Marina some, Dilma não explica um ministério que não caiu bem e Aécio fala o que não deve: não vamos bem de líderes
Neste momento deveríamos, como se faz nos balanços otimistas divulgados em dezembro, afirmar que 2014 foi um "grande ano". Mas não dá para dizer isso em política. Se tomarmos os três candidatos que somaram mais de 90% dos votos válidos no primeiro turno presidencial, o que dizer? Dilma Rousseff já indicou metade do ministério, mas começa seu segundo mandato com o gabinete mais criticado desde a democratização de 1985. Nem José Sarney e Fernando Collor, que deixaram a Presidência com péssima imagem, iniciaram seus governos com ministros mais contestados do que os de Dilma 2015. Do lado da oposição, as coisas não vão melhor. No dia mesmo da diplomação da candidata eleita, o PSDB pediu a anulação dos sufrágios de quem não votou em Aécio - o que só não será ridículo se for o preparativo para um golpe judiciário. Finalmente, Marina Silva repete o que fez (ou não fez) na eleição anterior, isto é, em vez de fazer crescer o número notável de seus eleitores, um quinto da população brasileira, some.
Se os três principais candidatos conseguem se afastar tanto do que seria uma atuação política consequente, como querer que o eleitorado goste da política? Como querer, a situação, que ele defenda o governo? Como querer, a oposição, que ele se mobilize para cobrar mudanças de rumo? Claro, nesta altura cada um procura defender seu candidato. Os tucanos dirão que o pedido insensato de cassação dos votos não tucanos foi só uma formalidade.
Esquecerão que o próprio Tribunal Superior Eleitoral, que em 2008 cassou os governadores do Maranhão (do PDT) e da Paraíba (do PSDB), substituindo-os pelos candidatos rejeitados pelo povo, na página mais escura da democracia brasileira, se envergonhou disso e desde então evita ofender a essência da democracia, que é respeitar a vontade do povo expressa pela maioria. (De todo modo, seu julgamento de 2008 deu sobrevida de seis anos ao clã Sarney, até que o eleitorado maranhense o derrotou este ano, pela segunda vez). O mínimo a dizer, que já é grave, é que com o recurso-tapetão o PSDB tentou o "se colar, colou".
No caso de Marina, quatro anos atrás ela teve o apoio só do Partido Verde, que nunca se consolidou no país, não passando às vezes de linha auxiliar do PSDB. A Rede Sustentabilidade é mais forte do que era ou é o PV. Mesmo assim, ao terminar a segunda eleição em que Marina obtém a mesma (alta) porcentagem de votos, a líder sai de cena ao findar a contagem. De novo, cede ao PSDB o papel de oposição - e isso num momento crucial, em que deveria fidelizar os eleitores que mobilizou. Duas vezes, Marina conseguiu um resultado eleitoral notável: com pequena estrutura partidária e pouco tempo na televisão, falou ao idealismo, ao desejo de mudança da sociedade. Lavrou em campo parecido ao do jovem PT.
Os finalistas de 2015 nada dizem ao povo
Parece provável que seu sonho seja o de retomar a trajetória de Lula, valendo-se inclusive de uma história de vida com elementos semelhantes à dele - a origem pobre, a garra, o carisma, a vontade de retirar o país de uma opção entre dois polos talvez superados. Mas, quando perde, entra no vazio.
Só que na política, como se sabe, qualquer vácuo é prontamente ocupado.
Na verdade, as mulheres que disputaram a Presidência com chances de se eleger optaram agora pelo silêncio. Marina, derrotada, não procurou manter, nas semanas cruciais após o segundo turno, um lugar na esperança política brasileira. Ela até podia ter apoiado Aécio (embora eu veja nesse apoio um erro político), mas como - para a Rede - ele só era a opção conjuntural por um mal menor, Marina e os seus deveriam logo depois da eleição retomar a bandeira da terceira via. Não o fizeram.
Marina se cala, mas Dilma, vitoriosa, não fala. Poderia e deveria ter-se explicado aos eleitores. Vejo muitos simpatizantes de Dilma se sentindo obrigados a encontrar, eles próprios, as razões (dela) para nomear um ministério que não os entusiasma. Chega a ser tocante o esforço de alguns para explicar as nomeações - a busca de uma base sólida no Congresso, o apelo a políticos testados nos Executivos estaduais. Tocante, porque esse deveria ser o trabalho da eleita e de seus colaboradores próximos. Ela mesma deveria esclarecer de público por que escolheu uma equipe econômica como esta, e por que, na metade do ministério até agora anunciada, o realismo prevalece sobre o idealismo. Não é impossível explicar isso, mas é preciso fazê-lo. Esse trabalho, um líder não terceiriza.
Se Marina erra por ter cessado a pregação logo no momento de derrota, que é quando se fortalecem os ânimos para construir o futuro, e Dilma por considerar a vitória como dada, isso depois de vencer nas urnas mas com sérias feridas junto à opinião pública, do outro lado Aécio fala demais. As mulheres se calam, o homem fala. O problema é que ele só fala a radicalização. O risco é falar sem dizer.
O melhor sinal de que Aécio erra por excesso está numa conversa de que ele nem fez parte, mas que ilustra um exagero oposicionista: quando Miriam Leitão questionou Alckmin por chamar Dilma de "presidenta" e o governador respondeu que trata as pessoas como elas preferem. Uma resposta de mera educação, prosaica até, mas que devolve a política ao chão. Seria preciso levar a birra política a ponto de brigar até por nomes, assunto menor mas que se tornou pomo de discórdia? Talvez as duas formas de fala, a comedida de Alckmin e a exaltada de Aécio, anunciem a disputa interna no PSDB pela indicação para 2018.
Mas, neste momento, o que precisamos é que os três principais políticos que disputaram a Presidência falem ao povo - e lhe digam algo importante.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
E-mail rjanine@usp.br