo de tradução e legendagem se intensificam quando a tarefa cabe a um profissional iniciante e pouco preparado. O resultado, segundo os tradutores que estão há anos no mercado, empobrece os diálogos e prejudica a eficiência da narrativa. “O segredo da tradução, em primeiro lugar, é o profissional ter boa cultura geral. Em seguida, é ter boa compreensão do idioma e contar com consultorias, muitas delas informais”, enumera Patrícia Peixoto, outra tradutora experiente que, há 20 anos, atua na área. 

        Patrícia fala quatro idiomas: português, espanhol, francês e inglês. Sua especialidade é o inglês, por ter vivido alguns anos na Inglaterra. A experiência a credenciou a cuidar de inúmeras versões nacionais de produções famosas, como o recente Argo, dirigido por Ben Affleck, concorrente ao Oscar de melhor filme. “Minha especialidade é o inglês britânico e produções de época. Quando tenho que realizar uma versão de produções atuais, meus sobrinhos entram com uma consultoria informal. As línguas são vivas e as séries e filmes seguem a mesma lógica. O que faço é tentar evitar ao máximo termos coloquiais que estragam a língua. Gosto de realizar a concordância certa, usando as regras gramaticais. Mas nem sempre é possível. O que tento sempre é fazer um português bonito”, afirma.


        Vale-tudo na internet não garante qualidade 

        Sérgio Rodrigo Reis

        O cuidado que cerca a legendagem das produções internacionais que chegam ao Brasil por meio dos grandes estúdios e distribuidoras não é o mesmo que circula na internet. Existe uma espécie de disputa informal entre os usuários da rede para legendar, o quanto antes e em tempo recorde, os seriados que atraem mais audiência e viram modismos nos países de origem. Funciona assim: logo que vão ao ar nas emissoras internacionais, os internautas brasileiros assistem aos programas ao vivo e atravessam a noite, sem ganhar nada, para ver quem disponibiliza primeiro e gratuitamente as legendas em blogs e sites especializados. O maior deles, o Legendas.TV, reúne blogs de legendas de seriados como Supernatural, Spartacus e a nova versão de Dallas. Quem é profissional da área olha torto para a tendência.

        As emissoras de televisão paga têm feito o que podem para não perder espaço para o esquema informal que tomou conta da internet. A HBO tem saído na frente, conseguindo transmitir simultaneamente no Brasil as versões legendadas de seriados exibidos nos Estados Unidos. Fez assim com True blood e Girls e promete, para o dia 31, a estreia simultânea da terceira temporada do festejado Game of thrones, escrita por George R. R. Martin. 

        Se por um lado a agilidade ajuda os fãs das produções a se manter atualizados, por outro exige mais dos profissionais. “Se tivesse mais folga, o trabalho sairia melhor. Virou produção em série. Tem dublagens que tenho visto que são bem inferiores aos originais. Percebe-se fácil que foram mal traduzidas e as legendas não parecem naturais”, observa Daniela Soares. Quando o tempo é maior, a qualidade é outra.

        Festivais 

        Bom exemplo ocorre em grandes festivais de cinema. Eles têm prazo ampliado para realizar as versões que serão submetidas a críticos experientes e, por conta disso, contratam empresas com trajetória reconhecida. Como a maioria dos longas são independentes ou estreias, o esquema é diferente. “Envio a lista dos diálogos e cópia do filme para a empresa de dublagem. Eles fazem a adaptação do material para legendas em português para que, na hora da sessão, com a ajuda de um programa de computador, uma pessoa dispare ao vivo cada diálogo”, explica Cecília Gabriela Neves, que cuida da coordenação de projeção na Mostra de Cinema de Tiradentes, no Cine BH e no Cine OP, esta última realizada em Ouro Preto. 

        Ela é exigente e não gosta da onda de filmes dublados que tomou conta do país. “Prefiro o legendado. O idioma original, a voz do ator, tudo isso influencia na fruição do filme. Quando assisto aos dublados acho fake. Mas entendo a tendência como necessidade de mercado”, conclui.


