sábado, 21 de setembro de 2013

O fracasso da sublimação - Inez Lemos


Nos últimos 25 anos, a taxa de suicídio de jovens brasileiros aumentou 30%. Impotência, frustração e a debilidade das relações interpessoais são fruto da sociedade capitalista
 
Inez Lemos
Publicação: 21/09/2013 04:00 

Autorretrato do pintor Van Gogh, que desistiu de viver em julho de 1890 (TIZIANA FABI/AFP)
Autorretrato do pintor Van Gogh, que desistiu de viver em julho de 1890

O mundo atual recusa a figura transcendente. Os valores são definidos de forma alheia à história, à mitologia e à carga simbólica que garantia as trocas. Somos solicitados a nos desfazer das nuances simbólicas que subsistiam nas transações de mercado. O foco é o simples e neutro valor monetário da mercadoria. Quando viver passou a ser ato operacional, sem nenhum apelo transcendental, tradicional e moral, desespera-se a humanidade, destituída de alma, sua mais nobre substância. Ao homem dessubstancializado e dessimbolizado resta a servidão ao duro jogo da circulação infinita de mercadorias. Assim, livres do passado e dos signos que nos identificam, reverenciamos as propostas da sociedade de mercado. O novo sujeito, desatrelado de sua carga subjetiva, é oco, triste, entediado e deprimido – uma vez que, fora do simbólico, circula apenas no real. E a vida no real é insuportável. Impossível ser feliz transitando por meio de semblant soft. 

Destaco alguns traços de nosso tempo no propósito de investigar o sofrimento vivenciado pelos jovens quando deles são esperadas apenas a venda e a compra de mercadorias. Muitos não são acolhidos em seus delírios simbólicos, em suas fantasias. Quando um dos integrantes da família apresenta desajuste, foge ao roteiro doméstico e decepciona, opta-se por sua exclusão. Expulso do paraíso, esse indivíduo amarga a devastação, pois nem tudo é negociável. Destituído de sua autonomia e de sua insígnia narcísica, o jovem se vê diante do mal. O mal é o sonho que não se cumpre. 

A arte é a instância que melhor acolhe a expressão humana, expressão de desamparo e solidão. É fascinante abordarmos o vazio e a incompletude humana por meio do belo. Ao criarmos, elaboramos os sentimentos incendiários que nos torturam. O que falta aos jovens que saem de cena e puxam, precocemente, a cortina da existência? Como não se demitir de um mundo que pressiona para o sucesso e não tolera o fracasso? Como esculpir a angústia abissal, enlaçar-se no erotismo do sonho que não se cumpriu? Sublimar é descobrir formas de suportar o objeto perdido, a falta tributária da condição humana. Quando as perdas não são simbolizadas – bordadas com pedras e miçangas –, restam-nos a amargura, o gosto de morte na boca. Como enfrentar frustrações? Sentir-se frustrado é experimentar a sensação de estar em falta, em desvantagem – mágoa por algo que não se cumpriu.

A existência humana é peleja, esforço destinado a apaziguar insatisfações. Todos anseiam por gratificação – estado de graça, sentimento de plenitude e reconhecimento. Somos movidos por pulsões, elas tanto podem produzir obras de arte quanto neuroses. Que destinos devemos dar às pulsões, que interesses norteiam as escolhas dos jovens? A psicanálise vincula criatividade e sublimação. Cada cultura incentiva modalidades de sublimação. Ao mudar o objeto da pulsão, tem-se o reordenamento no circuito pulsional. Ou seja, pulsão é energia conectada aos valores de sua época.

Em “Escritores criativos e devaneios”, Freud aponta a criação como responsável pelo bem-estar – tanto do autor quanto do leitor... Diz ele: “O escritor suaviza o caráter de seus devaneios egoístas por meio de alterações e disfarces, e nos subordina com o prazer puramente formal, isto é, estético, que nos oferece na apresentação de suas fantasias”. 

Fantasia
 O debate aponta para a capacidade de o sujeito se envolver com o que produz – criação artística ou atividade que lhe confere satisfação. Por meio da sublimação, imprimimos sentido a fantasias que não cessam de pulsar. Cada época elege valores que operam na proteção ao sofrimento e à loucura. Como orientar os interesses narcísicos? A escolha entre a vida empobrecida, neurótica ou de grande riqueza simbólica dependerá de nossa capacidade de sublimação. O vínculo que enlaça o indivíduo e o coloca na posição de sujeito desejante e entusiasmado com sua produção se situa numa fantasia inconsciente, pois o objeto que causa desejo é perdido desde sempre. Impossível reeditar a primeira experiência de prazer. Resta-nos descobrir formas simbólicas de representá-la. 

Toda civilização é fonte de sofrimento, viver em sociedade exige renúncia, nunca vamos nos realizar plenamente. Entretanto, devemos dar ouvidos aos berros, ao que em nós urra, clama por satisfação. É trabalho de detetive, pois há toda uma logística em nos desviarmos e nos confundirmos, fazendo com que desejemos o que, no fundo, não desejamos. Ao transitar fora do eixo subjetivo, desprezamos a herança simbólica, empobrecemos a existência e, vulneráveis, sucumbimos frente aos interesses do mercado. Viver bem, cultuar a satisfação interna, enfrentar a falta visceral e o vazio existencial são tarefas de toda uma vida. Aspirar à felicidade é função social. O sujeito feliz sabe compensar a insatisfação provocada pela civilização. Suporta melhor contradições e adversidades da vida. 

Tabu Pesquisa feita no Brasil registra que a taxa de suicídio entre jovens aumentou cerca de 30% nos últimos 25 anos. Para o psiquiatra Neury Botega, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é importante falar sobre o assunto. Esse tema deve deixar de ser tabu entre profissionais da saúde. Dados relatados pela imprensa comprovam que o deserto é destino dos não engajados no discurso capitalista. Conversando com jovens que anseiam por realização pessoal e profissional, percebo que a maioria se sente frustrada, infeliz por não conseguir ocupar lugar de destaque e por não ser reconhecida pelo que produz. Junto da frustração há a pressão da família e da sociedade, pois a maioria é educada para brilhar, ganhar muito dinheiro e fama.

A vida que se tece no anonimato, longe das luzes da ribalta, exige coragem moral. Superar a incompletude e a transitoriedade não é tarefa fácil. Excluídos entre os bem-sucedidos, sem expectativas e impotentes para provocar movimento em suas vidas, muitos se desesperam. Como enlaçar o sujeito, como resgatá-lo em um vínculo erótico que garanta satisfação? 

Será que o suicídio, no estado atual do capitalismo, metaforiza o fracasso da sublimação? Na luta para obter prazer, algo fracassa. O prazer não foi substituído pela satisfação sublimada – a gratificação narcísica não se cumpre na produção artística ou profissional. A era da tecnocultura não seria suficiente para proporcionar aos jovens o apaziguamento necessário, os meios que vão operar na realização dos desejos? Privados de suas vias de expressão e diante de um sonho frustrado, jovens se desesperam. Faltam-lhes forças para, da lama, fazerem ouro. 

O inferno é qualquer lugar que nos limita e impede de expressar incômodos, sentimentos oceânicos. Se não formos competentes para descobrir nichos de paixão, se não nos deliciarmos com o que produzimos, sucumbimos. A felicidade está em gostar. Sem gostar é impossível ter saúde. Gostar é diferente de ansiar. Ânsia, sanha, insânia. O corpo em fúria dilacera. Contrariado, o sonho é dantesco – tormento, desgosto: tenta fugir ao açoite, imperativo que conduz a atos desarmônicos com a natureza ôntica. A gratificação potencializa, empresta força ao desejo frouxo e o impulsiona. A atividade criadora barra a frustração e viabiliza o enlaçamento do sujeito com sua interioridade, disponibilizando-o para a produção artística, superando o medo do fracasso e a angústia ao se expor ao outro. Na alteridade, realiza-se o laço social, a comunicação com o mundo. 

Tédio
 O suicídio é a forma radical de escapar da sensação de impotência e da dificuldade de provocar mudanças. A passagem ao ato sem visitar entranhas. Ou o tédio deflagrado pelas máquinas, quando as relações interpessoais perdem consistência. Hoje, amor e amizade são conduzidos por sites – ações e afetos que antes pertenciam ao acaso agora são tarefa de empresas virtuais, esmaecendo a intensidade dos sentimentos.

Quando não ocupamos lugar que assegure pertencimento, desabamos. Sem partido e sem heróis que os representam, jovens partem em busca de uma causa – o coro dos descontentes se manifesta nas ruas, arrisca-se a vida em revoltas. A vida só vale a pena quando se tem uma causa pela qual vale morrer? A luta não é mais de classe, mas de place – lugar –, de lamento pela perda de espaços de subjetivação e pela descrença no consumo individualista, que não o preparou frente aos anseios existenciais. Se fantasiar e simbolizar é tratar a insatisfação, muitos perambulam no real – inferno que habita cada um de nós.


Inez Lemos é psicanalista

João Paulo - Disneylândia nunca mais‏

Estado de Minas: 21/09/2013 


Dilma e Obama em São Petersburgo: por que é tão difícil para Obama pedir desculpas?     (Sergei Karpukhin/Reuters)
Dilma e Obama em São Petersburgo: por que é tão difícil para Obama pedir desculpas?


