sábado, 24 de maio de 2014

João Paulo - Hora e vez dos radicais‏

O ideal é que o Congresso e as câmaras de deputados estejam cheios de pessoas capazes de defender ideias extremas


João Paulo
Estado de Minas: 24/05/2014



Herbert Marcuse ajudou a dar dimensão filosófica aos movimentos libertários dos anos 1960 (AP Photo/Archiv)
Herbert Marcuse ajudou a dar dimensão filosófica aos movimentos libertários dos anos 1960


Vivemos tempos médios, de emoções medidas e apelos à contenção. A todo momento somos convidados a refletir sobre nossos impulsos, a usar a régua do bom senso em política, a diminuir os sonhos em nome da realidade. Uma certa incitação ao comedimento.

Não é atitude de todo má. Desde Freud, aprendemos que a repressão é civilizadora, que a má notícia da condenação à infelicidade estrutural que nos define como seres de desejo contido é compensada, em termos, pela funcionalidade social. A sublimação é nosso destino, o que é uma forma de capitulação, mas também de afirmação.

Ser radical é quase sempre tomado como desvio, como um exagero que desconcerta o ritmo do mundo, que acirra os ânimos, que pode causar excessos de toda forma, da conturbação da ordem à inauguração de novas demandas difíceis de serem alcançadas. O radical é um ser que desequilibra.

No entanto, em alguns momentos da vida pública e da afirmação da nossa potência como humanidade, é preciso sair da raia comum e ir à raiz das coisas. Os radicais, de certa forma, são a reserva de criatividade e vigor da sociedade, da arte e do comportamento humano. Quem não radicaliza corre o risco de decair.

Com a proximidade das eleições, por exemplo, nada melhor que apostar todas as fichas na radicalidade. O eleitor costuma dividir sua participação eleitoral em fases bem definidas. No caso da escolha de cargos majoritários, como presidente, governadores e prefeitos, a tendência é reduzir a energia a um voto mais convencional. Não parece ponderado dar poder aos radicais.

Algumas propostas podem até parecer boas, mas soam inviáveis ou perigosas quando ampliadas para toda a sociedade. Exatamente por isso foi criado o instituto dos dois turnos, que libera o primeiro voto para a ideologia e o sonho, para se recuperar, no segundo turno, o senso de realidade, ainda que constrangido. No primeiro turno, o desejo; no segundo, a razão. Primeiro Marx e Freud; depois, Maquiavel e Hobbes.

Outra forma de fatiar o comportamento eleitoral é separar as instâncias de poder. Assim, a lógica que rege os cargos executivos não se reproduz no âmbito do legislativo. É uma dualidade que pode se mostrar até mesmo operacional, já que parece compreender que para ações distintas precisamos de pessoas diversas. Uma coisa é exercer o poder de mando, outra é usar a astúcia para controlá-lo. E é aqui que a radicalidade tem um terreno fértil.

Gostaria de sugerir aos eleitores que começassem a buscar seus candidatos a deputados estaduais e federais e a senadores entre aqueles que mais se aproximam de seus sonhos de sociedade. Quanto mais radical melhor. As casas legislativas e o Estado brasileiro só têm a ganhar com eles. A radicalidade é a única condição da utopia, sem ela, o futuro se torna previsível, regressivo e entrópico.

O ideal é que o Congresso e as câmaras de deputados estejam cheios de pessoas capazes de defender ideias extremas nas áreas de educação, saúde, meio ambiente, habitação, segurança, direitos humanos, trabalho, reforma agrária e cultura. Os radicais, em cada um desses campos, têm sido ao longo do tempo, nossa reserva intelectual e ética. Como são responsáveis pela elaboração das leis, poderão ser os portadores adequados das mensagens de renovação.

O bom radical é aquele que não transige. É o homem e a mulher que em nome de valores maiores é incapaz de negociar princípios, seja por poder ou dinheiro. Com isso eles têm tudo para fazer o debate avançar e, assim, ampliar o universo de direitos inscritos nas leis de nossa sociedade. Democracia, e os radicais sabem bem disso, não é apenas o terreno da lei, mas da expansão dos direitos.

O ideal seria que cada um definisse a área que mais se aproxima de suas ansiedades de transformação social e fizesse tudo para eleger um radical que levasse adiante a chama que mais lhe aquece a alma. Os exemplos ajudam a entender melhor essa ideia. Militantes do movimento negro deveriam eleger pessoas dispostas e centrar sua ação no combate ao racismo e à injustiça social que os cerca. Certamente, terão efeito incendiário e esclarecedor, servirão de referência e ponte.

Ou, no caso do movimento ecológico, nada melhor que uma bancada de radicais bem preparados para reformar a legislação, garantir políticas de preservação, proibir a devastação, ainda que sob o “sagrado” direito do mercado de escavar o solo, derrubar árvores e desviar rios para seu proveito. O que um dia foi ironizado como a ética dos bagres pode ser um índice de civilização.

Alguém duvida que sem a ação do radicais teríamos cotas na universidades públicas? Passa pela cabeça de algum cidadão que um fazendeiro preservaria matas próximas aos rios se não houvesse a ameaça e multas e outras sanções? Será que as pessoas creem que os proprietários de terras improdutivas ou que não cumprem função social vão entregar de mão beijada suas sesmarias para os sem-terra, dispostos a trocar a monocultura de grãos para engordar gado, turbinada a veneno, por alimentos para as pessoas?

Pode parecer que esses são campos de conflito mais ético que político. Não é verdade. A mesma lógica pode ser percebida em setores, digamos, mais técnicos, como saúde e educação. Basta ver a resistência de parte da corporação médica ao programa que leva profissionais onde eles não querem ir; ou a competitividade que sustenta os programas de educação privada, baseados na exclusão e em históricos certames de seleção dos “melhores”, como se a educação fosse o setor de recrutamento de uma empresa qualquer. Sem os radicais da saúde pública ou da educação popular, a situação estaria ainda pior.

Além disso, os candidatos radicais de verdade costumam ser os mais confiáveis. Num terreno de alianças muito fluidas, em que o legislativo se torna fiador de projetos de poder, na chamada democracia de coalizão, dificilmente você vai ver um radical de boa cepa em direção de estatais. Patrocinar com o voto um candidato popular é uma forma de puxar o Legislativo em direção à sociedade, retirando o triste álibi de ser arrimo do Executivo que, por definição, deveria ser controlado exatamente pelos parlamentares.

Tempo de utopia Os radicais são também cada vez mais necessários no campo do pensamento, território que, como a política, sofre ataques regressivos, mediocrizantes e apaziguadores. No âmbito da reflexão política, por exemplo, está na hora convocar os defensores da utopia. Eles nunca foram tão necessários, embora dados por mortos pelos arautos do fim da história.

Acredito que pensadores como Herbert Marcuse, por exemplo, ligados ao último grande movimento libertário, os acontecimentos de maio de 1968, têm muito a contribuir na busca de saídas para nossos impasses contemporâneos. Quando ele publicou Eros e civilização, ainda em 1953, depois retomado em edição ampliada em 1968, o horizonte da utopia era real. As pessoas acreditavam que era possível mudar o mundo. Hoje, defende-se que as pessoas precisam se adaptar a ele.

A mensagem de Marcuse, numa fusão criativa de sociologia e psicanálise, era que a teoria marxista da exploração do trabalho precisava ser atualizada e aprofundada para dar conta do novo contexto social e econômico. Não se tratava mais, na sociedade pós-industrial, de uma exploração como no início do capitalismo, mas de uma superexploração garantida por elementos de ordem simbólica e psíquica.

Marx e Freud, acredita Marcuse, concordariam que o capitalismo, para se realizar, juntou exploração e repressão sexual. O resultado era o que a psicanálise chamava de ‘‘princípio de realidade’’, que se opunha ao princípio de prazer, perigosamente disruptor. Mas não foi suficiente: para o padrão de produtividade do novo capitalismo, era preciso avançar até o que ele chamou de ‘‘princípio de rendimento’’ ou ‘‘princípio de desempenho’’. A repressão, mesmo numa sociedade aparentemente mais livre, precisa ser muito mais potente.

Para Marcuse, o princípio de rendimento “é o de uma sociedade orientada para o ganho e a concorrência dentro de um processo de expansão constante. Ela pressupõe uma longa evolução no curso da qual a dominação foi cada vez mais racionalizada”. A carapuça serviu? Pois bem, se o diagnóstico é bom, a questão apontada por Marcuse merece ser examinada com atenção ainda hoje: é possível fundar uma sociedade não repressiva, na qual o princípio de realidade não seja o oposto do princípio do prazer?

O pensador vai atacar o problema por várias frentes, todas elas bastante significativas anda hoje: o combate à miséria, a defesa das condições de trabalho liberadas do jugo da alienação, a recuperação da relação com a natureza, a mudança nos padrões de consumo, o combate a todas as formas de repressão sexual e, sobretudo, a retomada do horizonte utópico.

Sexo, trabalho e política compõem o mesmo horizonte de afirmação humana. Precisamos dos três para alcançar o gozo, a realização e a melhor convivência entre iguais. Sem sexo o mundo é cinza; com trabalho alienado, estamos incompletos; fora da política, somos objeto do desejo do outro.

Marcuse, na tradição de Ernst Bloch, acreditava que havia, em cada pessoa, uma espécie de patrimônio de utopia, que podia ser desarquivado quando as condições sociais e psicológicas assim o permitissem. A liberdade, pessoal, sexual e política era condição da utopia. Esse arquivo espiritual de civilização, de acordo com ele, se apoiaria ainda na arte e na filosofia, repertório ao qual todos teriam acesso e direito numa sociedade mais justa.

