sábado, 22 de dezembro de 2012

O perdão a Alan Turing: é preciso mudar a posição legal

FOLHA DE SÃO PAULO

ALEX BAILIN

JOHN HALFORD
DO "GUARDIAN"
Recentemente, ressurgiram os apelos por um perdão póstumo ao matemático Alan Turing. Ele foi processado e condenado em 1952 por atos homossexuais consensuais, sob a seção 11 da Lei de Emenda Criminal de 1885, que tornava crime os atos de "indecência grave" entre dois homens --a mesma lei sob a qual Oscar Wilde foi processado, no final do século 19. Essa é uma mácula persistente em nossa sociedade, e é preciso que nós, britânicos, façamos alguma coisa a respeito --se não no Parlamento, então por ação dos tribunais.
Brilhante matemático e professor de lógica, líder de uma equipe devotada de decifradores de código que trabalhou em Bletchley Park na Segunda Guerra Mundial, Turing desenvolveu um modelo universal de computador é considerado o pai da inteligência artificial. A equipe de Turing ajudou a decifrar os códigos alemães transmitidos pela máquina Enigma, e não seria exagero dizer que sem o trabalho dessas pessoas o Reino Unido talvez não tivesse derrotado os nazistas.
Divulgação
Matemático Alan Turing, que sofreu castração química na primeira metade dos anos 1950, por ser homossexual
Matemático Alan Turing, que sofreu castração química na primeira metade dos anos 1950, por ser homossexual
Mas o heroísmo desse trabalho não só permaneceu em segredo durante a guerra como, pouco depois de seu final, Turing se viu submetido a tratamento repugnante pelo país que ajudara a salvar.
A fim de evitar uma sentença de prisão, o matemático teve de aceitar uma castração química, sob a qual recebia injeções de hormônios femininos sintéticos, que resultaram em impotência e ginecomastia. Em mais um gesto agressivo e autoritário, digno da era McCarthy, a condenação também resultou na revogação de sua licença de segurança. Menos de dois anos depois que ele iniciou o horrendo tratamento com hormônios, Turing cometeu suicídio, aos 41 anos, comendo uma maçã na qual havia injetado cianeto.
Esperamos que o recente apelo por um perdão póstumo, liderado por Stephen Hawking, obtenha sucesso, mas os defensores da causa de Turing já sofreram revezes no passado. Em 2009, uma petição eletrônica que exigia que o governo britânico se desculpasse pelo acontecido obteve milhares de assinaturas. Gordon Brown, então primeiro-ministro, declarou que "lastimava profundamente... a maneira pela qual ele foi tratado".
Mas a condenação não foi revertida. Uma segunda petição eletrônica apelava pelo perdão póstumo a Turing, e obteve dezenas de milhares de assinaturas. Mas em fevereiro, lorde McNally, ministro assistente da Justiça, recusou o perdão ao matemático porque "ele foi condenado corretamente pelo que, na época, constituía delito criminal", e uma petição apresentada na Câmara dos Lordes por lorde Sharkey, solicitando um pedido oficial de desculpas, não foi aprovada.
O que poderia fazer diferença, agora, seria uma mudança na posição legal. Perdões póstumos foram concedidos em diversos casos: em 1998, Derek Bentley recebeu o perdão; os soldados traumatizados que foram acusados de deserção na Primeira Guerra Mundial foram perdoados em massa em 2006; e no começo deste ano, a república da Irlanda perdoou desertores da era da Segunda Guerra Mundial.
Mas os perdões são conferidos ou negados no exercício daquilo que é visto como forma mais clara do privilégio executivo --a chamada "prerrogativa real"--, e os tribunais tradicionalmente relutam em interferir quanto a essas decisões. Mesmo assim, esse privilégio executivo sempre foi exercido de maneira racional, levando em conta os fatores relevantes, entre os quais a forma pela qual casos materialmente parecidos foram tratados.
Se Turing ainda estivesse vivo, as petições teriam sido recebidas de maneira muito diferente. Sob a Lei de Proteção de Liberdades de 2012, uma pessoa condenada pelas leis de repressão à homossexualidade (que incluem a seção 11 da lei de 1885) pode solicitar ao governo que essa condenação seja "desconsiderada", desde que a conduta em questão não seja definida, hoje, como delito criminal.
Uma condenação desconsiderada tem como efeito que "a pessoa seja tratada para todos os propósitos legais como se não tivesse sido condenada pelo delito". Mas a seção 92 só se aplica a pessoas vivas. A intenção do governo ao aprovar a seção 92 era reconhecer a injustiça das velhas leis repressivas --ainda que tenham sido aprovadas validamente em sua era. Por isso, não importa qual seja o ponto de vista adotado, a justificativa moral de McNally para recusar perdão a Turing não se sustenta.
E tampouco tem base jurídica firme --a seção 96 da lei de 2012 dispõe especificamente que o poder do secretário de Estado para conceder perdões não está restrito ao disposto na seção 92. É perverso que o ministro se recuse a perdoar Turing por motivos que são diametralmente opostos ao da lei que hoje se aplica a pessoas vivas.
O ponto é ainda mais sério porque o ministro deve exercer seu privilégio executivo levando em conta a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que foi assinada pelo Reino Unido antes ainda da condenação de Turing e não permite condenações criminais por atos homossexuais consensuais entre adultos.
Turing afirmou que "não podemos ver a grande distância no futuro, mas podemos ver claramente o que precisa ser feito". Talvez o apelo de Hawking ajude o governo a superar sua cegueira quanto ao estigma que ainda pende, intocado, sobre o nome de Turing. Caso isso não aconteça, os tribunais talvez precisem ajudar as autoridades a ver o que precisa ser feito.
Tradução de PAULO MIGLIACCI.