        País tem pressa para reerguer base antártica

        folha de são paulo

        Limpeza dos escombros da estação destruída por incêndio já dá lugar à montagem de módulos temporários
        Presença brasileira no continente gelado é estratégica para decisão sobre futura exploração de riquezas naturais
        GIULIANA MIRANDAENVIADA ESPECIAL À ANTÁRTIDAEm meio à neve e ao frio, um canteiro de obras funciona a todo vapor. Operários passam para lá e para cá conduzindo tratores, descarregando material e construindo estruturas em uma área que, há um ano, foi complemente destruída por um incêndio no meio da noite.
        A reconstrução da Estação Antártica Comandante Ferraz virou questão de honra para o governo brasileiro e para a Marinha. A limpeza da área afetada foi feita em tempo recorde e o projeto da nova estação será feito por meio de um concurso milionário.
        Além de garantir a continuidade do trabalho científico realizado na região, a pressa tem um significado mais profundo: a exploração da Antártida é uma questão estratégica para o Brasil.
        Apesar de a região conter grande quantidade de minerais raros e de alto valor comercial, além de petróleo, sua exploração comercial está embargada até 2048, quando a questão volta a ser debatida e decidida pelos países que fazem pesquisa científica no continente.
        PLANOS
        O projeto da nova base brasileira será escolhido por meio de um concurso, em parceria com o Instituto de Arquitetos do Brasil. O vencedor levará R$ 100 mil no ato e mais R$ 5,3 milhões na entrega do projeto executivo.
        Não à toa, o concurso já está movimentando escritórios de arquitetura de todo o país e alguns do exterior.
        "Felizmente, o governo federal não tem faltado com recursos", comemora o contra-almirante Marco Silva Rodrigues, secretário da Cirm (Comissão Interministerial dos Recursos do Mar).
        Pouco após o incêndio, o governo federal destinou R$ 40 milhões, em caráter emergencial, para a remoção dos destroços e a preparação adequada do local.
        E, antes que a nova estação fique pronta, o Brasil terá uma temporária, constituída por módulos pré-fabricados, comprados por R$ 14 milhões de uma empresa canadense especializada em instalações do tipo.
        "É quase como 'plug and play'. Os módulos chegam já com tudo pronto, a mobília escolhida, os fios passados por dento das paredes. O mais trabalhoso é interligar tudo", explica Ricardo Soares Ferreira, engenheiro naval e um dos responsáveis por finalizar a instalação dos módulos e torná-los habitáveis.
        A miniestação poderá receber cerca de 65 pessoas, mais ou menos a capacidade da antiga base brasileira.
        Já para a base definitiva, a Marinha tem planos mais ambiciosos. A nova estação será maior que a anterior, além de ter instalações científicas mais modernas, incluindo dois laboratórios de biologia molecular.
        O custo deve ficar em R$ 100 milhões, mas o martelo só será batido após o projeto executivo ficar pronto.

          'Com 10°C, todos já estão de camiseta'
          DA ENVIADA À ANTÁRTIDAConvencer alguém a participar de uma construção em um local gelado, isolado e onde o vento pode superar 170 km por hora pode parecer difícil. Mas não faltam interessados.
          Hoje, cerca de 200 pessoas trabalham para colocar a Estação Antártica Comandante Ferraz novamente em pé. Cento e vinte em terra e, os demais, em dois navios deslocados para a região para auxiliar nos trabalhos.
          "Por mim, poderia passar mais tempo aqui", diz o comandante Alessandro Domingos Gurski, que chegou ao continente gelado em setembro e só deve voltar para o Brasil no fim de novembro.
          Ele faz parte do grupo-base da estação, composto por 15 militares que são a ocupação fixa do complexo, do verão ao inverno.
          Gaúcho, Gurski diz que já se acostumou ao frio. "Com 10ºC, já está todo mundo de camiseta."
          Nem tão entusiasmada com o clima, a comandante Carla da Costa, engenheira naval, chegou à Antártida na última sexta.
          "Trabalhar aqui é um prêmio", diz ela, que vai ajudar a preparar os módulos emergenciais.

