terça-feira, 11 de dezembro de 2012
Duas poetas - Maria Esther Maciel
Duas poetas
Maria Esther Maciel memaciel.em@gmail.com
Publicação: 11/12/2012 04:00
Zulmira é paulista e já completou 82 anos. Ana é mineira, de Belo Horizonte, e só tem 35. Ambas lançaram livros de poesia pela Companhia das Letras no ano passado, e com eles foram finalistas de prêmios importantes em 2012. À primeira vista, a diferença entre Vesuvio, de Zulmira Ribeiro Tavares, e Da arte das armadilhas, de Ana Martins Marques, é a cor das capas: uma é vermelha, a outra é amarela. Quanto ao projeto gráfico, os livros se assemelham, assim como na extensão: eles têm quase o mesmo número de páginas. Os estilos de escrita das duas autoras, entretanto, são bem diferentes: cada uma imprime em sua obra uma beleza particular, inconfundível. E digo que seus livros foram as melhores surpresas no campo da poesia que tive recentemente.
Embora tenha escrito poemas no início de sua trajetória, Zulmira sempre foi mais conhecida e reconhecida como romancista. Uma romancista formidável, diga-se de passagem. Seu romance Joias de família, de 1990, é uma das preciosidades da ficção brasileira do final do século 20. Ela publicou também outros ótimos romances, como O nome do bispo e Café pequeno, além do livro de contos Cortejo em abril. Agora retorna à ativa com a poesia de Vesuvio, obra em que explora o lado estranho da vida, valendo-se de variados formatos de texto, alguns próximos da prosa. A ironia sutil atravessa todo o livro, à qual se alia um lirismo que a própria autora chama de “canhoto” e que poderíamos chamar de insólito. Na poesia de Zulmira, o mundo aparece como grande teatro, uma grande instalação, em que as noções de verdadeiro e falso se confundem. Como diz no poema “Aberto à visitação”: “O globo terrestre se oferece em espetáculo / Quando acabar o espetáculo, acaba o mundo.” Nesse mundo, a vida não tem agenda própria. E, por isso mesmo, segundo a poeta, é intrigante.
Ana Marques Martins, por sua vez, publicou seu primeiro livro – o belo A vida submarina – em 2009, pela editora Scriptum. Desde então, tornou-se uma das vozes mais originais e promissoras da poesia brasileira atual. Tanto, que foi convidada pela própria Companhia das Letras a integrar o selecionado rol de poetas da editora. A partir daí, teve poemas publicados em revistas e jornais brasileiros de prestígio, revelando-se uma poeta cada vez mais instigante, que sabe aliar simplicidade, frescor, apuro formal e inventividade para capturar aquilo que se esconde (e se revela) nas dobras do cotidiano mais banal. Ana consegue, pela força da linguagem, dar vida às coisas – sejam estas um espelho, um capacho, uma cortina, uma cômoda ou um açucareiro. Fala de amor e de poemas de amor, de forma imprevisível. Cria imagens vivas, explora sensorialmente a realidade. Cada poema seu é uma surpresa para o leitor. Mesmo quando ela se vale de um jogo simples de palavras, consegue ser ímpar, como em “Caçada”: “E o que é o amor / senão a pressa / da presa / em prender-se? / A pressa / da presa / em / perder-se.”
Ana Martins Marques e Zulmira Ribeiro Tavares são, sem dúvida, exemplos do que há de melhor em duas gerações distintas da poesia brasileira contemporânea. Cada uma relê, à sua maneira, o espetáculo do mundo e da vida, fazendo da poesia uma via de acesso ao lado incomum das coisas comuns.
Estado de Minas, 11/12/2012
Seminário da Abraji lembra casos de jornalistas ameaçados de morte
JORNALISMO INVESTIGATIVO
Folha DE SÃO PAULO - A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) realizou ontem um seminário internacional para comemorar os dez anos de existência da entidade. O evento aconteceu na Escola de Comunicações e Artes da USP, em São Paulo.
Ao analisar a situação do jornalismo investigativo na América Latina, o professor Rosental Calmon Alves, da Universidade do Texas, destacou que o Brasil é um dos países mais perigosos do mundo para o exercício da profissão.
Segundo dados do Comitê de Proteção aos Jornalistas, 12 profissionais foram assassinados no país desde 2002 devido a reportagens que produziam. O número pode ser maior, mas a entidade contabiliza apenas os crimes comprovadamente ligados à atividade jornalística.
Foram lembrados casos como o do jornalista da Folha André Caramante, ameaçado após a publicação de reportagem sobre Paulo Telhada, coronel reformado da PM eleito vereador em São Paulo.
Dois profissionais da TV Bandeirantes relataram que um produtor da emissora está sendo ameaçado de morte em razão de matérias sobre uma facção criminosa que age no Estado de São Paulo.
Entre as atividades da Abraji está a capacitação de jornalistas para atuar em áreas de risco e situações de conflito, além de iniciativas pelo direito de acesso a informações públicas.
Quadrinhos
folha de são paulo
CHICLETE COM BANANA ANGELI
DAIQUIRI CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA FERNANDO GONSALES
MUNDO MONSTRO ADÃO ITURRUSGARAI
BIFALAND, A CIDADE MALDITA ALLAN SIEBER
MALVADOS ANDRÉ DAHMER
MALVADOS ANDRÉ DAHMER
GARFIELD JIM DAVIS
Criadores e criações - Michael Kepp
OUTRAS IDEIAS
folha de são paulo - mkepp@terra.com.br
Criadores e criações
É sempre equivocada a suposição de que é possível conhecer a índole de um escritor por meio de sua obra
No ano passado, quando liguei para uma pousada no cerrado mineiro perguntando sobre preços e disse que o meu nome era Michael, a dona perguntou: "Você por acaso é o Michael Kepp?".
Espantado, indaguei: "Como você sabe?". Ela me explicou que eu tinha sotaque de gringo e o mesmo nome do autor do livro que ela acabara de comprar para o seu marido, também ele americano.
Quando liguei de volta informando que tinha escolhido outra pousada no mesmo povoado (cujos colchões de mola confortariam minha coluna torta), a mulher entendeu. Mas me pediu que os visitasse, para que o seu marido conhecesse um conterrâneo cujo livro havia adorado.
Talvez ela pensasse que ele também me adoraria -uma ideia baseada na suposição de que é possível conhecer um escritor por sua obra. É uma suposição falsa, mas não era motivo para recusar um convite. Afinal, quase nunca há estranhos querendo me conhecer, nem no Facebook.
Quando cheguei à pousada no dia marcado, um fã-clube de duas pessoas saiu correndo porta afora, gritando meu nome. Depois de a dona levar minha mulher para conhecer a casa, o marido dela e eu trocamos observações sobre nosso país adotivo. Mas, quanto mais conversávamos, mais seu entusiasmo diminuía. "Você é mais sério do que eu imaginava", ele falou, parecendo decepcionado. Então abreviamos o bate-papo.
Talvez ele esperasse que eu fosse mais engraçado, com base em minhas crônicas confessionais, que usam humor autodepreciativo. Mas essas crônicas revelam muito menos sobre mim, comparadas aos meus ensaios contemplativos, que expõem meu lado sério.
Ou talvez ele não tenha entendido que não existe necessariamente homogeneidade entre a voz e a sensibilidade de um escritor e sua voz e sua índole como pessoa. Podem ser dois sons e sensibilidades distintos, até mesmo dissonantes. Ou, nas palavras do poeta americano T.S. Eliot [1888-1965]: "A poesia não é a expressão da personalidade, mas uma fuga da personalidade".