A decisão de Dilma Rousseff de adiar a visita de Estado aos EUA é um gesto que recupera parte do terreno que vinha sendo perdido na política externa brasileira. Em matéria de relações internacionais, o Brasil é um país que sempre se orgulhou da qualidade de sua diplomacia, ao mesmo tempo em que se eximia de maior participação da vida internacional, com uma atuação tímida no âmbito dos conflitos de toda natureza. Havia um orgulho em não intervir, em conversar demais, em lustrar nossos diplomatas. Diplomacia, 10; ação de Estado na política externa, zero.

Em outras palavras, o Itamaraty era forte e o presidente assumidamente fraco, como se o assunto não lhe dissesse respeito. Quando a diplomacia é mais importante que a ação presidencial, o resultado é o isolamento do país no que toca às questões mais importantes em termos de segurança e comércio. Os Estados Unidos sempre preferiram o caminho inverso: eles são fracos na diplomacia porque empoderam a política externa exercida pelo presidente. A diplomacia só entra em campo para limpar a sujeira e, mesmo assim, sem deixar a prepotência de lado.

Lula e seu chanceler, Celso Amorim, começaram a mudar essa história. O Brasil passou a falar alto, se apresentou para mediar grandes conflitos, inclusive um dos mais sensíveis do nosso tempo, em relação ao Irã e seu programa nuclear, assumiu a disputa por um lugar no Conselho de Segurança da ONU e nos fóruns que realmente contam no âmbito do comércio internacional. Protagonizou conferências, debateu o aquecimento global, participou com forças de paz no Haiti.

Quando Dilma assumiu, muitos comemoraram o recuo da política externa independente e aberta a novos arranjos geopolíticos, quase sempre de forma regressiva. A escolha do chanceler Antonio Patriota foi uma espécie de recuo ao padrão Itamaraty e, de forma quase escancarada, a certo fascínio pela proximidade com os Estados Unidos e a União Europeia. Entre os resultados dessa postura estão fracassos exemplares, como nas conferências sobre o clima, quando o Brasil perdeu pontos e os países mais ricos mantiveram sua postura arrogante e egoísta em relação a problemas globais. Os países ricos mandaram o recado: vão continuar dilapidando o mundo, patrocinando injustiças, dando pitaco na natureza de outros e se recusando a abrir mão de padrões de consumo suicidas.

Mas o pior ainda estava por vir. O chamado Primeiro Mundo, nas antecâmaras da crise, perdeu a vergonha de passar por cima da liberdade e dos direitos humanos e adotou ações intervencionistas explícitas e tácitas, como a espionagem em escala nunca vista nem mesmo no período da guerra fria.

O recente episódio da espionagem da própria presidente Dilma e o encaminhamento dado pelo governo brasileiro mostraram uma recuperação da linha que marcou a administração anterior. O adiamento da visita aos Estados Unidos, a exigência de esclarecimentos convincentes e a formulação de um programa de recuperação da independência da política externa brasileira merecem ser comemorados. A forma altiva com que a presidente se portou precisa ser compreendida como questão de Estado.

Por isso é preocupante e irresponsável o papel que a oposição vem ensaiando, com candidatos à presidência que deveriam respeitar a soberania nacional, mordendo para depois soprar, dizendo que se trata de postura marcada pelo calendário eleitoral e pelo marketing pessoal da presidente, ainda que a causa seja justa. Há, numa contabilidade absurda, quem diga que não se deve radicalizar a indignação, sob risco de prejuízo para o país. Sem que o Estado brasileiro marque de forma dura sua posição nesse episódio, não podemos sequer falar em país, quanto mais em prejuízo.

Os EUA sabem disso e, numa atitude pouco comum com suas tradições, capricharam na diplomacia e, juntamente com o Itamaraty, estabeleceram uma relação em que os dois países mantêm preservadas suas posições. O Brasil não vai fazer a visita até receber respostas convincentes (que ainda não foram dadas e estão na promessa); os EUA não se sentirão esnobados em razão da divulgação do adiamento em lugar do cancelamento. Mais que palavras, estão em jogo atitudes políticas dos dois lados.

Nem mesmo o charme de Obama foi capaz de tamponar o mal-estar causado. Dilma ficou, com razão, indignada com as ações de espionagem. Como se não bastasse, além da figura da própria presidente, empresas de ponta da nossa economia, como a Petrobras, foram alvo de ações de espionagem americana.

Protagonismo

O cenário das relações entre os EUA e o Brasil, hoje, não é tão desigual como há algumas décadas. O Brasil tem protagonismo na região, é consumidor de alta tecnologia, tem um mercado em crescimento. Até a presença de turistas brasucas com seus dólares é bastante significativa para a economia americana. Que, como se sabe, vem se esforçando para sair da crise e reassumir sua proeminência mundial. Em outras palavras, o Brasil é hoje um país relevante e precisa traduzir essa posição em sua política externa. A diplomacia pode ficar para os momentos de crise.

Não vai demorar para que muitos acusem o governo de estar fechando portas para investimentos estrangeiros e outras barbaridades que sempre soaram como verdade em nosso canhestro sentimento de baixa autoestima. O que se desenha com uma política externa independente e altiva é exatamente o contrário: respeito nos acordos comerciais, igualdade no tratamento de patentes, participação em decisões de âmbito supranacional, presença decisiva no concerto das nações, respeito aos direitos humanos de todos os cidadãos.

O Brasil tem uma história desigual de intercâmbio com os Estados Unidos. Só muito recentemente adotou a política de verdadeira reciprocidade. Os brasileiros sempre foram considerados invasores a vampirizar as oportunidades devidas aos cidadãos americanos. A retirada de um visto foi, por muitos anos, uma maratona de humilhações. As pessoas dormiam na fila e pediam pelo amor de Deus o direito de entrar no país para deixar lá suas economias. Eram tratados sem cortesia, através de um vidro, sujeita a grosserias. A recusa não precisava ser explicada.

Viagens aos parques da Disney e de outras produtoras cinematográficas eram vistas como a realização do sonho de crianças de classe média, que se perdiam em meio a bobagens, guloseimas e consumo inútil. O que os EUA tinham de melhor – em sua diversidade cultural e humana – não era apresentado com o mesmo empenho, já que rende menos e é menos consumível. A grandeza do país sempre fazia par com a pequenez moral de sua indústria cultural e seus ícones de consumo. Os ricos brasileiros passaram a comprar casas em Miami, criando empresas de fachada e levando para lá o dinheiro que ganham por aqui.

A recusa ou adiamento da visita aos Estados Unidos bem que poderia marcar novo patamar nas relações tão boas entre os dois povos. Os EUA nos mostrariam o que têm de melhor e nós prometeríamos nunca mais ir à Disneylândia. Na outra via, faríamos o mesmo, apresentaríamos nossos méritos deixando de lado as mentiras do turismo empacotado e grotescamente sexualizado. Assim, não haveria por que espionar ou querer levar vantagem sobre o outro: a infância moral ficaria para trás e nos trataríamos como adultos. Enquanto houver Mickey Mouse não há salvação.


 jpaulocunha.mg@diariosassociados.com.br

Temporada com Kafka - João Paulo‏

Estado de Minas: 21/09/2013 



De Kafka já se disse quase tudo. No entanto, ninguém é capaz de assegurar que o conhece. É essa obsessão, marcada ao mesmo tempo pela familiaridade e o espanto, que percorre o livro Meu Kafka, de Stefanie Harjes, mescla de textos do escritor tcheco com ilustrações, pinturas e colagens da artista alemã. O resultado é um embate. Uma relação de amor e ódio, como Stefanie confessa ao abrir seu impressionante diálogo com Kafka.

Na verdade, o livro poderia ser apresentado como uma simples antologia ilustrada. Mas cada um desses termos ganha nova configuração em Meu Kakfka. A seleção dos textos é profundamente pessoal e não parece animada por qualquer categoria literária: trata-se de passagens, mais ou menos longas, retiradas de cartas, romances, contos, trechos sem títulos, rascunhos e aforismos do escritor. Algumas muito conhecidas, como trechos de A metamorfose ou O processo, e outras que surgem como revelações.

Stefanie Harjes parece ter o incômodo como método para selecionar os textos kafkianos. Ela não escolhe os mais importantes ou literariamente realizados (embora muitos o sejam), mas aqueles que incomodam, que lançam perguntas, que parecem, para usar uma expressão de Carlos Drummond de Andrade, um claro enigma. São passagens que, como também registra, fazem parte de seu contato noturno e insone com a obra do escritor.

O que encaminha para a segunda parte do trabalho: as imagens. O livro tem a composição do sonho. Não há uma técnica preferida e é até difícil falar em estilo da artista. Cada passagem selecionada parece provocar uma resposta visual, que assume forma própria. Se a base é o desenho, há também muitas colagens (que acentuam o caráter compósito e surrealista de alguns textos), fotos, montagens, grafismos, pinturas e até exercício de caligrafias variadas. A atmosfera de estranhamento, no entanto, nunca é referencial, mas cria uma conversa entre texto e imagem que dá o tom pessoal de Meu Kafka.

Assim, o trecho de O processo pode ganhar uma abertura visual que alude ao teatro de bonecos – o que acentua o absurdo de forma irônica – e passar ao registro do desenho que busca personalizar a imaginação e o mito. Em outros momentos espalhados por diversos textos, a figura humana é desconstruída, tem sua identidade atravessada por imagens de horror, desmembramento e animalização. Procedimento expressivo de Stefanie Harjes é a intervenção do texto na imagem, ou vice-versa, como se as letras fizessem parte da linguagem visual. Além da técnica, varia também o peso da cor, o uso de preto e branco, as sobreposições de padrões. A personalidade da artista, em seu embate com o texto, está presente o tempo todo.