Marcuse continua a ter razão no que diz respeito ao processo contemporâneo de precarização do trabalho, cada vez menos criativo e agora explorado em escala 2.0 (a realidade foi ainda mais perversa do que ele imaginava, já que não deixava de ser otimista em relação ao poder libertador da tecnologia). O filósofo permanece um guia político instigante, ao valorizar as possibilidades reais de subversão em todos os campos da atividade humana. Por fim, a forte regressão da questões referentes à sexualidade, sobretudo a homofobia e a violência contra as mulheres, mostra que o pensador ainda tem o que dizer. Não haverá civilização sem eros.

Os radicais, na política e no pensamento, talvez sejam a saída mais viável para nossos impasses. O contrário de eros é morte.

Um novo planeta, um novo poema‏ - Carlos Ávila

Um novo planeta, um novo poema 
 
Tema com presença na história da poesia, as estrelas são pontos de luz na lírica moderna brasileira. Em três estrofes com versos livres, Thais Guimarães apresenta a descoberta do planeta Kepler-186f 

 
Carlos Ávila
Estado de Minas: 24/05/2014


Imagem divulgada pela Nasa do planeta Kepler-186f: semelhanças reais e imaginárias com a Terra     (Nasa/AFP)
Imagem divulgada pela Nasa do planeta Kepler-186f: semelhanças reais e imaginárias com a Terra


“Ora, direis, ouvir estrelas...” Ou ver estrelas. Os poetas sempre foram ligados às estrelas; ao céu, ao sol e à lua, enfim, aos planetas e ao espaço infinito sobre nossas cabeças. Desde os mais eruditos até os mais populares. Todas as três partes da Divina comédia, de Dante (1265-1321) terminam com a mesma palavra: estrelas. “L’amor che move il sole et l’altre stelle” (O amor que move o sol e as outras estrelas) – o famosíssimo último verso do livro tornou-se uma espécie de signo-insígnia. Uma letra de canção do poeta Orestes Barbosa (1893-1966), com música de Sylvio Caldas, termina com a seguinte estrofe: “Olho as estrelas cansadas/ que são lágrimas doiradas/ no lenço azul lá do céu/ Estrelas são reticências/ estrelas são confidências/ do meu romance e do teu”. Em geral, as estrelas aparecem nos poemas identificadas com o amor.

Os astros (estrelas, planetas etc.) e o silêncio eterno dos espaços infinitos – que espantava o filósofo e físico Pascal – sempre estiveram presentes na poesia universal, inspirando versos e poemas dos mais diversos tipos e linguagens. Para ficar apenas na poesia brasileira do século 20, nunca é demais lembrar alguns textos marcantes, onde esses astros servem de mote ou motivo para a criação. Manuel Bandeira, no seu livro emblematicamente intitulado Estrela da tarde, publicou o poema “Satélite”, onde fala da lua num fim de tarde, desmetaforizada e desmitificada como “coisa em si/ satélite”.

Na última fase de sua obra, Cassiano Ricardo se voltou para temas espaciais: vejam-se os poemas “Translação” e “Gagarin” (este uma homenagem ao astronauta russo que foi o primeiro homem a viajar pelo espaço, em 1961, a bordo da nave Vostok-1). Drummond e Murilo Mendes ficaram fascinados e escreveram sobre o cometa Halley, “iluminando de ponta a ponta o céu de 1910”. Murilo, mais “viajante”, fala ainda em “universos-naves”, “faixas-galáxias”, “Betelgeuse” (uma estrela de brilho variável sendo a 10ª ou 12ª mais brilhante no firmamento, que aparece também em dois poemas de Décio Pignatari), “pluricéus” e “ruído rotação”.

Haroldo de Campos intitulou sua poesia-prosa de Galáxias e seu irmão Augusto compôs “Pulsar” e “Quasar”, dois poemas visuais (um pulsar é uma estrela de neutrons de rápida rotação, o remanescente da explosão de uma supernova; um quasar é uma galáxia distante com uma luz brilhante e variável e outras radições vindas de suas regiões centrais). No “Pulsar”, o mais inventivo deles, ele envia um “abraço de anos luz” a alguém (um outro ser, humano ou inumano; um amigo ou uma pessoa amada), onde quer que ele esteja, em Marte ou Eldorado.

Imagens cósmicas aparecem ainda em diversos poemas de Ferreira Gullar, como, por exemplo, em “Pergunta e resposta”, onde observa que “a Via Láctea é apenas uma/ entre bilhões de galáxias/que à velocidade de 300 mil km por segundo/ voam e explodem/ na noite”; e indaga: “o que faz aí/ meu poema com seu/ inaudível ruído?”. Já Paulo Leminski escreveu o sensível “Espaçotemponave para Alice”, dedicado à sua companheira, a também poeta Alice Ruiz, que termina com estes versos: por isso/ nos apertar/ tanto/ nos juntar/ tanto/ juntos enfrentar/ a noite/ dos espaços interestelares”.

Vários poetas continuam trabalhando temas ligados à observação celeste, às descobertas e explorações espaciais. Estas vêm se aprofundando com o avanço dos recursos tecnológicos, desde o lançamento, em 1990, do Hubble – um satélite astronômico artificial não tripulado que transporta um grande telescópio para a luz visível e infravermelha.

A poesia – verbal ou visual, no papel ou na tela, com movimento e cor – continua pulsando e pulsante em relação aos astros. Recentemente, foi detectado um novo planeta, o Kepler-186f, parecido com a Terra e orbitando a zona habitável de uma estrela, ou seja, a região onde a radiação desta é tal que o planeta possui uma temperatura semelhante à do nosso, capaz de manter a água na forma líquida com condições favoráveis à existência de vida como conhecemos.

A descoberta do Kepler-186f inspirou a poeta Thais Guimarães. Com linguagem direta e síntese verbal – marcas de sua poética desde o primeiro livro, Jogo de cintura –, Thais colocou em três estrofes de versos livres sua visão dessa nova descoberta: “um planeta possível” e um “outro encontro com a ficção”. Mais uma vez, a conjunção dos astros ilumina nossa poesia. 


. Carlos Ávila é poeta e jornalista. Publicou, entre outros, Bissexto sentido e Área de risco (poesia) e Poesia pensada (crítica). Foi, por quatro anos, editor do Suplemento Literário de Minas Gerais.


Kepler-186f
Thais Guimarães


os astrônomos descobriram novo planeta
que possui uma lua
somente sua
a orbitar uma estrela
(seria insuportável viver na escuridão)
menos quente do que o sol
(desejada porção de calor)
onde a água pode ser líquida
e o solo habitável
(um planeta possível)

outro encontro com a ficção
que antecipa mundos destruídos
selvagens
planetas de escassez
tão temidos quando imaginados
à distância
mas tão próximos
das imagens de guerras
revoltas da natureza
dos piores instintos da mente

que poesia alcançará o futuro
espaço desconhecido
de estrelas distantes
onde o homem
em sua errância
será ainda metáfora de si

Do trágico ao épico - André Melo Mendes

Estado de Minas: 24/05/2014 

Sebastião Salgado durante a abertura da exposição Gênesis, no Museu Nacional de Singapura     (Roslan Rahman/AFP)
Sebastião Salgado durante a abertura da exposição Gênesis, no Museu Nacional de Singapura


Sebastião está de volta. Aproximadamente 13 anos depois da conclusão da sua última série de imagens, Êxodos (2000), Sebastião Salgado impressiona o mundo outra vez com Gênesis, seu novo trabalho, cujas imagens apresentaram novidades significativas com relação ao estilo pelo qual ficou mundialmente conhecido. O projeto Gênesis durou cerca de oito anos e custou algo em torno de oito milhões de euros. Nesse período, Salgado e sua equipe fizeram inúmeras viagens e várias fotografias foram publicadas em revistas e jornais internacionais, dando uma prévia daquilo que está sendo apresentado no livro e nas imagens que estão correndo o mundo em exposições.

A palavra gênesis vem do grego e significa “origem”, “nascimento”, “criação”, e nomeia o primeiro livro da Bíblia. Segundo Salgado, a escolha desse nome não está ligada ao tema bíblico, mas ao início da Terra na “versão científica”, quando ela teria sido moldada por erupções e terremotos que acabaram por dar origem à vida. Apesar dessa declaração, é impossível não estabelecer ligações entre essas imagens e esse momento da narrativa judaico-cristã, especialmente no trecho anterior à aparição do primeiro homem, quando a Terra era um paraíso – literalmente.

Nesse conjunto de fotografias, Salgado decidiu deixar de lado a sua conhecida opção pelo registro estético do sofrimento dos mais necessitados, direcionando suas lentes para a causa ecológica. Tal mudança de enfoque, do trágico em favor de um estilo mais épico, foi uma forma de reinventar-se. Essa transformação começou a se desenhar no final da década de 1990, quando o intenso contato com os problemas sociais com os quais conviveu durante toda sua carreira o levou à beira de uma depressão.

Por uma infeliz coincidência, justamente nesse momento, Salgado precisou voltar à sua terra natal, Aimorés (MG), para cuidar da fazenda dos seus pais e ali encontrou devastada a terra em que viveu sua infância. Esse fato contribuiu para agravar seu estado psicológico, mas com a ajuda de sua esposa, Lélia Wanick, conseguiu reagir a esses revezes e juntos criaram o Instituto Terra, por meio do qual recuperaram a vida nesse lugar. O sucesso dessa experiência deu novo ânimo a Salgado e lhe despertou o interesse por fotografar paisagens, animais e comunidades que ainda não haviam sofrido as consequências negativas da sociedade de consumo – ali começava o projeto Gênesis.

Em 2004, Salgado partiu em busca desses lugares em que a presença do homem ainda não havia causado mudanças relevantes no hábitat. A intenção do fotógrafo brasileiro foi revelar o que ainda havia de “puro” no planeta, pretendendo assim despertar a consciência das pessoas para a necessidade de proteger esses lugares majestosos ameaçados pela ganância dos homens e pelo consumo desenfreado. As viagens começaram com visitas às tartarugas das ilhas Galápagos e às baleias na costa da Argentina, se estenderam à África e à Oceania, chegando à Sibéria, onde registrou a vida dos netnets e suas renas. Ao todo, foram 32 países visitados pelo fotógrafo e sua equipe – parte dessas imagens deu origem ao livro de mesmo nome do projeto.

