ALEX BAILIN
JOHN HALFORD
DO "GUARDIAN"
DO "GUARDIAN"
Recentemente, ressurgiram os apelos por um perdão póstumo ao matemático Alan Turing. Ele foi processado e condenado em 1952 por atos homossexuais consensuais, sob a seção 11 da Lei de Emenda Criminal de 1885, que tornava crime os atos de "indecência grave" entre dois homens --a mesma lei sob a qual Oscar Wilde foi processado, no final do século 19. Essa é uma mácula persistente em nossa sociedade, e é preciso que nós, britânicos, façamos alguma coisa a respeito --se não no Parlamento, então por ação dos tribunais.
Brilhante matemático e professor de lógica, líder de uma equipe devotada de decifradores de código que trabalhou em Bletchley Park na Segunda Guerra Mundial, Turing desenvolveu um modelo universal de computador é considerado o pai da inteligência artificial. A equipe de Turing ajudou a decifrar os códigos alemães transmitidos pela máquina Enigma, e não seria exagero dizer que sem o trabalho dessas pessoas o Reino Unido talvez não tivesse derrotado os nazistas.
Divulgação | ||
Matemático Alan Turing, que sofreu castração química na primeira metade dos anos 1950, por ser homossexual |
Mas o heroísmo desse trabalho não só permaneceu em segredo durante a guerra como, pouco depois de seu final, Turing se viu submetido a tratamento repugnante pelo país que ajudara a salvar.
A fim de evitar uma sentença de prisão, o matemático teve de aceitar uma castração química, sob a qual recebia injeções de hormônios femininos sintéticos, que resultaram em impotência e ginecomastia. Em mais um gesto agressivo e autoritário, digno da era McCarthy, a condenação também resultou na revogação de sua licença de segurança. Menos de dois anos depois que ele iniciou o horrendo tratamento com hormônios, Turing cometeu suicídio, aos 41 anos, comendo uma maçã na qual havia injetado cianeto.
Esperamos que o recente apelo por um perdão póstumo, liderado por Stephen Hawking, obtenha sucesso, mas os defensores da causa de Turing já sofreram revezes no passado. Em 2009, uma petição eletrônica que exigia que o governo britânico se desculpasse pelo acontecido obteve milhares de assinaturas. Gordon Brown, então primeiro-ministro, declarou que "lastimava profundamente... a maneira pela qual ele foi tratado".
Mas a condenação não foi revertida. Uma segunda petição eletrônica apelava pelo perdão póstumo a Turing, e obteve dezenas de milhares de assinaturas. Mas em fevereiro, lorde McNally, ministro assistente da Justiça, recusou o perdão ao matemático porque "ele foi condenado corretamente pelo que, na época, constituía delito criminal", e uma petição apresentada na Câmara dos Lordes por lorde Sharkey, solicitando um pedido oficial de desculpas, não foi aprovada.
O que poderia fazer diferença, agora, seria uma mudança na posição legal. Perdões póstumos foram concedidos em diversos casos: em 1998, Derek Bentley recebeu o perdão; os soldados traumatizados que foram acusados de deserção na Primeira Guerra Mundial foram perdoados em massa em 2006; e no começo deste ano, a república da Irlanda perdoou desertores da era da Segunda Guerra Mundial.
Mas os perdões são conferidos ou negados no exercício daquilo que é visto como forma mais clara do privilégio executivo --a chamada "prerrogativa real"--, e os tribunais tradicionalmente relutam em interferir quanto a essas decisões. Mesmo assim, esse privilégio executivo sempre foi exercido de maneira racional, levando em conta os fatores relevantes, entre os quais a forma pela qual casos materialmente parecidos foram tratados.
Se Turing ainda estivesse vivo, as petições teriam sido recebidas de maneira muito diferente. Sob a Lei de Proteção de Liberdades de 2012, uma pessoa condenada pelas leis de repressão à homossexualidade (que incluem a seção 11 da lei de 1885) pode solicitar ao governo que essa condenação seja "desconsiderada", desde que a conduta em questão não seja definida, hoje, como delito criminal.
Uma condenação desconsiderada tem como efeito que "a pessoa seja tratada para todos os propósitos legais como se não tivesse sido condenada pelo delito". Mas a seção 92 só se aplica a pessoas vivas. A intenção do governo ao aprovar a seção 92 era reconhecer a injustiça das velhas leis repressivas --ainda que tenham sido aprovadas validamente em sua era. Por isso, não importa qual seja o ponto de vista adotado, a justificativa moral de McNally para recusar perdão a Turing não se sustenta.
E tampouco tem base jurídica firme --a seção 96 da lei de 2012 dispõe especificamente que o poder do secretário de Estado para conceder perdões não está restrito ao disposto na seção 92. É perverso que o ministro se recuse a perdoar Turing por motivos que são diametralmente opostos ao da lei que hoje se aplica a pessoas vivas.
O ponto é ainda mais sério porque o ministro deve exercer seu privilégio executivo levando em conta a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que foi assinada pelo Reino Unido antes ainda da condenação de Turing e não permite condenações criminais por atos homossexuais consensuais entre adultos.
Turing afirmou que "não podemos ver a grande distância no futuro, mas podemos ver claramente o que precisa ser feito". Talvez o apelo de Hawking ajude o governo a superar sua cegueira quanto ao estigma que ainda pende, intocado, sobre o nome de Turing. Caso isso não aconteça, os tribunais talvez precisem ajudar as autoridades a ver o que precisa ser feito.
Tradução de PAULO MIGLIACCI.