Stefanie Harjet nasceu em 1967 e trabalha em Hamburgo, na Alemanha. Estudou artes na Universidade de Praga, cidade natal de Kafka, e é ilustradora de livros e jornais. Meu Kafka é sua estreia autoral. Além das ilustrações, a artista assina cinco pequenos textos, que dialogam com os excertos do escritor tcheco. A belíssima edição da Cosac Naify tem ainda o destaque da tradução, feita diretamente do alemão por Priscila Figueiredo, que preserva o estilo e a atmosfera do autor. E acentua ainda certo apelo poético que o trecho isolado parece carregar, colocando-se no nível do trabalho de Modesto Carone, o mais operoso dos tradutores de Kafka no Brasil.


MEU KAFKA
•  Textos de Franz Kafka e ilustrações de Stefanie Harjes
•  Editora Cosac Naify
•  128 páginas, R$ 42

José Miguel Wisnik

Direitos

Não sou um partidário das depredações, nem quero cobri-las de um véu de inocência

A historiadora Dulce Pandolfi, professora do Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas, foi demitida sumariamente no dia 6 de setembro, em pleno andamento do semestre, cursos e atividades de orientação. A mobilização de alunos, juntamente com uma petição pública com amplo apoio, reverteu a decisão da instituição, reconduzindo-a ao cargo. Não vale a pena entrar aqui nos meandros político-burocráticos que levaram ao erro, em boa hora corrigido. Importa lembrar mais uma vez que Dulce Pandolfi fez um depoimento à Comissão da Verdade, no Rio de Janeiro, sobre a tortura de que foi vítima durante a ditadura, que está entre os mais luminosos documentos que temos no Brasil sobre o funcionamento do mundo das sombras. E, embora tenha sido noticiado o seu depoimento, acho lamentável que não tenha sido publicado na íntegra nos maiores jornais do país.
A Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas, criada pelo governo do estado, no Rio, autorizou mandados de busca e apreensão nas casas de administradores da página do Black Bloc no Facebook. Essas ações resultaram na prisão de jovens estudantes indiciados por formação de quadrilha armada, incitação ao crime, corrupção de menores e pedofilia. Leio que, segundo a OAB, os poderes de que a Comissão foi investida só estariam constitucionalmente respaldados se partissem da esfera federal, e não da esfera estadual. O coletivo formado para a defesa dos direitos fundamentais, por sua vez, mobilizado perante a arbitrariedade dos atos e dos fatos, aponta a precariedade das provas produzidas para a acusação: a “quadrilha” só se encontrou basicamente pela internet, exercendo o direito legítimo de manifestação de ideias; a prova mais substancial de que é “armada” estaria na localização de um canivete na casa de um dos jovens presos; a “corrupção de menores” se baseia no fato de que as idades oscilam entre um pouco mais e um pouco menos de 18 anos, razão pela qual os maiores são apontados como corruptores dos menores; e a “pedofilia” se baseia na presença de vídeos pornográficos na casa de um, sem ser possível caracterizar a participação de menores nesses vídeos.
A cadeia indutiva que trabalha no afã da produção de evidências acaba por arrolar como peças incriminatórias o livro clássico de Henry David Thoreau, “Desobediência civil” (com cujas ideias costumam ser identificados Gandhi, Martin Luther King e o Solidariedade polonês), junto com o volume acadêmico “Anarquismo — A liberdade prática”, da “Revista de História da Biblioteca Nacional”. É um absurdo que se soma ao outro, que faz com que os supostos membros de uma “quadrilha armada” não possam, por essa mesma caracterização, ter suas prisões relaxadas.
Não sou um partidário das depredações, nem quero cobri-las de um véu de inocência. Elas fazem parte da complexidade do teatro público que se instaurou no Brasil, do qual os Black Blocs são atores, e cuja negatividade teve ou tem o papel, entre outros, de dificultar a domesticação das manifestações pela mídia. Já se falou do fato de que a polícia teve interesse em insuflá-los, em certos momentos, enquanto reprimia manifestantes pacíficos. Francisco Bosco mostrou, aqui, que no 7 de Setembro o batalhão de fotógrafos já contracenava visivelmente com os Black Blocs, num mecanismo conhecido pelo qual a cobertura dos fatos precisava e dependia, antes de mais nada, deles, como seus personagens, e eles já se viam capturados, em alguma medida, pela impossibilidade de fugir ao fato de estarem fazendo cena para as câmeras.
Em suma, não acho que ações de grupos anárquicos e anticapitalistas estejam efetivamente ameaçando o capitalismo, ao arranharem evidentemente seus símbolos — carros e bancos. (Discordo também de minha amiga Marilena Chauí de que ajam como fascistas). Eles estão injetando nas manifestações, que são ações simbólicas, um componente de real, de atrito direto, que lhes dá outra espessura. A caracterização genérica de “vândalos” visa a esquematizar a situação, fomentando uma suposta e clara divisão imaginária entre o bem e o mal. Mas as máscaras também são reais, são simbólicas e são imaginárias, têm múltiplos sentidos e não podem ser objeto de criminalização. Foi o que Caetano Veloso sinalizou, ao assumir o teatro público no sentido de fazê-lo avançar para a simbolização, e não para a violência.
Voltando: a prisão de jovens a partir da autorização de uma comissão de legitimidade duvidosa, incriminando-os com evidências forçadas e ridículas, não fossem graves, é mau teatro jurídico, busca produzir, na dificuldade de equacionar os reais problemas, uma cena imaginária de eleição de culpados, e atenta contra direitos fundamentais.


Um tributo à canção - Ailton Magioli

Estado de Minas: 21/09/2013 0




"É o segredo das canções: o casamento perfeito entre melodia e letra" - Ná Ozzetti, cantora


“Um brinde às minhas amizades musicais”. Assim a cantora Ná Ozzetti define Embalar, o 10º disco solo de carreira, depois da passagem pelo grupo Rumo, que marcou profundamente sua trajetória. Adepta assumida da canção, que explora como poucas intérpretes, Ná convidou artistas de várias gerações para participar do novo CD.

O repertório reúne de Tulipa Ruiz, com quem ela compôs Pra começo de conversa, a Luiz Tatit, parceiro mais antigo e constante (a dupla assina Miolo), passando pela estreia da dobradinha Kiko Dinucci e Jonathan Silva (autores da divertida e comovente Lizete, que “endoideceu de amor ao se envolver com a Rebeca”), além da amiga Monica Salmaso – as duas dividem a interpretação de Minha voz, da mineira Déa Trancoso.

Ná Ozzetti se supera mais uma vez. Com repertório a cada dia mais próximo das camadas populares, mas sem abrir mão da qualidade, ela confessa: “Sou uma intérprete de canções”. Mas a paulista cultiva também sua veia autoral. Conta que, ao criar melodias, acaba convocando parceiros para letrá-las. “Geralmente, faço primeiro a música e envio para eles”, revela.

Com Alice Ruiz, porém, ocorreu o contrário: Ná acaba de musicar Olhos de Camões a partir de um “poemontagem” da poeta sobre versos do autor português. “É um processo bem natural. Gosto de elaborar melodias”, explica. Muitas vezes, a cantora-compositora parte de um ritmo para chegar ao resultado desejado. No caso das parcerias, prefere deixar que o companheiro sinta a música para escolher o tema das letras.

CASAMENTO Na hora de escolher o que cantar, entra o gosto da intérprete, marcado por opções pessoais. “É o segredo das canções: o casamento perfeito entre melodia e letra”, afirma Ná. Para ela, a canção deve ser interessante e provocativa, assim como a melodia. “Tem de mexer comigo, dar vontade de criar a interpretação”, explica.

Depois de Meu quintal e Balangandãs, este dedicado ao repertório de Carmen Miranda, Embalar é o terceiro CD da cantora com a banda base formada por Mário Manga (guitarras e violoncelos), o irmão, Dante Ozzetti (violões), Sérgio Reze (bateria e gongos melódicos) e Zé Alexandre Carvalho (contrabaixo).

Para brindar com os amigos, ela recebeu a cantora Monica Salmaso (Minha voz), Ivan Vilela (viola caipira em As estações e Olhos de Camões), Juçara Marçal (voz em Musa da música), Kiko Dinucci (voz e guitarras em Lizete), Marcelo Pretto (voz em Olhos de Camões), Mariana Furquim (voz em Musa da música) e Uirá Ozzetti (violino em A lente do homem, As estações, Nem oi e Olhos de Camões).
Atração do paulistano Sesc Vila Mariana em 5 e 6 de outubro, Ná tem agendada apresentação do novo disco para 15 de outubro, no carioca Teatro Rival. Depois, a cantora parte em turnê nacional, com planos de voltar a Belo Horizonte.