Apesar de Salgado afirmar que as mudanças no seu trabalho estão relacionadas à sua experiência com o Instituto Terra, algumas pessoas acreditam que essa alteração ocorreu devido ao fato de o fotógrafo brasileiro ter se cansado de ser alvo de críticos de várias áreas relacionadas à imagem. Ao longo da sua carreira, Salgado tem colecionado não apenas aplausos e prêmios, mas também censuras e polêmicas em relação à sua opção estética. A apreciação negativa ao seu projeto fotográfico se manifestou com mais vigor principalmente após Êxodos. Seus críticos podem ser divididos basicamente em dois grupos: aqueles que o acusam de tirar vantagem da desgraça dos menos favorecidos e aqueles que o repreendem por esvaziar o poder revolucionário que uma imagem trágica possuiria.

A pensadora norte-americana Susan Sontag defende a ideia de que as imagens de Salgado, por terem grande veiculação, acabam por despotencializar a tragédia, o estranho, o drama, na medida em que a exibição da sua coleção de pessoas em situações degradantes banalizaria essa situação trágica, anulando seus efeitos. Segundo Sontag, o choque causado por fotos desse tipo teria uma espécie de “prazo de validade” e a exposição prolongada na mídia enfraqueceria esse potencial, já que as pessoas poderiam se “habituar ao horror de certas imagens”. Jean-François Chevrier, professor da Escola Nacional Superior de Belas Artes (Paris), afirma que em Êxodos Salgado cria um “esteticismo vaidoso” que poderia levar à anestesia da realidade; enquanto que Natacha Wolinski, crítica de arte independente, repreendeu publicamente Salgado por apresentar belas imagens de cenas revoltantes. Segundo Wolinski, o fotógrafo brasileiro estaria tirando vantagem das desgraças dessas pessoas para “servir à causa da beleza como se autorizasse a beleza a tirar proveito do sofrimento”.

Ao criar Gênesis, é pouco provável que Salgado esteja fugindo das recriminações que lhe foram endereçadas ao longo da sua carreira. De todo modo, agora seus críticos não terão do que reclamar, já que nessa nova série a pobreza e a desgraça dos menos favorecidos deram lugar à beleza e à pujança da natureza. Em Gênesis, Salgado deixou de lado a denúncia das consequências de um mundo desigual para concentrar-se na apresentação de um planeta ainda intocado, preocupando-se com aspectos geométricos da imagem, como nunca fizera antes. Se houve mudanças relevantes com relação à forma e ao tema, no que diz respeito ao seu discurso, vamos perceber que nada se alterou: continua sendo crítico em relação à maneira como percebe o homem se relacionando com seu hábitat. Ao mudar o tema das suas fotos, elas não deixaram de ser belas e seu projeto continua sendo o de sensibilizar o público para combater o mundo do consumo e suas consequências, mas não mais pela divulgação de imagens trágicas e, sim, por imagens épicas.

. André Melo Mendes é professor do curso de comunicação social da UFMG.


GÊNESIS
Exposição de fotos de Sebastião Salgado. Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard e Espaço Mari’Stella Tristão do Palácio das Artes. Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7400. De 4 de junho a 24 de agosto. De terça-feira a sábado, das 9h às 21h; domingo, das 16h às 21h. Entrada franca.

Orelha

Estado de Minas: 24/05/2014 



Artista japonesa, Yayoi Kusama ilustrou nova edição de Alice no país das maravilhas (Andrew Toth/Getty Images/AFP)
Artista japonesa, Yayoi Kusama ilustrou nova edição de Alice no país das maravilhas


Clássico

As clássicas histórias infantis parecem estar mesmo em alta, merecendo novas traduções e ilustrações feitas originalmente para edições especiais, de olho mais nos adultos que nas crianças. Depois de Mary Poppins, ilustrada por Ronaldo Fraga, o mais recente lançamento do gênero é Alice no país das maravilhas, com tradução de Vanessa Barbara e ilustrações da grande dama Yayoi Kusama, uma das mais baladas artistas plásticas contemporâneas, conhecida por sua obsessão pelas bolas coloridas. Desde 2009, Kusama tem a obra Narcissus garden no Inhotim, em Brumadinho. Papa fina da Editora Globo.

Índia

A Global Editora está lançando o livro Poemas escritos na Índia, de Cecília Meireles. O mosaico cultural da Índia é o fio condutor dos poemas e com ele, Cecília, que conheceu o país em 1953, tece com limpidez e delicadeza sua poesia. Editado originalmente em 1961, o livro explora formas e imagens de elementos cotidianos, além de retratos de pessoas como o líder pacifista Gandhi e o poeta Rabindranath Tagore, e locais como o Rio Ganges e o Taj Mahal.
A apresentação é do poeta Afonso Henriques Neto.

Orgulho nerd

Especializada em terror e fantasia, a editora DarkSide está lançando Star Wars, a trilogia. O livro reúne os romances inspirados nos três primeiros filmes do universo fantástico criado por George Lucas: Uma nova esperança, O império contra-ataca e O retorno de Jedi. Os três títulos chegaram a ser lançados no Brasil, sendo o último deles em 1983. Mas esta será a primeira vez que a trilogia completa é editada no país num único volume, em capa dura. O lançamento oficial será amanhã, pois 25 de maio é chamado o Dia do Orgulho Nerd. E a chegada do volume ao Brasil só vem ratificar a força da série, que terá um novo filme em 2015, dirigido por J. J. Abrams, considerado um novo George Lucas. Preço para nerd nenhum botar reparo: R$ 79,90.

Poesia e pelada
Hoje é dia de poesia e futebol. A Livraria Scriptum, Rua Fernandes Tourinho, 99, Savassi, está lançando a terceira edição de sua Pelada poética. Os poetas foram convocados para usar sua liberdade e criatividade para dar tratos à bola. São 26 escritores, a maioria mineiros, como André di Bernardi, Ana Elisa Ribeiro, Renato Negrão, Kaio Carmona, Kiko Ferreira, Carlos Britto e Melo, Chico Alvim e outros, que dividem o campo com o pernambucano Fabiano Calixto e os cariocas Zica Sardan e Armando Freitas Filho (foto) e outros craques das letras. Às 11h, com direito a prorrogação.

     (Camila Maia/AG  )


Quadrinhos 1

O terceiro volume de O mundo de Edena – A deusa, de Moebius, chega às livrarias em edição da Nemo. O cenário, apesar de diferente, mantém as características fantásticas, fluidas e oníricas dos volumes anteriores.

Quadrinhos 2


O selo Fantasy, da Editora Casa da Palavra, manda para as livrarias o terceiro álbum da série Guerra dos tronos, de George R. R. Martin, em adaptação do roteirista Daniel Abraham e do desenhista Tommy Patterson.

Lançamentos


O escritor e jornalista Ewerton Martins Ribeiro lança hoje, a partir das 10h, na Biblioteca Pública Infantil e Juvenil de Belo Horizonte, na Rua Carangola, 288, no Santo Antônio, a novela A grande marcha. A edição é da Circuito.

***

Fred Melo Paiva lança hoje, a partir das 11h, na Livraria Quixote, Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi, o livro Bandido raça pura. O volume reúne perfis de “ilustres mais ou menos virtuosos, notáveis, anônimos, cães, ratos, urubus e coisas supostamente animadas”.

ENTREVISTA/TONINHO VAZ » Escorpião ferido‏

O jornalista lança biografia do poeta piauiense Torquato Neto, um dos criadores da Tropicália



Severino Francisco
Estado de Minas: 24/05/2014



Toninho Vaz (Lula Lopes/Esp.CB/D.A Press)
Toninho Vaz

Mesmo sem ter precisamente uma obra literária ou poética, o piauiense Torquato Neto é uma das figuras mais incandescentes da virada dos anos 1960/1970. Era um multiartista que transitava livremente pelos territórios da canção popular, da poesia letrada, do jornalismo cultural e do cinema. Parceiro de Caetano Veloso, de Gilberto Gil e de Capinam, entre outros, é autor de canções que se tornaram clássicos da moderna música popular brasileira, como Geleia geral, Mamãe não chore e Go back, let’s play that.

A coluna Geleia geral, que assinou no jornal Última Hora, tornou-se uma referência polêmica dos tempos mais truculentos do regime militar, dominados pela reação radical da contracultura. Torquato participou ativamente da Tropicália, mas nunca ficou em cima do muro, sempre tomou partido de maneira incisiva. Polemizou contra a estagnação do Cinema Novo, o dogmatismo das esquerdas e as inconsistências da própria Tropicália. Ele encarnava a ideia de revolução cultural permanente.

A trajetória do poeta é reconstituída em 408 páginas por Toninho Vaz em A biografia de Torquato Neto (Editora Nossa Cultura). Escorpiano, obsessivo e dramático, sempre cortejou a possibilidade do suicídio em seus versos ("Escorpião encravado em sua própria ferida/ Não escapa/ Só escapo pela porta da saída"). Mas também combateu essa tendência com estocadas poéticas contundentes: "A morte não é vingança”.

Os tempos ditatoriais eram de violência, opressão e sufoco. Aos 28 anos, ele cumpriu a sina que havia traçado para si mesmo. Entrou no banheiro, fechou a porta e abriu o gás. Toninho é o mesmo autor de Solar da Fossa e de uma biografia do poeta Paulo Leminski. Em entrevista ao Pensar, ele fala sobre a dramática trajetória de Torquato Neto. “Antes de tudo devemos considerar uma informação registrada, de forma inédita, no meu livro: Torquato tinha um diagnóstico de esquizofrenia.”


