Escritor paraibano Ariano Suassuna morre aos 87 anos, no Recife, vítima de um AVC
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Idealizador do Movimento Armorial, Suassuna foi um preeminente defensor da cultura do Nordeste do Brasil. |
Ele
fez um Jesus negro perdoar um cangaceiro, deu ao amarelo João Grilo a
astúcia de recorrer à Compadecida para voltar à vida, criou um
anti-herói no sertão que não faz feio ao lado de Dom Quixote. O escritor
Ariano Suassuna, autor de tantos milagres, morreu ontem, aos 87 anos,
vítima de um acidente vascular cerebral (AVC) hemorrágico. Ele estava
internado no Hospital Português, no Recife, onde passou por uma cirurgia
na noite de segunda-feira. O quadro se agravou com a queda da pressão
arterial e elevação da pressão intracraniana. Ele entrou em coma na
manhã de terça-feira e morreu às 17h15 de ontem. O velório será
realizado no Palácio Campo das Princesas, no Recife, sede do governo de
Pernambuco. O enterro será às 16h, no Cemitério Morada da Paz, em
Paulista (Grande Recife).
Autor de um dos maiores clássicos do
teatro brasileiro, Auto da Compadecida, Ariano Suassuna vinha
trabalhando na sequência de A Pedra do Reino, romance autobiográfico
narrado por Dom Pedro Dinis Ferreira-Quaderna, autoproclamado Rei do
Quinto Império e do Quinto Naipe, Profeta da Igreja Católico-Sertaneja e
pretendente ao trono do Império do Brasil. Além da obra literária,
Ariano Suassuna se destacava pela defesa apaixonada da cultura
brasileira e pela criação do Movimento Armorial, que englobava a música,
o teatro e as artes plásticas.
Homem de porte majestoso e voz
poderosa, temperada pelo humor picaresco e pela memória impressionante,
percorreu o Brasil com suas aulas-espetáculo. Vestido de branco, para
amainar o calor do sertão que sempre viajava com ele para todo o mundo,
contava histórias, recitava folhetos de cordel, retirando heróis
populares do esquecimento, entoava cantigas e mostrava gravuras para um
público encantado. Seu nacionalismo só não era maior do que a fé – mesmo
com as críticas à Igreja em Auto da Compadecida – e o amor ao povo.
Sua atitude não recendia a folclore: ele amava a arte popular de corpo e
alma.
Em carta dirigida ontem a Ariano Suassuna, o ator Matheus
Nachtergaele, que interpretou o personagem João Grilo em produção para
TV e cinema, escreveu: “Depois do Grilo de você, e que é você, virei
cavalo mimado, que não aceita ser domado, que encontra saídas pelas
cercas de arame farpado e encontra sempre uma sombra, um riachinho, um
capim bom (…) Depois do Grilo de você, que também é você, que sou eu,
fui morar lá no riacho dos arquétipos, onde tem néctar de mel, água
fresca e uma sombra brasileira, com rede de chita e tudo”.
No ano
passado, Ariano sofreu um pequeno enfarte e um AVC. “Escapei bonito”,
chegou a dizer. Não diminuiu o ritmo, chegou a dormir no chão do
aeroporto para descansar. Sua cruzada pela cultura tinha muito sertão a
percorrer. Ontem foi descansar, possivelmente ao lado de João Ubaldo
Ribeiro, outro romancista nordestino de voz forte e grande amor ao povo
brasileiro, que morreu no dia 18. Já estão fazendo falta.
Histórias contadas
em aulas-espetáculo
O
paraibano Ariano Vilar Suassuna nasceu em Nossa Senhora das Neves, hoje
João Pessoa, em 16 de junho de 1927, filho de Cássia Villar e João
Suassuna. Depois da Revolução de 1930, seu pai foi assassinado no Rio de
Janeiro e a família se mudou para Taperoá, no sertão da Paraíba, onde
morou até 1937. Em 1942, Ariano chegou ao Recife para dar continuidade
aos estudos e, posteriormente, ingressar na Faculdade de Direito.
