domingo, 23 de novembro de 2014

Luz fria - Martha Medeiros

ZERO HORA 23/11/2014

Resisti enquanto pude. Fazia estoque de lâmpadas incandescentes em casa. Quando já não encontrava as de 100 watts, comprava as de 60. Se não tinha num supermercado, buscava em outro. Batia ponto em casas de ferragens, dava incertas em lojas de luminárias, enfim, uma perseguidora incansável das lâmpadas incandescentes.
Enganando a mim mesma, claro. Se a imprensa não parava de avisar que as lâmpadas incandescentes estavam sendo substituídas pelas fluorescentes, mais compatíveis com o projeto de eficiência elétrica nacional, por que eu não me rendia de uma vez? É que, dependendo da situação, é mais cômodo se fazer de desatenta.
Só que chega o dia em que cansa lutar contra. Essa semana, interrompi minha resistência à novidade, resolvi sucumbir. Comprei uma lâmpada fluorescente para o abajur do meu quarto. Na verdade, tenho dois abajures no quarto, um em cada lado da cama. O que está do meu lado ainda possui uma lâmpada das antigas, amarelada, acolhedora. Como a do lado oposto havia queimado, resolvi trocar por esta nova, econômica, durável, sensacional. Devidamente atarrachada, acendi ambas para ver se havia diferença mesmo.
Que choque.
Sei, não é um conflito, um problema, uma catástrofe, nada disso. Estamos falando de lâmpadas, um troço banal. Porém menos banal para mim, que sou dependente de luzes indiretas.
Viciada em abajur, admito. Não suporto luz vinda do teto, excessiva, invasiva, desumana. Eu preciso de clima, de aconchego, de atmosfera. Poderia cultivar um luxo mais besta, mas cultivo este, que é reles. Eu gosto de luz poética, cálida, que me faça sentir em casa, e não num escritório.
As lâmpadas fluorescentes oferecem uma luz branca, racional, uma luz para pessoas jurídicas. Por que devo me conformar? Eu sei, eu sei, é preciso pensar em economia e durabilidade, mas poxa, eu trabalho tanto, gostaria de continuar arcando com o pequeno luxo de uma luz que me acarinhe, que me romantize, que me faça sentir num filme francês. No entanto, mesmo que eu reclame para o bispo, nada mudará. É preciso pensar na coletividade. Não resta opção. As lâmpadas incandescentes foram retiradas do mercado. Tudo pela melhora da qualidade de vida, por um mundo mais sustentável. Desisto.
Uma vez escrevi uma crônica chamada “Melhorar para pior”. Dei vários exemplos: balneários com estradinha de chão batido x balneários asfaltados, cadeiras de palhinha x cadeiras de acrílico, pousadas rústicas com o namorado x resorts all inclusive com a família. Não falei de lâmpadas, na ocasião, porque o assunto não estava em pauta, mas agora o século 21 completou o serviço da modernidade. Adeus às lâmpadas arcaicas, o momento é das lâmpadas inteligentes.

Sinceramente? Tenho vontade de parar o tempo. Evoluir é muito frio

Exagero - Eduardo Almeida Reis

Se cada conselheiro do TC-RJ pode contratar 20 funcionários, que lei impede o conselheiro Júlio Rabello de contratar a linda Alessandra Pereira ?

Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 23/11/2014 

Às oito da noite de 20 de outubro passado, em Moscou, a sensação térmica era de três graus abaixo de zero: vi na TV. Suponho que em dezembro de 1827 a sensação térmica em Yasnaya Polyana tenha sido de 40 graus negativos. Presumo que Maria Nicolaevna, princesa de Volskonsky, estivesse num quarto dotado de imensa lareira, quando se entregou, aos gritos de “me bate!”, “me mata!”, em russo escorreito, a Nicolas Ilyitch, conde de Tolstói, na bela casa hoje transformada em museu.