Como foi a infância e a adolescência de Torquato em Teresina? O que foi marcante na formação dele? Teresina tinha, naquela época, um ambiente cultural estimulante ou era provinciana?

Teresina era uma cidade provinciana, sim, mas ele teve uma infância privilegiada, confortável em família bem estruturada – o pai era promotor público e a mãe professora. Ele passou a adolescência em Salvador, onde foi estudar aos 15 anos. Encontrou o lugar certo, no momento certo, do ponto de vista cultural. A Bahia estava em efervescência no ano de 1960, com destaque para os trabalhos simultâneos de Lina Bo Bardi, do reitor Edgar Santos, do maestro Joachim Koellreutter e de Glauber Rocha no cinema. Os futuros maestros Julio Medaglia, Isaac Karabtchevsky e Tom Jobim estavam por lá, como bolsistas da sinfônica. Foi quando Torquato conheceu Caetano, Gil e todo o grupo de artistas criadores, incluindo o quase anônimo cineasta Alvinho Guimarães, de muita influência sobre ele.

Torquato Neto participou do Centro Popular de Cultura (CPC) e, no entanto, tinha uma postura bastante anárquica em relação aos valores da esquerda engajada. Como ele resolveu esta tensão?
De certa maneira, a postura do Torquato foi coerente com a maneira tropicalista de ser. Ou seja, um anarquismo que fazia o grupo ser mal- assimilado tanto por representantes da esquerda engajada, que os via como alienados, quanto pela direita, que os rotulava de maconheiros desbundados. Dizer que ele resolveu essa tensão não é bem o caso.

O tropicalismo foi um movimento, essencialmente, de baianos. Como avalia a contribuição de Torquato, e que ingredientes ele coloca no caldeirão tropicalista? Ele era mais crítico em relação à cultura de massas?

Como consequência da passagem de Torquato por Salvador, onde conheceu o grupo baiano, ele sempre foi confundido como tal. É inegável sua importância e influência no movimento, que explodiu, em escala nacional, em 1967, no festival de música da TV Record, em São Paulo. Foi Torquato quem alertou que o movimento devia se chamar Tropicália e não Tropicalismo, para evitar o ismo. Foi ele também quem anunciou a morte do movimento, como uma atitude crítica, ou melhor, autocrítica. Os conceitos éticos e estéticos de Torquato estão presentes no DNA da Tropicália.

Torquato foi um excelente letrista e, ao mesmo tempo, um leitor agudo de poesia. Algumas letras podem ser lidas como poesia e algumas poesias podem perfeitamente ser musicadas, como ocorreu com Os Titãs. Como se dá esse trânsito da canção para o poema? Isso se perdeu no cenário cultural de hoje?

Creio que sim. Algumas pessoas procuram separar letra de música de poesia, usando de muito rigor técnico e acadêmico. Lembro-me que nos anos 1960 o poeta Paulo Leminski, em Curitiba, me falava de Caetano Veloso como “o homem que musicava poemas”. Poetas, quando escrevem letras de música, como fizeram os Titãs, transgridem maravilhosamente bem as regras acadêmicas.

“Só quero saber do que pode dar certo/ Não tenho tempo a perder.” Qual o peso desses versos na vida de Torquato Neto? Ele tinha essa postura de não se perder em chororôs?

Sim, os versos fazem sentido com a vida de Torquato, que colocava poesia num pensamento linear como este. O Torquato também dizia que “cada louco é um Exército”.

Como você avalia a relevância e a originalidade da produção jornalística de Torquato?

A angústia trazida pela repressão – trabalhando com o censor na redação – moldou a coragem e a instransigência de Torquato como uma marca da sua personalidade. Ele participou ativamente – e com originalidade ‘‘tropical’’ – da resistência ao ordinário. Sua coluna Geleia geral, no jornal Última Hora, era um resumo disso: relevante e original.

Que interpretação você faz do suicídio na trajetória de Torquato Neto, que era escorpiano, signo com forte ligação com a morte? Ele cantou a morte em muitos versos (“Escorpião encravado em sua própria ferida/ Não escapo/ Só escapo pela porta da saída.”). Mas disse, também: “a morte não é vingança”. Que circunstâncias fizeram com que sucumbisse à morte? Ele acreditava em fatalismos?
Bem, antes de tudo devemos considerar uma informação registrada, de forma inédita, no meu livro: Torquato tinha um diagnóstico de esquizofrenia. Não se pode vincular os momentos depressivos do poeta, principalmente na fase final, como um “romantismo” em torno de álcool, drogas e poesia. Claro que o fator psicológico do momento, determinado pelo afastamento dos amigos e parceiros do grupo baiano, ajudou a piorar o quadro, terminando com o suicídio no dia do seu 28º aniversário. Coerente com alguém que viveu a vida de forma radical.

Como é a história da canção Cajuína, do Caetano Veloso?

Depois que a narrativa da história termina, no seu tempo normal, com a morte do poeta, acrescentei um último capítulo com os acontecimentos posteriores. Conto a visita de Caetano ao dr. Eli, pai de Torquato, que lhe deu uma rosa pequenina colhida no jardim da casa da Rua Coelho de Rezende. Foi a inspiração para fazer a música Cajuína.

Quem era Torquato Neto para você antes do livro e quem ele é depois da biografia?

Era praticamente um desconhecido. Minhas informações se restringiam à leitura diária da sua coluna na Última Hora, que eu tinha acesso nas bancas de jornais de Curitiba. Quase nenhuma informação pessoal ou mesmo profissional do lado letrista da MPB. Pesquisar sobre a vida dele foi a revelação de um poeta combativo, amargurado, competente e radical. Ainda hoje, Torquato é uma força do inconformismo, daqueles que gostam de combater o bom combate.

Torquato Neto era considerado alienado para a esquerda e maconheiro desbundado pela a direita (Nossa Cultura/Divulgação)
Torquato Neto era considerado alienado para a esquerda e maconheiro desbundado pela a direita


Trecho

“O menino se revelou franzino desde o início, preferindo as leituras aos esportes. E mais: tinha, além de um grande nariz e a pele muita branca, enormes orelhas de abano, contrastando com a cabeça longa e magra, inequívoca herança paterna. Esse detalhe anatômico lhe conferia, na escola, o papel de alvo favorito das cassuletas, uma das armas mais eficazes na guerrilha colegial, resultando quase sempre em orelha quente e raiva incontrolável. Seus cabelos eram claros, quase louros. Como para equilibrar essas pecularidades, era inteligente e demonstrava grande vivacidade, percebida desde cedo pelos professores das escolas por onde passou.”

Go back

Torquato Neto

Você me chama
Eu quero ir pro cinema
Você reclama
Meu coração não contenta
Você me ama
Mas de repente
A madrugada mudou
E certamente
Aquele trem já passou
E se passou, passou
Daqui pra melhor, foi
Só quero saber do que pode dar certo
Não tenho tempo a perder



A biografia de Torquato Neto
• De Toninho Vaz
• Editora Nossa Cultura,
• 408 páginas

Sem cutucar a ferida - Ângela Faria

Estado de Minas: 24/05/2014 



O gaúcho José Mariano Beltrame está à frente do complexo trabalho de implantação das UPPs (Roberto Moreyra/AG)
O gaúcho José Mariano Beltrame está à frente do complexo trabalho de implantação das UPPs

José Mariano Beltrame, secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, mandou para as livrarias Todo dia é segunda-feira (Primeira Pessoa), autobiografia escrita em parceria com Sérgio Garcia e Eliane Azevedo. Policial federal dedicado ao ofício, o gaúcho narra sua experiência à frente de um dos setores mais espinhosos da gestão pública. A criação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), o combate ao tráfico e os bastidores da reocupação de favelas cariocas formam o eixo de Todo dia..., mas o secretário, na verdade, pouco revela. Afinal de contas, ainda está à frente da pasta, e seu livro chegou às prateleiras a poucas semanas da midiática Copa do Mundo.

Segurança pública é tema complexo, sobretudo neste momento em que o país está sob os holofotes do “planeta bola”. Não deixa de ser interessante acompanhar Beltrame em sua labuta diária, mas fica a impressão de que ele – pela liturgia do cargo – evita pôr o dedo na ferida. Vem à lembrança outro volume de memórias, Meu casaco de general (Companhia das Letras), que deu a Luiz Eduardo Soares o Prêmio Jabuti em 2002. Subsecretário de Segurança exonerado pelo governador Anthony Garotinho em 2000, o antropólogo expôs, com todas as letras, as mazelas da polícia e, principalmente, da política fluminense. Driblando o sensacionalismo, ajudou a pôr a segurança pública em destaque na agenda política do país. Apontou erros e ousou sugerir soluções.

Beltrame talvez acertasse melhor a mira se optasse por lançar um livro sobre sua experiência depois de deixar o cargo. Ficou devendo capítulos mais aprofundados sobre temas como o caso Amarildo e a complicada convivência dos agentes destacados para as UPPs com moradores das favelas e traficantes. As milícias, formadas por agentes da lei, também exigem abordagem mais aprofundada. Beltrame deixa a impressão de que não contou tudo o que precisamos saber. Quem sabe, no próximo livro...


TODO DIA É SEGUNDA-FEIRA
• De José Mariano Beltrame
• Editora Primeira Pessoa
• 208 páginas, R$ 34,90

Nada de novo no front - Daniel Seabra

Nada de novo no front 
 
Biografia da banda AC/DC, do jornalista Mick Wall, é trabalho de fã, com elogios derramados ao principal vocalista da banda Bon Scott, que morreu em 1980


Daniel Seabra
Estado de Minas: 24/05/2014


O cantor Brian Johnson e o guitarrista Angus Young em ação: mesmo repetitivos, os shows sempre dão certo (Olivier Labn-Mattei/AFP)
O cantor Brian Johnson e o guitarrista Angus Young em ação: mesmo repetitivos, os shows sempre dão certo

No rastro da devastadora notícia que estourou como uma bomba no mundo do rock nas últimas semanas, chega às livrarias brasileiras AC/DC – A biografia, do jornalista britânico Mick Wall. No mês passado, a banda, uma das mais cultuadas e amadas do planeta, anunciou a saída de um de seus membros fundadores, o guitarrista Malcolm Young que, com uma séria doença degenerativa, vai se afastar do grupo por tempo indeterminado. Eles garantem que a banda segue. No livro, considerada (pelo autor) a biografia definitiva, Wall, um dos jornalistas que mais acompanharam o rock nos últimos anos, relata a história do AC/DC desde seu início até os dias de hoje.