Senhor dos natais

FOLHA DE SÃO PAULO - FOLHINHA
Literatura
Ciranda do livroDICAS PARA CRIANÇAS, PAIS, PROFESSORES ETC.

Senhor dos natais
MÔNICA RODRIGUES DA COSTA
ESPECIAL PARA A FOLHA
O autor da saga "O Senhor dos Anéis" fingia que era Papai Noel e escrevia cartas aos filhos, de 1920 até 1942. Elas agora estão reunidas no livro "Cartas do Papai Noel", acompanhadas de ilustrações coloridas do próprio Tolkien, com letras trêmulas, como as de um ancião.
John recebeu a primeira. São Nicolau mandou um desenho de si mesmo para que ele o conhecesse.
Em uma das diversas aventuras, um urso polar ajuda Papai Noel a recapturar o gorro. O vento tinha soprado e o prendeu no mastro do polo Norte. O bicho caiu no telhado e derrubou a neve dentro de casa. Ela derreteu e acabou molhando os presentes das crianças do mundo.
O britânico Tolkien faz uma brincadeira com a literatura ao se passar pelo velhinho que fabrica os brinquedos com gnomos e elfos . Chega a dizer que está mais pobre, já que os filhos John e Michael Hilary ganham a irmã Priscilla e o irmão Christopher.
No Natal de 1926, o urso polar inventou de fazer um fogo de artifício. Provocou uma explosão que tirou as estrelas do lugar e dividiu a Lua em quatro. O Homem da Lua caiu na Terra, mas foi embora logo para remendar o estrago.

MÔNICA RODRIGUES DA COSTA é poeta, professora e jornalista especializada em infância e cultura
"CARTAS DO PAPAI NOEL"AUTOR J. R. R. Tolkien (tradução Ronald Eduard Kyrmse)
EDITORA WMF Martins Fontes
PREÇO R$ 39,80
INDICAÇÃO Leitura compartilhada a partir de 4 anos


FESTAS DIFERENTES
Latke é um bolinho de batata que foge de uma panela de óleo quente. Ele sai correndo e gritando, cruza com umas luzes de Natal e com uma bengala natalina. Elas nunca tinham visto um bolinho daquele antes. De fato, o bolinho faz parte de uma tradição diferente da do pisca-pisca e da bengala. Latke é o nome de uma comida típica de Chanucá, festa comemorada pelos judeus, na mesma época do Natal. 
(ANDRÉA LEMOS)
"O LATKE QUE NÃO PARAVA DE GRITAR"EDITORA Companhia das Letrinhas
AUTOR Lemony Snicket (tradução Antônio Xerxenesky)
PREÇO R$ 32
INDICAÇÃO A partir de 7 anos


DE CARONA NO TRENÓ
"Papai Noel Vem Aí" é um livro de poucas palavras, feito mais para brincar do que para ser lido. Ele vem acompanhado por um trenó que carrega o Papai Noel. O veículo anda pelas páginas através de uma espécie de trilho. Frases curtas espalhadas pelo caminho ajudam a costurar a história. E o livro acaba assim que o Papai Noel conclui sua tarefa de distribuição dos presentes. Aí é só começar tudo de novo. 
(AL)
"PAPAI NOEL VEM AÍ"
AUTORA Fiona Watt (tradução Débora Chobanian)
EDITORA Edições Usborne
PREÇO R$ 55,90
INDICAÇÃO Leitura compartilhada a partir de 1 ano


O que acabei de ler
RENATO BARREIROS, 10
Renato aprendeu na escola um pouco sobre a Guerra de Troia e leu em sala de aula partes do poema "Odisseia". Ele fala da viagem do guerreiro Ulisses de volta para a casa, depois do fim da guerra.
Empolgado com essa história e com vontade de entendê-la melhor, Renato pediu para o pai comprar "Ilíada" (ed. Scipione, R$ 33,90). Esta é uma versão adaptada para crianças do texto escrito por Homero, o mesmo autor de Odisseia. Em "Ilíada", o leitor fica sabendo que a guerra começou por causa do rapto da rainha Helena pelo príncipe de Troia.
"Esse livro é muito interessante. As histórias são um pouco complicadas, mas a linguagem é fácil e tem ilustrações", conta. Renato já leu outros livros sobre mitologia. "Eu gosto bastante desses temas." Dá para perceber!
(AL)

CIÊNCIA » Estoque de ideias (Inventores) - Augusto Pio

Inventores buscam parceiros que possam investir em suas engenhocas e criações. Fundações de fomento só apoiam projetos com autossuficiência tecnológica
 

