As histórias que o cinema não conta
André Conti
Depois de assistir a "Detona Ralph", saí com a impressão de que alguém finalmente tinha acertado um filme sobre videogames.
Claro que falta Pixar ali. No fim das contas, o fator Disney acaba se sobressaindo: em vez de um filme que mira nas duas plateias, adulta e infantil, há mensagens sendo tortuosamente esfregadas na cara do espectador, e uns 40 minutos no meio que são tão chatos quanto qualquer filme da empresa.
Pensando melhor, "Detona Ralph" nem é tão bom assim. Mas o cenário de adaptações de jogos para o cinema é tão inacreditavelmente ruim, que a meia hora inicial, onde os personagens dos jogos todos se encontram depois que o fliperama fecha, à la "Toy Story", vale a viagem.
Mas é estranho que ninguém tenha acertado em cheio uma adaptação dessas. Conforme a tecnologia avança para jogos cada vez mais cinematográficos, muitas vezes com atores e roteiristas de Hollywood envolvidos, o cinema ainda não encontrou meios de levar a experiência de um jogo para as telas.
E não foram poucas tentativas. Lembro direitinho da decepção de assistir, no cinema, "Super Mario Bros.", que contava no elenco com os improváveis Bob Hoskins, John Leguizamo e Dennis Hopper, este último no papel de King Koopa.
Havia pouca semelhança entre jogo e filme, e todos os envolvidos já declararam em algum momento que este foi o pior trabalho de suas vidas (se não acredita em mim, busque o trailer no YouTube).
Mesmo se dermos o desconto de que "SMB" foi a primeira adaptação de um jogo para a história, o que veio a seguir também não foi muito animador. Basta lembrar de "Street Fighter" (que acabou sendo o último papel do Raul Julia), "Double Dragon", "Wing Commander", "Mortal Kombat", "Resident Evil": absolutamente nada se salva.
Ao longo dos anos, nos acostumamos a colocar a culpa no Uwe Boll. O diretor alemão, tido como o Orson Welles dos filmes de videogame, dirigiu meia dúzia de adaptações, todas tenebrosas. Em 2006, cansado das críticas negativas, convocou seus críticos mais ferrenhos para uma luta de boxe.
O "efeito Boll" afastou os estúdios de investimentos mais sérios em adaptações. Há uns anos, Peter Jackson, diretor da trilogia "Senhor dos Anéis", ensaiou uma produção de "Halo", da Microsoft, que acabou dando água. Outras tentativas recentes, como "Max Payne", não encontraram público.
Talvez o acerto de "Detona Ralph" esteja em fugir de jogos já existentes, adaptando um título imaginário e capitalizando, assim, na popularidade geral dos videogames, sem se ater a nenhum deles.
É assim que Zangief, Pac-man e Q*bert podem conviver num mesmo universo, sem que as tramas ínfimas de seus jogos precisem ser levadas em conta.
A questão central, para mim, continua na mecânica do jogo. Já disse aqui que ninguém joga "Super Mario Bros." para salvar a princesa. A narrativa de um jogo não está na trama, ela é construída pelo jogador com o controle, conforme ele vence obstáculos, descobre novas áreas etc.
Por isso é tão difícil adaptar um jogo, mesmo que conte com uma trama espetacular (acredite, eles existem). Ao fim e ao cabo, estamos interessados em construir nossas próprias narrativas, algo que o cinema jamais vai proporcionar. Melhor assim.