domingo, 4 de janeiro de 2015

Pensar nunca funcionou - Martha Medeiros

Zero Hora 04/01/2015

O músico uruguaio Socio compôs uma balada linda que se chama Fan de Faith no More e que escuto com frequência, apesar de uma parte da letra me intrigar. Lá pelo meio da canção ele diz pensar nunca funcionou, e a cada vez que ouço esse verso, penso: não, Socio, não é bem assim.
Logo me ocorrem várias experiências que vivi que só foram compreendidas através do pensamento, e todas as boas conversas que tive com amigos e que resultaram em mudanças de pensamento, e tudo o que escrevi movida pelos meus pensamentos, e todas as noites em que perdi o sono por causa dos meus pensamentos, e todos os filósofos que formataram e deram sentido aos meus pensamentos, e todas as consultas ao psicanalista em que meus pensamentos foram cirurgicamente dissecados, e todas as discussões que brotaram porque meus pensamentos não combinavam com os dos outros, e todas as escolhas que fiz só depois que o meu pensamento autorizou, sem falar na superioridade que o ser humano se outorga por ter o privilégio de pensar e os bichos não.
Com que topete vem alguém dizer que pensar nunca funcionou? A maior prova de que pensar funciona é que depois de muito pensar nesse verso acabei chegando à conclusão de que ele revela uma verdade, só que foi mal transmitida.

Pensar demais nunca funcionou. Faltou o advérbio de intensidade.

Pensar, a gente pensa mesmo que não queira. Estamos condenados à atividade cerebral, cada um fazendo bom uso ou mau uso dos neurônios que têm. Não é a isso que Socio se refere na música, imagino. Ele se refere a pensar demais. O demais ficou subentendido, é o que deduzo.
Pensar demais é uma insanidade, o que explica o fato de nós, mulheres, sermos todas meio dementes. Pensar demais é um autoboicote, pois depois que se atravessa a fronteira do pensamento controlado e se entra no território do pensamento obsessivo a cabeça da criatura começa a fundir e a soltar fumacinha, até a explosão final.
Pensando demais, a gente ultrapassa a sensatez e vai dar numa zona de turbulência que faz alguns parafusos se soltarem da fuselagem. A coerência desaparece e a fantasia assume o manche. Deveria haver uma sinalização de alerta quando a gente começa a pensar demais: desastre a 100 metros, desastre a 50 metros, desastre na próxima curva – pare!
Pensar demais é desperdiçar um tempo em que você poderia estar amando demais, se divertindo demais e levando a vida a sério de menos. É uma corrida em que sempre se passa voando pelo ponto de chegada, perdendo o rumo. É não ter freio para evitar o descarrilamento de ideias que nunca serão recolhidas, ficarão largadas na pista, sem dono. Pensar demais é uma estrada sem limite de velocidade, um convite ao desatino.

É o que penso. Moderadamente, como é recomendável.

Maçada - Eduardo Almeida Reis

Visando a enriquecer este belo suelto, fui ao Google procurar o significado de amor socrático. Encontrei 179 mil entradas e saí de lá sem entender absolutamente nada. Melhor assim


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 04/01/2015




Golpe dado com maço ou maça, maçada também significa, como regionalismo brasileiro, “situação embaraçosa, de conluio entre duas ou mais pessoas com vistas a enganar ou prejudicar outrem”. José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa, que nasceu no Vilar de Maçada, Alijó, no dia 6 de setembro de 1957, é a fina flor do socialismo português e foi primeiro-ministro de Portugal de março de 2005 a junho de 2011. Está preso e ameaçado de passar alguns anos engaiolado.

Com ele, foram presos o motorista José Perna e mais dois sujeitos que não entraram na história como Pilatos no Credo, mas pela formação de quadrilha “com vistas a enganar ou prejudicar alguém”. Citado ora como José, ora como João ou Pedro Perna, o motorista de José Sócrates é apontado como o correio que levava de automóvel o dinheiro do patrão para Paris. Sendo socialista, só pode ser perna esquerda: foi apanhado em escutas e seguido durante meses. Creio desnecessário lembrar que o socialista José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa é amigo dileto do honoris causa Luiz Inácio Lula da Silva, que assinou o prefácio de um livro publicado pelo português.

Releva notar que o economista Antonio de Oliveira Salazar conduziu os destinos de Portugal durante várias décadas, num período dificílimo da história da Europa, e saiu do governo sem ter sido acusado de roubar um tostão, um único ceitil. Visando a enriquecer este belo suelto, fui ao Google procurar o significado de amor socrático. Encontrei 179 mil entradas e saí de lá sem entender absolutamente nada. Melhor assim.

Samsung

Vira e mexe o terrorismo internético nos mostra fotos de smartphones de última geração que entortam no bolso ou explodem quando expostos a temperaturas elevadas no porta-luvas de um carro. Também nos mostra fotos de celulares que salvaram as vidas de seus donos desviando balas de revólveres e noutras situações em que permitiram telefonemas salvadores de pessoas em situações de risco.

Escrevo na noite de uma quinta-feira em que fiz a besteira de comprar um Samsung baratinho, em 10 prestações, que deve ter sido lançado há quatro ou cinco anos e já é considerado “ultrapassado”, dois chips, liberado para todas as operadoras, aparelho ininteligível para maiores de 18 anos. Despedi-me do último Nokia comprado há dois anos, que funcionava como telefone celular, isto é, fazia e recebia chamadas. Com ele foi-se a paz do philosopho.