Exerceu a profissão de advogado por alguns anos, mas abandonou o ofício
para ensinar estética na Universidade Federal de Pernambuco.
Depois
de 38 anos, Ariano se aposentou, mas a carreira continuou com as
aulas-espetáculo, criadas por ele, que aproveitava para contar histórias
e defender a cultura popular. Com essas apresentações, percorreu
teatros, escolas, congressos e centros culturais do país inteiro, às
vezes acompanhado de uma trupe de músicos e dançarinos, outras vezes
sozinho.
Foi membro fundador do Conselho Federal de Cultura (1967)
e nomeado, pelo reitor Murilo Guimarães, diretor do Departamento de
Extensão Cultural da Universidade Federal de Pernambuco (1969). Em 1970,
lançou o Movimento Armorial, voltado para o desenvolvimento e o
conhecimento das formas de expressão populares tradicionais. Era
torcedor fanático do Sport Clube do Recife.
Ariano foi secretário
de Cultura de Pernambuco, no governo Miguel Arraes (1994-1998), além de
membro da Academia Paraibana de Letras (APL/PB), Academia Pernambucana
de Letras (APL/PE) e da Academia Brasileira de Letras (ABL). Em 2004,
com o apoio da ABL, a Trinca Filmes produziu o documentário O sertão:
mundo de Ariano Suassuna, dirigido por Douglas Machado.
Em
entrevista concedida em junho de 2013 ao Diário de Pernambuco, o
escritor falou sobre a busca da eternidade por meio da escrita. “De
certa forma, escrevo para enfrentar a transitoriedade. Não gosto da
ideia de ter medo de morrer. Sou paraibano e não gosto de confessar que
tenho medo. Conheço a palavra medo porque li no dicionário, mas não sei o
que é não. A morte, na Paraíba, é uma mulher e se chama Caetana. Eu uso
muito isso na minha obra. Gosto muito dessa ideia. Eu só me contento de
encarar a maldita se ela vier na forma de uma mulher acolhedora,
carinhosa, bonita e amante!”
Em 2002, no programa Roda Viva (TV
Cultura), Ariano disse ter passado por “problemas muito duros” na
infância. “Meu pai era um político que governou a Paraíba, um líder das
forças rurais que foram vencidas pelas forças urbanas, de João Pessoa,
em 1930. A partir daí, a história passou a ser contada pelos
simpatizantes dessas forças urbanas. Então me habituei, desde menino, a
ver meu pai apresentado como representante do mal. Depois, comecei a
tomar a posição contrária, mas sem consciência clara do que estava
acontecendo. Admirador de Euclides da Cunha, li Os sertões, e pensei em
encontrar ali um argumento para confirmar que o rural era o bem e o
urbano o mal. Aquilo me fortaleceu. Quando escrevi A pedra do reino,
aquilo ainda estava lá”.
Muitos anos antes, em 1977, em entrevista
à TVE, no Rio de Janeiro, Ariano explicava a origem do sobrenome. “Na
Independência, em 1822, houve um surto de nativismo e grande parte das
famílias do Nordeste começou a trocar os nomes europeus e portugueses
por nomes ligados à terra. O ramo da minha família, Cavalcanti de
Albuquerque, que era chamado de Suassuna por causa da terra, adotou o
nome como sendo de família. Meu bisavô se chamava Raimundo Francisco de
Sales Cavalcanti de Albuquerque, e passou a se chamar Raimundo Francisco
de Sales Cavalcanti de Albuquerque Suassuna. E somente o Suassuna foi
transmitido ao meu pai, ao meu avô e a mim”.