Logo de cara, Mick Wall, que também escreveu sobre os monstros sagrados Metallica, Black Sabbath e Led Zeppelin, deixa claro que a obra não tem qualquer envolvimento com a banda, ou seja, “não estou comprometido com ninguém ao contar minha versão da história”, frisou. Segundo ele, já existem vários livros de fãs no mercado, o que não é o caso, já que desta vez ele não teve qualquer ajuda ou proibição dos músicos. Isso se explica claramente, já que a banda é totalmente reclusa e raramente concede entrevistas. Somente em turnês ou em lançamentos de discos e, ainda assim, com poucas perguntas e sem muitos detalhes.

Fã confesso do primeiro vocalista, Bon Scott, que morreu em 1980, o jornalista não demostra muito entusiasmo com Brian Johnson, que assumiu o microfone. Para Wall, o grupo deveria ter parado há 30 anos, quando Scott foi encontrado morto. Aliás, sua devoção ao antigo cantor é tamanha que, logo no prólogo do livro, ele tenta relatar o que seria a passagem de Bon para o outro lado, no dia de sua morte.

E este período está no livro, que é baseado em entrevistas feitas pelo autor com integrantes da banda e com pessoas próximas aos músicos. Também estão a ida da família Young da Escócia para a Austrália, onde tudo começou, com a pobreza na infância dos irmãos Malcolm e Angus, as brigas em que sempre se metiam e a escolha do nome do grupo, que quase foi The Night Hawks. O que é hoje é uma megabanda, que superlota estádios ao redor do mundo, começou quase como um “empreendimento” familiar. Os irmãos sempre repetiam: “Vamos ser enormes, cara, muito grandes”. E a profecia se concretizou.

O AC/DC, hoje, é como Garrincha no futebol, ou o Metallica e o Iron Maiden, por exemplo, na música. Você sabe o que vai acontecer no show, o repertório é praticamente o mesmo, mas não dá para perder. É como um disco do Motorhead. Aliás, é uma receita de bolo que sempre dá certo. Ou seja, para quem tem ou quer ter uma boa biblioteca roqueira, trata-se de mais um artigo indispensável.

AC/DC – A Biografia
• De Mick Wall, tradução de Marcelo Barbão
• Editora Globo Livros
• 456 páginas, R$ 49,90

Memória de pedra‏ - Walter Sebastião

Memória de pedra 
 
Pesquisa sobre arquitetura de Belo Horizonte dá origem a guia que destaca construções do período eclético e do conjunto modernista da Pampulha. Autores já têm material para o segundo volume 

 
Walter Sebastião
Estado de Minas: 24/05/2014


Museu de Arte da Pampulha, quando ainda abrigava o cassino, destinação original da obra de Niemeyer   (Museu Abílio Barreto/Divulgação)
Museu de Arte da Pampulha, quando ainda abrigava o cassino, destinação original da obra de Niemeyer
Palácio da Liberdade, de José de Magalhães, é um dos exemplos do ecletismo das construções da praça     (Beto Novaes/EM/D.A Press)
Palácio da Liberdade, de José de Magalhães, é um dos exemplos do ecletismo das construções da praça


“Nos gostaríamos que esse guia fosse usado especialmente pela população de Belo Horizonte. Pode ajudar a ter mais carinho com a cidade”, observa Alejandro Pérez-Duarte, professor de teoria e história da arquitetura da Fumec. É dele, com equipe de alunos, publicação que propõe percepção mais apurada da paisagem construída na capital de Minas Gerais, o Guia arquitetônico de Belo Horizonte (C/Arte). É volume de bolso, que traz análise de 26 edificações, com fotos, plantas, mapas, endereços, horários de funcionamento dos locais e também páginas em branco para anotação durante visitas.

O guia, conta Pérez, não cobre toda cidade, mas os edifícios que o grupo considera mais representativos. A seleção foi feita por meio de pesquisa de mais de dois anos para organização de banco de dados sobre arquitetura em Belo Horizonte. Os resultados estão disponíveis no endereço guiaarqbh.wordpress.com. O trabalho foi feito com o objetivo de difundir o conhecimento da cultura arquitetônica da cidade. “Temos pesquisas importantes, mas carecemos de difusão”, observa o professor. “Qualquer edifício é interessante quando se mergulha nele”, interpreta. Para Alejandro Pérez, toda construção traduz o pensamento de uma época.

 Belo Horizonte, de acordo com o autor, tem duas faces: a neoclássica e eclética, bem representada pelos edifícios da Praça da Liberdade; e a moderna, explicitada nos prédios de Niemeyer, que formam o conjunto da Pampulha. De um lado, está produção mais tradicional, com edifícios que misturam elementos de vários estilos e épocas; de outro, arquitetura bem brasileira, inovadora, que, se hoje é celebrada, já foi motivo de muita polêmica. “Como Belo Horizonte não parou no tempo, há novas faces da cidade em desenvolvimento”, anuncia.

Alejandro Pérez é mexicano, tem 40 anos, é doutor em teoria e história da arquitetura. Morou oito anos em Barcelona (Espanha), depois de formação feita no México. Vive e trabalha em Belo Horizonte desde 2006. Filho de arquitetos, respirou arquitetura em casa desde pequeno. “Mas me encontrei trabalhando com teoria”, diz. Ajudou na decisão de dedicar-se às ideias e história dos edifícios o curso de filosofia, iniciado e depois trocado pelo de arquitetura.

“Toda ação que traga mais conhecimento sobre as edificações é bem-vinda. Pode, inclusive, evidenciar relação mais forte com a arquitetura e a cidade”, afirma Alejandro Pérez. “Temos muitos prédios tombados, sem que se saiba quais são eles, o motivo do tombamento ou a importância do edifício para a cidade”, observa. Placas com informações nos imóveis poderiam ajudar a ampliar a compreensão do sentido da edificação na história da cidade. O professor conta que a pesquisa, que resultou na publicação, está bem avançada e continua sendo feita. E adianta que já existe material para o segundo volume do guia.

Alejandro Pérez-Duarte coordenou equipe formada por Débora Dornellas Martins, Isabella Azevedo Fiúza, Mariana Guimarães França, Maria Luiza Caus Mesquita, Carolina Soares Guimarães Coutinho, Daniel Soares Pinheiro, Maíra Paz Soares, Maria Luisa Machado Ribas de Castro, Paula Salum e Thaís Jahel Marigo.

No Centro de BH, o Museu de Artes e Ofícios, de Luiz Olivieri, é um marco arquitetônico da região (Alexandre Guzanche/EM/D.A Press)
No Centro de BH, o Museu de Artes e Ofícios, de Luiz Olivieri, é um marco arquitetônico da região

Caminhos da cidade

O Guia arquitetônico de Belo Horizonte traz quatro sugestões de roteiro de passeio pela cidade observando os edifícios. São eles: Pampulha, Praça da Liberdade I e II e Centro. O primeiro deve ser feito de carro, devido à distância entre os prédios. Os outros podem ser feitos a pé. Confira indicações de Alejandro Pérez para cada um dos roteiros.

Pampulha

O arquiteto destaca o conjunto modernista e chama atenção especial para o Museu da Pampulha (1940), concebido para ser um cassino. Volumes claros ao longo de todo prédio desenvolvem oposição e diálogo entre formas geométricas e orgânicas. “É modernismo muito brasileiro. E que foi polêmico”, observa Alejandro Pérez, chamando atenção ainda para a Igreja de São Francisco, de 1943, que foi pivô de escândalo ao ser inaugurada.

Praça da Liberdade

O Palácio da Liberdade (1895), obra do arquiteto José de Magalhães (1851-1899), é eclético. O projeto articula fachada, que é representação do poder, com residência familiar. Como o local tem muitos prédios, os autores do guia dividiram o conjunto em duas seções: à esquerda e à direita do Palácio da Liberdade, visto de frente.  De um lado está o CCBB (1926), do arquiteto Luiz Signorelli (1896-1964), a face mais clássica do conjunto. Exemplo da “boa mistura, como gostam os ecléticos”, é a antiga Secretaria de Obras Públicas (1895/97), também de José de Magalhães. À direita do Palácio da Liberdade, reveladora do mesmo aspecto e obra do mesmo arquiteto, está o Memorial Minas Gerais Vale (1895). Na mesma região, encontra-se também a Rainha da Sucata (1984), prédio de Éolo Maia e Sylvio de Podestá, sinalizando aparição do pós-moderno na cidade.

Centro

“O melhor ponto de partida para passeio no Centro, observando as várias faces da arquitetura de Belo Horizonte, é o Museu de Artes e Ofícios”, recomenda Alejandro Pérez. O museu é de 1922, projeto de Luiz Olivieri (1899-1937), e mostra a arquitetura eclética. O art-déco, com suas linhas já simplificadas, “meio caminho entre o século 19 e o moderno”, pode ser visto no Cine Brasil (1932), de Ângelo Alberto Murgel (1907-1978), e no Edifício Acaiaca (1934/1947), de Luiz Pinto Coelho. Entre os contemporâneos, é destacado o prédio do BDMG, na Rua da Bahia, de 1980, obra de Humberto Serpa, Marcus Vinícius Meyer, Márcio Pinto de Barros, William Ramos Abdalla. “A arquitetura de Belo Horizonte, depois dos anos 1950 e 60, tem preocupações que são comuns a muitas cidades. Atender a funções com eficiência, construção de espaços a baixo custo, criação de ícones e identidade em que a população se reconheça”, explica Pérez.

