domingo, 9 de junho de 2013

Quadrinhos

folha de são paulo
CHICLETE COM BANANA      ANGELI
ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE
LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO
CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES
FERNANDO GONSALES
MUNDO MONSTRO      ADÃO ITURRUSGARAI
ADÃO ITURRUSGARAI
PRETO NO BRANCO      ALLAN SIEBER
ALLAN SIEBER
GARFIELD      JIM DAVIS
JIM DAVIS
HAGAR      DIK BROWNE
DIK BROWNE

O Líder de Maio de 68 está em maus lençóis

SILVIA BITTENCOURT
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA de são paulo

O que Poderia ter coroado a carreira do político franco-alemão Daniel Cohn-Bendit, o ex-rebelde "Dany, o Vermelho" e hoje deputado europeu, acabou deflagrando uma onda de indignação na Alemanha. Tudo por causa de uma declaração infeliz feita nos anos 70 e que voltou à tona em abril, quando o político recebeu o prestigiado Prêmio Theodor Heuss, por seu engajamento na consolidação da democracia alemã.
Em "O Grande Bazar" (Brasiliense), Cohn-Bendit disse ter "acariciado" sexualmente crianças, a pedido delas, quando trabalhava como educador num jardim de infância em Frankfurt --para onde foi depois de liderar o movimento estudantil em Paris, em 1968, e perder a nacionalidade francesa. Publicadas na Alemanha em 1975, no auge da campanha pela libertação sexual, as declarações de Cohn-Bendit passaram (quase) despercebidas na época.
Traumatizada em face dos recentes escândalos de pedofilia envolvendo célebres educadores e padres de escolas de elite, a Alemanha desenterrou a obra de Cohn-Bendit e retomou o assunto. Políticos boicotaram a entrega do prêmio, manifestantes importunaram a cerimônia com vaias e até hoje cartas de leitores ocupam os jornais.
PEDRA NO SAPATO
Na biografia "Richard Wagner "" Um Campo Minado" (Propyläen), o historiador Gottfried Wagner não poupa adjetivos ao seu bisavô, um dos monstros da música alemã: além de antissemita, intrigante, carreirista, autólatra e necrófilo, um homem que desprezava as mulheres.
Por seu antissemitismo e pela proximidade de sua família com Hitler, Wagner sempre foi uma figura polêmica na Alemanha: de um lado, os wagnerianos e sua meca, a cidade bávara Bayreuth; de outro, os que exigem um tratamento crítico da biografia e obra do compositor ou que o boicotam.
O livro abalou as comemorações do bicentenário de Wagner, que vem sendo lembrado em uma série de eventos em todo o país. E tornou-se uma pedra no sapato da família do compositor, que sempre cultivou o mito Wagner acriticamente.
INSOLVENTE
A Alemanha vem assistindo com pesar às querelas envolvendo a mais tradicional de suas editoras, a Suhrkamp, que acaba de abrir um processo de insolvência. É o ápice de uma briga entre a viúva do editor Siegfried Unseld e o sócio, Hans Barlach.
Segundo a última decisão judicial, Ulla Unseld-Berkéwicz, atual chefe da Suhrkamp, deve pagar a Barlach mais de € 2 milhões em dividendos. Os conflitos começaram anos atrás e se acirraram de tal forma que vários autores vêm ameaçando deixar a editora. Célebre é a coleção "Edition Suhrkamp", livros de bolso trazendo grandes obras de autores como Bertold Brecht, Hans Magnus Enzensberger, Jürgen Habermas e Peter Sloterdijk.
VAIAS EM CANNES
Enquanto a cena cinematográfica alemã lamentou ficar mais um ano fora da competição em Cannes, a cineasta Katrin Gebbe comemora até hoje a participação de seu primeiro longa, "Tore Dança", na programação paralela, a única contribuição do país no evento.
Trata-se de um drama baseado em fatos reais: um jovem chamado Tore, integrante de um grupo de "punk-cristão", acaba martirizado e escravizado por um casal sadomasoquista.
Violento ao extremo, o filme até recebeu vaias em Cannes. Mas revelou jovens atores (como Julius Feldmeier) e abriu as portas, dentro e fora da Alemanha, para Gebbe, aos 30 anos e recém-formada.

Memórias que viram histórias - Antonio Geraldo Figueiredo Ferreira

folha de são paulo

Pra que mais?

ANTONIO GERALDO FIGUEIREDO FERREIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA

As memórias, expostas na confluência de palavras e fotografias, costumam embalar vidas inteiras, que repousariam então na felicidade, estendida para todas as direções. Criam um tempo que se quer continuamente presente, experiência reposta como exemplo e, ao mesmo tempo, conselho. Tudo isso acaba de acontecer comigo, mas a lembrança do fato já habita todos os meus dias, transformando o que foi e o que ainda não houve.
Fui a Poços de Caldas, em 1º de maio, para uma palestra na Flipoços, feira literária na bela cidade de Antonio Candido, em Minas Gerais. Ariano Suassuna daria sua aula espetáculo na mesma data, à noite. Sua influência em minha obra é maior do que se pode supor. A junção do popular ao erudito, em seus diversos níveis, inclusive linguísticos, abarcando temas periféricos e, ao mesmo tempo, centrais, recriam de modo brilhante nossas especificidades, fato que sempre me cativou e, mais que isso, propiciou-me reflexões decisivas a respeito de nossa condição e do papel do artista brasileiro.
Arquivo pessoal
Momentos antes de sua palestra na Flipoços, Ariano Suassuna beija Ana Lúcia, mulher de Antonio Geraldo Figueiredo Ferreira
Momentos antes de sua palestra na Flipoços, Ariano Suassuna beija Ana Lúcia, mulher de Antonio Geraldo Figueiredo Ferreira
Cheguei preparado, carregando alguns livros dele, para a remota possibilidade de lhe encher a paciência e trocar algumas palavras. Então o destino me afagou, e tive a sorte de ficar no mesmo hotel. Mais ainda, no quarto ao lado do grande escritor. Minha esposa, que escuta melhor que as paredes, e, como convinha ao caso, além delas, ouviu a voz do mestre, que estaria no corredor. Eu tenho um zumbido desgraçado há anos e não escuto muito bem. Abri a porta correndo. Ele recebia um amigo. Enfiei-me na conversa e me apresentei.
Que delicadeza de homem. Estava acompanhado de sua mulher, Zélia, um encanto de pessoa que pede algum neologismo que dê conta de sua graça, aliás. Seu genro, Alexandre Nóbrega, é grande figura também. Conversamos, tirei fotos, dei-lhe um exemplar de "As Visitas que Hoje Estamos", pedi seu autógrafo. Ana Lúcia, minha companheira, recebeu um beijo tão carinhoso, tão paternal, que me emocionei.
Foi um daqueles momentos que valem por uma existência. Ele perguntou se assistiríamos à sua aula, tem cabimento? Eu não sabia, entretanto, que o destino, além de me afagar, carregar-me-ia no colo.
Ao final de sua conferência, Ariano tirou da maleta meu livro e o colocou sobre a mesa, antes de pegar as famosas pedras que sempre carrega. Alguns minutos depois, citou meu nome, disse que espiara minha obra e gostara de vários trechos. Leu um deles, "Jornal":
"Horóscopo, falências e obituário, pra que mais?"
O teatro inteiro riu. Citando outro fragmento, "Oitenta Anos", no qual um octogenário fala da vida, disse que achava interessante que um jovem autor pudesse entrar na cabeça de um velho. E, para minha glória, já que finalmente descobri o significado daquela expressão que diz que um sujeito, a partir de um determinado fato, pode morrer feliz, Ariano Suassuna completou: "Parece que eu que escrevi".
Acho que comecei a chorar, não sei. Ele então perguntou se eu estava no teatro. Pediu que me levantasse e bateu palmas. Ana Lúcia conta que o teatro inteiro o acompanhou. Eu não ouvi, juro.
A culpa não foi do zumbido porque até me esqueci dele. Eu estava ouvindo como nunca, tenho certeza, porque escutava uma única pessoa batendo palmas, uma só, com discrição, elegância e generosidade, um único homem aplaudindo, palmas que jamais deixarão de ecoar, mesmo que eu fique surdo por completo, mesmo que me arranquem as orelhas.

Libertinagem e alucinação em Harvard [Timothy Leary] - Lucas Ferraz

folha de são paulo
LUCAS FERRAZ
EM BOSTON

Cinquenta anos depois de ser expulso e banido de Harvard por realizar experimentos com LSD em alunos do curso de psicologia, o professor e neurocientista Timothy Leary (1920-96) volta à universidade pelas portas do inferno.
Ícone da contracultura e guru da substância que fez a cabeça dos jovens nos anos 1960, Leary é um dos destaques daquela que é anunciada como a maior coleção particular do mundo sobre sexo e drogas, que acaba de ser incorporada ao sistema de 73 bibliotecas de Harvard.
O acervo, que ao longo dos anos absorveu coleções da Europa e dos EUA, pertencia ao bilionário colombiano Julio Mario Santo Domingo Jr. (1958-2009). Após sua morte, a família assinou um contrato de cessão da biblioteca, antes sediada na região de Thônex, na Suíça, e batizada como biblioteca Ludlow-Santo Domingo.