>>  Repertório
 
>> Embalar
Dante Ozzetti e Luiz Tatit
>> Musa da música
Dante Ozzetti e Luiz Tatit
>> A lente do homem
Manu Lafer
>> Minha voz
Déa Trancoso
>> Miolo
Ná Ozzetti e Luiz Tatit
>> Lizete
Kiko Dinucci e Jonathan Silva
>> Nem oi
Dante Ozzetti e Makely Ka
>> Olhos de Camões
Ná Ozzetti, Alice Ruiz
e Luis de Camões
>> As estações
Dante Ozzetti e Luiz Tatit
>> Os enfeites de cunhã
Ná Ozzetti e Joãzinho Gomes
>> Pra começo de conversa
Ná Ozzetti e Tulipa Ruiz


 EMBALAR


De Ná Ozzetti
A íntegra do CD está disponibilizada para download gratuito no site www.naozzetti.com.br

O futuro do passado - Eduardo Tristão Girão

Semana de Música Antiga comprova a influência do repertório de 14 séculos na produção contemporânea. Programação tem baile de máscaras e evento destinado ao público infantil


Eduardo Tristão Girão

Publicação: 21/09/2013 04:00



O alaudista Hopkinson Smith, um dos instrumentistas mais respeitados do mundo, vai tocar em BH (Philippe Gontier/Naïve/divulgação  )
O alaudista Hopkinson Smith, um dos instrumentistas mais respeitados do mundo, vai tocar em BH

Com espetáculo para o público infantil e baile de máscaras que promete transportar os participantes a outras eras (além de concertos, cursos, palestras e conferências), a Semana de Música Antiga movimentará Belo Horizonte, Sabará, Ouro Preto, Mariana e Tiradentes até o dia 29. Realizado pela Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o evento chega à quarta edição com o tema Bizarrie alegórica – ou seja, arte bizarra que ultrapassa padrões. A programação é totalmente gratuita. Os organizadores se empenham em formar público para esse repertório.

Embora o termo música antiga remeta à produção anterior à época atual, ele é empregado para definir o repertório dos períodos medieval (500 – 1450), renascentista (1450 – 1600), barroco (1600 – 1750) e clássico (1750 – 1820). Parte da música do período romântico (1820 – 1900) é tocada até hoje e alguns de seus elementos continuam presentes ou influenciam a interpretação contemporânea, motivo pelo qual o romantismo não é considerado música antiga.

“Mantivemos o conceito de mescla acadêmica, artística e de formação, além da filosofia de incentivar a interdisciplinaridade, trazendo pensadores de áreas como filosofia, letras, linguística, arquitetura e história para contextualizar melhor a música antiga”, explica Iara Fricke Matte, coordenadora geral do evento.

O tema não está necessariamente ligado a uma época específica. Trata-se de definição empregada para certas obras com o intuito de justificar uma quebra de padrão estético. “Essas obras extrapolam a imaginação – não só nas artes visuais, mas também na música, com a exploração de instrumentos não usuais de outros países e sonoridade distinta, por exemplo. Era uma permissão, uma liberdade que o artista se permitia ter”, completa Iara.

Para comprovar que essa atitude artística permanece, ela cita como exemplo o luthier mineiro Roberto Batista Guimarães, que trabalha com instrumentos inspirados naqueles usados por intérpretes da música antiga. Hoje de manhã, ele participará, no Conservatório UFMG, de encontro com o público ao lado dos colegas Fernando Ferreira (Brasil) e Rudolf Tutz (Alemanha). Artistas vão tocar e auxiliar o público a compreender os instrumentos.

Os grupos Música Ficta (Colômbia), Ensemble Calliophon (Noruega) e Concerto Soave (França) são alguns dos destaques da programação, além do Coral Ars Nova da UFMG. Músicos renomados internacionalmente, como o norueguês Lars Henrik Johansen (cravo), o suíço Hopkinson Smith (instrumentos de corda, como alaúde barroco) e os brasileiros Luis Otávio Santos (violino barroco), Cláudio Ribeiro (cravo) e Josinéia Godinho (órgão e cravo) também vão se apresentar. Alguns concertos serão realizados em igrejas.

Para Letícia Bertelli, coordenadora artística e pedagógica do evento, o público deve ficar especialmente atento aos três concertos de professores de música. “Serão eventos muito especiais, com possibilidade de ouvir vários tipos de repertório. Essas formações inéditas reúnem artistas que nunca tocaram juntos”, justifica. Esses concertos estão marcados para quarta, quinta e sexta-feira – os dois primeiros em Belo Horizonte e o último em Sabará.

Público Além desse encontro, outras ações deverão atrair o público, como o baile de máscaras marcado para sábado que vem, no Espaço Cento e Quatro, na capital mineira. Subirão ao palco a Orquestra da Escola de Música da UFMG e grupo especial de instrumentistas, além de alunos de dança barroca e bailarinos profissionais que instigarão as pessoas a dançar à moda antiga num ambiente que recria as velhas cortes europeias.

“A ideia desse baile é que a plateia não seja passiva, mas que participe ativamente. Isso nos faz repensar a forma de apresentar nossas atividades. O público tem crescido tremendamente, o alcance do evento é muito maior, com perfil diversificado de participantes. Pelas inscrições para as aulas, receberemos gente não só de outros estados, mas de países vizinhos como a Colômbia. Há muitas pessoas investindo em música antiga”, explica Iara.

Um espetáculo se destaca: Barroco para crianças, a cargo do Estúdio Barroco, trio formado por Sueli Helena de Miranda (flauta doce), Cecilia Aprigliano (viola da gamba) e Ana Cecilia Tavares (cravo e espineta), dedicado a apresentar ao público infantil o repertório brasileiro e europeu dos séculos 17 e 18. Cenários, adereços e figurinos especiais recriarão a atmosfera da época com a ajuda de mestre de cerimônias.

“Esse espetáculo foi proposto pelo próprio grupo e o achamos fascinante, inclusive para formação de público. Ele faz releitura das obras, é trabalho de quem tem grande conhecimento pedagógico. Há a preocupação de criar laço de identidade com o público. As crianças têm muito mais abertura que os adultos, menos preconceito”, revela Iara. As apresentações do Estúdio Barroco ocorrerão na quarta-feira, em Belo Horizonte, e no sábado que vem, em Tiradentes.

PROGRAMAÇÃO

» HOJE
12h – …d’Amore. Com Seconda Prattica Ensemble (Brasil). Conservatório UFMG (Av. Afonso Pena, 1.534, Centro de BH)
20h30 – Oye, escucha, aguarda... Com Música Ficta (Colômbia). Teatro Bradesco (Rua da Bahia, 2.244, Lourdes, BH)
20h30 – A quest’olmo, a quest’ombre et a quest’onde... Com Ensemble Calliophon (Noruega). Casa da Ópera, Ouro Preto

» AMANHÃ
12h15 – Stylus Phantasticus – bound to nothing. Com Lars Henrik Johansen (Noruega). Catedral da Sé de Mariana
17h – The winds of change... Com Hopkinson Smith (Suíça). Conservatório UFMG
20h30 – O violino extravagante: a gênese da sonata barroca. Com Luis Otávio Santos (Brasil) e Cláudio Ribeiro (Brasil). Conservatório UFMG

» SEGUNDA

20h30 – A quest’olmo, a quest’ombre
et a quest’onde.... Com Ensemble Calliophon (Noruega). Catedral da Boa Viagem, em BH

» QUARTA

14h30 – Barroco para crianças. Com Estúdio Barroco. Escola de Música da UFMG, câmpus da UFMG, Pampulha
20h30 – Concerto dos professores. Conservatório UFMG

» QUINTA

20h30 –Concerto dos professores. Conservatório UFMG
20h – Oye, escucha, aguarda... Com Música Ficta (Colômbia). Igreja de Santo Antônio, Tiradentes
20h30 – Dagli amorosi vermi consumato. Com Concerto Soave (França). Teatro Municipal de Sabará
 
» SEXTA
20h – Ibéria e Itália: o sacro e o profano na música para órgão nos séculos 16 a 18. Com Josinéia Godinho (Brasil). Igreja de Santo Antônio, em Tiradentes
20h30 – Concerto dos professores. Teatro Municipal, Sabará

» DIA 28
10h30 – Barroco para crianças. Com Estúdio Barroco (Brasil). Museu Casa Padre Toledo, Tiradentes
20h30 – Baile de máscaras. Espaço Cento e Quatro (Praça da Estação, 104, BH)

Tema de estudos

Músicos e luthiers apresentam instrumentos de época ao público (Ratão Diniz/divulgação  )
Músicos e luthiers apresentam instrumentos de época ao público

A Semana de Música Antiga é oportunidade para observar o avanço dos estudos acadêmicos na área. “Há temas mais gerais, como ópera francesa, e mais pontuais, como música barroca em Ouro Preto, além de palestras direcionadas para músicos, que completam os concertos e permitem apreciação mais rica”, diz a professora Maria Cecília Coelho, coordenadora científica do evento. Parte do trabalho dela inclui a articulação entre a música e áreas como filosofia, teatro, literatura e arquitetura.
4ª SEMANA DE MÚSICA ANTIGA DA UFMG
Até dia 29, em Belo Horizonte, Sabará, Ouro Preto, Mariana e Tiradentes. Atividades gratuitas. Informações: (31) 3224-6700 e www.semanamusicaantiga.
wordpress.com.

Memória viva - Ana Clara Brant

Receptividade do público e de habitantes de Diamantina ao festival promovido na cidade surpreende os participantes e revela o interesse por história, patrimônio e arqueologia



Ana Clara Brant

Estado de Minas: 21/09/2013




O Festival de Historia que termina amanhã, em Diamantina, movimenta o Mercado Velho (fotos: Leandro Couri/EM/D. A Press  )
O Festival de Historia que termina amanhã, em Diamantina, movimenta o Mercado Velho

Diamantina – Convidado de mesa-redonda que reuniu também Ricardo Kotscho e Paulo Markun, o escritor e jornalista Fernando Morais, que já conhece muito bem a cidade histórica mineira onde vem sendo realizado, desde quinta-feira, o Festival de História (fHist), confessa que sempre se deixa encantar pelo lugar. Surpreso com a receptividade do público em evento sobre história, em data fora de feriado, Morais exaltou o evento, que termina amanhã, contando que havia sido convidado para a primeira edição, em 2011, mas só desta vez pode comparecer.