A dor da perda
do pai e o perdão
Em
junho de 2013, o escritor recebeu o jornalista Geneton Moraes Neto para
uma entrevista para o canal Globo News, e falou sobre o impacto da
morte do pai sobre ele, ainda criança. Ariano contou que a superação do
trauma era uma tentativa constante em sua vida. “Finalmente, estou
conseguindo, depois dos 80 anos. Procurei sempre. Tenho muito cuidado,
com medo de ser hipócrita, porque perdoar é uma coisa muito difícil.
Digo perdoar mesmo – sinceramente. Passei muito tempo sem conseguir
perdoar. Ultimamente, me veio uma ideia que me consolou um pouco: a de
que estou chegando perto. Se não perdoei os assassinos do meu pai, estou
chegando perto”.
Na conversa, Ariano Suassuna revelou que por
muitas vezes foi instigado a vingar a morte do pai, coisa comum no
sertão. “Minha mãe tinha medo de que a gente tivesse algum sentimento de
vingança. Perguntavam-me: ‘Como é? Quando crescer, vai vingar o pai?’.
Ouvi isso várias vezes. Mamãe, com medo, não só tirou a gente do sertão
da Paraíba, como nos convenceu de que o assassino do meu pai tinha
morrido. Só adulto, já casado e pai de filho, é que vim a saber que o
executor da morte estava vivo – morando no Rio de Janeiro”.
O pai,
segundo Ariano, sabia que seria assassinado, pois escreveu uma carta
falando sobre o assunto um dia antes de morrer, e pedia para não ser
vingado. “A última vez que vi meu pai foi no cais do Recife. A gente
veio trazer meu pai, para ele ir ao Rio – onde foi assassinado. Só me
lembro deste momento: ele já no navio, mamãe me apontando. Eu não via.
De repente, enxerguei: meu pai estava emoldurado pela janela do navio –
dando com a mão. Aquela foi a última vez que o vi”.
Por muito
tempo, Ariano alimentou um modo trágico de ver a vida, refletida em suas
primeiras obras. Depois que conheceu a companheira, Zélia, em 1951,
passou a ter uma visão menos dolorosa do mundo, o que abriu espaço para a
veia cômica em seus textos. Ariano conheceu Zélia quando tinha 17 anos,
ela 13, mas só passaram a namorar três anos depois. “Foi um encontro
fundamental para mim. Até o ano de 1951, eu só escrevia tragédia. Nunca
tinha procurado canalizar para o teatro a veia cômica que as pessoas da
minha família normalmente têm. (Com Diário de Pernambuco)
O orgulho do pai de João Grilo e Chicó
Adaptação de Auto da Compadecida, sucesso no cinema e na TV, encantou o escritor
Publicação: 24/07/2014 04:00
A adaptação da
peça Auto da Compadecida feita pela TV Globo para o formato minissérie,
em 1999, rendeu à emissora um dos programas de maior sucesso de sua
história. Dirigidos por Guel Arraes, os quatros capítulos se apropriaram
de elementos de O santo e a porca e Torturas de um coração, ambas de
autoria de Ariano. Um ano depois, a produção chegou ao cinema, adaptada
para ter uma hora a menos. O próprio escritor chegou a afirmar que os
atores Rogério Cardoso e Matheus Nachtergaele personificaram a essência
de seus personagens: “Com certeza, foram o melhor padre e o melhor João
Grilo que eu já vi”.
Em entrevista à TV Cultura, Nachtergaele
disse: “João Grilo é um personagem de Suassuna e da família do Arlequim,
dos criados de mulher, de vários personagens que são pessoas pouco
favorecidas financeiramente e sobrevivem apesar de tudo”. Na década de
1980, a obra mais famosa de Ariano já havia sido filmada pelo grupo Os
Trapalhões e, nos anos 1960, adaptada para o cinema sob a direção de
George Jonas.
Depois da grande audiência alcançada em 1999, a
Globo apostou novamente na recriação da obra de Ariano em 2007, com A
Pedra do Reino, quando se comemoravam seus 80 anos. “A ideia de
adaptação sempre me pareceu redutora. Nos melhores momentos, seja
trabalhando para a TV ou para o cinema, talvez tenha alcançado uma
espécie de resposta aos textos, ou, no meu modo de sentir, um diálogo,
uma reação criativa à literatura”, afirmou o diretor Luiz Fernando
Carvalho.