GUIA ARQUITETÔNICO DE BELO HORIZONTE
. Coordenado por Alejandro Pérez-Duarte Fernandéz
. Editora C/Arte, 150 páginas


Alexandre Guzanche/EM/D.A Press

TeVê

TV paga

Estado de Minas: 24/05/2014



 (Sony Pictures/Divulgação)

Sessão pipoca


Comédia ou aventura sci-fi? O assinante que faça sua escolha. Primeira novidade é o besteirol Todo mundo em pânico 5, com Charlie Sheen, Lindsey Lohan e Ashley Tisdale, às 22h, no Telecine Premium. A alternativa, também às 22h, na HBO, é Elysium, com Diego Luna, Matt Damon e Wagner Moura (foto), à frente de um elenco que conta ainda com Jodie Foster, Sharlto Copley e Alice Braga.

Ação, drama e humor
no pacotão de cinema


No Megapix, o especial de hoje reúne os filomes Hellboy 2 – o exército dourado (19h45), Van Helsing – O caçador de monstros (22h) e Solomon Kane – O caçador de demônios (0h30). No Telecine Action, o bloco Esquadrão de elite emenda Trovão tropical (15h45), Esquadrão classe A (17h55), Os mercenários 2 (20h05), The avengers – Os vingadores (22h) e G.I. Joe: a origem de Cobra (0h35). Na faixa das 22h, o assinante tem mais oito boas opções: O auto da Compadecida, no Canal Brasil; O maior amor do mundo, no Sony Spin; Melhor é impossível, no Comedy central; Peixe grande e suas histórias maravilhosas, na MGM; Um sonho possível, na Warner; Ferrugem e osso, no Max; As aventuras de Pi, no Telecine Pipoca; e A onda, no Telecine Cult. Outras atrações da programação: Cópia fiel, às 20h, no Arte 1; Gangues de Nova York, às 21h, no AXN; Clube dos cinco, às 21h15, no Glitz; Guerra é guerra, às 22h30, na Fox; e Jackass 3.5, às 23h40, no Universal Channel.

Disney Channel exibe
nova série brasileira


Estreia hoje, às 19h30, no Disney Channel, a série Que talento!. Dirigida por Juliana Vonlanten e Daniel Caselli, a produção brasileira conta as histórias de um grupo de adolescentes em uma agência de talentos nada convencional. No elenco, Mayra Arduini, Bruno Martini e Gabriel Calamari, entre outros.

Expedição vai buscar
alimentos saudáveis


No canal +Globosat, a novidade é um documentário sobre alimentos naturais que vai ao ar às 23h. Os caçadores de frutas tem como guias dessa aventura o ator Bill Pullman, que conduz uma cruzada para criar um pomar comunitário em Hollywood Hills; os aventureiros Noris Ledesma e Richard Campbell; o cientista Juan Aguilar; e a arqueóloga arbórea, Isabella Dalla Ragione, que investiga pinturas da época renascentista com o objetivo de reencontrar frutos perdidos.

Conheça as muitas
formas de fazer arte


Na Fox Life, hoje é dia de maratona dos programas Operação design e Design original a partir das 17h30. No Film&Arts, o destaque é o espetáculo KÀ, do Cirque du Soleil, às 21h. E na parte musical, a Cultura apresenta o programa Mosaicos, às 16h; o Cultura livre com a banda Charlie & os Marretas, às 18h; e um concerto da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, regida por Marin Alsop, tocando Beethoven, Prokofiev e Barber, às 21h30, na série Clássicos.


CARAS & BOCAS » Ótima domingueira
Simone Castro
Estado de Minas: 24/05/2014


Otávio Mesquita, Alexandre Frota, Israel Novaes e Eliana se divertem na atração da loura (Roberto Nemanis/SBT)
Otávio Mesquita, Alexandre Frota, Israel Novaes e Eliana se divertem na atração da loura

O quadro “Nó na língua” do Programa Eliana deste domingo, às 15h, no SBT/Alterosa, traz convidados especiais que movimentam a disputa. O apresentador Otávio Mesquita, o ator Alexandre Frota e o cantor Israel Novaes se arriscam nos trava-línguas. Quem sairá vencedor? Ainda na atração da loura, um assunto que vai interessar às mulheres: dicas de combate à celulite. Fique por dentro de quais alimentos são aliados e quais são os vilões. No “Ciência em show”, confira a nova tecnologia que vai revolucionar o dia a dia: a impressora 3D. Como ela funciona e o que é capaz de fazer? Os rapazes do quadro vão imprimir um rosto tridimensional.

IAN MCKELLEN RECEBE
OPORTUNA HOMENAGEM


O Cine magazine deste sábado, às 20h30, na Rede Minas, faz uma homenagem a Ian McKellen, ator consagrado pela interpretação de grandes personagens, como Ricardo III, o mago Gandalf e o mutante Magneto. Agora, ele se prepara para viver o detetive mais famoso da literatura: Sherlock Holmes.

STARTE ESTREIA NOVA
TEMPORADA NA TERÇA


Com um programa sobre Richard Serra, escultor que é considerado um dos artistas mais influentes do pós-guerra, com suas peças em aço retorcido, o Starte estreia sua nova temporada na GloboNews (TV paga), na terça-feira, às 23h30. A atração mostra quem é esse artista interessado em engenharia e física, além de destacar dois aspectos nas suas obras: o micro, expressado nos desenhos; e o macro das esculturas. O bate-papo com Richard foi realizado em um dos galpões da Galeria Gagosian, em Nova York.

PALMIRINHA ONOFRE
RETOMA SEU PROGRAMA


A culinarista Palmirinha Onofre já começou a gravar a terceira temporada do Programa da Palmirinha, do canal Fox Life (TV paga). Ela estava afastada cuidando de problemas no rim. A primeira convidada foi a jornalista e apresentadora do SBT Brasil, Rachel Sheherazade, que também cozinhou com a anfitriã.

REALITY MUSICAL JÁ TEM
GENTE NOVA NA BANCADA


Grávida do segundo filho, a cantora Christina Aguilera se afastou por uma temporada do The voice. Ela será substituída por Gwen Stefani, que já assinou contrato para participar da sétima edição do programa. As gravações começam em junho. Christina estará de volta na oitava temporada.

DONO DO SUCESSO

O autor João Emanuel Carneiro falou sobre o grande sucesso da novela Avenida Brasil em entrevista ao jornal El país, da Espanha. “Uma boa história dialoga com outras culturas. Minhas novelas têm a característica de ter poucos personagens, centrados em uma trama muito definida. Quando tem vários núcleos, fica tudo muito moído, até mesmo a sinopse de uma novela com muitas tramas é difícil de contar ou vender. O grande desafio é fazer uma história com fôlego e com poucos personagens. A casa do Tufão (Murilo Benício) e seus arredores ocupavam 80% do capítulo. Mas não fazemos novela pensando em lá fora, tem que dar certo aqui”, explicou sobre a trama, que já foi vendida para 125 países, inclusive a Espanha, e tem trajetória de sucesso, como ocorreu no Brasil. A próxima
novela do autor está prevista para 2015.

VIVA

Série sobre os convocados da Seleção Brasileira, realizada pelo ótimo Tino Marcos e exibida no Jornal nacional (Globo).

VAIA

Isabelle Drummond merece mais espaço em Geração Brasil (Globo). A atriz, que vive Megan, é uma grande atriz de sua geração. 

A outra face - Ana Clara Brant

A outra face
Fred Melo Paiva lança livro com perfis de seus entrevistados e reúne de celebridades a urubus.




Ana Clara Brant
Estado de Minas: 24/05/2014
Fred Melo Paiva selecionou 36 perfis de um período que considera rico e criativo (History/Divulgação)
Fred Melo Paiva selecionou 36 perfis de um período que considera rico e criativo


Bandido raça pura é o nome do mais novo livro do jornalista, escritor e colunista do Estado de Minas Fred Melo Paiva, e é também o nome de um pit bull que viveu 11 anos e que foi um potencial homicida salvo pelo esporte. Essa curiosa história – narrada, aliás, pelo próprio cão – foi publicada nas páginas do Estado de S. Paulo, assim como inúmeras outras que integram a publicação que será lançada hoje na Livraria Quixote, em Belo Horizonte.

A obra, da Arquipélago Editorial, traz os mais variados perfis escritos nos últimos 10 anos por Fred, que vão desde gente famosa como Oscar Niemeyer, Cléo Pires, Joãzinho Trinta, Alessandra Ambrósio e Cauby Peixoto, passando por notáveis anônimos como seu Francisco, pai de Zezé di Camargo, seu Luiz, caminhador do MST, e até Eudes, o candidato nanico. Outra parte do livro traz perfis de cães, ratos e urubus e até de coisas inanimadas como o Minhocão, a Vila de Jaguara, uma cidade à venda no interior de Minas, e o Sucatão, o boeing aposentado pela Presidência da República. “É uma coletânea de perfis e reportagens que produzi ao longo de minha carreira no jornalismo impresso e considero a minha melhor fase. Resume bem o meu trabalho. Acho que é um período extremamente rico e criativo”, destaca.

Com texto versátil, inovador, capaz de criar pérolas como “Alessandra Ambrósio, mulher desprovida de bunda e de agenda”, ou “Jamelão é um sujeito que não gosta. Não gosta assim mesmo, com o verbo no intransitivo, tantas são as coisas que ele desgosta”, o autor revela que sua seleção final pelos 36 perfis foi pelo texto. Poderia até ter optado por colocar mais celebridades, no entanto, os bichos e os anônimos despertam causos mais saborosos. “Os textos sempre têm um quê de brincadeira. O bacana é que o livro tem de tudo um pouco. Acabei me tornando um generalista porque escrevo sobre cultura, crime, esportes, política. Em comum, todos têm uma boa contação de história”, frisa.