O escritor Luis Fernando Veríssimo, que pode ser hilariante no papel, disse que, em pessoa, sua timidez surpreende quem espera encontrar nele um "showman" verbal divertido.
É algo que eu entendo. Para ser engraçado, um escritor precisa escolher as palavras com cuidado, com base em seu peso cômico. Essa exigência criativa não existe num bate-papo onde não há a pressão de ter que entreter o outro.
MICHAEL KEPP, jornalista americano radicado há 29 anos no Brasil, é autor do livro "Tropeços nos Trópicos - crônicas de um gringo brasileiro" (Record);
www.michaelkepp.com.br
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Quadrinhos [Blog da Muriel e Amely]
folha de são paulo
O BLOG DA MURIEL
Laerte
AMELY
Pryscila Vieira
Denise Fraga
vida real
Dezembrices
Este mês começa acabando, um mês em ciclone com todos os temas do ano à espera do balanço final
Vinha distraída, voltando do mercado, quando pisei num treco. O porteiro do prédio me fuzilou com o olhar.
Compreendi imediatamente o seu ódio. Eu tinha trucidado duas lampadazinhas do cordão de luzes natalinas que ele estava pendurando na planta -esse insuportável trabalho extra que inventaram para os porteiros desde que a China passou a iluminar nossos dezembros.
Sei bem o que é quebrar uma lampadazinha do meio dessas temerárias correntes de luz. Desde que elas invadiram nosso mercado, não há um ano que eu não passe pelo desespero de enrolá-las.
Depois de tudo pronto, uma lâmpada sempre queima no meio, interrompe a corrente e me deixa na angústia entre começar tudo de novo ou ter metade da árvore apagada.
Pedi muitos perdões ao porteiro, o coitado já tinha metade da palmeira enrolada, e saí dali temendo ter contribuído para o aumento do ódio que aquele homem vai acabar sentindo do Natal.
Suspeitei também ter cometido, de minha parte, um ato falho. Sempre adorei as luzinhas, mas hoje, quando começo a ver a cidade acender, sinto um pouco de agonia. Parece o sinal de largada para a correria. Dezembro é um mês que começa acabando, um mês em ciclone, liquidificador de todos os ingredientes do ano à espera do balanço final. É preciso entregar o que não foi entregue, fazer o que não foi feito, falar o que não foi dito. Nada pode ficar para o ano que vem.
Uma amiga me ligou: "A gente não vai se encontrar até o final do ano?!". Não nos falamos há meses, mas dezembro precisa se encarregar do nosso encontro. E dá-lhe correria pra organizar a agenda, finalizar trabalhos, comprar presentes, organizar a ceia, os e-mails, visitar a família, comprar um biquíni, fazer a mala e tudo o mais que parece que precisa ser feito.
Todo ano prometo que não vou cair na cilada, mas, quando vejo, já estou ticando uma lista de afazeres que passo a carregar no bolso.
É que, no fundo, gosto de rituais, dessa ideia conjunta de finalização e recomeço. Apesar da triste histeria dos shoppings e dos amigos secretos obrigatórios, as celebrações de final de ano ainda têm o estranho poder de renovar esperanças. Acredito em janeiro, me faz crer que farei tudo o que quero fazer. Muita coisa volta a sobrar para dezembro. Mas teimo, confio no janeiro seguinte e sigo em frente. Não tem jeito, me enroscarei de novo nas angustiantes luzinhas do Natal porque acho que elas servem mesmo é para iluminar o Ano Novo.
DENISE FRAGA é atriz e autora de "Travessuras de Mãe" (ed. Globo) e "Retrato Falado" (ed. Globo).
Sem tralhas - Juliana Cunha
Saídas artesanais, tecnológicas e minimalistas para fazer a festa gastando muito pouco e acumulando menos lixo natalino
Ela criou outros enfeites com o filho, Pedro, de cinco anos. "Todo ano fazemos uma guirlanda de balas e enfeitamos um pinheiro natural com laços. É simples, mas gosto desse ritual", diz.
Com casas cada vez menores, nem todos querem investir em uma decoração duradoura que vai passar o ano tomando espaço no armário.
Blogs de decoração de festas que oferecem moldes prontos para baixar ajudam -ao custo único da tinta da impressora. É o caso do ohhappyday.com, da produtora americana Jordan Ferney.
Simplificar o cardápio da ceia também pode evitar desperdício e trabalho desnecessário, comenta a banqueteira Neka Mena Barreto: "Tenho gostado de Natais mais minimalistas, com no máximo cinco pratos. Assim todos comem bem e o dono da casa não fica tão exausto".
MACARRÃO NO PANETONE
Use sopa de letrinhas e palitos de churrasco para enfeitar o panetone. Recorte uma ou duas faixas de cartolina e cole nelas as letras do macarrão, formando dizeres de fim de ano. Use cola branca ou de adesivo de contato para as letras e fita adesiva para prender a cartolina nos palitos. Finalize amarrando fitas ou colando figuras nas extremidades das faixas
QUEBRA-NOZES
Guirlanda minimalista com nozes e arame. Use o buraco que fica em um dos lados da noz para passar o arame. Quando chegar na outra ponta, fechada e sem buracos, use um alicate para abrir levemente a casca, só o suficiente para o arame passar. O trabalho exige delicadeza para não abrir demais a noz. Coloque quantas nozes quiser. Para finalizar, forme um círculo com o arame e prenda as extremidades com o alicate. Se achar básica demais, enfeite com laços ou penduricalhos de árvore de Natal
MENOR É MELHOR
Pequenos pinheiros naturais são uma opção para quem não gosta de árvore de plástico ou não tem como guardá-la depois. A floricultura Margarida (0/xx/11/3965-2729) vende pinheirinhos já prontos e enfeitados por R$ 40 a unidade
MANJEDOURA DE PAPEL
Presépio de papel criado pela ilustradora holandesa Marloes de Vries e oferecido de graça na internet em versão colorida ou em preto e branco, para as crianças pintarem. É só imprimir e montarhttp://tinyurl.com/presepiodepapel
CLIMA DE SÃO JOÃO
Bandeirolas com letras para formar a frase que você quiser. Após imprimir as letras que for usar, organize a frase no chão de modo espelhado e passe um fio de náilon ou barbante atrás das letras, colando com fita adesivahttp://tinyurl.com/bandeiroladeletrasRosely Sayão
Folha de São Paulo
Valeu a intenção
Comprar o que a criança já espera garante a satisfação e não dá trabalho; mas dá para fazer diferente
Neste final de ano, muitas crianças e jovens vão ganhar presentes, muitos presentes. Um sempre é pouco para eles, acostumados à fartura de mimos. Pelo menos dois, da mesma pessoa, é o que eles esperam.E, de preferência, que sejam presentes saídos da lista de desejos -em geral, eles fazem a lista e dão aos pais.
Essa lista, aliás, deixa pais e parentes aliviados. É que comprar o que a criança já espera é uma garantia de satisfação para quem recebe, além de não dar trabalho algum para quem presenteia.
Nesses períodos em que as pessoas, em geral, não têm tempo disponível para usar com o outro, esse costume oferece um grande conforto.
Ao mesmo tempo, entretanto, há muitas crianças que irão ganhar presentes natalinos originais e criativos -ninguém terá igual.
É que os pais delas decidiram investir tempo, paciência e imaginação para confeccionar as lembranças especiais que darão aos filhos.