Santo Domingo Collection

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Divulgação
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Imagem da coleção Santo Domingo da biblioteca de Harvard
Harvard recebeu as 700 caixas no final do ano passado e começou a fazer a catalogação e a digitalização dos mais de 50 mil itens, entre livros raros, filmes e vídeos, manuscritos, cartazes, fotos, panfletos e experiências de famosos e anônimos no universo do sexo e das drogas, da agora rebatizada Santo Domingo Collection.
Folha foi o primeiro jornal do mundo a visitar o arquivo, no início do ano, no complexo de bibliotecas do campus central de Harvard, em Cambridge, no Estado de Massachusetts.
"Harvard cresceu ao redor de sua biblioteca. Somos a maior universidade do mundo porque também temos o maior acervo universitário do planeta, que agora está ainda mais completo com essa coleção tão peculiar", comentou, feliz, o historiador Robert Darnton, diretor do complexo de bibliotecas da instituição.
Espalhada por unidades da universidade em Cambridge e Boston por afinidade temática, a coleção não só constitui um manancial enorme de pesquisa em áreas como literatura, medicina, botânica, artes, cultura pop, fotografia e cinema como dá a Harvard algo que ainda lhe faltava: um inferno.
É assim que se conhece, nas grandes bibliotecas do mundo, "o depósito jamais aberto ao público; o Inferno, coletânea de todas as sem-vergonhices luxuriosas da pluma e do lápis", conforme define o dicionário Larousse de 1877.
O inferno da Biblioteca Nacional da França ficou interditado até a década de 1910, quando o poeta Guillaume Apolinnaire, com dois amigos, se embrenhou ali e pôs a nu os autores proibidos ao editar um catálogo e uma coleção. Começava a se abrir o longo caminho até a reabilitação de autores como o marquês de Sade [1740-1814].
Especializado na história da França do século 18, Darnton lembra que passou anos estudando nos "infernos" das bibliotecas francesas, interessado em temas tabu, como sadismo e a relação com as drogas.
"Muitas vezes os fenômenos marginais estavam fora das grandes bibliotecas, e consideramos que elas devem ter todo tipo de material relacionado à experiência humana", ressalta. "O mundo do sexo e das drogas foi muito importante em uma parte dos anos 60 e 70, sobretudo. É um fenômeno cultural internacional."
Só sobre o autor de "Os 120 Dias de Sodoma" a Santo Domingo conta mais de 500 volumes, sendo 125 do próprio Sade, como o raro exemplar de 1791 de "Justine ou les Malheurs de La Vertu". A erótica francesa concentra boa parte dos livros raros e antigos: cerca de 1.200 vieram da coleção do suíço Gérard Nordman, que Santo Domingo arrematou em 2006. Vem de lá, por exemplo, o manuscrito do clássico sadomasoquista "História de O" (1954), de Pauline Réage.
Livros autografados e manuscritos de poetas malditos como Charles Baudelaire e Paul Verlaine também estão disponíveis para consulta. Conforme faz a catalogação, a equipe de uma das bibliotecas posta textos e imagens com as novidades encontradas nas caixas no blog da biblioteca (blogs.law.harvard.edu/houghtonmodern).
Entre os muitos livretos que circulavam de mão em mão, clandestinamente, no final do século 18, um dos mais interessantes é "Enculées" (as enrabadas), livro organizado entre 1892 e 1898 pelo escritor francês Pierre Louÿs (1870-1925). Louÿs tomou o depoimento de prostitutas que trabalhavam na Paris do final do século 19, com fartas descrições e fotos explícitas.
Há ainda documentos importantes do século 18, como opúsculos clandestinos da França iluminista; um tratado ricamente ilustrado sobre história e usos antigos e modernos do cinto de castidade; um curioso relatório investigativo de uma comissão do Congresso dos EUA sobre obscenidade e pornografia, produzido sob o governo Lyndon Johnson (1963-69) e reeditado com ilustrações da época.
DROGAS
Se a coleção Nordman foi a matriz de boa parte da erótica francesa de Santo Domingo, o outro pilar da coleção, as drogas, tem raízes ali mesmo em Harvard, na pesquisa pioneira sobre os efeitos do LSD que Timothy Leary e Richard Alpert fizeram em si mesmos e em seus alunos na universidade, no início da década de 1950.
Os testes de Leary inspiraram três amigos a formar, na Califórnia, em 1970, a biblioteca Fitz Hugh Ludlow Memorial, que por décadas foi a maior do mundo em se tratando de psicotrópicos.
Em 2003, ela foi comprada por Julio Mario Santo Domingo e transferida para a Suíça. O nome é uma homenagem a Fitz Hugh Ludlow (1836-70), autor do primeiro livro da literatura americana que tematiza as drogas, "The Hasheesh Eater" (o comedor de haxixe), de 1857. (Os comedores de haxixe, aliás, poderão apreciar as duas prateleiras sobre culinária, com receitas de bolos, cookies e outros pitéus amaconhados.)
Um dos criadores da Ludlow, Michael Horowitz, foi grande amigo de Leary e é um dos principais divulgadores de seu legado. Ele planeja produzir um filme sobre Leary, em parceria com o ator Leonardo DiCaprio. Segundo Lisa Rein, parceira de Horowitz num site que disponibiliza material sobre Leary, todos se espantaram com a inexistência de material em Harvard sobre o guru do LSD.
Igual reação teve Leslie Morris, curadora de manuscritos e da seção de livros modernos da Hougthon Library, que recebeu boa parte da coleção sobre sexo e drogas. "Essas experiências são um aspecto interessante de Harvard naquela época, e não havia quase nenhuma documentação", disse ela à Folha.
Leslie Morris foi a primeira pessoa do staff de Harvard a conhecer a Santo Domingo Collection. Ela mescla um sorriso severo com arroubos de simpatia ao falar sobre o universo pervertido da coleção. Há 20 anos em Harvard, ela é a funcionária da instituição que melhor conhece o acervo. Em 2011, durante as negociações da cessão do arquivo entre a família do colombiano e a universidade, Morris foi à Suíça para analisar o acervo. Ela diz ter se impressionado com o que viu. "Acreditamos ser a maior coleção particular sobre o tema no mundo", comenta. "É uma coleção rara."
POP
Nem só de antiguidades, no entanto, se faz a Santo Domingo. A coleção mostra que seu criador levava a contracultura a sério: uma profusão de documentos retrata momentos cruciais da revolução pop, sexual e política dos anos 60. O arquivo deixado pelo bilionário colombiano na Suíça tinha ainda uma seção dedicada ao rock'n' roll, mas ela não foi para Harvard: os documentos foram encaminhados ao Museu do Rock, em Cleveland, no Estado de Ohio.
Interessado nas experiências de sexo, drogas e magia negra, Julio Mario Santo Domingo Jr. foi um colecionador voraz --além da biblioteca, reuniu a maior coleção mundial de cachimbos de ópio. Ele morreu em Nova York, em 2009, de câncer no pulmão.
O colecionador nasceu em uma das famílias mais ricas da América Latina: seu pai era dono de bancos, cervejarias, do grupo de comunicação Caracol, o maior da Colômbia, e da empresa aérea Avianca, entre outros negócios.
Ainda na adolescência Julio Jr. começou a colecionar livros --sobretudo os malditos franceses do final do século 19 e começos do 20.
Segundo Leslie Morris, a socialite brasileira Vera Rechulski, com quem Julio teve dois filhos, conhece como ninguém a coleção. Mas a brasileira, que divide seu tempo entre o Rio e Paris, não quis conversar com a Folha sobre o acervo.
Nos papéis sobre drogas, chama atenção a coleção de micropontos de LSD, quase todos de autoria do designer americano Mark Cloud, o maior nome do gênero. Nos micropontos, o alucinógeno é impresso em pequenos pedaços de papel com desenhos psicodélicos ou figuras que vão do próprio Timothy Leary ao Chapeleiro Maluco de "Alice no País das Maravilhas".
Há ainda documentos históricos, como a carta de 11 de agosto de 1788 em que o vice-rei do Império Espanhol nas Américas, Manuel Antonio Flórez Maldonado (1722-99), aponta o crescimento do uso de maconha na região de Monterrey, no México.
O setor sobre ervas alucinógenas e afins vai dos raros volumes impressos ainda no século 16 a curiosidades como o exemplar do romance "Cocaína", de Dino Segre, que traz o ex-libris (selo da biblioteca pessoal) de Adolf Hitler.
A cultura e as guerras em torno do ópio trazem preciosidades como o livro publicado na Inglaterra em 1870 sobre as diferenças entre o consumo naquele país e na China. A obra "The Chinese Opium Smoker" tem o sugestivo subtítulo de "12 ilustrações que mostram a ruína que o comércio de ópio com a China está trazendo para o país".
As ilustrações mostram chineses usando a droga em poses recreativas. O livro compara o fumante de ópio chinês e o bebedor inglês, fala das responsabilidades da Inglaterra no comércio internacional e alerta em tom catastrófico sobre os perigos da substância:
"Triste é a perspectiva, o marido [viciado] já está condenado à pobreza, à vergonha e à morte prematura, sua esposa, à ruína, seu filho, à mendicidade. Sua mãe vai morrer de um ataque cardíaco".
Uma busca por "Brazil" nos itens da coleção mostra que o acervo estava relativamente atualizado: lá estão "O que Aprendi com Bruna Surfistinha", de Raquel Pacheco, "O Diário de Marise: A Vida Real de uma Garota de Programa", de Vanessa de Oliveira, além de livros sobre narcotráfico e usos de ayahuasca nas cidades brasileiras.
Entre as raridades em língua portuguesa, destaca-se a primeira edição de "Elogio à Punheta", livro erótico português editado em Paris no final do século 19.
A obra é dividida em três historietas --além da que dá nome ao livro, há ainda "Queixumes de um Guarda-Portão" e "O Frade Vicioso, ou A Freira Puta" --dignas, ainda hoje, de fazer corar um bom cristão.
Tem a punheta virtude
Da louvável gratidão;
É companheira do homem
Até mesmo na prisão
A punheta é no mundo
A imagem do prazer,
Quem à vista da punheta
Cabe n'asneira de foder?!...
Em "O Frade Vicioso, ou A Freira Puta", os autores fazem troça de frades e freiras enclausurados.
Havia em certo convento,
Um fradalhão de saber,
Que andava sempre arreitado
Com a fome de foder. (...)
Sendo chamado a um convento
Para as freiras confessar,
Fez logo a uma por uma
Todas no membro a pegar!
Ficaram tão encantadas
Da santa galanteria,
Que quiseram confessar-se
Sempre uma vez cada dia!
Eram trinta, fora a madre,
Que ele tinha a confessar;
Portanto, trinta punhetas
É que havia de trincar!