Augusto Pio
Estado de Minas: 22/12/2012 
Tachados por muitos como loucos, esse grupo de pessoas tão especiais é que fez e ainda faz o mundo mudar e caminhar mais facilmente. Pensando bem, o que seria da humanidade se não fossem os inventores? Essa é uma pergunta que realmente leva a uma reflexão. O homem teria conseguido ir até a Lua caso Santos Dumont não tivesse inventado o 14-Bis? Como ficaria o trem-bala se não fosse a locomotiva criada pelo mecânico inglês George Stephenson, nos idos de 1814? E o tão cobiçado celular, cuja invenção é atribuída ao engenheiro norte-americano Martin Cooper, considerado o pai da telefonia móvel, existiria hoje se não fosse o telefone bolado pelo escocês Alexander Graham Bell, em 1876? O que seria das grandes redes de TV, esse maravilhoso meio de comunicação que une o mundo inteiro, não fosse o escocês John Baird criar a televisão? E poderíamos nos questionar sobre uma gama enorme de inventos que surgiram para mudar a história.
No Brasil, além de Santos Dumont, que também criou o relógio de pulso, temos importantes invenções que se espalharam pelo globo, como o Bina, sistema de identificação telefônica criada há cerca de 30 anos pelo belo-horizontino Nelio José Nicolai, e a urna eletrônica, cuja invenção é atribuída ao juiz eleitoral catarinense Carlos Prudêncio, em 1989. Além desses, o cartão telefônico também é uma criação nacional, do engenheiro mineiro Nélson Guilherme Bardini, em 1978. Pode-se citar ainda o escorredor de arroz, bolado em 1959 pela dona de casa paulista Therezinha Beatriz Alves de Andrade Zorowich. Embora tenha surgido das mãos e da mente de um alemão, o walkman é considerado invento brasileiro. É que Andreas Pavel mudou-se para o Brasil aos 6 anos e aqui mesmo, em 1972, inventou o aparelho. A abreugrafia, nascida em 1950 pelas mãos do paulista Manuel de Abreu, fascinado pela radiologia, avançou fronteiras e correu o mundo. 
Natural de São Lourenço, no Sul de Minas, Paulo Gannam está com cinco invenções com patentes requeridas e cerca de 700 ideias estocadas. “Estou certo de que há muita inutilidade nessa lista, mas sei que há invenções que podem criar negócios bastante rentáveis. Todas as minhas invenções estão em fase de divulgação e sendo analisadas pelos departamentos competentes de empresas que contatei. Meu desejo é que algum empresário, investidor ou empresa observe o potencial que vejo nessas criações para que possamos ser parceiros.” 

Gannam destaca o desembaçador de vidro para espelhos de banheiro. “Trata-se de um sistema de filamentos quentes embutidos na parte de trás do espelho, que ao detectar o vapor oriundo do chuveiro são acionados automaticamente por meio de um sensor ou ainda podem ser ligados manualmente por um interruptor.” Há também o sensor lateral de estacionamento junto ao meio-fio, que avisa o momento em que o condutor está próximo de encostar o pneu ou a roda no meio-fio.

Há ainda o protetor de unhas para portadores de onicofagia (termo técnico para o hábito de roer unhas). “É uma película de revestimento, sem causar desconforto. Outro invento é o sistema de cooperação no trânsito, que funciona por meio de um dispositivo eletrônico e alerta sobre qualquer problema identificável em um veículo, como luzes queimadas e pneus murchos, entre outros. O dispositivo também facilita o intercâmbio de informações entre os motoristas, que podem emitir alertas sobre acidentes, animais, incêndios e neblina”, enumera o inventor.

Deuslar Maria Neto também já criou muita coisa, porém gosta de citar o capacete para soro. “O soro fica encaixado em um recipiente colocado atrás do capacete. Não fica nem ‘dançando’ nem espremido no local, por isso o líquido tem queda livre, caindo pela própria lei da gravidade, podendo ser controlado. Usando o capacete, o paciente terá as mãos livres e pode circular livremente”, conta ele, que bolou ainda o coletor de gordura, um exaustor que pode ser instalado tanto para uso caseiro como industrial; a tampa para copos, cujo objetivo é evitar que caia alguma coisa na sua bebida. Assim como Gannam, Deuslar está à espera de parceiros para lançar suas invenções no mercado. Apesar da expectativa, eles não fazem ideia de quanto custaria bancar os projetos. 

HABILIDADE NATA Essas pessoas e mais centenas de tantas outras estão espalhadas Brasil afora. Muitas criam pela habilidade nata de inventar soluções – para coisas simples e outras mais complicadas. Há quem nunca tenha entrado numa universidade, tampouco tem uma pós-graduação. Mas é ágil com a lógica, com as mãos e com as ideias. Um dos principais entraves por parte desses inventores diz respeito à falta de incentivo financeiro para que as criações ganhem a escala produtiva e cheguem às mãos do consumidor final. “Infelizmente, nós inventores não temos nenhuma proteção e muito menos podemos ficar falando de nossos inventos, pois corremos o risco de ter nossas ideias copiadas. Apesar de não falar muito do que eu crio, estou à espera de um parceiro para lançar as ideias”, diz o psicólogo Jefferson Fernandes e Silva, que trabalha com projetos para máquinas grandes, que, segundo ele, podem trazer economia para empresas e para o poder público. Henrique Pereira de Jesus, empresário e inventor, também lamenta as dificuldades para poder comercializar suas engenhocas. 

“O primeiro foi um tônico capilar, feito por meio de muita inspiração e pesquisa. Depois, criei outro produto 100% natural que elimina frieiras e um óleo hidratante para a pele, que elimina o ressecamento, escamação e as rachaduras. Essas três invenções estão patenteadas e aguardando um investimento para chegar ao mercado. Tenho mais seis produtos que ainda não patenteei e tenho a esperança de encontrar alguém que se interesse por eles.”