“Pensei que deveria mesmo vir e consegui conciliar a agenda. Se você analisar que numa quinta-feira, às 16h, como foi o caso do meu bate-papo, a tenda estava lotada e nem era feriado e ainda havia gente de todas as idades, pode-se dizer que isso é sim reflexo do crescente interesse das pessoas por história”, analisou. “É muito saudável e estimulante para o autor ter esse tipo de contato com o público. Além do fato de que estar nessa atmosfera de cidade histórica e mineira, ainda mais no meu caso que sou de Mariana e vivo há muitos anos em São Paulo, é fantástico”, disse.

Há também muitos convidados do fHist que sempre ouviram falar sobre Diamantina, sobretudo nos seus mais ilustres representantes, o presidente Juscelino Kubitschek e a lendária Chica da Silva, mas nunca estiveram por aqui e estão não só admirados com o evento, como também com a receptividade dos moradores e as belezas da região. “A cidade é linda. Estou apaixonada por tudo. É mais do que pertinente realizar um festival aqui, que tem tudo a ver com história, arqueologia, patrimônio e cultura”, comentou a especialista em patrimônio arqueológico, a carioca Rosana Pinhel Mendes Najjar, uma das palestrantes da mesa-redonda “Arqueologia e Patrimônio: vestígios, restos e objetos que recontam a história.”

Conterrâneo de Rosana, o professor de estudos brasileiros da Universidade de Princenton, Bruno Carvalho, que mora nos Estados Unidos, é outro estreante no fHist e no antigo Arraial do Tijuco. O pesquisador, que é o primeiro doutor brasileiro por letras em Harvad, foi um dos organizadores do Livro de Tiradentes, em parceria com o brasilianista britânico Kenneth Maxwell, e um dos conferencistas da abertura. Ele ficou encantado com Diamantina. “Essa iniciativa, além de ser muito interessante e importante, me proporcionou estar neste lugar. Estou muito curioso em conhecer a famosa vesperata, sobre a qual todos falam. O evento é bacana e a cidade nem se fala”, elogiou.

Escavação Além de serem as estrelas da programação oficial, os convidados não deixam de participar das demais atividades pela cidade, como as sessões de cinema no Teatro Santa Izabel, os bate-papos e lançamentos literários no mercado e nas exposições. Ou mesmo conhecer projetos interessantes do município, como o de escavação do quintal da casa de Chica da Silva, coordenado pelo professor Marcelo Fagundes, da Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM).

Esse foi o caso do escritor paulista Paulo Rezutti, biógrafo da marquesa de Santos, que está promovendo seu livro Domitila em Diamantina e esteve no casarão da escrava que virou rainha. “Além de ser um trabalho bem interessante, achei muito produtivo e relevante a integração que o professor Marcelo Fagundes promove com os estudantes de várias escolas daqui. Essa participação dos alunos é um ponto que tem que ser explorado e ele consegue fazer isso benfeito”, observou.

Vesperata A programação de hoje terá entre os destaques a mesa-redonda “O Império do Brasil: nos bastidores da corte,” com a especialista em história da imprensa e da caricatura brasileira, Isabel Lustosa; a historiadora e cientista política da UFMG, Andréa Gonçalves Lisly; e o escritor Paulo Rezutti. Além do Proseando com autores, que terá com o escritor e biógrafo Lira Neto analisando Getúlio Vargas e o Estado Novo, e o escritor Ricardo Amaral falando de sua biografia sobre a presidente Dilma Rousseff. Fechando o dia, o evento mais tradicional de Diamantina: a vesperata.

A repórter viajou a convite do Fhist

O jogo da esperança - Simone Lima

Ex-jogador do Cruzeiro e do Guarani de Divinópolis, Adilson Coca-Cola realiza sonho e abre escolinha de futebol para crianças carentes que estejam matriculadas na rede de ensino


Simone Lima

Estado de Minas: 21/09/2013 




"Mês passado conseguimos a doação de 30 chuteiras e são esses anjos da guarda que nos ajudam a levar o sonho adiante, porque são muitas as dificuldades" Adilson Lopes


Divinópolis – São 15h30 de uma quinta-feira muito quente: a temperatura chega quase aos 30 graus e, mesmo com o calor e o Sol sobre a cabeça, cinco meninos chegam ao campo de futebol do Bairro Manoel Valinhas, em Divinópolis, Centro-Oeste de Minas. Eles carregam uma bola de futebol e chuteiras. Pouco tempo depois, outras crianças se juntam ao grupo e, em alguns minutos, cerca de 40 meninos começam a treinar. Todos fazem parte do projeto Estrela de Minas, escolinha de futebol voltada para crianças carentes criada pelo ex-jogador do Cruzeiro Adilson Lopes, mais conhecido como Adilson Coca-Cola.

Aos 41 anos, Coca-Cola tem que administrar seu tempo. Além de dar atenção à família e cuidar do emprego, dirige o projeto. A escolinha ganhou vida há quatro anos quando ele e o amigo de infância Edson Ângelo decidiram criar uma ocupação para crianças carentes fora do horário escolar. “Uma coisa importante é que estamos sempre acompanhando o estudo dos meninos que jogam no Estrela de Minas. Eles precisam frequentar as aulas e ter boas notas. Quando não estão estudando, têm o campo para jogar. As aulas ocorrem três vezes na semana e organizamos pequenos campeonatos aos domingos”, afirma o ex-jogador.

Adilson diz que vê um pouco de sua história em cada criança do projeto. Ele conta que nasceu e cresceu no Alto São Vicente, um bairro carente de Divinópolis. Com cinco irmãos, não teve uma vida de luxo e precisou batalhar muito para ser reconhecido como jogador profissional. “Não chegamos a passar fome, mas era uma vida regrada. Não tinha chuteira, jogava com um sapato velho ou descalço. Por isso, hoje falo muito para os meninos darem muito valor porque, por mais que a escolinha seja simples, lutamos para melhorá-la. Conseguimos chuteiras, uniformes, material, tudo com esforço para garantir que eles tenham um espaço.”

A grande inspiração de Coca-Cola foi o pai, José Lopes, que no final da década de 1970 criou um time de futebol, também voltado para crianças carentes. Foi lá que Adilson deu os primeiros passos e treinou os primeiros dribles. “Fiquei até os 12 anos, quando fui para o Vasco de Divinópolis. De lá, passei por vários times. Até que, em 1991, fui contratado pelo Cruzeiro.”

Coca-Cola, que em 1991 venceu a Supercopa pelo Cruzeiro, guarda grandes recordações do time. Ele jogava na ponta esquerda e se emociona ao falar sobre aquela época. “Não ganhei dinheiro jogando futebol, mas ganhei visibilidade. Fiz amigos e muita gente na cidade me conhece graças ao futebol. Isso acabou ajudando minha vida, até mesmo no emprego”, afirma. Outro orgulho foi o título de campeão mineiro do Módulo II, em 1994, pelo Guarani. Na época, Adilson havia decidido voltar à cidade natal. “Ver o time de Divinópolis passar para a Primeira Divisão e participar de tudo foi importante na minha vida.”

Aos 26 anos Coca-Cola encerrou a carreira como jogador. Casou-se e começou a trabalhar como revendedor de purificadores de água. Mas o futebol continuou sendo a grande paixão do craque e foi numa conversa sobre o esporte que surgiu a ideia de montar o Estrela de Minas. O time já ganhou seis troféus em campeonatos da região, o mais importante em 2011, quando os meninos levantaram a taça da Copa Pará de Minas. “Esse foi o último troféu que ganhamos, porque também foi o último campeonato do qual participamos. Fica caro levar esses meninos para jogar e falta incentivo.”

Hoje, 80 crianças, entre 8 e 15 anos, participam do projeto. Nenhuma paga mensalidade. A maioria vem de áreas carentes e tem histórico familiar de violência: eles convivem de perto com o vício dos pais, abandono e agressão. É no campo do Estrela de Ouro que os garotos começam a enxergar uma vida diferente. No esporte eles fazem amigos e sonham em seguir os passos de Coca-Cola. “Nossa vontade é de fazer bem mais, incentivar mais. Não temos como, se não tivermos apoio. Mês passado conseguimos a doação de 30 chuteiras e são esses anjos da guarda que nos ajudam a levar o sonho adiante, porque são muitas as dificuldades.”

Adilson tem ainda dois grandes sonhos. O primeiro é abrir sua própria empresa de purificadores de água. O outro é conseguir dar vida ao projeto Minas, uma escola de futebol para jovens de 15 a 20 anos. “Nessa idade, quando eles começam a conhecer bebida e drogas, é que o projeto Estrela de Minas acaba e eles precisam sair. Por isso, queremos continuar esse trabalho. Tirar esses jovens das ruas e mantê-los dentro do campo. Mas para isso precisamos de ajuda. Estou em busca de parceiros e tenho fé que vamos conseguir. Vamos lutar para isso.”