Nascer e outros três poemas

folha de são paulo
ARMANDO FREITAS FILHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

SOBRE OS POEMAS Os textos aqui publicados integram o livro com o qual Armando Freitas Filho comemora 50 anos de poesia. "Dever", que reúne poemas escritos entre 2007 e 2012, tem lançamento previsto para julho, pela Companhia das Letras.

NASCER
Casta, casa, criança.
A primeira se esmerava
em palavras castiças, a segunda
se erguia a partir dessas
legendas, a terceira saía
para o jardim domesticado
à tesoura e vento medido.
A revelação rompeu contra
os santarrões, e o limpo voo
da cegonha caiu abatido pelas pedras
do palavreado de carregação:
"Não. Se nasce nas coxas
entre as pernas e o sangue
da mãe, partida para parir".
No mastro do quarador
com canivete em punho
o ano da revelação foi gravado --
trêmulo-- e o jardim
se encrespou de encontro
à casa, a casta perdeu
o lustro, a criança morreu.
Atravessou a tarde ao tempo
fora da casa, da casta, expulso
sem querer voltar, misturando
nojo, ódio, a carne de todos
na máquina de moer/doer
pingando no chão sujo e úmido
da cozinha, do banheiro, do quarto.
Largado no cimento, de macacão
recendendo a sabonete Gessy
o negro criado sorria vitorioso
no calor: pés descalços, calos
viril, de peito aberto, e mãos
e boca de hálito diferente:
Ubirajara Alberto Gonçalves, dixit.