ERGOBERÇO
Simone Caldas Mafra, pesquisadora do Departamento de Economia Doméstica da Universidade Federal de Viçosa, inventou o ergoberço. Ela fez uma pesquisa com algumas famílias e concluiu que, do mobiliário infantil, o berço é o que oferece maiores riscos aos usuários. Percebeu que os acidentes estavam relacionados a quedas e à prisão dos braços ou da cabeça entre as grades do móvel. O protótipo foi desenvolvido com o apoio da Fapemig. O ergoberço tem espaçamento menor, que impede a criança de tentar passar por ele a cabeça, pernas e braços. Outras características são a ausência de pregos e parafusos.

Chance aos independentes 

Em Minas Gerais, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapemig) é a agência de fomento ao desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação. Ela está vinculada ao governo do estado por meio do Sistema Estadual de Ciência e Tecnologia, que é coordenado pela Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Geralmente, todos os estados têm um órgão similar, para incentivar a ciência e a inovação. Mônica de Fátima Vilela Martins, gerente de propriedade intelectual da Fapemig, explica que a missão da fundação mineira é induzir e fomentar a pesquisa e a inovação científica e tecnológica para o desenvolvimento do estado. Desde 2007, seu orçamento corresponde a 1% da receita orçamentária corrente do estado.

Mônica esclarece que ideias não são passíveis de proteção intelectual. “O inventor deve procurar a Fapemig quando sua tecnologia estiver materializada e/ou quando conseguir descrever sua criação com riqueza de detalhes, demonstrando suficiência descritiva da tecnologia. Cabe ressaltar que, além da Fapemig, há os núcleos de inovação tecnológica, vinculados às instituições científicas e tecnológicas (ICTs), que podem auxiliar inventores independentes no estabelecimento de parcerias para desenvolvimento da tecnologia e/ou proteção da criação”, explica. Um exemplo interessante, entre várias invenções que receberam apoio da fundação, é o pedido de patente em cotitularidade com o inventor independente Magno Macedo Quintano. “O pedido se refere a um sensor automotivo que informa o volume real do combustível no tanque do veículo”, conta Mônica.

Para solicitar apoio, é necessário que o inventor independente preencha um formulário de proteção de propriedade intelectual, disponível no sitewww.fapemig.br/apoio/inovacao/propriedade-intelectual/apoio-a-inventores-independentes/. A fundação recebe em média 20 pedidos de apoio por ano. Atualmente, está com 26 depósitos de pedidos de patentes em cotitularidade com inventores independentes. O contato deve ser feito por e-mailci@fapemig.br ou por carta, para Rua Raul Pompeia, 101, Bairro São Pedro, CEP: 30330-080, Belo Horizonte (MG).

O processo de pedido de patente no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) pode levar cerca de oito anos. Porém o inventor, por meio do número do protocolo que lhe é dado quando deposita o pedido no Inpi, fica protegido e pode negociar seu invento.

PALAVRA DE ESPECIALISTA » Salão dá oportunidade para todos 
Wagner José Fafá Borges - presidente do Instituto Mineiro da Inovação 
e criador do Salão do Inventor

“Minha intenção é dar ao inventor a oportunidade de apresentar seus inventos em um evento tipo feira de negócios. Como o salão é uma exposição de trabalhos, é fundamental ter um protótipo e, de preferência, estar com pedido de patente no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi). O primeiro passo é elaborar um documento de patente. Escrevi um livro no qual oriento os inventores sobre como proceder diante de um invento, como registrá-lo, buscar apoio etc.. O livro/texto é disponibilizado gratuitamente no sitewww.youblisher.com/p/470958. É o Livro de bolso do inventor. Sugiro sempre que o invetor procure o Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e solicite um estudo de viabilidade técnica e econômica, no qual ele poderá ter uma dimensão exata do potencial de mercado de seu invento.” 

Duas histórias de Natal - Joaquim Branco‏

Estado de Minas: 22/12/2012

É mais fácil se encontrar a temática natalina nas páginas dos jornais, almanaques e revistas do que propriamente nos livros de literatura. E, dentre esses últimos, nota-se a preferência dos escritores mais para os gêneros conto e crônica do que para poesia ou romance.

Na literatura europeia, de mais tradição que a nossa, respingam aqui e ali obras de renome que tratam dos temas de Natal: as de Maupassant, Gorki e Dostoiévski e alguns outros. Não são muitas.

No Brasil, menos ainda: as de Machado – é claro –, Mário de Andrade, Drummond, João Cabral e poucos mais, entre as dignas de nota.

Nestas considerações, vamos destacar apenas um estrangeiro e um brasileiro: de um lado, o inglês Charles Dickens (1812-1870) e, de outro, o nosso João Cabral de Melo Neto (1920-1999). Assim, a balança fica de certo modo equilibrada.

Dickens, para os leitores britânicos, praticamente inventou o Natal com o conto “O Natal do sr. Scrooge” (“A Christmas Carol”), publicado em 1843, pois imediatamente conquistou todo o público de seu país e depois o mundo. A magistral história de Dickens narra a véspera e o dia de Natal do infeliz sr. Scrooge, um avarento que atormentava a vida de seus empregados e de todos os que o rodeavam. 