O resultado, com altas doses de experimentalismo,
dividiu o público, mas agradou o autor. O protagonista da série foi o
pernambucano Irandhir Santos, que se preparou para o papel de Quaderna
lendo o livro de Ariano em voz alta.
“Li quase todo o romance –
são quase 700 páginas – em voz alta, pois a sonoridade do texto e a
sequência das palavras têm o ritmo próprio de uma galopada, que não nos
deixam parar de ler”, contou Irandhir. (DP)
Do mamulengo ao Municipal
Influenciado pelo circo e pela literatura de cordel, autor universalizou tipos nordestinos
Publicação: 24/07/2014 04:00
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Grupos Ser Tão e Clowns de Shakespeare encenam
Farsa da boa preguiça, em João Pessoa, terra natal de Suassuna. A peça,
escrita em versos, é uma das preferidas do autor |
O
primeiro contato de Ariano Suassuna com as artes cênicas se deu quando
ele era criança, ao ser levado para ver uma apresentação de mamulengo em
um mercado popular de Taperoá. “Adorei, achei demais. O personagem
principal era um negro, Benedito. Ele me tocou muito, porque ganhava uma
briga da polícia, entre outras coisas. Como nós tínhamos sido
perseguidos pela polícia em 1930, aquilo me chamou a atenção e o próprio
Benedito viria a se tornar personagem de uma peça minha, A pena e a
lei. A diferença é que na minha versão ele ganhava pela astúcia, e não
pela porrada”, contou Ariano no programa Roda viva, em junho de 2002.
“O
circo representava tudo que havia de maravilhoso nas artes. Naquela
cidade sertaneja, de repente, o cotidiano era interrompido pelo circo,
com moças andando em cima de arame e os palhaços. Até hoje sou um
palhaço frustrado. Não tenho coragem de entrar no picadeiro nem no
palco, mas como ator de teatro escrevo a peça e ponho os outros para
interpretar”, comentava ele, em 1977, em entrevista para a TV Cultura.
Para
Ariano, a cultura popular era um caminho para o teatro brasileiro. “É
na literatura de cordel que está o mágico e o maravilhoso. Quando
escrevi A compadecida, as pessoas me perguntavam: ‘É uma peça
regionalista?’. Aí, para não dar muita explicação, eu dizia: ‘É’. Tudo
isso porque tinha cangaceiro na peça, mas eu sabia que não era”, contou
ele em 2005.
Em 2007, a atriz Fernanda Montenegro disse que seu
primeiro contato com Suassuna se deu pelo teatro, em 1957, por meio do
Auto da Compadecida. “Foi arrebatador. Quis o destino que, 50 anos
depois, eu fizesse no cinema o papel da Compadecida”, disse ela,
referindo-se à produção dirigida por Guel Arraes.
Teatro do Estudante Ao
lado de Hermilo Borba Filho, Ariano fundou o Teatro do Estudante de
Pernambuco, surgido diante da falta de espaço para as artes cênicas na
Faculdade de Direito, onde ambos estudavam. “A gente juntou as mesas da
biblioteca, forrou com um pano e era o palco. As pessoas assistiam em
pé. Foi lá que a gente estreou. Encenamos A sapateira prodigiosa, de
García Lorca, fizemos a primeira encenação de Édipo rei no Brasil,
fizemos A casa de bonecas, de Ibsen. A gente encenava gratuitamente,
principalmente para estudantes, mas até a prisões e hospitais a gente
foi. Foi um movimento muito bonito o Teatro do Estudante. Eu tenho muito
orgulho de ter participado”, disse ele em entrevista ao Diário de
Pernambuco, em 2007.