Daquela noite de amor nasceria, em 9 de setembro de 1828, o menino Liev Nicolaevitch, futuro conde de Tolstói, considerado um dos maiores escritores de todos os tempos, se bem que meio exagerado quando escreveu no alfabeto cirílico: “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”.

Pelo visto, o menino nascido em 1828 era excessivo. Não é preciso pintar toda uma aldeia, basta pintar um quarteirão. Hoje, que temos edifícios, basta pintar um prédio de 10 andares para constatar a universalidade da maluquice humana, da maldade, de tudo de ruim que nossa espécie é capaz de fazer.

Implicância

Penso que a imprensa deve parar de implicar com as pessoas e as instituições deste país grande e bobo. Quem foi que disse que lei que proíbe ilustre conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro e sua digna esposa façam exercícios calistênicos, pratiquem a calistenia em domicílio? Se até o sexo lhes é facultado, por que, diabo, não podem fazer ginástica?

E tem mais uma coisa: se cada conselheiro do TC-RJ pode contratar 20 funcionários, que lei impede o conselheiro Júlio Rabello de contratar a linda Alessandra Pereira Evangelista, professora de educação física, como assessora de seu gabinete, ganhando R$ 9.547,68 mensais?

O fato de a professora Evangelista jamais ter frequentado o TC-RJ, que nem sabe onde fica, é irrelevante. O comparecimento de um funcionário pode ser espiritual, sem a chatura presencial das idas ao Tribunal, que servem apenas para complicar o trânsito do Rio. Em sua defesa, deve ser dito que comparecia diariamente à casa do conselheiro para orientar a calistenia do casal. Exercitado, o ilustre conselheiro tem condições de trabalhar mais e melhor na fiscalização das contas do RJ, segunda economia do Brasil.

Fosse desonesto como aquele conselheiro do TC-SP, Rabello teria uma porção de propriedades de muitos milhões de reais, supõe-se que pela venda de votos no Tribunal. E poderia pagar do seu bolsinho mais que R$ 300 por dia à professora de ginástica. Honestíssimo, empregou-a no Tribunal e vem sendo criticado, quando só queria que o povo pagasse pela sua calistenia.

Facilidade
É muito fácil administrar os Estados Unidos, o Canadá e toda a Europa a partir dos estúdios da GloboNews na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Tenho acompanhado muitos dos seus programas e constato que os seus jornalistas, quase todos, sabem o que deve ser feito pelos dirigentes da Europa, do Canadá e dos Estados Unidos. Só não sabem o que deve ser feito no México, país meio complicado, democracia com dezenas de milhares de cidadãos decapitados pelos traficantes, sem falar dos 43 estudantes recolhidos pelos carros da polícia, que por lá se pronuncia “policía”: “cuerpo encargado de velar por el mantenimento del orden público y la seguridad de los ciudadanos, a las órdenes del orden de las autoridades políticas.”

Se a segurança dos cidadãos depende do sumiço de dezenas de estudantes, que desaparecem por ordem das autoridades políticas, é hora de consultar o comentarista internacional da GloboNews, cavalheiro que transporta brinquinhos de ouro no lóbulo da orelha esquerda. Que diabo pensará da vida e da política internacional um jornalista brincado? Houve tempo, na roça brasileira, em que vaca brincada (dotada de brinco de plástico numa orelha) valia mais que vaca sem brinco. De repente, o jornalismo televisivo vai pelo mesmo caminho.

O mundo é uma bola

23 de novembro de 1891: o almirante Custódio de Mello, na Primeira Revolta da Armada, ameaça bombardear o Rio de Janeiro, forçando a renúncia do presidente Deodoro da Fonseca. Em 1913, fundação da primeira universidade tecnológica do Brasil e décima escola de engenharia, a Universidade Federal de Itajubá, MG. Em 1925, o jornal português O século desperta para os negócios do falsário Alves dos Reis, história deliciosa que não cabe neste espaço. Artur Virgílio Alves dos Reis (1898-1955) foi, possivelmente, um dos maiores falsários do mundo e liderou a maior falsificação de notas de banco da história: as notas de 500 escudos com a efígie de Vasco da Gama.