Na noite do dia 24 de dezembro, quando se preparava para dormir, lhe aparece o terrível fantasma de um antigo sócio, o sr. Marley. Passado o susto inicial, o velho Scrooge ouve a aparição lhe dizer que seria perseguido por três espíritos e estes iriam lhe mostrar o Natal passado, o Natal presente e o Natal futuro. Scrooge viu, então, passar diante dos olhos acontecimentos pavorosos de sua vida, durante toda a noite. 

Quando acordou no dia seguinte, sentiu-se aliviado e transformado em outro homem, e com a possibilidade de se penitenciar do mal que fizera durante a vida. Logo começou a distribuir alegremente presentes e felicidade aos parentes, empregados e a famílias de conhecidos. A história de Dickens é um clássico da redenção de um homem pelo arrependimento, no estilo romântico de seu tempo, o século 19.

Em versos 

Outra história bem diversa nos conta em versos o poeta brasileiro João Cabral de Melo Neto, com “Morte e vida severina”, um auto de Natal pernambucano publicado no século 20 (1956) e que obteve o maior sucesso quando o compositor Chico Buarque de Holanda o transformou numa peça musical.

Nele, Cabral realça o lado social em detrimento do religioso, mas a obra ganha em dimensão humana. A descrição da vida nordestina coincide com as agruras do brasileiro pobre e marginalizado para, no final, retomar o motivo religioso e natalino com a alegria do nascimento de um menino-símbolo.

São histórias bastante diferentes, a de Dickens e a de Cabral. Na primeira, o protagonista se redime para penetrar e ser aceito no romantismo do oitocentos; no outro, o personagem principal, integrado à paisagem e à miséria do século 20, se supera pela esperança no nascimento de um filho. Estariam ambos, cada um a seu modo, dentro do espírito natalino de seus tempos?

Agora quem sabe possamos responder à insistente pergunta de Machado de Assis no final de seu conhecido “Soneto de Natal”: “Mudaria o Natal ou mudei eu?”.

Joaquim Branco é escritor, doutor em literatura pela UERJ e professor de literatura brasileira nas Faculdades Integradas de Cataguases.joaquimbranco.blogspot.com

Para reler

O conto de Charles Dickens, “A Christmas Carol”, ganha mais uma edição em português, com o título Um hino de Natal, com tradução e adaptação de Cecília Meireles, com ilustrações de Lelis. A edição é da Global (64 páginas, R$ 65), que reedita a versão da poeta brasileira feita em 1947 e que ainda não havia recebido uma edição comercial.

A força da grana - João Paulo‏

Maior saga romanesca já criada, A comédia humana, de Balzac ganha reedição completa em 17 volumes, em trabalho histórico coordenado pelo tradutor húngaro Paulo Rónai 

João Paulo
Estado de MInas: 22/12/2012 
Honoré de Balzac viveu pouco mais de 50 anos. Entre seu nascimento, em 1799, em Tours, e a morte em 1850, em Paris, escreveu nada menos de 88 romances e contos que fazem parte de um conjunto único, ao qual deu o nome de A comédia humana. No entanto, o escritor só começa a assinar suas obras com o próprio nome aos 30 anos, o que dá apenas 20 de tempo para criação. Antes disso, trabalhou muito, mas seguindo modelos populares que depois renegou. Todo o esforço de Balzac na criação de seu monumento literário resultou na maior realização do que chamamos hoje de romance. No mundo da literatura, há antes e depois de Balzac. 

A comédia humana, como o nome explicita, fala de gente. Se Dante edificou sua catedral poética com a Divina comédia, Balzac trouxe a história para a vida de pessoas comuns, vivendo os problemas de pessoas comuns. Humana, demasiado humana, a obra de Balzac é o mais completo retrato da sociedade francesa do século 19, o século de ouro do romance. E é esse colosso que chega ao leitor brasileiro em edição planejada para 17 grossos volumes (em torno de 900 páginas cada), em trabalho coordenado pelo tradutor Paulo Rónai (1907-1992) entre 1946 e 1955. É a terceira edição completa da obra, que já está com os quatro primeiros volumes nas livrarias pela Biblioteca Azul, da Editora Globo. Numa edição convencional, como muitas editadas na França, A comédia humana teria algo em torno de 50 volumes.

A obra balzaquiana é a realização do romance na sociedade burguesa. Sua construção, no entanto, não foi tranquila nem fácil. Balzac escreveu aos borbotões, muitas vezes para pagar dívidas, publicava em diversas revistas e jornais, lançava livros que depois retomava e revisava ao ponto de alterar toda a trama e, muitas vezes, escrevia vários livros ao mesmo tempo. 

O plano, se existia, estava em sua cabeça, como revelam as cartas que deixou às amantes. Além de tudo, Balzac teve uma vida amorosa confusa e uma atuação desastrosa como empresário, político e editor. Para completar o rol de dificuldades, o escritor era o menos francês dos franceses: onde se esperava clareza, era derramado e excessivo; no lugar do rigor da razão, o derramamento da emoção; em vez do bom gosto, a desmedida.