O Samsung ultrapassado faz coisas tão complicadas que o leitor sério nem pode imaginar e o novo proprietário, pela amostra, jamais aprenderá. Filma, exibe vídeos, baixa aplicativos, pega a internet, fotografa à perfeição e deve fazer selfies, que obviamente não farei porque sou cavalheiro seríssimo. Você não clica, não aperta nem preme: corre o dedo na tela. Como virtudes, tem um toque de chamada audível a uma légua e a voz do interlocutor chega no volume de um megafone berrado a cinco metros.

Disseram-me que na primeira noite deve carregar a bateria durante oito horas. Já está carregando. Se tocar enquanto o novo dono estiver dormindo, nem lhe posso dar um tiro porque preciso do chip para voltar ao Nokia que funcionava à maravilha.

Menino

O planeta ficou revoltado com a notícia de que policiais norte-americanos mataram um menino de 12 anos, que portava uma pistola de plástico. Menino negro, o que nos Estados Unidos pode significar mulato claro. O mulato Barack Obama, filho de mulher branca, é considerado negro, mesmo com o nariz mais fino que o meu e 100 vezes menor que o do peemedebista Paulo Skaf, paulista de família árabe.

Imagens das câmeras de segurança dos prédios próximos mostraram o “menino” à noite numa praça, nevando e chuviscando, metido numa porção de agasalhos contra o frio, apontando a tal pistola sem a faixa cor de laranja, que caracteriza as armas de brinquedo.

Ora, sem a faixa, a pistola é indistinguível da arma de verdade e um menino de 12 anos, à noite, metido naquelas roupas, também é indistinguível de um bandido quarentão. Duvido, outrossim, que desse para distinguir, naquela situação, um guineano de um norueguês. Os policiais ordenaram que o cidadão jogasse fora a arma e levantasse as mãos. O cidadão encapotado não obedeceu. Levou uns tiros e morreu no hospital. Paciência.

O mundo é uma bola


4 de janeiro de 1558: chegada de Mem de Sá ao Brasil. Epa, que todo dia escrevo sobre a chegada de Mem de Sá ao Brasil. Tudo bem, nada contra o irmão do poeta Sá de Miranda, mas sua chegada, do tanto que é citada na Wikipédia, ficou parecendo com o enterro do Roberto Gómez Bolaños no México.

Em 1721, foi editado o decreto que confirmava os estatutos da Academia Real de História Portuguesa, como se essa notícia interessasse a alguém que não seja acadêmico da Real, se é que ela ainda existe. Em 1950, a RCA Victor informou que começaria a produzir discos de longa duração, os LPs de vinil.

Ruminanças


“Com raras exceções, a imbecilidade dos letristas brasileiros neste século XXI vem fazendo de nossa música um castigo” (R. Manso Neto). 

EM DIA COM A PSICANáLISE » No ano passado...

Regina Teixeira da Costa
Estado de Minas: 04/01/2015 





No primeiro domingo do ano, gosto de invocar grandes figuras e seus legados preciosos, começando a jornada sob a influência dos inspirados. Afinal, o que seria de nós sem os bem-dotados escritores, críticos, poetas, artistas – pessoas de raro valor e competência a iluminar a nossa passagem pelo mundo?

Seria desértico viver sem a originalidade e até mesmo a simplicidade daqueles que sabem traduzir racional e afetivamente o que sentimos e nem sempre somos capazes de dizer. É muito prazeroso o encontro entre o artista criativo e o apreciador de sua obra, porque desperta em nós coisas adormecidas. Palavras que teríamos dito se elas nos chegassem leves e fluidas como estas que deixo a leitores que, como eu, amam Mario Quintana:

“Já repararam como é bom dizer ‘o ano passado’? É como quem já tivesse atravessado um rio, deixando tudo na outra margem... Tudo sim, tudo mesmo! Porque, embora nesse ‘tudo’ se incluam algumas ilusões, a alma está leve, livre, numa extraordinária sensação de alívio, como só poderiam sentir as almas desencarnadas. Mas no ano passado, como eu ia dizendo, ou mais precisamente, no último dia do ano passado, deparei com um despacho da Associated Press, em que, depois de anunciado como se comemoraria nos diversos países da Europa a chegada do ano-novo, informava-se o seguinte, que bem merece um parágrafo à parte:

‘Na Itália, quando soarem os sinos à meia-noite, todo mundo atirará pelas janelas as panelas velhas e os vasos rachados’.

Ótimo! O meu ímpeto, modesto, mas sincero, foi atirar-me eu próprio pela janela, tendo apenas no bolso, à guisa de explicação para as autoridades, um recorte do referido despacho. Mas seria levar muito longe uma simples metáfora, aliás, praticamente irrealizável, porque resido num andar térreo. E, por outro lado, metáforas a gente não faz para a polícia, que só quer saber de coisas concretas. Metáforas são para aproveitar em versos...

Atirei-me, pois, metaforicamente, pela janela do tricentésimo sexagésimo quinto andar do ano passado. Morri? Não. Ressuscitei. Que isso da passagem de um ano para outro é um corriqueiro fenômeno de morte e ressurreição – morte do ano velho e sua ressurreição como ano novo, morte da nossa vida velha para uma vida nova.

Assim seja! Que o ano velho traga novos e bons ventos. Como na oração, que tenhamos serenidade para aceitar as coisas que não podemos modificar, coragem para modificar aquelas que podemos e sabedoria para distinguir umas das outras”.

Evoco essa prece para lembrar que o real nem sempre atende ou se inclina diante do que queremos. Ainda assim, focar o desejo, diferentemente de um querer ou um capricho qualquer, é um guia que nos permite manter a fidelidade, o eixo, o fio-terra do que somos. Sem ele, seríamos levados como se não existisse a força gravitacional que mantém nossos pés no chão.

Nesta data histórica, já em 2015, desejo próspero ano-novo aos leitores que nos acompanham nesta jornada