Uma coisa esses pais têm em comum: a dúvida a respeito da reação dos seus filhos quando receberem o presente. Vários deles acham que as crianças podem ficar decepcionadas e frustradas.
É que, em tempos de consumo desenfreado e lançamentos mil nesta época do ano, é claro que as crianças competem entre si sobre quem irá ganhar isso ou aquilo que se torna, não mais que de repente, um objeto de desejo de um grupo enorme.
Mesmo assim, esses pais acham que vale a pena. "É um modo de mudar um pouco o valor que minha filha passou a dar aos presentes que ganha", escreveu uma mãe.
Ela não sabe como foi que começou essa história: conta que a filha, de oito anos, sempre que recebe um presente pergunta quanto custou.
Essa mãe deseja que sua filha passe a valorizar, mais do que o preço do objeto recebido, a dedicação que a pessoa gastou para elaborar aquele presente.
Todos esses pais estão dispostos a correr o risco de receber caras feias, choramingos e recusas em troca do presente que darão.
É que todos eles têm uma convicção: a de que valerá a pena começar a mudar essa cultura de consumo em que a criançada entrou.
Vou citar alguns exemplos para inspirar os pais que têm vontade de fazer algo diferente para presentear os filhos neste final de ano.
Um casal que adora a arte da fotografia decidiu fazer um álbum de fotos temáticas da família desde o nascimento da filha, que tem nove anos. Os temas dos capítulos são bem interessantes: as cenas familiares mais desastradas, os momentos felizes, os choros, as tristezas, o espanto etc. Esse presente talvez não seja tão valorizado agora pela garota, mas um dia ela olhará para ele com ternura e gratidão.
Outra mãe decidiu aprender e fazer, em pouco mais de um mês, um vestido para cada uma das filhas, bordado com motivos desenhados pelas meninas quando eram bem menores.
Há também um casal cuja filha está interessadíssima nas letras. Eles compraram para ela livros com títulos que começam com todas as letras do nosso alfabeto, de A a Z.
Foi uma empreitada difícil, segundo a mãe, mas que deu em troca muita satisfação aos pais por terem conseguido realizar aquilo a que se propuseram.
E há uma quantidade enorme de pais que construíram brinquedos com sucata. Eu acho que eles se inspiraram nos próprios filhos.
Criança inventa brinquedos maravilhosos, não é verdade?
Considero esses pais corajosos, dedicados e, acima de tudo, amorosos. Eles aproveitaram uma boa oportunidade para investir no convívio familiar.
E eu aposto que, independentemente da reação de momento das crianças na hora da surpresa, eles estão colaborando para a construção de uma memória afetuosa do relacionamento entre eles e os filhos.
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho?" (Publifolha)
Barriga negativa é a última loucura na busca do 'corpo perfeito'
Barriga negativa é a última loucura na busca do 'corpo perfeito'
IARA BIDERMAN
FOLHA DE SÃO PAULO
FOLHA DE SÃO PAULO
Ter tanquinho já não basta. A última loucura fitness, agora, é a barriga negativa.
Novos treinos para os abdominais têm poucas repetições e menos flexões da coluna
Conheça mitos e verdades sobre exercícios abdominais
Conheça mitos e verdades sobre exercícios abdominais
O que vem a ser: um abdome com curvatura invertida. Nesse corpo, os ossos do quadril e das costelas são mais proeminentes que a barriga.
O estilo ganhou fama e gerou debate quando a modelo sul-africana Candice Swanepoel, 24, publicou uma foto na internet exibindo orgulhosamente sua não barriga.
Reprodução | ||
A 'barriga negativa' da modelo sul-africana Candice Swanepoel |
Candice foi criticada por fazer apologia da magreza extrema. Mas já há na internet fórmulas com dieta e exercícios para quem sonha em ter um buraco no centro do corpo igual ao da modelo.
"Não tem como inverter a curvatura do músculo. Para ter uma barriga côncava, a pessoa precisa perder, além de gordura, massa magra", afirma o fisiologista do exercício Turíbio Leite de Barros, da Unifesp.
Na opinião do educador físico Saturno de Almeida, é uma estética na contramão da saúde. "Barriga negativa, para mim, é anorexia."
ENRIQUEÇA SEU VOCABULÁRIO
Estilos de barriga malhada no idioma de quem treina
Para ganhar a barriga cheia de gominhos é preciso aumentar a massa muscular e eliminar a gordura da região. Exige treino de alta intensidade e controle alimentar, além de genética
CHAPADA
Também com pouca gordura e músculos fortes, mas menos volume do que a barriga tanquinho, é preferida pelas mulheres. É preciso dosar a carga dos exercícios para não exagerar no volume muscular. Também é conhecida como "barriga sequinha", na linguagem de academia
'SLIM'
Cintura fina e pouca gordura, dando a impressão de barriga reta, sem desenho dos músculos. A ênfase é nos exercícios de resistência, que fortalecem sem criar hipertrofia
Abdominais: mitos e verdades
Conheça mitos e verdades sobre exercícios abdominais
IARA BIDERMAN
FOLHA DE SÃO PAULO
FOLHA DE SÃO PAULO
Receita "infalível" para perder a barriga, todo mundo tem. Para entender o que faz sentido e pode dar resultado em um programa para fortalecer o abdome, a Folhaperguntou a educadores físicos, treinadores, fisiologista e fisioterapeuta o que há de mito e de verdade nas orientações para esses exercícios.
Novos treinos para os abdominais têm poucas repetições e menos flexões da coluna
Barriga negativa é a última loucura do fitness
Barriga negativa é a última loucura do fitness
Tire suas dúvidas a seguir.
Exercício localizado faz perder barriga?
Não. "O que faz perder barriga é uma boa dieta", afirma o fisioterapeuta Leonardo Machado. Atividade aeróbica também ajuda, porque aumenta o gasto calórico.
"No treino aeróbico a pessoa perde gordura no corpo todo, não apenas na barriga", diz Saturno de Souza, diretor técnico da rede Bio Ritmo. E os exercícios localizados não fazem com que a perda de gordura ocorra em uma região específica.
"O gasto calórico dos abdominais é irrisório, não serve para emagrecer", diz Turíbio Leite de Barros, da Unifesp.
É melhor fazer os exercícios todos os dias ou deixar o músculo descansar?
O aumento da massa muscular não acontece durante o exercício, mas sim no período de repouso, explica o fisiologista do exercício Turíbio Leite de Barros, professor da Unifesp.
"É preciso pelo menos 24 horas de descanso para o músculo recuperar o estoque de energia gasto durante o exercício e se refazer dos microtraumas provocados pelo esforço. É esse processo que cria volume e definição muscular", diz.
Patricia Stavis/Folhapress | ||
O ator e musico Rafael Rezende faz meia hora semanal de exercícios abdominais mais treino diário geral |
Quem não tem como objetivo uma barriga hipertrofiada pode fazer os exercícios abdominais diariamente, desde que não sejam muito intensos e que trabalhem diferentes músculos a cada dia --por exemplo, alternando exercícios para os retos do abdome e para os transversos--, sugere Saturno de Souza, diretor técnico da rede Bio Ritmo.
Aparelhos resolvem ou é melhor usar o peso do próprio corpo?
Para acionar vários grupos musculares na execução de um exercício, o melhor é usar o peso do próprio corpo, diz Luciano D'Elia, especializado em treino funcional.
No aparelho, os músculos são trabalhados de forma isolada, algo que não acontece quando a pessoa se movimenta normalmente para realizar atividades cotidianas.