            FOCO
            Resgate de barco naufragado em 2012 entra na reta final
            DA ENVIADA À ANTÁRTIDAO barco brasileiro Mar sem Fim, que naufragou na Antártida em abril de 2012, foi finalmente retirado do fundo do mar e içado até a margem.
            Desde o incidente, havia o temor de que os 8.000 litros de combustível pudessem vazar e causar danos ambientais -o que não aconteceu, segundo a Marinha.
            O trabalho entra agora na reta final, que é o reboque do barco até a cidade chilena de Punta Arenas, onde será vendido como sucata.
            A travessia dos mais de mil quilômetros, no entanto, traz um grande desafio: cruzar as temidas águas da passagem de Drake, uma região de mar agitado na qual as ondas passam de dez metros de altura.
            Essa etapa depende das condições climáticas na região, que não andam favoráveis. Fortes ventos têm atrapalhado os planos de militares e cientistas, impedindo inclusive o pouso de aviões de carga brasileiros.
            A embarcação de 30 metros de comprimento pertence ao jornalista João Lara Mesquita, ex-diretor da Rádio Eldorado, do Grupo Estado.
            O acidente aconteceu quando Mesquita foi ao continente gelado gravar imagens para um documentário.
            Ainda no início da jornada o barco naufragou em frente à base chilena Eduardo Frei, a 50 km da estação brasileira destruída por um incêndio em fevereiro de 2012.
            Agora, Mesquita grava um documentário sobre o resgate da embarcação. O cinegrafista Alessandro Taques disse que houve uma grande cooperação para ajudar no resgate. "Os russos cederam um barco, a Marinha está dando um grande apoio."

              PELO NOME DO PAI » Um espaço na certidão. Um vazio no peito-Sandra Kiefer‏

              PELO NOME DO PAI » Um espaço na certidão. Um vazio no peito 
              Para quase 6 milhões de brasileiros, identidade paterna é um mistério que representa constrangimento no dia a dia e carência afetiva. Justiça intervém pelo reconhecimento 


              Sandra Kiefer
              Estado de Minas: 10/02/2013 
              Na época das técnicas de fertilização in vitro, do casamento homossexual e da explosão de divórcios, o Brasil contemporâneo convive com um atraso que mantém quase 6 milhões de crianças e adolescentes registrados apenas em nome da mãe. São gerações e gerações de brasileiros com pais desconhecidos, que se sentem abandonados desde a certidão de nascimento. Sentimento que Luísa, de 21 anos, moradora do Bairro Anchieta, na Zona Sul de Belo Horizonte, expressa em detalhes que passariam despercebidos pela maioria das pessoas. “Morro de vergonha de mostrar a carteira de identidade na entrada das boates. Um dia esqueci o documento em cima da mesa e fiquei apavorada quando vi meus amigos xeretando. Quando me aproximei, percebi que comentavam sobre minha foto. Ufa! Ainda bem que ninguém teve a ideia de olhar o verso”, relata.

              Em Belo Horizonte, uma iniciativa do Judiciário já conseguiu preencher esse vazio para mais da metade das crianças que passaram pelo processo de reconhecimento. Mas no país, o universo de brasileiros sem o registro de paternidade pode ser ainda maior. Todo ano, mais 700 mil bebês dão entrada nos cartórios com uma incógnita na certidão. “Pai é coisa rara no Brasil. No nosso país, a pessoa criada a vida toda por mãe e pai pode se considerar premiada. O fenômeno assusta”, afirma Gabriel da Silveira Matos, juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça e integrante do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ele cita síntese de pesquisa da Unesco, a ser publicada este ano, indicando que 70% das crianças nas favelas do Rio de Janeiro são sustentadas exclusivamente pelas mães. “Se assumiu a guarda do filho, a mãe tem de se responsabilizar por todos os aspectos, inclusive pelo direito da criança de conhecer o pai. A figura do pai é a responsável por impor limite na educação. Se o pai é omisso em casa, é ruim. Mas se ele nem existir no papel, é pior ainda e pode gerar revolta na fase da adolescência”, alerta o juiz.

              Diante do alto número de registros com paternidade omitida no país, a Justiça decidiu intervir na realidade. Saiu em defesa do direito dessas pessos que, afinal, não pediram para nascer. Em dezembro, a corregedoria, órgão do CNJ, aprovou o Provimento 16, conjunto de regras para incentivar o reconhecimento da paternidade nas mais de 7 mil repartições de registro civil do Brasil. A partir de então, quando a mãe omite o nome do pai ao tirar a certidão, já sai do cartório intimada a prestar esclarecimentos. Na audiência perante o juiz da Vara de Registro Civil, é convencida da importância de informar o nome do pai. Ele também será chamado a comparecer, podendo pedir o teste de DNA para reconhecer a criança. 