AR DE FAMÍLIA
Só sei ser íntimo ou não sei ser.
O que escrevo me ameaça de tão perto.
Amassa mãe, pai, filhos, mulheres
os de sangue símil, os de romance
os de tinta de impressão, de árvore
venosa de folhas variáveis no vento
das estações, no ferido almofariz
com o mesmo pilão de pedra
sem lavar, e entre uma socada e outra
o silêncio do punho fechado.

MARCAS DA MÃE
O primeiro prato-feito
não admitia dúvida:
tinha divisões, onde
cada porção se punha
certa e definitiva.
O punhado de arroz
a colher e meia de feijão
a cor de legume medido
a carne cortada em cubos
contados. Depois, no prato
raso do mesmo jogo
a fatia certeira de queijo
e de doce acabando juntos.
Mais tarde, na louça adulta
e anônima, a mesma mão
destinada, dispunha
sem engano, a comida.
Nem mais, nem menos
mas com um tempero oculto
um veneno de mentira:
o que era antes interdito
à criança se permitia
ao menino que não crescia.
Agora, sem sua certeza
me sirvo hesitante:
o que corto, o que ponho
ora sobra, ora falta
e não sei, exatamente
o que me alimenta ou me mata.

TRANSITIVO
Só o pai gosta de você.
Amor automático igual
ao sangue que corre
para não escorrer, só
o pai sente quando
você sai sem abrigo.
Só o pai sente o frio
só o pai, o homem, não.

Nobel propõe que consumidor pague US$ 3 a mais por selo antiexploração do trabalho

TONI SCIARRETTA
Folha DE SÃO PAULO

Ganhador do Nobel da Paz de 2006, o economista Muhammad Yunus fundou o banco Grameen em 1976 e ficou conhecido como banqueiro dos pobres.
Em Bangladesh, ele criou o sistema de microcrédito que empresa dinheiro a mulheres, sem garantias, para investir em pequenos negócios que sustentam suas famílias. O banco tem 2.185 agências, emprega 18.795 pessoas e tem 7 milhões de clientes. A taxa de inadimplência é de menos de 2%.
Nasci em uma pequena aldeia do Bangladesh em 1940. Era uma família pobre com 13 filhos. Depois, nos mudamos para a cidade, meu pai abriu uma loja de joias e se tornou um pequeno empresário.
Rodrigo Capote/Folhapress
Muhammad Yunus, que ganhou o Nobel da Paz em 2006
Muhammad Yunus, que ganhou o Nobel da Paz em 2006
*
Cresci no meio dessa família, que me incentivou a ir para a escola. Continuei estudando e me formei economista na universidade de Dacca [capital do país]. Depois fiz mestrado e obtive uma bolsa para estudar nos EUA.
Lecionei nos EUA, poderia ter ficado por lá, mas sempre planejei voltar a Bangladesh. Pensava que poderia ser útil de alguma forma para as pessoas do meu país.
Sempre quis ser um professor universitário, mas acabei me envolvendo com o microcrédito. Emprestava dinheiro para mulheres, sem qualquer garantia, investirem nos pequenos negócios da família. A mulher administra a vida da família e é muito responsável com o uso do dinheiro.
Por trás dessa ideia, estava a construção do Banco Grameen [banco das aldeias].
Enfrentamos dificuldades de todos os tipos. Vivemos em um país muçulmano e a religião é uma questão muito sensível. Algumas pessoas interpretavam que emprestar dinheiro e cobrar juros era uma forma de exploração, que ia contra as leis do Corão.
Também achavam que emprestar dinheiro para mulheres era uma coisa destrutiva numa sociedade em que a mulher tem um papel recluso. Os homens não gostavam e perguntavam: por que estamos dando dinheiro para as mulheres deles? Estávamos fazendo uma coisa que muitos políticos diziam que era tarefa do governo.
Para responder aos questionamentos, fomos procurar exatamente o que dizia o Corão sobre empréstimos e mulheres. Procuramos exemplos históricos. Aos políticos explicamos que a ideia não era reduzir o poder nem a responsabilidade do governo, mas complementá-la.
Sempre tivemos oposição e enfrentamos calúnias.
As resistências foram aos poucos diminuindo porque as pessoas começavam a ver os benefícios conquistados.
Fiquei conhecido como o banqueiro dos pobres, mas o maior reconhecimento foi o Nobel da Paz, em 2006.
Foi um voto de que, bem aplicadas, as finanças promovem o entendimento e a paz.
Em 2010, fui convidado a sair do Grameen por estar velho demais [o BC determina aposentadoria aos 60 anos]. Contestei isso na Justiça, alegando que nosso banco não tinha essas regras. Mas a corte não aceitou o caso e eu saí. Há várias interpretações e não quero falar sobre isso.
Se no Brasil o microcrédito não teve tanto sucesso, talvez seja porque não tenha sido feito da forma correta. Não culpo o país nem o povo, mas a forma como foi feito. Deu certo na Guatemala, na Costa Rica, no México e na Colômbia. Talvez seja o juro alto, mas não conheço a operação e prefiro não comentá-la.
O Brasil é um país muito importante, que veio de baixo e tem a responsabilidade de mediar as discussões entre países ricos e pobres.
Hoje, eu me dedico aos negócios sociais que tratam de temas como pobreza, desemprego e danos ambientais.
As pessoas que trabalham com esses negócios devem perseverar vendo os resultados. O fato de querer ajudar as pessoas não faz dos profissionais menos interessados em ser bem pagos ou de ter um plano de carreira sólido.
Bangladesh teve uma tragédia neste ano. O prédio de uma fábrica têxtil caiu e matou mais de 1.100 pessoas. Não podemos deixar que essas fábricas se instalem em prédios que não são seguros.
Como uma pessoa pode usar uma camiseta que foi produzida nessas condições?
Por que não pagar um pouco mais e garantir com que esses trabalhadores tenham uma vida mais segura?
Estamos tentando aprovar um salário mínimo de US$ 0,50 por hora. Hoje, são US$ 0,25. Isso não custará muito mais para os consumidores. Talvez alguns produtos de US$ 60 custem mais US$ 3. Claro que temos de ter certeza de que esse dinheiro será direcionado a esse fim.
É aceitável que a empresa que respeite esses padrões mínimos de segurança no trabalha possa etiquetar seu produto ressaltando que ele foi feito sem usar trabalho escravo e sem explorar ninguém. Não é usar a pobreza como marca. É o símbolo de um comércio justo.