Em 1944, Leopoldina Ferreira Paulo obtém o primeiro doutoramento de mulher em Portugal, pela Universidade do Porto, com a tese Alguns caracteres morfológicos das mãos dos portugueses. É o que vivo repetindo: se a gente deixar, elas tomam conta. Hoje é o Dia do Engenheiro Eletricista.

 Ruminanças

 “A mulher é coisa gárrula e falaz/Quer e desquer: é louco o homem que nela confia” (Tasso, 1544-1595).


Ao poeta - Regina Teixeira da Costa

EM DIA COM A PSICANÁLISE » Ao poeta


Regina Teixeira da Costa
Estado de Minas : 23/11/2014 



Um grande pesar para os amantes da poesia foi a partida do querido poeta Manoel de Barros. Como um último encontro e adeus fez-nos revisitar seus poemas e reviver a emoção exalada deles. O frescor da natureza saído das palavras, a árvore, a pedra, o estilo de escrever sobre o nada e quase nos transportar à materialidade da terra molhada sob os pés, aos brejos e coaxar de sapos.

Tudo isso demostra a extraordinária relação entre o poeta e a palavra. Como ele próprio afirmou (Coleção AmorÍmpar. Caderno 1, Editora UFMG, 2009): ‘‘Estou condenado a me ser em cada palavra. Penso que fugir disso é liberdade. Mas logo penso que é suicídio. As palavras me controlam. Se passo por elas, me chamam. Se passo, me possuem. Quem guarda a poesia em qualquer lugar e em qualquer tempo é a palavra. Não é o amor, não é dor, não é a flor. Mas é a palavra’’.

Essa coleção delicada tem projeto gráfico de Maria José Vargas Boaventura em parceria com a professora de literatura da UFMG Lúcia Castello Branco, que a descreve como produto de uma relação com o poeta desde 1982, seguida de correspondência e uma amizade que mantiveram por laços de letra, e não só. Desde então, trocaram cartas, originais, livros, ideias, projetos como este Caderno 1.

O poeta condenado à palavra apenas desejava escutar o equilíbrio sonoro das letras, das sílabas, das palavras, das frases sem a boa razão. Tudo tudo nada. Apenas jogo das palavras. E esse jogo captura tantas pessoas, que fez com que muitos condenados à imperfeição da linguagem para descrever o real também as tomassem para si.

E é por isso que tantos choram essa perda. Perdemos um homem capaz de dizer do nada coisa nenhuma e, ainda assim, trazer o consolo da palavra escrita em papel com lápis e borracha, como disse Barros. Só conseguia escrever assim materializando as palavras que o apaixonavam em manuscritos, fazendo-as um objeto grafado apesar da leveza e fluidez que nelas experimentamos. O poeta viverá para sempre em seus versos e em nossa grata lembrança pela simplicidade revalorizada em versos.

Trago agora ao leitor, para fazer reviver mais um pouco do poeta, algumas de suas palavras e um pouco de seu humor.

“Escrevo o idioleto manoelês archaico (idioleto é o dialeto que os idiotas usam para falar com as paredes e as moscas). Preciso de atrapalhar as significâncias. O despropósito é mais saudável do que o solene (para limpar das palavras alguma solenidade – uso bosta). Sou muito higiênico. E pois. O que ponho de cerebral nos meus escritos é apenas uma vigilância, para não cair na tentação de me achar menos tolo que os outros. Sou bem conceituado para parvo. Disso forneço certidão.”
“O que não sei fazer desmancho em frase./ Eu fiz o nada aparecer./ (Represente que o homem é um poço escuro./ Aqui de cima não se vê nada./ Mas quando se chega ao fundo do poço já se pode ver/O nada.)/ Perder o nada é um empobrecimento.”

Perder Manoel de Barros também.

Inspirada certamente pelo poeta Manoel de Barros, chega às livrarias dia 29 o livro de Flávia Naves, O florarvorarse.