Na juventude, quando pediu emprestadas a
Hermilo Borba Filho algumas peças de García Lorca, Ariano se sentiu “em
casa”. “Tinha cavalo, cabra, tinha cigano, tinha tudo que eu tinha lá em
Taperoá. Aí me empolguei e escrevi a minha primeira peça, Uma mulher
vestida de sol, para o concurso do Teatro do Estudante. Hermilo começou a
querer estimular a dramaturgia e fez um concurso nacional. Eu entrei e
tirei o primeiro lugar.”
No livro O movimento e a linha – A
presença do Teatro do Estudante e do Gráfico Amador no Recife (2007), o
pesquisador Flávio Weinstein Teixeira avalia que, por meio de recriações
dos gêneros populares, Ariano Suassuna expressa na poesia e no teatro
referências eruditas e apropriações populares, assim como traços da
oralidade. “Com Auto da Compadecida, Suassuna teve sucesso consagrador,
que o elevou à categoria de portador de um projeto cultural imbuído da
missão de lutar pela causa da verdadeira cultura nacional. Isso
aconteceu durante o governo militar, o que lhe valeu a acusação de
reacionário”, conclui.
Entres as marcas do teatro de Ariano estão
o hibridismo, o signo de oposições, a intertextualidade. Há uma forte
carga de memórias afetivas da infância em Taperoá, mescladas a uma
herança ibérica. “A opinião do autor não tem grande importância. A
opinião do povo é toda em favor de Auto da Compadecida. Mas de todas as
peças que escrevi, prefiro a Farsa da boa preguiça, porque fiz uma peça
em verso, que marcou minha distância do regionalismo e de qualquer
pretensão de um realismo mal entendido”, afirmou Ariano Suassuna em
entrevista à TV Paulo Freire, em 2006. (DP)
No palco e na tela
Publicação: 24/07/2014 04:00
» A compadecida (1969) Direção: George Jonas. Com Armando Bógus (João Grilo), Regina Duarte (Compadecida), Antônio Fagundes (Chicó).
Primeira
versão cinematográfica de um texto de Ariano, o filme foi rodado no
Brejo da Madre de Deus, no agreste pernambucano, em Fazenda Nova, com
direção do húngaro George Jonas e cenários da arquiteta Lina Bo Bardi,
italiana radicada no Brasil, que projetou o Masp.
» Os Trapalhões no Auto da Compadecida (1987) Direção: Roberto Farias. Com Renato Aragão (João Grilo), Dedé Santana (Chicó), Mussum (Jesus/sacristão), Zacarias (padeiro).
Releitura
da saga de João Grilo e Chicó com o humor característico dos
Trapalhões. O filme teve 2,6 milhões de espectadores no país e chegou a
ser exibido em Portugal. Trilha sonora de Antônio Madureira e fotografia
de Walter Carvalho.
» Uma mulher vestida de sol (1994) Direção: Luiz Fernando Carvalho. Com Tereza Seiblitz e Raul Cortez
A
primeira peça de Ariano é levada ao ar no programa Brasil especial, na
Rede Globo. Mesmo recriando o ambiente em estúdio, o diretor atinge um
resultado com a luz e cenografia que envolve os personagens.
» Farsa da boa preguiça (1995)
Direção: Luiz Fernando Carvalho. Com Laura Cardoso e Ary Fontoura.
A
adaptação para a televisão é assinada por Bráulio Tavares. O ator e
dançarino Antônio Nóbrega interpretou Joaquim Simão e a atriz Patrícia
França, a esposa Nevinha. O especial foi reprisado no Canal Viva em
dezembro de 2012.
» Auto da Compadecida (1999/2000) Direção:
Guel Arraes. Com Matheus Nachtergaele (João Grilo), Selton Mello
(Chicó), Fernanda Montenegro (Compadecida), Marco Nanini (Severino)
A
microssérie foi exibida pela Globo em 1999, em quatro capítulos. Em
2000, virou filme. Os pernambucanos Virginia Cavendish, Aramis Trindade e
Bruno Garcia estão no elenco, que tem ainda Paulo Goulart e Lima
Duarte. No cinema, registrou mais de 2 milhões de pagantes.