              Cabelos castanhos e olhos verdes, a bela Luísa, que aparece no início dessa reportagem, é fruto de um relacionamento da mãe, professora, com um empresário bem-sucedido de BH. Na ocasião, ao saber da gravidez, o pai exigiu o teste de DNA. Sentindo-se humilhada, a mulher afastou-se, levando a menina. “Nunca me faltou nada. Minha mãe e minha avó sempre deram conta de tudo. Minha carência é afetiva. Tento não pensar nisso, mas sinto como se tivesse um buraco no peito”, conta. E completa: “É como se todos os meus amigos tivessem pais maravilhosos, menos eu”.

              RANCOR E ESTIGMA Não se engane, Luísa. Em 2009, o Censo Escolar relacionou 5,5 milhões de estudantes das escolas públicas no país sem registro paterno. O programa Bolsa-Escola também listou 3,3 milhões de fichas do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), que incluem crianças fora da idade escolar, com omissão do nome paterno. “É uma questão cultural. Muitas vezes, a mãe deixa de agir por falta de informação, falta de recursos para pagar as taxas de cartório ou rancor em relação ao pai da criança. Pensam que seria mais prejudicial ao filho apresentar um pai que pode estar preso, ter fugido para outro estado ou já estar casado”, exemplifica o juiz Gabriel da Silveira Matos, do CNJ.

              Mas, mesmo que muita gente pense ou diga o contrário, nascer sem pai declarado no papel na maior parte das vezes cria um estigma. Ainda que a mãe garanta a sobrevivência do filho e uma terceira pessoa ocupe o lugar afetivo, a omissão da origem paterna traz constrangimento à maioria. “A reação vai de cada um, dependendo da criação. Há casos extremos, de pessoas que chegam a não frequentar a escola, não prestam serviço militar e até arranjam documentos falsos e passam a viver na clandestinidade. Entram para o mundo do crime”, alerta o desembargador Fernando Humberto dos Santos, juiz da Vara de Registro Civil de BH.


              Fim de uma procura de 2 décadas

              O cinegrafista Bruno Ocelli viveu até os 22 anos sem conhecer o pai, criado pela avó e pela mãe. Com a maioridade e as campanhas pelo reconhecimento da paternidade, decidiu buscar suas origens. A partir de referências da mãe, conseguiu encontrar M.M., de 74 anos, caixeiro viajante, casado e com cinco filhos. O pai disse não ter assumido Bruno por já ser comprometido na época. 

              Intimado pela Justiça, o suposto pai esteve em audiência com o jovem e exigiu o teste de DNA, apesar da enorme semelhança física entre os dois. “Vim aqui na cara e na coragem. Ele pode não ser meu filho socialmente, mas é no coração”, garantiu. “É, ele tem uma boa lábia”, ironizou o rapaz, que reconhece ter herdado do pai o jeito namorador. 

              Hoje aposentado, M.M. admite que a atividade de caixeiro viajante pode ter gerado outros três filhos de mães diferentes. “Na última vez que eu te vi, você estava a tiracolo com sua mãe. Conversei com ela e expliquei que não seria aconselhável levar o caso adiante”, diz ele ao jovem, enquanto os dois aguardam o resultado do exame. Ao serem novamente chamados, ambos saem sorridentes da saleta e até ensaiam um abraço. “Finalmente tenho um pai”, comemora Bruno, que conta estar formado e não precisar de ajuda financeira.

              Casos mais emblemáticos são registrados em uma espécie de livro de ouro, elaborado por iniciativa de Cristiane Silva, conselheira do Centro de Reconhecimento de Paternidade (CRP), do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em Belo Horizonte. Ela anota as mais belas histórias, com o cuidado de preservar as identidades dos personagens. No livro, há relatos como o de um pai que viajou ao exterior em missão pelo Exército e ao  voltar apresentou-se espontaneamente para reconhecer a filha, de quase 2 anos. “Quando o DNA dá negativo, geralmente o candidato vai embora pulando de alegria. Não é o mais comum, mas também já presenciei homens em prantos ao descobrirem que o filho não é deles e acharem que tiveram a honra traída”, conta ela.