No entanto, além da potência narrativa e criadora, Balzac teve a genialidade de perceber que no interior de suas obras tudo se comunicava. Desse estalo, em 1833, veio a ideia de fazer os personagens aparecerem em várias obras, em diferentes momentos de suas vidas, com funções diversas na economia narrativa. Um personagem pode ser principal em um romance para voltar secundário em um conto. O incrível é que, sem tempo para maiores esquemas e planejamentos, Balzac foi tocando seu empreendimento com uma segurança absoluta, com a memória exata de todos os personagens que habitam suas mais de 11 mil páginas. As notas de Paulo Rónai são um fio de Ariadne nesse labirinto. E, morto ainda relativamente jovem, Balzac deixou inconclusa A comédia humana, que, como revelou em sua correspondência, chegaria a 137 obras no lugar das 88 que deixou prontas. 

Se Balzac, como muitos criticam, não aprendeu nada do comedido espírito francês, nem por isso deixou de ser um dos responsáveis pela imagem da França que ainda hoje se cultua no mundo. Para muitos historiadores e sociólogos, não há melhor porta de entrada para o país e sua época. Conservador e monarquista, Balzac ganhou admiração irrestrita dos comunistas Marx e Engels, que tinham no escritor o melhor analista dos equívocos econômicos, políticos e humanos do capitalismo. Ninguém mostrou com mais clareza o poder do dinheiro. Na verdade, em vários momentos, a grana com sua força criadora e corruptora é o grande personagem do escritor. O Balzac artista foi sempre maior que o Balzac político e, por isso mesmo, mais sábio e desimpedido. O autor da Comédia não pode ser considerado reacionário nem socialista. No terreno minado da política ele foi balzaquiano para uso de monarquistas e comunistas. Sua obra não padece das ilusões do romantismo social nem do reacionarismo panfletário.

Um dos aspectos que diferenciam Balzac dos românticos convencionais é sua relação com o casamento. O que para os escritores populares era a finalidade da vida, para Balzac, era apenas o começo. Seus dramas de amor não terminam em casamento, quase sempre começam com ele. E, na verdade, mais que um empreendimento de afeto, as relações amorosas são uma derivação do mundo dos negócios. As mulheres e homens se casam para se dar bem. O amor é apenas um ingrediente a mais nessa grande comédia humana. No seu astuto maquiavelismo do comportamento burguês, Balzac deu origem à literatura moderna, mesmo que defendesse valores pré-modernos. 

A comédia humana foi dividida por Balzac em três blocos. O primeiro e maior deles, “Estudos de costumes”, vai abranger 14 volumes da nova edição e é subdividido em seis cenas: da vida privada, da vida provinciana, da vida parisiense, da vida política, da vida militar e da vida rural. A segunda parte, que ocupará dois volumes, ganhou o nome de “Estudos filosóficos”. Por fim, o último volume foi batizado de “Estudos analíticos”. O gosto pelas classificações – mais românticas que propriamente científicas – se infiltra ainda nessas categorias formais (estudos e cenas) para chancelar novelas e contos que respondem por intenções bem definidas, como “Os parisienses de província”, “Os celibatários” e “Os parentes pobres”, entre outros, que dão o mote de uma série de livros unidos pelos mesmos propósitos.

Erudito e amigável

O trabalho de Paulo Rónai é considerado ainda hoje um modelo em matéria de edição. Estudioso da obra de Balzac quando ainda vivia em seu país natal, Rónai aceitaria o convite da Editora Globo para escrever um prefácio da obra completa de Balzac que a editora gaúcha planejava lançar nos anos 40. A encomenda se tornou um trabalho de coordenação geral do esforço de 20 tradutores. Além de unificar a linguagem e dar estrutura à edição, Paulo Rónai produziu um alentado prefácio, “A vida de Balzac”, e fez nada menos de 12 mil notas, além de escrever 89 apresentações, uma para cada conto ou romance. 

Na primeira fornada que chega aos leitores, além dos quatro primeiros volumes das obras de Balzac, a Editora Globo está entregando ao público um livro que reúne ensaios de Paulo Rónai dedicados a Balzac. Em Balzac e A comédia humana, o leitor tem uma amostra do estilo ao mesmo tempo erudito e acessível de Rónai, algo pouco comum no campo dos estudos literários. 

Os textos são “O mundo de Balzac”, que trata da gênese e organização da obra balzaquiana; “O Pai Goriot dentro da literatura universal”, um estudo monográfico sobre uma das mais geniais obras de Balzac, numa aula de literatura comparada que vai de Platão a Eça de Queirós; “Balzac contista”, sobre a face menos valorizada do romancista dos grandes painéis, que propõe uma classificação e funcionalidade dos contos do escritor dentro do projeto da obra; “O estilo de Balzac”, que destaca os elementos constitutivos do estilo balzaquiano; “Paris, personagem de Balzac”, ensaio que mostra a cidade tanto como cenário quanto como personagem quase humano em seus caprichos; e o curioso “O Brasil na vida e obra de Balzac”, que mostra o que nosso país significava no contexto europeu do período, além de destacar um personagem brasileiro na Comédia humana (um fazendeiro rico, é claro).

Balzac não tem hoje o mesmo prestígio e atualidade. O mundo é outro. Há mesmo no desequilíbrio de sua obra motivos de sobra para considerá-la exagerada e por vezes datada. Por que, então, não se concentrar apenas nas grandes obras-primas, como Pai Goriot, Prima Bette, Eugênia Grandet e Ilusões perdidas, por exemplo, e derivar daí o estilo e as lições filosóficas do conjunto? 