Estudos realizados no departamento de cinesiologia da faculdade de Los Angeles com aparelhos que medem com eletrodos a atividade muscular mostraram que, sem aparelhos, o trabalho dos músculos é um pouco maior, conta Eduardo Neto, diretor técnico das academias Bodytech.
Mas os aparelhos podem ser vantajosos para o iniciante, porque evita que a pessoa force outras partes do corpo, como o pescoço, durante a execução do exercício, diz o educador físico Saturno de Souza.
Quais são as principais características dos novos abdominais?
Para começar, os exercícios abdominais do momento não são feitos com a pessoa deitada no chão ou sentada, como nos treinos de abdome convencionais. Alguns desses movimentos nem mesmo parecem abdominais.
"Fazemos, por exemplo, exercícios de agachamento, parece que são para a perna. Mas o aluno tem que fazer o movimento contraindo o abdome, para manter a postura, e assim ele também exercita os músculos dos glúteos e da região lombar", conta o professor Luciano D'Elia, que é especializado em treino funcional.
Os "novos" abdominais incluem exercícios isométricos -- caracterizados pela contração muscular sustentada por algum tempo, sem que aconteça o movimento das articulações.
Esses exercícios substituem aquelas numerosas repetições das flexões tradicionalmente usadas para o fortalecimento da barriga. Já há um consenso na área acadêmica que esse tipo de abdominal não é tão eficiente e acaba aumentando o risco de lesão na coluna, especialmente na lombar.
Agora, "a pessoa é deixada por alguns segundos em uma posição que exija a contração do abdome e dos glúteos, como acontece em algumas posturas invertidas da ioga", exemplifica a educadora física Juliana Romantini, professora da academia Cia. Athletica.
Gerar instabilidade, fazendo a pessoa subir em uma bola ou ficar de pé em uma prancha, é outra estratégia utilizada nas novas aulas de abdominais para trabalhar a musculatura mais profunda da região.
Quanto maior o número de repetições, melhor é o resultado do treino para fortalecer o abdome?
Não é verdade. Os abdominais são músculos naturalmente solicitados o tempo todo: você os usa para manter a postura ereta, caminhar e levantar objetos. "Não é preciso muitas repetições em aula para tonificar a barriga", diz Juliana Romantini, professora da Cia. Athletica.
E para quem quer resultados mais visíveis, como uma barriga tanquinho? "Muita repetição não é o mais indicado para ganhar definição muscular. Esse resultado pode ser obtido com uma combinação de treino, alimentação e repouso", afirma o educador físico Luciano D'Elia, especialista em treino funcional.
Dá para ganhar uma barriga 'chapada' em um mês de treino?
Até dá, mas vai perder rápido também. O corpo funciona em ciclos: ao atingir o condicionamento máximo passa a perder o que ganhou. "Muitos tentam reverter isso se enchendo de suplementos e anabolizantes", diz Saturno de Souza. Resultados visíveis e duradouros só surgem depois de 10 a 12 semanas de treinos.
Os resultados dos abdominais são iguais para homens e mulheres?
O metabolismo masculino favorece o ganho de massa muscular, que é bem maior e mais rápido neles, afirma o fisiologista do esporte Turíbio Leite de Barros, da Unifesp. Mas, em compensação, os homens têm mais facilidade de acumular gordura apenas na região da barriga (enquanto nas mulheres o acúmulo maior costuma acontecer na região do quadril).
Patricia Stavis/Folhapress | ||
A delegada Fernanda Rivaben faz treinos específicos para manter a barriga sequinha |
Os exercícios abdominais podem ser os mesmos para homens e mulheres. "O que vai mudar é a intensidade do treino e a carga, que são maiores para os homens", afirma o educador físico Luciano D'Elia
Abdominais devem ser os últimos exercícios da sessão de musculação?
É controverso. "É mais seguro deixar os abdominais para o final. Se esses músculos já estiverem cansados, o aluno não conseguirá segurar a postura nos outros exercícios, o que elevará o risco de lesão", defende o professor Saturno de Souza.
O treino funcional prega o oposto, mostra o professor Luciano D'Elia: "O centro do corpo é a parte mais importante do treino, precisa ser exercitada no momento de maior pique, logo após o aquecimento".
Fazer apenas exercícios aeróbicos é suficiente para acabar com a barriga?
Aeróbicos são a melhor forma para acabar com o excesso de gordura abdominal, afirma Turíbio Leite de Barros. Mas esses treinos não dão resultados sem uma reeducação alimentar, lembra o fisioterapeuta Leonardo Machado.
Para a professora de educação física Juliana Romantini, da academia Cia. Athletica, não adianta só perder gordura. "Se a pessoa tem hábitos posturais que fazem a barriga saltar, precisa de exercícios para corrigir isso."
É bom manter a barriga sempre contraída?
Nenhum grupo muscular foi feito para trabalhar o dia todo, responde o fisioterapeuta Leonardo Machado. "Só os músculos do coração e do diafragma fazem isso, mas de forma alternada", diz ele.
Manter o abdome sempre contraído inverte a curvatura lombar, aumentando a pressão nos discos intervertebrais. A contração também faz pressão sobre os órgãos e dificulta o trânsito intestinal, o que pode causar de gases a hérnias, segundo Machado.
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Novos treinos para os abdominais têm poucas repetições e menos flexões da coluna
IARA BIDERMAN
FOLHA DE SÃO PAULO
O verão é a deixa para que academias anunciem novidades e atalhos no caminho até um corpo sarado. Desta vez, o mercado de fitness fala em "quebra de paradigmas" no exercício abdominal.
Conheça mitos e verdades sobre exercícios abdominais
Barriga negativa é a última loucura na busca do 'corpo perfeito'
Barriga negativa é a última loucura na busca do 'corpo perfeito'
As novas orientações para os treinos de abdome incluem menos repetições que as usadas nos exercícios tradicionais, estabilização da postura e ginástica funcional (que trabalha vários grupos musculares ao mesmo tempo, em movimentos similares aos das atividades cotidianas).
Editoria de Arte/Folhapress | ||
Funcionam, mas não podem ser chamadas de "novas orientações", afirma o fisiologista Turíbio Leite de Barros, professor da Unifesp: "Os benefícios de um treino que trabalha tanto os músculos abdominais quanto os lombares são consenso na comunidade científica", diz.
O que é apresentado como um novo jeito de malhar essa área do corpo incorpora elementos do pilates e da ioga (como aquelas "sucções" da barriga) para tentar ganhar eficácia e reduzir o risco de lesões na lombar.
Uma aula tradicional de abdominais, de 30 minutos, é baseada em flexões da coluna e exige em média 200 repetições. "A coluna foi feita para aguentar um número limitado de flexões. Flexionar o tronco 500 vezes a mais por semana desgasta a articulação e acaba machucando", diz Eduardo Neto, diretor técnico da rede Bodytech.
No lugar dos antigos exercícios, a estratégia é usar bases instáveis (como bolas), que fazem a pessoa acionar os vários grupos musculares responsáveis pela postura: abdominais superficiais e profundos, glúteos e músculos da região lombar, segundo o educador físico Luciano D'Elia, de São Paulo.
"Fortalecer os músculos mais profundos ajuda a sustentar os órgãos, e aquela barriguinha saltada some", diz a educadora física Juliana Romantini, da Cia. Athletica.
O efeito é questionado pelo fisioterapeuta carioca Leonardo Machado. "Os músculos abdominais precisam mais de flexibilidade do que de força. Contração demais comprime os órgãos e dificulta o trânsito intestinal, o que deixa a barriga inchada."