              O PAPEL DO REGISTRO
              Documento de maior valor na vida da criança, a certidão de nascimento representa:

              – O nascimento do menor de idade para a vida civil.
              – O registro de suas origens familiares (mãe, pai e avós).
              – A identificação da sua origem genética
              – Vínculo com o pai e familiares paternos
              – Direito a pensão alimentícia
              – Direito a herança
                  
              Possíveis consequências da omissão da figura paterna
              – Sensação de abandono 
              – Discriminação em relação aos colegas da escola e no emprego
              – Falta do vínculo com eventuais irmãos, tios e primos
              – Perda do direito a pensão alimentícia e herança

              BH lidera em reconhecimento 
              Pioneiro, centro dedicado a promover o encontro entre pais e filhos na capital mineira preencheu, só no ano passado, lacuna em 4.029 certidões e virou exemplo para o país 
              Sandra Kiefer

              Todos os dias, cerca de 200 mães recebem correspondência com convocação para que compareçam perante o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em Belo Horizonte. Essas intimadas nunca chegam sozinhas para a audiência no Centro de Reconhecimento de Paternidade (CRP), na Avenida Álvares Cabral, 200, quinto andar, no Centro da cidade. Seus acompanhantes costumam vir no colo ou de mãos dadas, dependendo da idade. São recebidos com carrinhos de plástico, casinha de bonecas e com a tevê ligada durante todo o tempo no canal de desenhos animados. O ambiente acolhedor em nada lembra os frios e imponentes palácios de granito da Justiça. 

              Na recepção, as cadeiras de plástico são insuficientes nas manhãs de segunda-feira a quarta-feira, quando ocorrem as audiências com o juiz e as reuniões de conciliação entre os casais. “Ali está o fruto de um romance do carnaval passado”, aponta uma funcionária, discretamente. Sentados lado a lado, visivelmente desconfortáveis, estão homem e mulher, que mal se reconhecem. No meio, está o bebê de quase 1 ano, no colo da avó materna. O menino, com traços visivelmente semelhantes aos do provável pai, não parece se importar com a seriedade do momento. Tem o sorriso aberto e adora brincar. 

              Pioneiro no país, o Centro de Reconhecimento de Paternidade de Belo Horizonte foi criado em agosto de 2010. É o único a oferecer testes de DNA gratuitos e o próprio sistema de informática, integrado a todos os cartórios da capital. Só no ano passado, foram abertos 7.377 pedidos de reconhecimento de paternidade. Destes, em 4.029 casos, ou seja, mais da metade (54%), as crianças já podem dizer o nome do seus pais biológicos. Do total, 2.247 pais aceitaram fazer o reconhecimento espontâneo. Dos 2.375 que exigiram o teste de DNA, 75% tiveram resultado positivo (1.782). 

              Ao ser chamados a comparecer em audiência, mãe e pai já saem com o registro pronto, se houver consenso. Se o suposto pai exigir o DNA, são necessários 30 dias. “É muito rápido e a tramitação evita a necessidade de constituir advogado e pagar pelo teste de paternidade. Antes do CRP, muitas mães desistiam antes de tentar”, afirma o coordenador do centro, Bruno Campos da Cruz. 

              Em BH, o processo está mais adiantado em relação às outras capitais. Começou em 2009, desde que o Censo Escolar apontou a existência de 43,7 mil estudantes de até 18 anos que não tinham pais conhecidos no estado. “Não era apenas uma estatística. Tratava-se de uma lista de quase 50 mil crianças e adolescentes, com o nome das mães e o endereço das casas onde moravam. Passamos a procurar essas pessoas por meio de cartas”, explica o juiz Fernando Humberto dos Santos, titular da Vara de Registros Públicos e desembargador aposentado do TJMG. 

              Com o estímulo dos testes gratuitos de paternidade junto à Universidade Federal de Minas Gerais, obtidos por intermédio do então juiz da 3ª Vara de Família, Reinaldo Portanova, nascia o embrião do projeto “Pai presente: o reconhecimento que seu filho merece”. O juiz Fernando Humberto dos Santos foi a Brasília mostrar a iniciativa à então corregedora nacional, Eliana Calmon. Em 2010, a Corregedoria estendeu o Pai presente a todo o país, por meio do Provimento 12, determinando que os cartórios passassem a informar aos juízes os registros em que não constasse o nome do pai da criança. 

              Registre que o filho é seu
              Milhares de pais foram oficializados em 2012 pelo Centro de Reconhecimento de Paternidade de BH
              Procedimentos abertos    7.377
              Paternidades reconhecidas    4.029    54,6%
              Reconhecimento espontâneo    2.247    30,5%
              Procedimentos suspensos    1.101    14,9%
              Pedidos de exame de DNA    2.375    32,1%
                 – Positivos    1.782    75%
                 – Negativos    593    25%
              Fonte: TJMG