Entrevista - Fábio Gandour - Ana Estela de Sousa Pinto

folha de são paulo
ENTREVISTA - FÁBIO GANDOUR
Para crescer, país precisa fazer ciência como negócio
Cientista-chefe da IBM diz que complexidade da economia exige novos métodos de soluções de problemas no Brasil
ANA ESTELA DE SOUSA PINTOEDITORA DE "MERCADO"
Chefe do primeiro laboratório aberto no hemisfério Sul pela gigante de tecnologia IBM, Fábio Gandour, 60, acha que é necessário mudar a pesquisa científica no Brasil.
Na prática, livrar-se do "caráter doutrinário" e fazer "ciência como negócio" --cujo objetivo seja gerar lucro para quem a financia.
A mudança, diz, exige planejamento, continuidade apesar das mudanças de governo e espírito de competição.
Sem isso, o país pode desperdiçar a onda de investimentos que virá com as concessões de infraestrutura e os grandes eventos esportivos.
De olho nessa maré, a IBM definiu quatro troncos de negócios: óleo e gás, mobilidade urbana, microeletrônica e serviços. Em dois anos, obteve 40 patentes.
Se elas se traduzem em lucro, como preconiza o cientista-chefe? Impossível saber. A empresa, que fatura mais de US$ 100 bilhões por ano nas operações globais (se fosse um país, teria o 60º maior PIB do mundo), não divulga dados financeiros do Brasil.
Folha - Como convenceu a IBM a abrir um laboratório no Brasil?
Fábio Gandour - Quando surgiu o conceito de Bric, percebi que havia um movimento muito forte em direção ao Brasil, de dinheiro, curiosidade, demanda de produção. Toda vez que isso acontece, aumenta a complexidade.
Por exemplo, o padeiro tem um método de gestão de qualidade. Se a farinha não estiver boa, reclamará com o fornecedor. Se tiver que passar de cem para mil pães por fornada, sem um método diferente, esse treco desce pelo ralo. A escala, a qualidade e o perfil da demanda mudam. Imagina quando você multiplica isso por muitas pessoas, em várias organizações.
Vendo que a complexidade ia ser crescente nesse exótico país tropical chamado Brasil, que nunca teve uma tradição em educação, nem em métodos sofisticados de manufatura nem em engenharia de produção --embora com ilhas de excelência nas três áreas--, concluí que os métodos tradicionais de solução de problemas não seriam suficientes. O grande argumento que convenceu o alto escalão foi o conceito de ciência como negócio. A ciência evoluiu na história muito dentro da academia, onde adquiriu um caráter doutrinário. Nada contra. O problema é que não funciona fora da academia.
Quais são as diferenças em relação à ciência como negócio?
A ciência doutrinária tem credos, liturgia, até dogmas. Descumpra a liturgia de uma universidade, para ver. Você não sai do lugar [risos]. As universidades mais tradicionais praticam esse modelo, que alargou as fronteiras do conhecimento até hoje, mas não serve para produção de novas soluções.
Vamos desenvolver uma ciência cujos resultados sejam plenamente orientados a causar impactos positivos nos negócios dos seus financiadores. Essa é a diferença essencial. Enquanto um professor desenvolve uma pesquisa cujo resultado será uma publicação, nós desenvolvemos uma cujo resultado será alvo de uma patente.
Isso não é o que já fazem os laboratórios farmacêuticos?
Há muito tempo. É também o que fazem algumas universidades americanas. Num equilíbrio muito bom entre doutrina e negócio.
Acredito que um laboratório que pratique ciência como negócio é autossustentável, um negócio como qualquer outro. Se for bem gerenciado.
Ele dá lucro. E corre um sério risco de ser um departamento altamente lucrativo quando der uma pegada, dessas na veia. Como a IBM, quando levou o primeiro Nobel de Física cujo objeto de premiação não era uma teoria, mas um objeto: o microscópio de força atômica.
Quando o sr. fez o plano de negócios do seu laboratório, projetou um resultado positivo em quanto tempo?
Cinco anos, até 2015. Já temos mais de 40 patentes. Em 2012, a IBM, pelo 20º ano consecutivo, foi campeã no registro de patentes nos EUA. Mas a gente não faz patente para ganhar o campeonato. Faz porque tem um mecanismo de monetização desse capital intelectual. Um departamento cheio de advogados e economistas, que transforma a patente em dinheiro.
Quando o sr. poderá dizer que seu projeto deu certo?
Já deu. Já ultrapassou o ponto de "no return", por causa da importância que esse pedaço do planeta tem na economia mundial.
Esse pedaço é o Brasil?
Não, é o hemisfério Sul. E já consigo enxergar o próximo pedaço do planeta que fará grande sucesso. A África.
Uma empresa ganha mercado se tiver um centro de pesquisa aqui?
Ah, ganha. A solução desses problemas no mundo mais complexo exige uma dinâmica que você não encontra nos países que já atingiram um grau de estabilidade, avanço social maior. Se você pensar, isso tem tudo a ver com o bônus demográfico.
Que a gente está perdendo...
Que a gente está vivendo.
Se está ganhando ou perdendo eu deixo para os economistas.
"País ainda precisa comprovar vantagem competitiva em óleo e gás"
folha.com/no1291955
"Falta continuidade à política científica"
folha.com/no1291954
PERFIL
Ex-cirurgião vestiu fantasia para obter verba
DE SÃO PAULONo primeiro inverno que passou em São Paulo, em 2010, Fábio Gandour foi parar no hospital, deitado na maca, cercado de médicos, incapaz de respirar.
"Como num episódio de House' ", o cientista-chefe descobriu da pior maneira que a sede da IBM, ao lado do parque Ibirapuera, fica numa das regiões da cidade com maior concentração de ozônio, ao qual ele é alérigo.
A pneumonite química foi mais um reencontro do cientista com o mundo da medicina. Trinta anos antes, Gandour terminava no Canadá uma especialização em cirurgia infantil.
Pesquisava deformidades de nascença quando descobriu relações estatísticas entre os casos que permitiam prever e até mesmo prevenir os casos.
A fascinação pela estatística o fez mudar de rota. Em 1988, concluiu seu PhD em computação em Stanford. Em 1990 entrou na IBM. Duas décadas depois, fantasiado de sheik, venceu Abu Dhabi na disputa pelo título de nono laboratório global da empresa.
"Concorrer com emirado árabe não é fácil. O cara vem num caminhão de petrodólar. Então eu tinha que usar o bom humor."
O "iqal" (lenço quadriculado usado para o turbante) e os óculos escuros, comprados no aeroporto de Dubai, são guardados troféu no atual escritório. Mas Gandour não pretende brincar em serviço.
No currículo distribuído por sua assessoria, seu "estilo de comunicação peculiar" --em que conceitos complexos são traduzidos em linguagem bastante popular-- é descrito como "outra de suas vantagens competitivas".
Ciência, sim, mas "como negócio".
    RAIO-X - FÁBIO GANDOUR
    NASCIMENTO: 1952, em São José do Rio Preto (SP)
    FORMAÇÃO:
    medicina, na UnB e cirurgia pediátrica, no Toronto Sick Children Hospital
    PhD em computação, na Universidade Stanford
    CARREIRA NA IBM: especialista e executivo para a indústria de saúde e no laboratório de San José (EUA); desde 2008, cientista-chefe da IBM Brasil