» O
canto de Ariano (1999-2005) Exibido pela TV Globo, era um espaço
semanal de dois minutos no qual o escritor comentava cultura e falava
sobre causos do cotidiano.
» Folia geral (2000) Uma aula-espetáculo de Ariano foi transformada em programa de TV para ser exibido durante o carnaval.
» O santo e a porca (2000)
Direção: Maurício Farias. Com Marco Nanini, Rogério Duarte, Leandra Leal.
Com roteiro da pernambucana Adriana Falcão, a peça foi transposta como um especial da série Brava gente.
» A Pedra do Reino (2007)
Direção: Luiz Fernando Carvalho. Com Irandhir Santos, Cacá Carvalho, Luiz Carlos Vasconcelos.
Em
cinco capítulos feitos para a TV, foi filmada em Taperoá, cidade no
Sertão do Cariri, Paraíba, berço da infância de Suassuna. Marcou as
homenagens aos 80 anos do escritor paraibano.
O lado dos despossuídos
Com A Pedra do Reino, escritor abriu um novo caminho para a literatura brasileira
Estado de Minas: 24/07/2014
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Cena da minissérie A pedra do reino, romance que revive no Nordeste o mito do sebastianismo português |
A
formação literária de Ariano Suassuna se deu na biblioteca deixada pelo
pai, coisa pouco corriqueira no sertão. Aos 12 anos, já queria ser
escritor e por isso tentou escrever o primeiro conto, classificado mais
tarde como “horroroso” por ele próprio. O tio materno Manoel Dantas
Vilar e o primo Joaquim Duarte Dantas foram duas figuras importantes na
iniciação de Ariano no mundo das letras, indicando-lhe autores como Eça
de Queiroz, Euclides da Cunha, Guerra Junqueiro e Antero de Figueiredo.
Essas duas figuras inspiraram os personagens Clemente e Samuel da peça
As conchambranças de Quaderna.
“Tive a sorte de pegar uma boa
biblioteca. Meu pai gostava muito de literatura. Meus irmãos mais
velhos, que estudavam no Recife, levavam livros para Taperoá. Minha
diversão principal era a leitura. Você podia imaginar o que era o
encantamento de um menino sertanejo quando pegava um livro de aventuras.
Na medida em que aqueles livros abriam um universo para mim, os autores
representaram seres fabulosos, comecei a querer ser escritor, a me
aproximar daquelas pessoas”, disse, em entrevista concedida em 1977.
No
livro Ariano Suassuna – um perfil biográfico (2007) é recriada a
atmosfera de leitura na longínqua década de 1930, em Taperoá, Paraíba.
“Durante a maior parte do ano, apenas a cama de Ariano era ocupada – à
noite para o sono, de dia para as leituras. Ler deitado seria um hábito
que o menino paraibano cultivaria por toda a vida. A cada página lida,
um pedacinho dela era arrancado e levado à boca. Nascia então um
legítimo devorador de livros.”
Após o ciclo regionalista iniciado
em 1930, o lançamento de O romance da Pedra do Reino, em 1971, é
considerado marco da ficção nordestina. Estavam ali presentes a poesia
com influência medieval ibérica e o romanceiro popular. Para o escritor
Raimundo Carrero, um dos muitos autores influenciados pelo Movimento
Armorial (criado em 1970 por Ariano), o ponto de partida da obra é o
sertão. “O regionalismo, que marcou de maneira fundamental a literatura
nordestina, partia, em Pernambuco, da poesia e tomava como base a
antropologia e a sociologia de Gilberto Freyre.”
A literatura de
Ariano se distancia desse paradigma, explica Carrero, por se desapegar
do documento histórico, do registro científico que caracterizara essa
outra geração. “Enquanto um é documental, o outro é mágico, fantástico.