"Novo paradigma" mesmo, na visão dele, seria ficar longe do visual "tanquinho" (abdome hipertrofiado) para ganhar uma barriga saudável de uma forma mais relaxada.
Editoria de Arte/Folhapress | ||
Universo está parando de fabricar novas estrelas, diz levantamento
Matéria-prima que forma os astros está se esgotando no Cosmos
Também, pudera. Lá se vão 13,7 bilhões de anos, dos quais durante todo o tempo, salvo os 500 milhões de anos iniciais, o Cosmos vem fabricando novas estrelas.
A essa altura, a matéria-prima para a formação estelar -nuvens de gás- está em vias de se tornar insuficiente para novas fornadas.
O trabalho, sob a batuta de David Sobral, da Universidade de Leiden (Holanda), teve observações de três diferentes instalações: o Ukirt e o Subaru, no Havaí, e o VLT (Very Large Telescope), no Chile.
Graças a essa combinação, astrônomos conseguiram observar diversas amostras de galáxias. Embora seja difícil distinguir estrelas individuais nesses casos, é possível analisar o espectro (a "assinatura" de luz) e identificar o nível de formação estelar.
E, como a luz desses objetos que chega até nós tem velocidade finita, viajando a 300 mil km/s, quanto mais longe olhamos, mais velha é a luz (o que permite estudar estados antigos do Universo).
"Obtivemos amostras grandes e robustas de galáxias que correspondem a 4,2 bilhões, 7 bilhões, 9,2 bilhões e 10,6 bilhões de anos atrás", diz Sobral. Seu artigo foi aceito pela publicação "Monthly Notices of the Royal Astronomy Society".
A referência buscada no espectro é uma emissão na chamada linha H-alfa do hidrogênio. "É a mais confiável de todas", afirma Laerte Sodré Junior, do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas) da USP.
Segundo ele, as principais conclusões estão de acordo com outros trabalhos. "Todos eles sugerem que a 'época de ouro' da formação estelar ocorreu há muito tempo e, essencialmente, em todo o intervalo de tempo coberto pelo estudo, a taxa de formação estelar vem decrescendo."
Não deixa de surpreender o fato de que restam só 5% para que o "download de estrelas" seja completado. Dali para frente, o Universo terá de se resignar a, calma e lentamente, se encaminhar para um tedioso apagar das luzes. Isso se a tendência for mantida, diz Sodré.
Leucemia tem nova opção de tratamento
Folha de São Paulo
Terapia em fase inicial de testes modifica sistema imune para combater câncer usando versão inativada do HIV
Americana de sete anos foi submetida ao procedimento com sucesso; efeitos colaterais são pesados
Jeff Swensen/“The New York Times” | ||
Emma Whitehead, 7, recuperada após leucemia, e sua mãe, Kari, na Pensilvânia, EUA |
Seus pais procuraram um tratamento experimental no Children's Hospital da Filadélfia, nos EUA. O procedimento nunca tinha sido testado em uma criança nem em qualquer pessoa com o tipo de leucemia de Emma.
Realizado em abril, o experimento usou uma forma desativada do HIV para reprogramar o sistema imunológico de Emma, de modo a matar as células cancerígenas.
O tratamento quase a matou. Mas agora, sete meses depois, ela está em remissão completa. Os pais de Emma, Kari e Tom, disseram que sua filha sofria de leucemia linfoblástica aguda desde 2010.
Ela faz parte de um grupo de uma dúzia de pacientes com leucemia avançada a terem recebido o tratamento experimental, desenvolvido na Universidade da Pensilvânia.
Abordagens semelhantes estão em teste no Instituto Nacional do Câncer dos EUA e no Memorial Sloan-Kettering, em Nova York.
"Nossa meta é a cura, mas não podemos proferir essa palavra", disse o médico Carl June, da Universidade da Pensilvânia.
Ele espera que o novo tratamento possa substituir o transplante de medula, um procedimento mais árduo, arriscado e caro e que hoje é o último recurso contra leucemias e doenças relacionadas.
RESULTADOS
Três adultos com leucemia crônica tratados na Universidade da Pensilvânia estão sem sinal da doença; dois estão bem há mais de dois anos.
Quatro adultos melhoraram mas não tiveram remissão completa e um foi tratado recentemente demais para ser avaliado. Uma criança tratada melhorou, mas depois sofreu recaída. Em dois adultos, o tratamento não funcionou. Os pesquisadores apresentaram os resultados em reunião da Sociedade Americana de Hematologia.
Uma grande empresa farmacêutica, a Novartis, está apostando na equipe da Pensilvânia e já destinou US$ 20 milhões para a construção de um centro de pesquisas na universidade.
Cientistas dizem que a mesma abordagem -a reprogramação do sistema imunológico do paciente- pode ser empregada contra tumores como de mama e próstata.
Para realizar o tratamento, médicos removem linfócitos T do paciente -um tipo de célula de defesa- e inserem genes que os capacitam a matar as células cancerígenas.
A técnica usa uma forma desativada de HIV, que leva material genético para dentro dos linfócitos. Os novos genes programam os linfócitos T para atacar as células B, uma parte normal do sistema imunológico que se torna maligna na leucemia.
Um sinal de que o tratamento está funcionando é que o paciente fica extremamente doente, com febres e calafrios, além de apresentar queda da pressão -efeitos que quase mataram Emma.
A pesquisa se encontra em fase inicial. Ainda não se saber por que o tratamento às vezes não funciona. Não está claro também se o o paciente precisa das células modificadas para sempre. Como elas matam as células B saudáveis, além das cancerosas, os doentes ficam vulneráveis a infecções e precisam usar imunoglobulinas para prevenir doenças.
Os pais de Emma dizem que a menina parece estar levando tudo muito bem. Ela voltou à escola e ao convívio com os colegas. "Agora é hora de Emma recuperar sua infância", disse seu pai.
Tradução de CLARA ALLAIN
Democracias de exceção - Renato Janine Ribeiro
Valor Econômico - 10/12/2012
Nem o pior inimigo de Israel deveria negar que esse país é uma democracia, por longo tempo a única no Oriente Médio, e ainda hoje a mais antiga na região. Nem o melhor amigo de Israel deveria negar que seus governos têm enorme responsabilidade pela infindável crise da região, ainda hoje a maior ameaça à paz mundial, além de fonte de sofrimento para milhões de pessoas.
Esse é o paradoxo: como uma democracia, o melhor regime que existe (ou o pior, tirando todos os outros, como disse Churchill), pode gerar problemas dessa monta? É que Israel é uma democracia de exceção, como por sinal os Estados Unidos, entendendo por esse termo um regime democrático diferente de praticamente todos os outros.
As colônias inglesas da América do Norte nascem, no século XVII, com duas grandes características: são democráticas, exercem o autogoverno mais até do que a Inglaterra, de onde seus pioneiros vêm - e escravizam negros. Essa contradição entre liberdade e anti-liberdade marcará os Estados Unidos desde o início. Levará à guerra civil de 1861 e, um século depois, à quase-guerra civil da década de 1960, que resulta no reconhecimento de direitos humanos aos negros. Mas tal situação é única no mundo moderno. Em todos os outros países que se tornaram democráticos depois deles, a democracia veio junto com os direitos humanos. À medida que uma nação se democratizava, ela abolia a escravatura. Assim foi na América do Sul. A Revolução Francesa constitui o caso mais emblemático, porque a escravidão é abolida em 1794, restabelecida quando Napoleão institui o regime autoritário, para ser finalmente extinta graças à Revolução de 1848. Com frequência, a abolição era um prelúdio à democratização. Democracia com escravidão é um absurdo. Só nos Estados Unidos um sistema pujante - e o mais pujante do mundo, à época - de autogoverno conviveu com a escravidão e, depois, com um apartheid assustador.