    Dois chopes e a conta com... XICO SÁ


    POR MARCELLA SOBRAL (INTERINA)
    marcella.sobral@oglobo.com.br


    Atenção, moçoilas de vestido que vão de um lugar
    para o outro de bicicleta: vocês estão sendo
    observadas. Um mês atrás, o Rio importou mais um
    voyeur, e essa cena, que se vê a torto e a direito na
    Cidade Maravilhosa, virou a maior obsessão de Xico
    Sá. “Estava precisando mudar de cenário para as
    minhas crônicas. Foi a primeira vez que eu me
    mudei sem ser por amor”, diz. O cinquentão nascido
    em Crato, no Ceará, é uma espécie de Bertrand
    Morane, protagonista do filme “O homem que
    amava as mulheres”, do cineasta francês François
    Truffaut — só que na versão macho-jurubeba,
    aquele amante à moda antiga. De camisa havaiana
    com estampas de caveira, bermudas e aquelas
    sandálias que não soltavam as tiras no passado, o
    novo cidadão carioca escolheu o Lamas, no
    Flamengo, para molhar a conversa com alguns
    chopes. “Para não dizer que estou de todo sem
    amor, tenho o que eu chamo de ‘a falsa magra do
    Catete’”. Foi a primeira que me pegou nas minhas
    saídas por aí, e eu me encantei. Já morei junto cinco
    vezes e estou indo para o hexa!”, conta Xico, sem
    falar a palavra casamento.


    REVISTA O GLOBO Esta é a sua segunda temporada no Rio. O que
    trouxe você aqui desta vez?
    XICO SÁ: Normalmente, só me mudo por amor. Mas esta é uma vinda
    mais existencial. Precisava mudar de cenário.

    A mulher carioca é diferente?
    Mulher é tudo igual. O que muda é o meu jeito de olhar, a minha
    percepção. O que muda muito aqui no Rio é de uma menina do
    Leblon para uma da sub-Zona Sul, de que eu gosto muito.

    Qual é a diferença?
    É aquela mulher meio caindo para o subúrbio, meio Lídia Brondi,
    um dos maiores tesões da minha vida. Pena que esses corretores
    de dentes estejam tirando o dentucismo mínimo das mulheres
    como Lídia Brondi. Rapidamente dentucinha, suburbana,
    de franjinha... Nossa...