Ariano se aproxima do barroco, do romanceiro popular, em busca do
universal, mas sem perder de vista o regional. O elemento mágico
possibilita essa altercação entre a literatura rural e urbana no caminho
da compreensão do fenômeno humano”, destaca Carrero.
Em
entrevista à TV paranaense Paulo Freiyre, em 2006, Ariano contou que em
determinada época todo mundo queria que ele escrevesse como Graciliano
Ramos. “Sou o oposto dele. Conheci-o pessoalmente, gostava dele, admiro a
obra, mas somos diferentes. E na minha casa reclamavam porque não
escrevo como Guimarães Rosa. Também conheci, fui muito amigo dele”,
disse.
Sobre as qualidades literárias da obra de Ariano Suassuna,
o escritor e roteirista Bráulio Tavares lista a “imaginação
transbordante; o diálogo ora profético ora cômico; a dissecação da
história do Brasil vista pelo avesso, pelo lado dos despossuídos; e a
recuperação da poesia popular”.
Sebastianismo
Inspirado em um episódio messiânico ocorrido em São José do Belmonte, A
Pedra do Reino revive o mito do sebastianismo português ao remeter à
história de uma seita fundada aos pés da Pedra Bonita, no sertão
nordestino. Ao elaborar sua trama, Ariano se direciona pela
intertextualidade que se vale de imagem e texto para ratificar o seu
compromisso com a cultura popular.
"A Pedra do Reino tem uma
técnica teatral altamente sofisticada”, explica Carrero, que afirma
estarmos diante de um dos grandes romances brasileiros. “Ariano revê a
história do Brasil, da literatura e da formação cultural brasileira”,
defende. Para o escritor Ronaldo Correia de Brito, Pedra do Reino é um
dos livros mais importantes da língua portuguesa. “Em Auto da
Compadecida, Ariano criou uma obra que desmascarou todas as formas de
hipocrisia e tem uma enorme capacidade de comunicação. Já o romance tem
estrutura complexa, metafísica, com discussões filosóficas e políticas”,
diferencia.
Ronaldo relembra certa incompreensão em torno do
romance de Ariano. “As pessoas se ressentem porque sua linguagem não é
tão acessível. Porque há um descompasso entre o artista, solitário, e o
homem coletivo”, argumenta.
Em entrevista ao Instituto Moreira
Salles, em 2000, Ariano Suassuna disse que a literatura é um esforço e a
venda dos livros não tem muita importância. “Por isso me rebelo contra
as pessoas que querem olhar o livro como um objeto de mercado, porque
pode ser vendido. Não é isso o que mais importa – pelo menos, não no meu
caso. O que considero fundamental é o ato de escrever. Se, ao publicar o
livro, eu tiver êxito junto ao público, tanto melhor. Mas eu digo a
vocês com toda a sinceridade: não estou fingindo, não. Para mim, o
fundamental é o ato de escrever”. (DP)
Linha do tempo
Publicação: 24/07/2014 04:00
1927
Nasce
em 16 de junho, no Palácio da Redenção, sede do governo da Paraíba.
Filho de João Urbano Pessoa de Vasconcelos Suassuna e Rita de Cássia
Dantas Villar, Ariano era o oitavo filho de uma família que teria, ao
todo, nove herdeiros. O pai era presidente do estado (cargo equivalente
ao atual governador).
1945
Três
anos depois de se mudar de vez para o Recife, deixando a Taperoá da
infância, Ariano Suassuna publica o primeiro poema, "Noturno", no Jornal
do Commercio. Fica amigo de Francisco Brennand.
1947
Ariano
escreve sua primeira peça de teatro: Uma mulher vestida de sol. O texto
estreia apenas em 1994, adaptado para a TV. Concebe Cantam as harpas de
Sião, que reescreveria uma década mais tarde, como O desertor de
Princesa. Começa a namorar com Zélia de Andrade Lima.