Doenças raras - João Gabriel Daher

Estado de Minas: 21/09/2013 


Estima-se que existam entre seis e oito mil doenças raras, caracterizadas por sintomas diversos, que variam não só de doença para doença, como também entre os indivíduos afetados por uma mesma condição. São patologias pouco conhecidas, que acometem menos de uma em cada 2 mil pessoas, segundo definição da Organização Mundial de Saúde (OMS). A maior parte delas tem origem genética e causa consequências severas, entre deficiências físicas e comportamentais. Apesar de raras, essas doenças, juntas, atingem cerca de 15 milhões de pessoas apenas no Brasil.

As dificuldades enfrentadas por portadores de doenças raras começam já no diagnóstico. A falta de informações específicas, o desconhecimento dos profissionais de saúde e a inexistência de centros especializados transformam o diagnóstico em uma verdadeira peregrinação entre especialistas e laboratórios. A falta de protocolos para atendimentos específicos compromete a identificação precoce da enfermidade, atrasando o início do tratamento e levando, muitas vezes, ao agravamento do quadro clínico. Além disso, a falta de estrutura em espaços coletivos como escolas, empresas e centros de lazer leva muitos pacientes a se isolarem socialmente. A ausência de uma política nacional voltada para a construção de uma rede de cuidados aos pacientes afetados por doenças raras e a falta de investimentos em pesquisas científicas para tais enfermidades são obstáculos adicionais que os pacientes sofrem para ultrapassar.

A inexistência de estudos epidemiológicos para estimar a prevalência dessas doenças torna o desafio ainda maior. Algumas consequências da falta de um mapeamento nacional são o desconhecimento em relação à real incidência dessas doenças e a dificuldade em determinar questões regionais e taxas de mortalidade, fatores importantes para determinar a localização de centros especializados, por exemplo. Diante de tal cenário, foi importante a recente consulta pública realizada pelo Ministério da Saúde a respeito do documento que estabelece diretrizes para a atenção integral e acolhimento às pessoas com doenças raras na rede pública.

Os textos submetidos abordam como deve ser o cuidado de pacientes com doenças raras, incluindo prevenção, tratamento e reabilitação, além do tratamento multidisciplinar. A política abrange, ainda, o atendimento aos cuidadores e familiares dos portadores dessas enfermidades. É importante reconhecer que a iniciativa do governo é uma vitória, mas também é preciso lembrar que estamos apenas no começo da caminhada. É um trabalho demorado que envolve também a criação de programas educativos em todo o território nacional para conscientizar e informar os futuros profissionais de saúde.

Vale destacar que, apesar da percepção geral de que não há interesse em pesquisar e desenvolver tratamentos para doenças que atingem poucas pessoas, a indústria farmacêutica tem investido cada vez mais em estudos de terapias para doenças raras. É o caso das terapias-alvo, que revolucionaram o tratamento oncológico e hematológico. Focados no combate de moléculas específicas, eles têm ação exclusiva – ou quase exclusiva – nas vias que desencadeiam a proliferação da doença, proporcionando uma abordagem terapêutica mais efetiva tanto para controle dos sintomas quanto para sobrevida e manejo de eventos adversos. Outro exemplo significativo na área de doenças raras é a chamada terapia de reposição enzimática. Determinadas patologias incapacitam a produção de enzimas específicas pelo corpo, impossibilitando a degradação de certas substâncias. O acúmulo delas no organismo pode provocar danos irreversíveis aos tecidos e órgãos. A terapia de reposição ajuda a degradar determinadas substâncias, favorecendo o funcionamento adequado do corpo.

As evoluções constantes da ciência ajudam a compreender cada vez mais as doenças raras. Os investimentos em medicina personalizada estão possibilitando uma melhor qualidade de vida para um número cada vez maior de pacientes. No entanto, mudanças efetivas no sistema público de saúde são fundamentais para mudar de vez o quadro das pessoas com doenças raras no Brasil. Precisamos acompanhar a velocidade da inovação em nossas políticas de saúde, oferecendo aos pacientes a possibilidade e a esperança de terapias novas, mais efetivas e seletivas. Inovação e cuidado multidisciplinar são fundamentais para vencer o estigma das doenças raras.

João Gabriel Daher
Médico, especialista em doenças raras do Centro de Doenças Raras do Hospital Beneficência Portuguesa do Rio de Janeiro, diretor cientifico da Associação Maria Vitória de Doenças Raras de Brasília (Amavi)

Biologia sintética em favor do coração‏

Grupo da UFMG tenta criar método de prognóstico usando bactérias modificadas para alertar risco cardíaco grave. Projeto CardBio está inscrito em competição mundial de sistemas biológicos do MIT


Paula Takahashi


Estado de Minas: 21/09/2013 


Na primeira colocação entre as principais causas de morte no mundo desde 2000, as doenças cardiovasculares – como infartos e acidentes vasculares cerebrais (AVC) – vitimaram 17 milhões de pessoas em 2011, segundo os dados mais recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS). O peso do problema para a saúde pública foi decisivo para que um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) se unisse para propor uma solução capaz de identificar, com antecedência, os riscos do paciente ter uma Síndrome Coronariana Aguda (SCA). 

“Hoje só se detecta o problema quando a pessoa já passou por algum evento. Depois que ela tem um infarto, são medidos marcadores no sangue como a troponina e creatina quinase para constatar que o que ocorreu realmente foi um infarto”, explica Clara Guerra Duarte, pós-graduada em bioquímica e uma dos 13 integrantes do grupo multidisciplinar envolvido na pesquisa. A proposta da equipe é desenvolver um prognóstico que vai poder alertar, com até um mês de antecedência, sobre os riscos de um problema cardíaco grave. “Para isso, vamos usar bactérias geneticamente modificadas”, explica a mestranda do departamento de Bioquímica e Imunologia da UFMG, Marianna Kunrath Lima.

O projeto batizado de CardBio é um dos três brasileiros que estão inscritos no iGEM, competição mundial de sistemas biológicos geneticamente modificados promovida desde 2003 pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês). “O iGEM foi criado para promover a biologia sintética que vai combinar biologia e engenharia para projetar e construir novas funções em sistemas biológicos para aplicação em várias áreas”, explica Marianna.

O grupo agora corre atrás de patrocinadores para participar da fase eliminatória que ocorre no Chile entre 4 e 6 de outubro. No ano passado, a equipe vencedora apresentou uma bactéria capaz de detectar se a carne está podre. “Quando está imprópria para o consumo, a carne começa a liberar alguns compostos voláteis. A bactéria é sensível a esses compostos e, quando os detecta, muda de cor indicando que está ruim”, conta Marianna. A ideia já virou até produto.

A lógica dos pesquisadores da UFMG é parecida com esse processo. Durante a formação das placas ateroscleróticas – acúmulo de gordura na parede das artérias responsável pela redução do fluxo sanguíneo – são liberados biomarcadores no sangue, à semelhança do que a carne podre faz com os compostos voláteis. “Elegemos três deles como alvo da pesquisa que são o BNP, TMAO e IMA (veja quadro ao lado). Nosso objetivo é desenvolver um dispositivo capaz de identificar esses múltiplos biomarcadores e informar se a pessoa está em risco”, explica Clara.

Esse mecanismo de identificação será implantado dentro de uma bactéria. “Vamos alimentá-la com informações. Entre elas, os níveis desses biomarcadores. Ela irá processar e vai gerar uma saída”, acrescenta a pesquisadora. A opção por três biomarcadores visa aumentar ainda mais a confiabilidade do resultado. “Nenhum deles é perfeito isoladamente. Se tiver só um aumentado, pode haver outras causas que não sejam necessariamente cardíacas”, observa Marianna.


SENSOR DE PROBLEMA Se a pessoa tem muito TMAO, por exemplo, o biomarcador vai interagir com outras proteínas dentro da bactéria que culminará em subprodutos. “Na sequência genética da bactéria, há um promotor (responsável por regular a expressão do gene). Quando ele é ativado, faz com que o gene produza uma proteína capaz de reportar o que ocorreu”, explica a Marianna. Essa proteína é fluorescente e fará com que a bactéria ganhe cor. “Vamos quantificar essa fluorescência por meio de um equipamento chamado de fluorímetro que vai quantificar esse comprimento de onda”, observa Clara.

Cada biomarcador irá gerar uma fluorescência de cor distinta para que possa ser identificado aquele que está alterado. “Se todos eles estiveram alterados simultaneamente, é possível calibrar o fluorímetro para ler cada uma das cores de forma isolada”, explica Clara. A bactéria já está formada e agora passa por ajustes. “Já construímos o dispositivo, colocamos o promotor, a proteína e já estamos fazendo alguns testes in vitro. Temos agora que fazer as especificações dessa máquina biológica”, antecipa Clara.


PREVENÇÃO Para a coordenadora do projeto CardBio e professora do departamento de Bioquímica Liza Felicori, identificados os biomarcadores alterados, uma série de medidas poderiam ser tomadas para retardar e até evitar o infarto ou angina, por exemplo. “Poderiam ser feitos exames para identificar se já existe calcificação e realizadas inclusive mudanças comportamentais como a alimentação”, observa. Em relação ao que já existe hoje na área de prognóstico, Liza acredita que a bactéria trará mais agilidade e precisão ao processo. “Além de um custo reduzido, já que a bactéria seria como uma fábrica”, avalia.