Essa situação lembra a democracia antiga: nas cidades-Estado gregas que eram democráticas, bem como na Roma republicana, havia escravos - e também eram discriminados os estrangeiros e seus descendentes. Na modernidade, porém, não é assim. A escravidão e também o preconceito são hoje considerados incompatíveis com a democracia. Aliás, vejam outro paradoxo: Eleanor Roosevelt, viúva de Franklin Roosevelt, presidiu a redação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, como representante de seu país na ONU; mas, nas duas décadas que se seguiram, os Estados Unidos foram um dos países que mais violaram a declaração, tratando pessimamente, no Sul, os negros. Com muita luta, a situação dos afro-americanos melhorou extraordinariamente, e hoje os Estados Unidos esquecem esse passado horrível, quando defendem os direitos humanos no resto do mundo. Mas, em suma, a "instituição peculiar" do Sul americano convivia, ainda que mal, com a democracia.
O que tem Israel a ver com isso? É também um Estado que pratica, junto com uma inegável democracia, uma relação ao menos tensa, com frequência discriminatória, em face dos seus "outros". Seria um absurdo chamá-los de escravos - e não o faço - mas acabam sendo o que os americanos, numa expressão curiosa, chamam de "non-citizens". No restante do mundo, inclusive no Brasil, cidadão é o titular de direitos no país em que vive, mas isso não depende apenas da nacionalidade. Estrangeiros têm quase todos os direitos do nativo. Não usamos, para o estrangeiro, esse termo esquisito: "não cidadão". Ora, é nessa situação que vivem os árabes do quase-protetorado palestino, e também parte dos que moram em Israel propriamente dito. É lógico que haverá sutilezas. Não tenho dúvidas de que é bem melhor ser árabe em Israel do que judeu num país árabe. Mas aqui está o problema: Israel nasce como democracia, só que nasce em conflito não apenas com o inimigo externo, mas com uma forte minoria árabe.
Pode a democracia servir só para uma parte da sociedade - os brancos, nos Estados Unidos pré-década de 1960, ou os judeus, na Israel de hoje? Pode um regime que reconhece a igualdade de todos no voto e a liberdade de escolher seu destino conciliar-se com a exclusão de parte substancial da sociedade? Não acredito. A discriminação corrói a sociedade. Ela corrompe os laços sociais. Nos Estados Unidos, foram necessárias décadas de luta para eliminar o que ela tinha de pior. Na década de 1960, o país esteve à beira de uma nova guerra civil. Em Israel, vê-se a erosão política na decadência das equipes de governo, com o avanço de políticos demagogos. A cadeira de Ben Gurion hoje é ocupada por Netanyahu... Um dia, isso terá de mudar. Dependerá essencialmente dos israelenses. Outros - os palestinos, os cidadãos dos países árabes e a opinião internacional - podem e devem ajudar. A pressão internacional certamente pode contribuir. Mas a decisão está na mão dos cidadãos de Israel. É uma questão grave que entre 1956, com o ataque a Suez, e 1991, com o fim da União Soviética, colocou no horizonte a possibilidade de uma guerra mundial. Hoje esta diminuiu, mas não foi por mérito dos atores regionais e sim graças à geopolítica global.
Contudo, reitero que nada, do que digo, justifica o antissemitismo ou qualquer tentativa de destruir o Estado judeu. Ele existe, faz parte do panorama, tem que melhorar. Como os Estados árabes, por sinal, agora que a democracia desponta na Tunísia e no Egito. Aliás, se cobro aqui mais de Israel é justamente porque esse país tem quase 70 anos de democracia, o que é uma qualidade, mas que o duplo padrão de conduta coloca fortemente em xeque.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
Democracia não convive com discriminação
Nem o pior inimigo de Israel deveria negar que esse país é uma democracia, por longo tempo a única no Oriente Médio, e ainda hoje a mais antiga na região. Nem o melhor amigo de Israel deveria negar que seus governos têm enorme responsabilidade pela infindável crise da região, ainda hoje a maior ameaça à paz mundial, além de fonte de sofrimento para milhões de pessoas.
Esse é o paradoxo: como uma democracia, o melhor regime que existe (ou o pior, tirando todos os outros, como disse Churchill), pode gerar problemas dessa monta? É que Israel é uma democracia de exceção, como por sinal os Estados Unidos, entendendo por esse termo um regime democrático diferente de praticamente todos os outros.
As colônias inglesas da América do Norte nascem, no século XVII, com duas grandes características: são democráticas, exercem o autogoverno mais até do que a Inglaterra, de onde seus pioneiros vêm - e escravizam negros. Essa contradição entre liberdade e anti-liberdade marcará os Estados Unidos desde o início. Levará à guerra civil de 1861 e, um século depois, à quase-guerra civil da década de 1960, que resulta no reconhecimento de direitos humanos aos negros. Mas tal situação é única no mundo moderno. Em todos os outros países que se tornaram democráticos depois deles, a democracia veio junto com os direitos humanos. À medida que uma nação se democratizava, ela abolia a escravatura. Assim foi na América do Sul. A Revolução Francesa constitui o caso mais emblemático, porque a escravidão é abolida em 1794, restabelecida quando Napoleão institui o regime autoritário, para ser finalmente extinta graças à Revolução de 1848. Com frequência, a abolição era um prelúdio à democratização. Democracia com escravidão é um absurdo. Só nos Estados Unidos um sistema pujante - e o mais pujante do mundo, à época - de autogoverno conviveu com a escravidão e, depois, com um apartheid assustador.
Essa situação lembra a democracia antiga: nas cidades-Estado gregas que eram democráticas, bem como na Roma republicana, havia escravos - e também eram discriminados os estrangeiros e seus descendentes. Na modernidade, porém, não é assim. A escravidão e também o preconceito são hoje considerados incompatíveis com a democracia. Aliás, vejam outro paradoxo: Eleanor Roosevelt, viúva de Franklin Roosevelt, presidiu a redação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, como representante de seu país na ONU; mas, nas duas décadas que se seguiram, os Estados Unidos foram um dos países que mais violaram a declaração, tratando pessimamente, no Sul, os negros. Com muita luta, a situação dos afro-americanos melhorou extraordinariamente, e hoje os Estados Unidos esquecem esse passado horrível, quando defendem os direitos humanos no resto do mundo. Mas, em suma, a "instituição peculiar" do Sul americano convivia, ainda que mal, com a democracia.
O que tem Israel a ver com isso? É também um Estado que pratica, junto com uma inegável democracia, uma relação ao menos tensa, com frequência discriminatória, em face dos seus "outros". Seria um absurdo chamá-los de escravos - e não o faço - mas acabam sendo o que os americanos, numa expressão curiosa, chamam de "non-citizens". No restante do mundo, inclusive no Brasil, cidadão é o titular de direitos no país em que vive, mas isso não depende apenas da nacionalidade. Estrangeiros têm quase todos os direitos do nativo. Não usamos, para o estrangeiro, esse termo esquisito: "não cidadão". Ora, é nessa situação que vivem os árabes do quase-protetorado palestino, e também parte dos que moram em Israel propriamente dito. É lógico que haverá sutilezas. Não tenho dúvidas de que é bem melhor ser árabe em Israel do que judeu num país árabe. Mas aqui está o problema: Israel nasce como democracia, só que nasce em conflito não apenas com o inimigo externo, mas com uma forte minoria árabe.