No entanto, para quem gosta de romances, Balzac parece inspirar outro tipo de aproximação. Há autores que trazem em si um sistema de pensamento, outros que esmeram na criação de personagens, e ainda os que destilam a crônica de seu tempo sem preocupação em tirar daí qualquer conclusão. Balzac parece ter unido as três dimensões com sua obra: foi filósofo, romancista e historiador. 

O mais impressionante foi criar tudo isso a partir da realidade material que o cercava, mesmo com limitações pessoais de toda ordem. O conhecimento, a literatura e a ciência são emanações do homem em situação. Por isso a comédia. Por isso humana.

A COMÉDIA HUMANA – VOLUMES 1 a 4

. De Honoré de Balzac
. Editora Biblioteca Azul, R$ 74,90 cada

BALZAC E A COMÉDIA HUMANA  
. De Paulo Rónai
. Editora Biblioteca Azul, 256 páginas, R$ 39,90

Quadrinhos da Folhinha

FOLHA DE SÃO PAULO


LAERTE

laerte
22/12/2012
ADÃO ITURRUSGARAI

adão iturrusgarai
22/12/2012
PEDRO C.

Pedro C.

O papel do crítico - Gustavo Fonseca‏

Reunião ensaios e artigos de Lorenzo Mammì, O que resta: arte e crítica de arte debate temas fundamentais da estética contemporânea e analisa a relação do público com as novas ideias 

Gustavo Fonseca
Estao de Minas: 22/12/2012 
Com a evolução das artes plásticas no século 19 e as seguidas revoluções desencadeadas pelos movimentos modernistas do século 20, os limites da arte acabaram por se tornar tênues, a ponto de alguns teóricos, como o filósofo norte-americano Arthur Danto (1924), decretarem seu fim. No Brasil, o filósofo e crítico de artes Lorenzo Mammì vem se dedicando a essas e outras questões relacionadas aos caminhos da arte há mais de três décadas e reuniu 37 de seus escritos em O que resta: arte e crítica de arte, coletânea de artigos para jornais, ensaios para revistas especializadas, fôlderes e catálogos para exposições, entre outros gêneros textuais. Com farto material iconográfico, o livro perpassa os temas basilares da arte contemporânea em constante diálogo com os principais estudiosos do assunto.

Na primeira parte, estão cinco ensaios mais abrangentes e, de certa maneira, os textos fundamentais do pensamento de Mammì, síntese de suas reflexões sobre a história da arte e os rumos desencontrados das múltiplas correntes da arte contemporânea. No mais expressivo deles, “Mortes recentes da arte”, o autor refaz a trajetória das artes plásticas modernas e contemporâneas (ou pós-modernas) esmiuçando as ideias de Danto e do historiador da arte italiano Giulio Carlo Argan (1909-1992), segundo Mammì dois dos maiores representantes de suas respectivas correntes teóricas. Para Danto, na contemporaneidade, em tese, qualquer coisa pode ser considerada arte, passando os limites da arte a ser ponto de reflexão racional, não de evidência sensível. Daí o fim da arte, de acordo com o filósofo, como conjunto coerente e delimitado de objetos. Já para Argan, a obra de arte é um objeto histórico, sendo arte por encarnar um conteúdo histórico determinado num valor estético. Assim, para o historiador, não há uma essência do objeto artístico, mas uma função artística num sistema de valores.

Para Mammì, mais propenso à tese de Argan, com base numa perspectiva histórica é que se podem moldar instrumentos para a interpretação da arte contemporânea, não simplesmente uma posição conceitual, centrada no que seria a essência da arte, a característica definidora do que é um objeto de arte. Exemplificando sua argumentação, Mammì recorre a algumas obras do britânico Damien Hirst, como animais cortados ao meio ou em fatias, suspensos em formaldeído e expostos em vitrines. Segundo Mammì, “a imagem (das entranhas do animal) lembra as ilustrações dos manuais de zoologia e, no entanto, o corpo tem uma presença física incontornável, que carrega a obra e nosso olhar de crueldade”. Dessa forma, “se encontrássemos o mesmo objeto num museu de ciências naturais, poderíamos ficar impressionados, mas talvez não nos sentiríamos tão envolvidos moralmente”.

Como consequência, essas imagens que não são estritamente artísticas, bem ao gosto da arte contemporânea, só serão plenamente compreendidas, segundo Mammì, se o espectador já estiver disposto a crer que possam ser obras de arte, demandando portanto um elevado grau de envolvimento sensível e emocional. Na “arte tradicional”, ao contrário, como nos lembra o ensaísta, as marcas do fazer artístico são bem nítidas, como as telas e esculturas, com suas molduras e pedestais. Já na arte contemporânea, demanda-se do visitante muitas vezes ver aqueles objetos expostos com um viés estético. Caso não respondamos a eles como obras de arte, regridem a meras coisas. Uma falha do artista ou do público, podemos concluir. Ou do curador, figura cada vez mais central no mundo da arte, dando coerência e significado ao que é exposto. Ao crítico, formador de opinião por excelência, cabe a tarefa de interpretar e traduzir o que artista e curador propõem, com sucesso ou não. 