INICIATIVA RELEVANTE

Apesar de inovadora, a bactéria capaz de identificar os marcadores sanguíneos para doenças cardiovasculares dificilmente poderá ser considerada de forma isolada no prognóstico do paciente. “Essa não seria a única solução. Se a pessoa tem diabetes, mas não tem o TMAO alterado, por exemplo, ainda assim tem maiores chances de desenvolver problemas. Hoje os fatores de risco como hipertensão, colesterol elevado, diabetes e tabagismo pesam mais que a presença dos marcadores”, observa Marcus Bolivar Malachias diretor do Departamento de Hipertensão da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). Para o especialista, que coordenada a campanha de conscientização “Eu sou 12 por 8” da SBC, a pesquisa desenvolvida pelos alunos da UFMG é de extrema relevância e trará grandes contribuições se associada as demais frentes de atuação que envolvem a análise de uma série de variáveis, inclusive histórico familiar. “Pode ser que, diante das pesquisas, se descubra que um marcador é mais relevante para o prognóstico de doenças cardiovasculares que os fatores de risco mencionados. Será por meio dessas tentativas que isso será desvendado”, observa Malachias.

EDUARDO ALMEIDA REIS - Autógrafos‏

Brasileiro adora fila, nem que seja para passar pelos distraídos ou furar acintosamente na condição de famoso, de celebridade


Estado de Minas: 21/09/2013


Chamada de primeira página para crônica de Cora Rónai: “Alternativas para acabar com as longas filas em noites de autógrafos”. Antes de ler a crônica da Corinha, que é craque, me lembrei do dia em que escrevi sobre as diversas alternativas de que dispunha para solucionar determinado problema e quase fui morto a tiros por um amigo, engenheiro e professor de português: “Se é alternativa, você só tem uma. Caso contrário, tem opções”. Nunca mais escrevi alternativas em lugar de opções, mesmo sabendo que, hoje, o pessoal aceita: “sucessão de coisas reciprocamente exclusivas que se repetem com alternância” ou “uma de duas ou mais possibilidades pelas quais se pode optar”. O engenheiro não aceitava e não me apraz contrariar amigos. Quanto às noites de autógrafos, acho que são ótimas para mentiras promocionais: “Fulano autografou 780 livros na livraria tal”. Philosophemos. Autografar, no caso, não é só assinar: Fulano precisa escrever algumas linhas, cumprimentar a vítima que fez fila para comprar o livro e merecer seu autógrafo, não raras vezes deixar-se fotografar com a vítima que estava na fila – essas coisas. Para início de conversa, fila nunca foi problema. Brasileiro adora fila, nem que seja para passar pelos distraídos ou furar acintosamente na condição de famoso, de celebridade. Noites de autógrafos é que têm problemas insolúveis. Cada “autógrafo”, uns pelos outros, não dura menos que um minuto. Portanto, 780 livros exigem 13 horas ininterruptas de autógrafos e preparo físico de maratonista. Sem falar do “branco” a que estão sujeitos os autores incapazes de se lembrar dos nomes de parentes e de amigos de longa data. Pensou-se resolver o problema do “branco” anexando um cartão com o nome de comprador do livro. Acontece que muita gente, mas muita gente mesmo, faz a gracinha de esconder o cartão só para perguntar ao fulano que autografa: “Você não se lembra de mim?” Essa pergunta idiota obriga o escritor, antes de autografar, a pedir licença para ir ao banheiro. Na excursão ao toalete imundo – no Brasil, banheiro público é sinônimo de imundície –, o escritor procura lembrar-se do nome do engraçadinho que escondeu o cartão. Donde se conclui que, infelizmente, as noites de autógrafos não devem acabar enquanto existirem os livros de papel.

Nem Deus espicha

Noticiam os jornais que a presidente Dilma Rousseff saiu do palácio para passear de motocicleta e conhecer as ruas de Brasília, com o seguinte pormenor: não tem carteira de motociclista. Há quem diga que passeou na garupa, sem dizer o nome da vítima que pilotava o veículo motorizado de duas rodas. O general João Figueiredo, na Presidência, era contumaz nas fugas de moto para namorar determinada senhora, cujo nome não posso dizer. Fernando Affonso, hoje senador, quando na Presidência encantava o planeta pilotando uma Kawasaki a 160 km/h. Temos, agora, dona Dilma a motocar, o que suscita o problema do gênero. Veículo de duas rodas, substantivo feminino, moto é redução de motocicleta. Como regionalismo português também é substantivo feminino: mota. guacuri (Attalea phalerata), palmeira com estirpe de até oito metros, é geralmente conhecida por motacu, de etimologia obscura. Contudo, se a pessoa sair de moto ou de mota, de moto próprio, isto é, sem conselho ou constrangimento alheio, ainda que sem habilitação, recorrerá ao substantivo masculino moto, do latim motus,us “movimento, agitação”, do supino motum, do verbo latino movere “mover”. Mesmo que não passe diante de uma Attalea phalerata pilotando bela moto, vosso philosopho pensará no sinônimo da palmeira guacuri, porque não ignora um ditado latino que não pode transcrever aqui, mas em português termina em “tem medo”. Na falta dele, ditado, vejamos cor contritum et humiliatum Deus non despices, qualquer coisa como “Deus não despreza um coração contrito e humilhado”. Na admirável tradução do aluno de um amigo meu: “Couro curtido e molhado nem Deus espicha”.

O mundo é uma bola

21 de setembro de 1621: James I, rei da Inglaterra, cede o Canadá a sir Alexander Stirling. Em 1776, o grande incêndio de Nova York, que deve ter destruído 25% das construções da cidade. Em 1778, fundação da cidade de Corumbá, hoje no Mato Grosso do Sul. Conheço bem. É das cidades mais quentes do mundo, o que não impede que durante poucos dias, todos os anos, com o tal do Vento Sul, se transforme numa Sibéria tropical. Em 1792, é declarada a Primeira República da França. Em 1863, a Espanha reconhece a independência da Argentina. Em 1893, é dirigido pela primeira vez um automóvel movido a gasolina, mas o leitor não deve acreditar na data, porque a história do automóvel é confusa e cita outras datas. Em 1915, Stonehenge, na Inglaterra, é vendido em leilão por 6,6 mil libras. Oba, acertei no teclado o símbolo de libra! Stonehenge, sabemos todos, é uma estrutura formada por círculos concêntricos de pedras que chegam a ter cinco metros e altura e pesar quase 50 toneladas, em que se identificam três períodos de construção, o mais antigo dos quais deve datar de 3100 a.C. Hoje é o Dia da Árvore.

Ruminanças

“Se lhe procuras o monumento, olha em redor” (Epitáfio de Sir Christopher Wren, 1632–1732)

'Você acha que usa a internet, mas está sendo usado por ela', diz Bernardo de Carvalho