Pode a democracia servir só para uma parte da sociedade - os brancos, nos Estados Unidos pré-década de 1960, ou os judeus, na Israel de hoje? Pode um regime que reconhece a igualdade de todos no voto e a liberdade de escolher seu destino conciliar-se com a exclusão de parte substancial da sociedade? Não acredito. A discriminação corrói a sociedade. Ela corrompe os laços sociais. Nos Estados Unidos, foram necessárias décadas de luta para eliminar o que ela tinha de pior. Na década de 1960, o país esteve à beira de uma nova guerra civil. Em Israel, vê-se a erosão política na decadência das equipes de governo, com o avanço de políticos demagogos. A cadeira de Ben Gurion hoje é ocupada por Netanyahu... Um dia, isso terá de mudar. Dependerá essencialmente dos israelenses. Outros - os palestinos, os cidadãos dos países árabes e a opinião internacional - podem e devem ajudar. A pressão internacional certamente pode contribuir. Mas a decisão está na mão dos cidadãos de Israel. É uma questão grave que entre 1956, com o ataque a Suez, e 1991, com o fim da União Soviética, colocou no horizonte a possibilidade de uma guerra mundial. Hoje esta diminuiu, mas não foi por mérito dos atores regionais e sim graças à geopolítica global.
Contudo, reitero que nada, do que digo, justifica o antissemitismo ou qualquer tentativa de destruir o Estado judeu. Ele existe, faz parte do panorama, tem que melhorar. Como os Estados árabes, por sinal, agora que a democracia desponta na Tunísia e no Egito. Aliás, se cobro aqui mais de Israel é justamente porque esse país tem quase 70 anos de democracia, o que é uma qualidade, mas que o duplo padrão de conduta coloca fortemente em xeque.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
SP tem 98 mil vivendo em área de alto risco
Folha de São Paulo
Temporada de fortes chuvas começa com moradores em locais com grande ameaça de deslizamento ou desmoronamento
Número é 15% menor que o de 2011; somados todos os graus de risco, quantidade de ameaçados chega a 519 mil pessoas
Silva Junior/Folhapress | ||
Vista do bairro Jova Rural, na região do Tremembé, zona norte de São Paulo; prefeitura considera área como de alto risco |
O grande contingente de pessoas em loteamentos precários ou favelas está espalhado por todas as regiões, segundo mapeamento feito pelo IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) e divulgado pela prefeitura em 2011.
A maior concentração está na zona sul. No total, somados todos os graus de risco, há 519 mil pessoas vivendo em áreas da capital com alguma ameaça de deslizamento ou desmoronamento.
Apesar de a gestão Gilberto Kassab (PSD) anunciar ter feito investimentos de R$ 38 milhões no ano passado para remover famílias e concluir obras de redução do risco, apenas 15% da população que vivia em áreas problemáticas saiu dessa situação.
No ano passado, 115 mil pessoas viviam em áreas sob alto risco de tragédia em razão de chuvas fortes.
"A situação ainda é bastante precária, mas o fato de a população em áreas de risco estar diminuindo é relevante", afirma Renato Cymbalista, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
Segundo ele, nas décadas de 1980 e 1990, o número [de moradores de áreas de risco na capital] só aumentava.
Antes do mapeamento divulgado no ano passado, o último levantamento confiável da situação de áreas críticas na capital era de 2003.
O mapeamento de 2011, encomendado pela prefeitura, considera apenas as áreas de risco geológico. Não leva em conta, por exemplo, ruas que podem sofrer só enchentes.
Na época, os técnicos do IPT apontaram a necessidade de desocupar imediatamente 1.132 moradias com "risco iminente de cair", mas o poder público demorou seis meses para executar a ação.
Segundo especialistas -e o próprio Kassab-, as áreas de risco ocupadas vão compor a paisagem urbana pelo menos até 2025. As projeções, entretanto, levam em consideração só números oficiais.
Como na cidade existem cerca de 1.600 favelas e nem metade chegou a ser completamente esmiuçada pelo estudo do IPT, o problema pode se arrastar por várias décadas, segundo os técnicos.
"Nós avaliamos as áreas realmente mais problemáticas", afirma Luciana Santos, geóloga da prefeitura e conhecedora das áreas de risco. "Não devemos ter surpresas em locais não estudados."
pROGRAMA
Urbanização de favelas fica abaixo da meta
A gestão Gilberto Kassab (PSD) não cumpriu a meta de atender 332 mil pessoas em seu programa de urbanização de favelas, que ajuda a reduzir as áreas de risco. Em seis anos no cargo, cumpriu 77% do previsto. A prefeitura diz que cumpriu 92%, pois leva em consideração projetos -mesmo que não tenham sido licitados- e obras em andamento. Nas grandes favelas, como Heliópolis (sul), muitas obras não estão 100% prontas.
Verba para homenagem a Herzog é suspensa
Câmara investiga empresa que faria obras de arte
FOLHA DE SÃO PAULO
A Câmara Municipal suspendeu os pagamentos referentes a obras de arte em homenagem ao jornalista Vladimir Herzog, torturado e morto durante o regime militar.
As obras, que custarão R$ 560 mil, seriam instaladas até o final deste mês numa praça anexa ao Legislativo.
A suspensão ocorreu por causa de supostas irregularidades por parte da empresa responsável pela reprodução das obras, todas de autoria do artista Elifas Andreato, que doou as criações.
Segundo o jornal "O Estado de S. Paulo", a empresa Services Express Produções e Serviços LTDA subcontratou outra empresa para reproduzir as obras -entre elas estavam um troféu do prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos e uma estátua de bronze de 2 metros de altura.
A subcontratação é considerada ilegal.
APURAÇÃO
Segundo o vereador Ítalo Cardoso (PT), idealizador da homenagem e primeiro-secretário da Casa, a suspensão ocorreu após o jornal informar que a Services Express -que foi a única a se apresentar na concorrência- subcontratou a Cine Efeitos para fazer a obra.
"Quando chegou a informação, decidimos apurar. Notificamos a empresa para que seja explicado o ocorrido e suspendemos o pagamento", disse Cardoso à Folha.
Andreato afirmou que apenas doou as obras e não tem relação com a contratação.
A Folha não conseguiu localizar representantes da Services Express e da Cine Efeitos.
O muro vai cair - Jairo Marques
Folha de São Paulo
Governo vai construir ciclopassarela ligando a USP ao parque Villa-Lobos; custo estimado é de R$ 80 milhões
A iniciativa é parte de um megaprojeto para revitalizar as marginais de São Paulo.
Para ser construída, a obra vai exigir que se derrube os 2,3 km de muro, erguidos na década de 1960 para evitar invasões e risco aos usuários da área. Ainda não foi definido o que irá ocupar o lugar: grades ou outro tipo de material.
As obras de revitalização naquela região, que devem começar no início do ano que vem, vão demorar pelo menos dois anos para serem concluídas.
INTEGRAÇÃO
A intenção do projeto é que a "ciclopassarela" se integre à ciclovia que já existe ao longo dos trilhos da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos).
Parte dos investimentos feitos deve vir de financiamento do Banco Mundial. As conversas sobre um possível convênio estão em curso, segundo informações do órgão internacional.