1952
Depois
de duas temporadas em Taperoá, para onde fora com o intuito de se curar
da tuberculose que contraíra no Recife, Ariano volta a Pernambuco e
começa a trabalhar no escritório do jurista Murilo Guimarães.
1955
Desiste
da carreira na advocacia. Escreve O rico avarento, baseado em uma peça
de mamulengo. Surge o Auto da Compadecida, que estrearia em setembro do
ano seguinte.
1957
Em
19 de janeiro casa-se com Zélia, com quem tem seis filhos. Auto da
Compadecida é encenado no Rio de Janeiro e ganha a medalha de ouro da
Associação Brasileira de Críticos Teatrais. Monta O casamento
suspeitoso, com a Companhia Sérgio Cardoso, com direção de Hermilo Borba
Filho, em São Paulo. O santo e a porca ganha medalha de ouro da
Associação Paulista de Críticos Teatrais.
1967
Completa
uma década como professor na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE),
onde lecionou teoria do teatro, estética e literatura brasileira.
1969
Ariano
se junta a Capiba, Guerra Peixe, Jarbas Maciel e Clóvis Pereira em
busca de uma música erudita nordestina que se amalgamasse a seu teatro, à
poesia de Deborah Brennand, Janice Japiassu, Marcus Accioly e Ângelo
Monteiro, à gravura de Gilvan Samico, e ao romance de Maximiniano Campos
1970
Em 18 de
outubro, o concerto Três séculos de música nordestina – do Barroco ao
Armorial e uma exposição de gravura, pintura e escultura lançam o
Movimento Armorial. Publica poesias inéditas no volume O pasto
incendiado.
1971
Publica
o Romance d'A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta pela
Editora José Olympio. Ariano vinha se dedicando à obra desde 1958.
O
livro passaria mais de três décadas fora de catálogo, sendo reeditado
somente em 2004. Ainda em 1971, A pena e a lei sai pela Livraria Agir.
1975
O
prefeito do Recife Antônio Farias nomeia Ariano como secretário de
Educação e Cultura, cargo que exercerá até 1978. Publica Iniciação à
estética. No Diário de Pernambuco, publica os folhetins de Ao sol da
onça Caetana, primeiro livro de O rei degolado.
1990
Em
9 de agosto, Ariano é empossado como sexto ocupante da cadeira 32 da
Academia Brasileira de Letras, para a qual havia sido eleito um ano
antes. Vai à posse com um fardão feito por Edite Minervina, costureira
recifense, com bordados criados por Cicy Ferreira.
1995
No
terceiro governo de Miguel Arraes, assume a Secretaria de Cultura do
Estado, onde ficará até 1998. Cria o conceito de aula-espetáculo, que o
levaria a percorrer teatros, escolas, congressos e centros culturais do
país. Festeja cinco décadas de vida literária e, ao participar da III
Cavalgada à Pedra do Reino, é coroado Cavaleiro da Pedra do Reino.
2002
A
escola de samba carioca Império Serrano escolhe como tema de seu
carnaval Aclamação e coroação do imperador da Pedra do Reino Ariano
Suassuna. Ele desfila na Marquês de Sapucaí, ao lado de Zélia, da
sambista Dona Ivone Lara e do vaqueiro Zeca Miron, de São José do
Belmonte.
2007
Assume
pela segunda vez o cargo de secretário de Cultura de Pernambuco, no
governo de Eduardo Campos, neto de seu amigo Miguel Arraes (falecido em
2005). Comemora bodas de ouro com Zélia e acompanha as comemorações dos
seus 80 anos, que incluem homenagens, novas publicações e a exibição da
microssérie A pedra do reino, de Luiz Fernando Carvalho.
2011
Torna-se secretário da assessoriaao governador.
2013
Sofre infarto do miocárdio e é internado por seis dias no Hospital Real Português.
2014
Morre em Recife, em decorrência de um acidente vascular cerebral (AVC) do tipo hemorrágico