Em todos os perfis, Fred entrevistou os personagens, sendo que em algumas ocasiões, por mais de uma vez. Um dos mais interessantes é o do trio Carniça, Lodo e Sujeira, os urubus que fizeram parte da instalação do artista plástico Nuno Ramos, na Bienal de São Paulo, em 2010. “Passei 15 dias no Nordeste, pesquisando sobre a vida deles. Entrevistei o Nuno também para ajudar a resgatar toda a história das aves”, relembra.

Já a entrevista com o ídolo Oscar Niemeyer não rendeu o esperado e quase causou sua demissão. Apesar de Fred ter se preparado bastante, o arquiteto não parecia estar num bom dia. “Ele não estava bem-humorado e meu perfil refletiu isso. Essa fúria. Foi um texto que resumiu meu jeito, bem polêmico”, atesta.

Um dos preferidos do jornalista e escritor é sobre Ronaldo Fenômeno em que ele relata uma enrascada em que o ex-jogador se envolveu num motel carioca como quem narra uma partida de futebol. “Juro que gosto de todos os perfis. É complicado escolher. Mas no geral, o bacana desse projeto é que, quem está acostumado a me ler nas colunas sobre o Atlético, no Estado de Minas, ou no programa O infiltrado, vai conhecer esse lado que é muito importante da minha trajetória jornalística, essa época anterior. Revela para a maioria das pessoas outra faceta. Fico muito feliz com isso”, celebra.


 (Arquipélago Editorial/Divulgação)


Bandido raça pura
•  Lançamento do livro de Fred Melo Paiva
•  Hoje, às 11h, na Livraria Quixote, Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi

Coragem de ousar - Gracie Santos

Estado de Minas : 24/05/2014 



Jude Law é a única (boa) razão para assistir A recompensa (H2O Films/Divulgação)
Jude Law é a única (boa) razão para assistir A recompensa

Quanto vale o silêncio de um presidiário que preserva seus comparsas? Não tem preço... nem no Mastercard, poderia responder o arrogante Dom Hemingway, personagem que consolida a boa carreira do britânico Jude Law. No longa do diretor americano Richard Shepard, o ator que começou a atuar aos 12 anos e costuma roubar papéis de galãs dos colegas americanos, acredite se quiser, está medonho. Feio e extremamente grosseiro.

Ele é o arrombador de cofres que, depois de amargar 12 anos na cadeia, vê-se livre para, finalmente, cobrar do “mandante” a (merecida) recompensa. Título aliás que o filme ganhou em português. No original é mais justo: Dom Hemingway. Afinal, é ele o único motivo para assistir à comédia despretensiosa – que tem trilha sonora (pop em alto volume) marcante e a também boa participação de Richard E. Grant como Dickie.

Já na primeira cena, quando declara a magnitude de seu órgão sexual, Jude Law diz a que veio (seus nus provocaram burburinho na rede). É ele quem conduz e tempera a trama, que se apoia na sua força dramática e veia cômica. Sim, o ator do incrível deprê/cult Closer – Perto demais (2004) também pode ser muito divertido. E não é exagero dizer que Jude Law correu sérios riscos ao aceitar o papel que lhe cobra cenas um tanto constrangedoras e comportamento absolutamente politicamente incorreto em tempos de patrulhas. Se a trama não chega a ser surpreendente, é a performance arrasadora do britânico que se permitiu ousar e cometeu mais um acerto que vale o ingresso do filme. No fim, a gente vê que o silêncio de Dom é menor que a coragem de Jude Law.

Eduardo Almeida Reis - Salamanca‏

Circulam na internet fotos e filmes de drones inacreditáveis. Um deles tem o tamanho e o formato de um mosquito



Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 24/05/2014

Lenda argentino-chilena conta que salamanca é uma cova em que o aventureiro deve passar por três provas iniciáticas. A primeira consiste em resistir ao ataque de um bode malcheiroso de olhos vermelhos. A segunda é aguentar a pressão dos anéis de enorme serpente peluda chamada viborón, ou culebrón, e a última é vencer o azucrim de olhos cintilantes.

Às vezes, o diabo sai da cova sob a forma de mandinga e aparece como gaúcho luxuosamente vestido com adornos de prata. Os que estiveram na salamanca da lenda podem ser reconhecidos porque, segundo a tradição, não projetam sombras. E o negócio vai por aí para meter medo naqueles que acreditam em feitiçarias.

Na Espanha, Salamanca é uma das cidades mais ricas em monumentos da Idade Média, do Renascimento e dos períodos clássico e barroco. Foi escolhida em 2002 para Capital Europeia da Cultura e tem a fama de ser o lugar onde se fala o castelhano mais puro da Espanha, tanto assim que a sua universidade, fundada em 1218 por Afonso IX, de Leão, vem de outorgar ao pernambucano Luiz Inácio da Silva, dito o Lula, um doutorado honoris causa, o 27º que recebeu até anteontem.

Rose, que está aprendendo francês para viver na Europa com os milhões de euros depositados em Portugal, ficou deslumbrada com o vingt-septième doutorado do seu amour partagé: “Parabéns, mon chéri, pelo vinte sétimo. Volta pra presidência que é pra nós viajá pelaí”. Emocionado pelo carinho da favorita, o vinte sétimo agradeceu e ajeitou o laço da gravata para festejar em Lisboa o aniversário da Revolução dos Cravos.


Drones

Na rubrica aviation do dicionário do doutor Bill Gates, drone significa: aircraft with no pilot, an aircraft whose flight is controlled from the ground. Prefiro drone a vant, veículo aéreo não tripulado, pelos relevantíssimos serviços que os drones têm prestado ao planeta matando terroristas por Ceca e Meca. Dizem que, às vezes, suas bombas matam inocentes. É, bebé? Porventura as bombas dos aviões tripulados jogam flores e bombons?

Circulam na internet fotos e filmes de drones inacreditáveis. Um deles tem o tamanho e o formato de um mosquito. No duro: um pernilongo controlado a distância, que se gruda na roupa do investigado e transmite dados. Outro, “totalmente nacional” projetado pela marinha do país que andou a festejar o aniversário da Revolução dos Cravos, que tem o tamanho de pequeno aeromodelo, talvez 90 cm de envergadura, e foi lançado na presença de vários militares e do senhor doutor José Pedro Aguiar-Branco, ministro da Defesa: mostrou-se inútil quando, na primeira tentativa, teve um “erro de lançamento”, caindo ao mar assim que foi lançado. Foi antes um mergulho que um voo. O segundo modelo avoou, mas a mídia maldosa só mostrou o mergulhador.


Vozes

Os sons ou conjunto dos sons produzidos pelas vibrações das pregas vocais, sob pressão do ar que percorre a laringe, são muito importantes e podem fazer a fortuna dos que os têm em condições de encantar ouvintes. O tenor Francesco Tamagno, na opinião do baixo Feodor Chaliapin, foi “a voz do século 19”. Caruso, Pavarotti, Chaliapin e tantos outros foram as vozes do século passado.

Temos agora no Senado da República Federativa do Brasil algumas vozes que deveriam ser proibidas, não pelas ideias que expressam – direito democrático –, mas pelo conjunto de sons produzidos. Em sua ignorância abissal, os senadores não sabem que a foniatria é especialidade médica que compreende o estudo da fonação e da audição, de seus distúrbios e das suas formas de tratamento.

Não digo que as suas vozes, tratadas por um foniatra, fiquem perfeitas, mas podem ficar suportáveis. Do jeito que alguns senadores produzem os sons, só a pau.


O mundo é uma bola 

24 de maio de 1098: Luís VI da França é armado cavaleiro. Qual a importância dessa notícia em Minas? Não sei, ninguém sabe, mas preciso escrever 200 palavras. Então, vamos lá: cognominado o Gordo, Luís VI (1081-1137) foi o rei dos Francos de 1108 até morrer, o quinto da dinastia dos capetianos. Portanto, quando foi sagrado cavaleiro, em 1098, ainda não era Luís VI, era o príncipe Luís, filho de Filipe I de França e de Berta da Holanda.

O reinado de Luís VI foi marcado por iniciativas que concentraram o poder na coroa. A partir do seu reinado e o de seu filho, aconselhados pelo abade Suger, a realeza começou a exercer um papel nacional nos conformes dos apelos dos seus súditos. A justiça do rei decidiria os conflitos entre diferentes vassalos, confirmaria as cartas de foral das comunas aos burgueses das cidades e garantiria as propriedades do clero.

A dinastia capetiana ou capetíngia governou a França mais de 300 anos. Seu nome veio do fundador, Hugo, duque de Francia, denominado Capeto pela capa curta que sempre usava como abade secular em St. Martin de Tours. Hugo, o mais importante vassalo de Luís V de França, conseguiu subir ao trono quando da morte de Luís V em 987. Hugo deixou quatro filhos, entre os quais Roberto I de França. Hoje é o Dia da Infantaria, do Digitador, do Telegrafista, do Vestibulando, do Barista e o Dia Nacional do Café.


Ruminanças
“BRASIL – país rico é país sem ladroeira” (R. Manso Neto).

Rico e fragilizado ecossistema - Renan Damasceno

Ao menos 20 espécies podem desaparecer da fauna marinha nos próximos anos, e outras 35 correm risco de sofrer declínio. Para frear quadro, Brasil prepara plano nacional de corais



Renan Damasceno
Estado de Minas: 24/05/2014


Ao menos 20 espécies podem desaparecer da fauna marinha brasileira nos próximos anos, e outras 35 correm risco de sofrer drástico declínio populacional, vítimas de pesca ilegal, poluição, turismo mal conduzido, ocupação irregular, entre outras interferências que colocam em perigo um dos ecossistemas mais ricos, porém fragilizados, da costa oceânica do país: os corais. As espécies vivem em recifes que vão do litoral maranhense até Santa Catarina, passando por regiões de alto atrativo turístico, como Fernando de Noronha (PE), Abrolhos (BA), Cabo Frio e Paraty, no litoral fluminense.