    Hoje você é considerado um entendedor de mulheres. Sempre
    foi assim? Você fazia sucesso com as garotas no colégio?
    Não. Comecei tarde. Acho que é por isso que eu gosto muito. O
    acesso a mulher numa cidade do interior, na minha geração, era
    muito difícil. Só fui ter namoro sem pagar depois dos 18. Mesmo
    assim, era muito amador, não sabia o que era mulher de verdade.
    Acho que é por isso que fiquei nessa loucura até hoje.

    Está indo à forra agora, então?
    No fundo, sou sentimental. Diria “infinitamente sentimental”.
    Tenho uma certa cerimônia em ser canalha. No mínimo, invento
    uma boa mentira para justificar minhas falhas mais graves. Um
    canalha que dá satisfação não é um canalha de fato, né?

    Você está indo para o seu sexto casamento. Sem traumas?
    Sempre há sofrimento quando termina, mas não me furto. Tiro o
    máximo proveito do amor. Tem que morar junto na hora da paixão
    total. Acabou, acabou. Mas gaste essa hora. Quando se tem
    duas casas, não dá. É para quem tem muito dinheiro ou para
    quem é muito neurótico.

    O que você mais gosta numa mulher?
    Gosto quando a mulher inventa que precisa de mim, porque a
    mulher não precisa mais de ninguém. A invenção da necessidade
    do homem é uma coisa sensacional. É dar a mínima utilidade
    para o homem, que não temos mais. Tem uma frase que eu amo
    ouvir de uma mulher: “Ah, como você me acalma!” É a coisa
    mais fabulosa do universo. É um tarja preta da Humanidade.

    O que você faz para manter a forma?
    A única coisa que eu consigo fazer para o meu corpo é caminhar.
    Sou um andarilho. Não dirijo, então eu ando. Tenho várias rotas:
    Rua do Ouvidor, livraria e sebo; Ipanema, com uma entrada na
    praia, e volta pelo Jardim Botânico. O Rio é feito para flanar.

    Na sua época de repórter, qual foi o político mais encantador
    e mais canalha que você entrevistou?
    PC Farias, sem dúvidas.


    Clovis Rossi

    folha de são paulo
    O genocídio social assumido
    O FMI confessa que errou a mão no programa que foi imposto a Grécia. Alguém será punido?
    A equipe técnica do Fundo Monetário Internacional acaba de assumir que praticou genocídio social na Grécia, em parceria com a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu.
    É claro que o documento dos técnicos não usa a expressão genocídio. Apenas afirma que o programa imposto à Grécia cometeu erros. Um deles: foram subestimados os cálculos sobre a retração econômica que provocaria o pacote de ajuda à Grécia (ajuda é o termo que eles usam; eu prefiro estrangulamento).
    O segundo erro: o calote afinal adotado em outubro de 2011 deveria ter vindo dois anos antes.
    Choca, em particular, essa segunda descoberta. Qualquer pessoa que tivesse concluído o curso primário e enxergasse um dedo à frente do nariz sabia desde o início da crise que a Grécia jamais poderia arcar com a sua dívida mesmo em circunstâncias normais.
    Nas circunstâncias anormais que o país vivia, então, pagar era simplesmente impossível.
    O adiamento do calote só serviu para que os credores fugissem ou, ao cobrar juros criminosos, recuperassem antecipadamente as perdas que viriam a ter com o "default".
    Que o pacote grego levou a um genocídio social, basta ler o resumo feito ontem para "The Telegraph" por Nigel Farrage, líder do nacionalista UKIP (o Partido pela Independência do Reino Unido):
    "A Grécia foi sacrificada no altar de uma fracassada experiência do euro, sua comunidade de negócios dizimada, suas famílias levadas à penúria, sua taxa de suicídio furou o teto (subiu mais de 40% no período da crise). O desemprego quadruplicou, o desemprego juvenil está agora em 64%. Sonhos foram destruídos, o futuro hipotecado --e as esperanças deixadas apodrecer em campos de oliveiras não cuidados".
    Se essa não é a descrição de um genocídio social, já não sei definir o que é genocídio social.
    Quando a direita, em geral menos sensível às questões sociais, põe o dedo na ferida desse jeito, dá até medo de ouvir o que diz a esquerda.
    Só faltou aos técnicos do FMI estender o reconhecimento do erro aos demais países aos quais foram impostas políticas de rígida austeridade. Tanto houve erro nelas que, agora, a Comissão Europeia está dando mais prazo a todos os países vítimas para reduzir a relação deficit/PIB ao número totêmico de 3% estabelecido no Tratado de Maastricht, que estabeleceu as bases para o lançamento do euro.
    Na Itália, por exemplo, são os jovens empresários a reclamar um horizonte. "Sem perspectivas para o futuro, a única perspectiva se torna a revolta. As instituições democráticas passam a ser contestadas e podem chegar à dissolução, quando não conseguem dar respostas concretas às necessidades econômicas e sociais", diz Jacopo Morelli, presidente da secção de Jovens Empreendedores da Confederação das Indústrias.
    Quando empresários, mais preocupados com o lucro, pela própria natureza, demonstram temor de demolição institucional, fica evidente que os programas supostamente de ajuda roubaram o horizonte de uma fatia considerável de sociedades antes modelo de bem-estar.