Envolvimento 

Neste ponto, cristaliza-se o que nos parece ser a questão central da arte contemporânea: o entendimento racional do que se expõe é suficiente para a caracterização estética da obra e o consequente envolvimento do espectador, impedindo que o objeto exposto regrida a “mera coisa”? Entender a proposta da música aleatória de John Cage, por exemplo, não é necessariamente apreciá-la. Nesse sentido, o bom crítico de artes plásticas, mais do que racionalizar sobre as obras, revela como e por que se envolveu com elas, ou como e por que não se envolveu com elas. É o que Lorenzo Mammì faz com propriedade nos textos da coletânea dedicados a artistas como Iberê Camargo, Nuno Ramos, Wesley Duke Lee, Ester Grinspum, Waltercio Caldas, José Resende e Mira Schendel, entre outros expoentes da arte contemporânea brasileira.

Em cada um desses textos, evidencia-se o entrelaçamento entre arte e crítica de arte (daí o subtítulo do livro), entre artista e crítico, sem subordinação de um a outro. Reforçando sua linha historicista, Mammì contextualiza as obras que analisa, refazendo a trajetória do autor e ou de sua escola estética e situando-os em comparação com o trabalho de seus pares, contemporâneos ou não, brasileiros ou estrangeiros, sempre extrapolando os limites de espaços artísticos convencionais, como museus e galerias, para melhor compreender o que se expõe neles. Em “Pichações e urubus”, por exemplo, para se posicionar quanto à polêmica obra Bandeira branca, de Nuno Ramos, exposta em 2010 na 29ª Bienal de São Paulo, Mammì recorre tanto à moda quanto ao rap; vai ao grafismo e à pichação, além de incluir em seu discurso ícones tão díspares como Coco Chanel e Jean-Luc Godard. Vendo na contestação da presença de urubus na obra sinal claro da incompreensão da arte contemporânea pelo público e por parte da crítica, o autor se vale da situação para exaltar Ramos (um “artista do caminho mais difícil, o que escolhe a solução menos esperada, a mais arriscada comercial e tecnicamente”) e relativizar o sucesso de projetos como a bienal, “um evento de massa baseado em obras que não falam uma linguagem de massa”. Daí a origem de mal-entendidos como o protagonizado por Nuno Ramos, de acordo com o articulista. 

Em outro ensaio esclarecedor, “Isto, aquilo e o valor disso”, Mammì discute os limites das diferentes escolas da arte contemporânea ao examinar os quadros Target with plaster casts (1955), de Jasper Johns, e That (1958-9), de Kenneth Noland. Os dois foram pintados nos Estados Unidos na mesma década e têm elementos em comum, como a estrutura centralizada, cores e figuras semelhantes, mas foram tidos como delimitadores da passagem de uma época a outra na história da arte. É plausível esse marco? Para examinar a questão, Mammì volta à arte renascentista e avança rumo às diferentes correntes pós-modernas, como a pop art e o color field painting, cujo embate motiva o autor a rediscutir a autonomia do objeto de arte, valendo-se das ideias não apenas de críticos do século 20 como Argan, Danto e Clement Greenberg, que apoiou decisivamente a segunda geração dos abstracionistas americanos, entre os quais Noland, mas também de autores clássicos como Platão e Kant, em particular sua Crítica do juízo. 
Arte conceitual 
No mesmo ensaio, Mammì aborda aquela que é considerada a mais conhecida obra do movimento da arte conceitual: One and three chairs (1965), de Joseph Kosuth, que estampa a capa e a contracapa da coletânea. Trata-se de uma cadeira, uma fotografia da mesma cadeira e uma definição de dicionário da palavra chair (cadeira). Ou seja, uma cadeira pode ser um objeto, sua imagem e sua definição. A materialização da proposta estética de Kosuth defendida no artigo “A arte depois da filosofia”, a bandeira da arte conceitual segundo Mammì. Passando a outras obras de Kosuth e analisando as diferentes montagens de One and three chairs, Mammì conclui que cada montagem refaz a obra e a autorreferência da arte não poderia ser desenvolvida em argumentações, sendo apenas reafirmada. “E o trabalho do crítico será mostrar como uma obra conceitual, se bem-sucedida, funciona afinal como uma obra renascentista: não pode ser reduzida nem a ideia nem a coisa. Produz o mundo a partir de sua inconformidade com o mundo.”

Na última seção do livro, “À parte”, Mammì foge da temática predominante e dedicada os ensaios “Sobre uma velha história de boxe” e “Mr. Voador” ao corpo a corpo dos lutadores e aos passos mágicos de Fred Astaire. No primeiro, contrapondo o embate entre Entelo e Dares, descrito por Virgílio na Eneida, ao épico confronto de Muhammad Ali e George Foreman, no Zaire, em 1974. No segundo, revelando como Astaire conseguiu conciliar a dança como liberação do indivíduo e como trabalho, atividade produtiva. Em certo sentido, dois exemplos de atividades que não poderiam ser reduzidas a uma ideia ou uma coisa, produzindo o mundo a partir da inconformidade com o mundo. No caso do boxe, pela consciência dos contendores de seus limites físicos nesse jogo pela sobrevivência. No caso do dançarino, por sua genialidade em mover tão graciosamente um corpo tão pouco gracioso – muito magro, com braços compridos demais e uma cabeça desproporcionalmente grande. Nos dois textos, assim como em toda a coletânea, a comprovação da vitalidade da filosofia estética na contemporaneidade, muito além dos temas e das obras clássicas. Mas sem ignorá-los.

O que resta: arte e crítica de arte

. De Lorenzo Mammì
. Editora Companhia das Letras, 384 páginas, R$ 59,50