Na atual lista oficial de espécies ameaçadas de extinção no Brasil, elaborada em 2005, foram identificadas 20 espécies que habitam os corais e que dependem desses ambientes para procriar e sobreviver. Entre elas, seis espécies de estrela do mar e peixes, como canário-do-mar, grama, donzela de São Pedro, góbio-neón e peixe-borboleta de São Pedro, que colorem o mar, transformando os corais em um paraíso para mergulhadores.

Também vivem nesses ambientes, principalmente em regiões costeiras de profundidade, os tubarões-limão e o tubarão-lixa, este último, uma espécie mais amistosa e dócil, além de pequenos invertebrados, como ouriço-satélite e do-mar, verme-de-fogo, pepino-do-mar, anêmona-gigante e orelha-de-elefante.

No entanto, os corais vêm recebendo, nas últimas décadas, diversas pressões, como aquecimento global – que eleva a temperatura da água e diminui o pH, deixando o oceano mais ácido –, mineração, sedimentação e poluição, em razão das drenagens das bacias hidrográficas, ocupação e uso inadequado da zona costeira, resultado da expansão imobiliária e do turismo.
“O recife de coral é um ambiente onde todos interagem entre si, uma cadeia alimentar na qual as espécies dependem muito umas das outras. Se você tira um, pode reduzir e até matar a população. Existem peixes brasileiros que se alimentam dos corais. Se você remove os corais, que são a base do ecossistema, faz mal direta e indiretamente a todos”, explica o pesquisador Miguel Mies, doutorando em oceanografia na Universidade Federal de São Paulo com o tema de dissertação “Simbiose em recifes de corais”.

Para evitar o desaparecimento das espécies, desde o mês passado está sendo elaborado o Plano de Ação Nacional para Conservação dos Ambientes Coralíneos (Pan Corais). O documento – resultado de uma oficina que reuniu 100 especialistas das áreas governamentais e não governamentais no início de abril, em Arraial d’Ajuda (BA) –, ficará pronto em outubro, quando será publicada uma portaria no Diário Oficial da União. As ações de conservação contemplam as 20 espécies marinhas ameaçadas, além de outras 35 que devem ser beneficiadas, entre corais, peixes ósseos, elasmobrânquios, equinodermos e poliquetas. O evento foi organizado pelo Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros do Litoral Sudeste e Sul (Cepsul), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), em parceria com o Projeto Coral Vivo.
“O Pan Corais não é uma legislação nova, mas uma regulamentação de ações. Muitas ações de conservação e preservação de ambientes coralíneos estão em andamento, mas precisam ser organizadas”, afirmou o biólogo marinho Clóvis Castro, coordenador-executivo do Pan Corais e coordenador geral do projeto. “É um plano continuado, a ser executado ao longo de cinco anos, por diversos atores, entre eles pesquisadores, pescadores, institutos, ONGs e iniciativa pública e privada”, lembra.

AÇÕES DE PRESERVAÇÃO A oficina que reuniu uma centena de especialistas no tema dos corais definiu e discutiu cerca de 200 ações, que passarão agora por refinamento. O documento, em forma de portaria, será publicado em outubro, mas, ao longo dos cinco anos, serão realizadas reuniões de ajustes e reavaliações. “Existe hoje recurso material e humano para a implementação das ações, mas está desorganizado. O Pan Corais não terá dotação financeira. A recomendação é que o governo utilize as verbas que já tem, como bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq), por exemplo”, recomenda Castro.

Há indicações de recifes profundos nas costas nordeste, sudeste e sul do país. No Pan Corais foram consideradas 18 áreas prioritárias, desde o Parcel de Manuel Luís, no Maranhão, até o Arvoredo, em Santa Catarina, além dos ambientes coralíneos de profundidade, que têm enorme importância ecológica, oferecendo inúmeros recursos biológicos e econômicos. Estes ambientes proporcionam um hábitat rico e fonte de alimentos para uma grande variedade de organismos, como peixes.
Das áreas indicadas, as regiões turísticas de Abrolhos e Fernando de Noronha já contam com programas de preservação. Outras, como Guarapari (ES), por exemplo, sofrem com a retirada de peixes e corais para finalidade ornamental. Em regiões portuárias, os corais estão suscetíveis ao derramamento de combustível ou a sofrer choques de navios.

“Estamos preocupados com a extração de calcário, que dizima ambientes coralíneos, e modalidades de pesca destrutivas, que muitas vezes, por descuido, arrastam a rede e destróem estruturas e comunidades de centenas de anos em segundos. Ainda há a preocupação com a retirada dos corais para a aquariofilia, o pisoteio pelo turismo. OU seja, esse ecossistema sofre várias pressões”, enumera Roberta Santos, coordenadora geral do Pan Corais e coordenadora do Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros Litoral Sudeste e Sul (Cepsul/ICMBio). Para ela, é importante envolver a sociedade na discussão. “Na oficina, tivemos a presença de pescadores que usufruem diretamente desse ambiente. Isso é muito importante. Não adianta fazer plano de pesquisador. A ideia é envolver representantes de associações que possam levar a discussão às comunidades.” 

Arnaldo Viana - É proibido pescar‏


Estado de Minas: 24/05/2014



Deu-lhe um estalo. Era sábado, fim de tarde. Tirou a vara de pescar desmontável do fundo do armário. Pegou a caixa com anzóis, chumbadas, linhas, canivete, alicate e outros apetrechos. Foi à cozinha e misturou queijo, farinha de trigo e o que mais precisaria uma boa massa para atrair a gula de peixes. Tinha na cabeça uma pequena lagoa que vira quando fora a um povoado com um amigo, a uns 80 quilômetros de BH, comprar uma cachaça artesanal. Perderam-se e só depois de hora e meia, percorrendo caminhos de terra e poeira, chegaram à casa do dono do alambique. A lagoa ficou na memória. Vira-a do alto da estrada, cercada de mato. Devia estar abarrotada de gordas traíras, prontas para serem fisgadas. Acordou no dia seguinte ainda no escuro. Providenciou água, repelente, lanche, botou a tralha no carro e tomou rumo. Ao volante, viu-se assobiando uma música de Erasmo Carlos, que fala de domingo de sol, anzol e falta de cooperação dos peixes. Sorriu. Hora e meia depois chegou ao acesso à estrada vicinal.

Fechou os vidros para deixar a poeira do lado de fora e dirigiu devagar, para não atropelar os buracos. Passou pelo povoado e por uma vendinha, daquelas de balcão de madeira coberto de queijos curados, sacos de mantimentos abertos no chão, à espera dos clientes, e linguiça defumada pendurada em cordões que desciam do teto. Ainda era cedo e meia dúzia ou mais de homens já estava a postos diante do balcão, bebericando em prosas diversas e beliscando queijos e nacos de linguiça. Que inveja! Rodou mais seis, oito quilômetros. Enfim, o entorno da lagoa. Deixou o carro sob uma árvore e, com a tralha a tiracolo, entrou no mato. Atravessou uma clareira, plantada de milho, quiabo e abóbora, e mais mato. Chegou à lagoa. Achou um bom lugar. Sentou-se à beira do lençol d’água, tirou as botinas de plástico e pôs os pés na água. Nada de vozes, de buzinas, de gente, violência, principalmente violência. Só o canto de pássaros. Era exatamente o que queria. Armou a vara, iscou um pedaço de massa no anzol e o lançou na água. Viu-se novamente com Erasmo Carlos. E cantarolava: “Preciso acabar logo com isso. Preciso lembrar que eu existo. Que eu existo, que eu existo...”

Estava ali, à espera de um belisco. Não pretendia levar peixe. Era fisgar e soltar. Chegou ao nível mais baixo de alienação possível. Nem sabe explicar como ouviu os arbustos se mexendo às costas. Virou-se devagar. Viu, à esquerda, uma mulher com uma foice. À direita, outra, com um machado. As lâminas brilhavam. Com certeza, afiadas. Pareciam irmãs. Morenas, baixas, saias de pano grosso abaixo dos joelhos, cabelos despenteados e blusas rotas. O olhar delas o gelou. A da esquerda falou: “É polibido (sic) pescar aqui”. Recolheu o anzol e fingiu de desentendido. “Como assim, polibido?” A da esquerda disse: “A lagoa é nossa!”. Avaliou a situação, o olhar hostil das mulheres e imaginou o fundo da lagoa cheio de cadáveres decapitados. “E por acaso tem peixe aqui?”. A da esquerda respondeu: “Não, mas é polibido pescar, e pronto!”. Elas ocupavam as duas saídas possíveis. Então, num estalo, meteu a mão no bolso, tirou a certeira e, dela, R$ 50. “Vou dar a vocês um dinheirinho pelo incômodo e vou embora”. Dito e feito. Nem se lembra de como saiu. Pegou o carro e quando atravessou povoado, teve a impressão de que toda a freguesia da vendinha o olhava com certo sarcasmo. E acelerou sem se importa com a poeira que invadia o carro pelas janelas abertas. E que o buracos se danassem.

Pergunta do Negão 1: Amigo leitor leitor quer saber “por que a polícia apreende várias toneladas de drogas na hora incineração só aparecem uma ou duas toneladas, mesmo assim só maconha; as mais caras nunca se vê?”

Pergunta do Negão: Rola na alta corte legislativa projeto para acabar com o auxílio reclusão, aquele pago às famílias dos condenados por homicídios, roubo, sequestro e outros crimes e reverter o benefício em favor das vítimas dos criminosos. O cidadão pode abrir o site da Câmara dos Deputados e opinar. E você? Apoia ou não a proposta? Ou muito antes pelo contrário?