FOLHA DE SÃO PAULO
RAQUEL COZER
COLUNISTA DA FOLHA

Um longo processo de percepção de Bernardo Carvalho, 53, virou urgência em seu novo romance, "Reprodução"(Companhia das Letras).
Aos 20 anos de carreira, o autor que se firmou entre os grandes ficcionistas do país com obras como "Nove Noites" (2002) e "O Filho da Mãe" (2009) escreveu aquele que considera seu título mais político, a partir do cenário "libertário" e ao mesmo tempo "cheio de ódio" da internet.
O protagonista, identificado como "o estudante de chinês", é o que Carvalho define como um típico comentarista de sites, que reproduz informações desconexas entendidas superficialmente.
Bruno Poletti/Folhapress
O escritor Bernardo Carvalho em seu apartamento no bairro de Higienópolis
O escritor Bernardo Carvalho em seu apartamento no bairro de Higienópolis
O personagem não terá chance de comentar sites ao longo do livro, já que, na maior parte dele, estará num depoimento à polícia, após se envolver num imbróglio que não entende bem.
Sua personalidade virá à tona num diálogo do qual só se ouve sua voz, transformando-se em monólogo com toques de humor, mas incômodo.
"A literatura passou a ser pautada pelo gosto da média. Mas literatura é reflexão, não só contar uma história. Sempre tive interesse em fazer uma literatura disfuncional", diz Carvalho. Leia trechos da entrevista com o autor.
*
Folha - Não é de hoje que você questiona uma "banalização" promovida pela internet. Como essa ideia virou livro?
Bernardo Carvalho - Tive um processo longo de percepção de uma fascistização do mundo, de um jeito ambíguo, porque as pessoas criam o fascismo achando que estão encontrando a liberdade. A internet é libertária, democrática, mas também faz você entregar sua privacidade e se relacionar com corporações como se fossem Deus ou a natureza. Elas dizem: "Você não precisa pagar nada". E você se entrega acriticamente, porque a ideia de não fazer esforço é sedutora. E há o narcisismo, a exposição no Facebook, que pega um ponto central. É perverso, a conquista vai em pontos frágeis da psique, você se sente uma celebridade. Do ponto de vista político, você acha que está usando, mas está sendo usado. O livro expressa esse desconforto.
Na sua opinião, a internet apenas reflete um comportamento humano ou o reforça?
Talvez tenha acirrado algo que sempre existiu em potencial. Você não tem privacidade, mas pode ter anonimato, o que permite uma manifestação de imbecilidade sob a proteção do anonimato. Estava incomodado com isso e pensei nesse narrador que representa o ódio absoluto, o anonimato da internet. No livro há uma frase do [filósofo espanhol] Ortega y Gasset: "Todo povo cala uma coisa para poder dizer outra. Porque tudo seria indizível". O personagem tem a informação absoluta, mas nada do que ele diz quer dizer muito. Não adianta você saber um monte de coisas, ser informado na superficialidade midiática sem uma compreensão do mundo. Você só reproduz, não consegue mais produzir.
Comentaristas de sites em geral focam a política nacional, algo que não aparece abertamente no livro, com apenas uma menção às manifestações. Você evitou tratar disso?
O livro não é jornalístico, não está atado ao presente. Poderia falar de Dirceu, Mensalão, mas o central para mim hoje são os evangélicos, a religião interferindo no poder, e isso é o cerne do livro. Sobre manifestações, fui a três. A primeira, da [avenida] Brigadeiro Faria Lima [em 17/6], era classe média, bonitinha, o Brasil não estava representado ali. Dias depois teve a da [avenida] Paulista e tinha de tudo, sobretudo uma plataforma contra a corrupção, o que é estranho, porque todos são contra a corrupção. Notei um ódio no qual reconheci esse anônimo da internet. Pensei: "Não quero ser identificado como um deles nem ser governado por quem eles queiram como representante". O ícone dessa gente é Marina Silva, e não quero ser representado por ela. A terceira manifestação, contra o Feliciano, não tinha nem mil pessoas. Era um tema urgente, gravíssimo, e aí a sociedade não participou.
O protagonista cita os "colunistas" da mídia, que, nota-se, alimentam o ódio dele. Pensou em alguém específico?
Isso resume várias pessoas. É uma grosseria de pensamento, gente que fala como se falasse com crianças. O problema não é ser colunista de direita, é o tipo de argumento primário e fácil de ser derrubado. O negócio é no grito porque é insustentável. E isso produz best-sellers no Brasil. Há uma espécie de inconsequência política que está no discurso desse personagem. A burrice era privada, mas agora é pública.
O modo como diz isso ao leitor é incômodo, nesses diálogos que surgem como monólogos. Por que optou por essa forma?
A literatura passou a ser pautada pelo gosto da média. Mas literatura é reflexão, não só produto de consumo, não só contar uma história. Tem um elemento de rebeldia, de criação. Não sei se incomoda, mas esse livro me deu prazer de fazer e me dá prazer de ler. Há uma coisa engraçada no discurso do ódio. Não tenho clareza do que o livro representa, mas é algo político como nunca fiz, tem um humor que nunca tive. Sempre fui contra a literatura política, atrelada, mas desta vez tinha uma urgência. O livro não busca uma solução. É uma visão trágica das camadas de possibilidades.
Faz 20 anos que você lançou seu primeiro livro, 'Aberração'. Como compara o escritor que é hoje àquele de 1993?
Quando comecei, queria tentar uma literatura que não reconhecia à minha volta. Minha literatura sempre teve uma coisa de briga, de ser do contra, mas também sempre tive a ambição natural de querer ser lido. Hoje vejo uma estruturação da recepção da literatura, baseada numa hegemonia do gosto e das vendas. Isso reduz no mercado a brecha de uma experimentação, a chance de erro, uma herança anglo-saxã, na qual experimental é um livro malfeito. A infantilização do público tem a ver com a internet e também com uma literatura que entrega o que você quer. Sempre quis criar algo disfuncional, isso continua comigo.
RAIO-X - BERNARDO CARVALHO
VIDA
Nasceu em 1960, no Rio de Janeiro
TRAJETÓRIA
Formou-se em jornalismo pela PUC do Rio em 1983, editou o suplemento "Folhetim", foi correspondente da Folha em Paris e Nova York, e foi colunista da "Ilustrada" entre 1998 e 2008
DESTAQUES DA OBRA
"Nove Noites" (2002)
"Mongólia" (2003)
"O Filho da Mãe" (2009)
    CRÍTICA - ROMANCE
    Autor faz relato certeiro da babel de nossos dias
    Em 'Reprodução', novo romance de Bernardo Carvalho, profusão de informações atormenta personagem paranoico
    O AUTOR ACERTA NA INTELIGENTE MEDIAÇÃO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA FALA E AS CONVENÇÕES DA ESCRITA
    LUÍS AUGUSTO FISCHERESPECIAL PARA A FOLHAExaminar o presente é uma das melhores vocações do romance, há 300 anos; "Reprodução" cumpre esse desígnio com argúcia e profundidade.
    A abertura nos chega por um narrador impessoal, quase um locutor de aeroporto, dando conta de que um certo estudante de chinês está por embarcar para Xangai; na fila, revê sua antiga professora, chinesa de fato, assustada, com uma criança pela mão; saúda-a e não tem tempo para mais nada, porque ela é levada por um agente, talvez da polícia, e em seguida ele mesmo é conduzido à delegacia local.
    Aqui decola o romance: por dezenas de páginas vamos ouvir o depoimento do estudante a um policial. Ele vai explicar que não tem laço relevante com a ex-professora e expor sua visão das coisas.
    Vai-se saber que ele trabalhou no mercado financeiro, mas está sem emprego, foi abandonado pela esposa há uns sete anos, dedica-se a ler "colunistas" e blogs e a intervir na internet, e crê que a China vai dominar o mundo, motivo pelo qual resolveu dedicar-se ao impossível idioma ""para poder levar vantagem.
    Na segunda parte, o estudante, já só, ouvido colado numa frágil divisória, acompanha a conversa de seu interrogador com uma colega, envolvida em investigações malsucedidas. Na fala dela há racionalidade e frieza policial, mesclada a exasperação e mistérios pessoais tudo ao final revelando-se trágico.
    Uma terceira parte repassa a voz ao estudante, apresentando com maior nitidez os impasses, incompreensões e obscuridades do mundo tal como ele o vê e ao qual reage pateticamente.
    Visto de perto, o estudante é um sujeito paranoico, fantasista, preconceituoso, irracional, agressivo, covarde, mentiroso e inteligente, tudo diluído na cordialidade brasileira.
    Visto à contraluz, é um de nós, atormentado pela profusão de informações e alternativas, sem conseguir articular uma leitura de conjunto das coisas, no presente e no futuro "o"E quem não fica deprimido com o mundo do jeito que está?", pergunta.
    Bernardo Carvalho acerta a mão, a começar pelo ritmo perfeito de texto, inteligente mediação entre as exigências da fala e as convenções da escrita. A marcação cênica é econômica e precisa.
    Dando conta irônica e certeira da babel de nossos dias, o relato se encerra de modo algo alegórico, que dispersa um pouco, mas não deixa extraviar-se a potência crítica de seu ótimo romance.

      O xadrez de Campos - Andre Singer

      Verdadeiro sonho de Eduardo Campos é virar herdeiro do lulismo - André Singer




      Ao fazer o gesto de entregar os cargos federais na quota do 

      PSB, Eduardo Campos abriu, na quarta-feira passada, uma quinzena de definições sobre a sucessão presidencial de 2014.
      Nos próximos dias, duas outras importantes balizas serão conhecidas: a opção de José Serra, que só poderá concorrer pela legenda a que estiver filiado no sábado, 5 de outubro, e se Marina Silva conseguirá, até a mesma data, registrar a Rede ou vai se matricular em outra agremiação. Joaquim Barbosa, por ser magistrado, pode se filiar até abril do ano que vem.
      Com tais dados, começa a se delinear o panorama dos nomes na disputa e também o tabuleiro partidário em que irão se mover. A decisão de devolver os postos indica que, na avaliação do governador de Pernambuco, a recuperação da popularidade presidencial não irá muito longe, prenunciando um cenário em que conviria guardar distância do atual governo. Optou por diferençar-se à direita, estabelecendo programa de corte liberal contra as opções desenvolvimentistas de Dilma. Não sei se Arraes aprovaria.
      Ao mesmo tempo, o neto do velho líder populista afirma manter o apoio parlamentar a Rousseff, pois não pode afastar-se a ponto de inviabilizar aquele que é o fulcro de seu projeto. Com 6% das intenções de voto, sabe que, sustentado unicamente pelo PSB (e talvez pelo PPS, a depender da decisão de Serra), não irá muito longe agora. Por isso, está, na realidade, construindo o caminho para 2018 e quer ficar em uma situação que lhe permita pular em qualquer das canoas no provável segundo turno de 2014.
      Em condições normais, a presidente já está no segundo turno. Mas aí a peleja pode ficar apertada. Por exemplo, uma eventual unidade oposicionista do PSDB e da Rede em torno de Aécio ou Marina deixaria Campos na invejável condição de fiel da balança. Com esse trunfo na mão, poderia barganhar com qualquer dos concorrentes uma posição interessante para a eleição seguinte.
      O pacto pré-eleitoral com Aécio e, ao mesmo tempo, a relação privilegiada que mantém com Lula indicam que o seu apoio a qualquer dos blocos não será automático.
      Penso que o verdadeiro sonho de consumo do pernambucano é tornar-se herdeiro do lulismo. Mas para tal, precisa fazer esse arriscado jogo duplo. De um lado, ameaçar bastante os gigantes PT e PMDB, obrigando-os a lhe abrir espaço. De outro, manter-se sempre de bem com Lula.
      Muitíssima água ainda vai correr por baixo das pontes de Recife, mas quem sabe, várias jogadas adiante, Campos possa, por exemplo, se tornar vice do criador do lulismo. Tendo apenas 48 anos, bem pode esperar dez para chegar à Presidência.
      Folhapress
      André Singer é cientista político e professor da USP, onde se formou em ciências sociais e jornalismo. Foi porta-voz e secretário de Imprensa da Presidência no governo Lula.