O governador Geraldo Alckmin (PSDB) ainda acerta os último detalhes do projeto para oficializar a divulgação do início das obras.
A previsão é que a "ciclopassarela" atenda, somente nos finais de semana, cerca de 50 mil pessoas.
A ideia é que a instalação urbana permita o trânsito, de um lado a outro da marginal, de pedestres e ciclistas que frequentam o parque e a Cidade Universitária.
O investimento inicial previsto para a remodelagem da área é de R$ 80 milhões.
RÚSTICO
Há cerca de três anos, Andrea Matarazzo (PSDB), então secretário municipal de Coordenação das Subprefeituras de São Paulo e eleito vereador para o próximo mandato, tinha apresentado um projeto para acabar com o muro da Cidade Universitária que, segundo ele, prejudicava a imagem da cidade devido o seu aspecto rústico.
A motivação de Matarazzo era que o muro do Jockey Club de São Paulo, nas proximidades da ponte Euzébio Matozo, também fosse derrubado, mas isso não foi confirmado, por enquanto, no atual projeto do governo.
Vício - Francisco Daudt
Folha de São Paulo
O sadomasoquismo produz mais bodas de ouro do que o amor, e não se cura com separação
Afinal, quando é que os cientistas vão inventar a pílula da moderação? Incentivo é o que não lhes falta, pois quem descobrir sua fórmula vai se tornar multibilionário instantaneamente. Até lá, o único remédio que dispomos para combater o vício é a medieval abstinência.
Buscando uma definição para vício, pesquisadores de Harvard acompanharam um grupo aleatório de quatrocentos alunos, e, ao fim de SESSENTA ANOS, publicaram suas conclusões: é vício a atividade compulsiva que resulta em fazer merda repetitivamente, sobretudo para si, envolva ou não terceiros (eles que me desculpem pela concisão).
A base do vício é algo que produza algum barato instantâneo. Não é exclusividade da nossa espécie. Vários mamíferos africanos se embriagam com o fruto fermentado da marula, enquanto os haja (divirta-se no Youtube vendo "drunk from marula"). Mas a nossa é uma espécie desmesurada e excessiva por natureza, particularmente propensa a se viciar. Principalmente com:
1. entorpecentes/excitantes (álcool, tabaco, cafeína, cocaína, maconha etc.);
2. causadores de intensidade/adrenalina (paixão, sedução, sexo, jogo, riscos diversos, sadomasoquismo etc.);
3. engordativos (carboidratos com gordura).
Estes últimos são uma praga de tão bons. Pão com manteiga deve estar entre as dez maiores invenções da humanidade. Mas entendê-lo é fácil. Nossos genes são herdeiros dos que tiveram prazer com essa combinação na savana africana. Acumulavam reservas para os tempos de vacas magras (é uma metáfora, não um insulto). Nunca imaginaram que ela seria tão disponível, seja nas padarias, seja nos fast-foods, daí a epidemia de obesidade.
Já o sadomasoquismo me fascina pela complexidade. E não estou falando de tons de cinza, mas das formas viciantes e sutis do s&m, a mais comum delas aquilo que chamei, num livro, de "jogo fodão-merda", que chega a ser um estilo de vida apreciado nos Estados Unidos (lá chamado de winner-loser). Consiste em se estar obsessivamente preocupado em ser fodão/winner, e apavorado de virar merda/loser. Como subproduto desta preocupação, vem a atividade s&m em si: o merda se sente fodão se humilhar alguém, se conseguir fazer alguém mais por perto se sentir merda. Olhe em torno. Quantos casais conhecidos seus vêm jogando esta droga há anos? O pior é que o s&m produz mais bodas de ouro do que o amor, e não se cura com separação. Quantos chefes inseguros se valem deste expediente para afastar o fantasma da merda? Quantos alunos imbecis o usam (como bullying) para momentaneamente se sentirem superiores aos nerds?
Não conheço vício mais comum. É um fenômeno sociológico de larga escala, tornando-se epidêmico, sem respeitar etnia (!), religião (!), classe social ou gênero.
É verdade que ele é mais encontradiço em quem não está "na sua" e vive preocupado com a opinião alheia. Momentos frágeis da vida (adolescência, afirmação profissional) nos deixam vulneráveis ao jogo.
Há quem ache que "isso é a vida". Mas no Japão, adolescentes se suicidam por ele. Eu o considero um problema de saúde pública.
Meia Venezuela fica órfã - Clovis Rossi
Folha de São Paulo
A questão é saber se Maduro conseguirá tocar um chavismo sem Chávez
POUCO MAIS da metade dos venezuelanos acordou no domingo com uma sensação de orfandade, depois que Hugo Chávez admitiu pela primeira vez que não é imortal.
A orfandade não é figura de linguagem. Desde sua fracassada tentativa golpista, faz 20 anos, Hugo Chávez Frías trabalhou com afinco a messiânica ideia de que ele e a pátria são, no fundo, uma e a mesma coisa.
Chegou a dizer: "Já sei que nunca me irei porque ficarei para sempre nas ruas e nos povoados da Venezuela, porque Chávez já não sou eu, Chávez é a pátria". Exatos 55% dos venezuelanos compraram esse messianismo, nas eleições de outubro, e lhe deram um quarto mandato.
Essa identificação é ressaltada por dois analistas de posições opostas: Stephen Johnson, do conservador Centro para Estudos Internacionais e Estratégicos dos Estados Unidos, aponta uma coleção de problemas na Venezuela de Chávez para terminar reconhecendo que:
"Apesar de frequentes apagões, do racionamento de comida, do desaparecimento de muitos empregos no setor privado e da inflação, muitos venezuelanos acham que estão melhor hoje do que há uma década e meia" [quando começou o reinado Chávez].
Do lado dito progressista, reforça Alberto Barrera Tyszka, coautor de uma biografia do presidente: "Ele deu voz ao povo que era excluído da sociedade".
Nessas circunstâncias, fica claro que a hipótese de que Chávez não consiga assumir seu novo mandato (a partir do dia 10) ou não possa cumpri-lo é um acontecimento absolutamente excepcional.
A pergunta para a qual ainda não há resposta é óbvia: será possível um chavismo sem Chávez?
Não conheço nenhum "ismo" que tenha sobrevivido ao desaparecimento de seu criador. Há quem diga que o peronismo sobreviveu a Perón. Não acho. São tantos os peronismos pós-Perón que a rigor não há nenhum.
Será Nicolás Maduro, o chanceler e vice-presidente que Chávez abençoou como herdeiro, capaz de romper a regra? Pode ser, mas a ênfase que Chávez pôs na palavra "unidade", no discurso de sábado, indica que não será nada fácil.
A consultora Carmen Beatriz Fernández avisa que Maduro pode até obter o apoio de caciques chavistas, "mas não conhecemos a possível reação dos invisíveis dentro do PSUV [Partido Socialista Unificado da Venezuela], que, ante uma mudança, verão ameaçados sua força, seu poder e seus negócios" (sugiro grifar negócios, leitor).
No coração do chavismo, o cientista político e blogueiro Nicmer Evans ousa propor que a designação de Maduro seja submetida a um processo de legitimação, de acordo com os estatutos do PSUV.
"Permitiria ter a garantia não só do respeito às normas, por qualquer de seus procedimentos, como permitiria demonstrar a unidade e a fortaleza ante a adversidade."
É uma maneira delicada de dizer que o país não é um reinado em que o rei aponta o sucessor e os súditos apenas dizem amém, por mais que Chávez se ache a própria Venezuela.
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