domingo, 7 de dezembro de 2014

EM DIA COM A PSICANÁLISE » Melancolia

EM DIA COM A PSICANÁLISE » Melancolia


Estado de Minas: 07/12/2014



Uma bela palavra. Poetas diversos nunca a puderam esquecer. Nem nós que lidamos com a clínica. Desde sempre a melancolia foi objeto de interesse e investigação sob diversos olhares. Em qualquer deles, refere-se a uma profunda e atormentadora tristeza. Uma saudade do que foi sem nunca ter sido.

A filosofia, a religião, a medicina e depois a psicanálise se debruçaram sobre a melancolia e ainda o fazem, tomando-a cada uma sob sua ética para compreender a origem e explicação desse desalento brutal.

Numa rápida retrospectiva, a palavra surge na Grécia no século 4 a.C. Melankholia: Khôle (bile) mélas (negro). No século 3, é trazida para o latim e associada por Hipócrates e Políbio aos humores e conforme as combinações entre as quatro estações (primavera, verão, outono, inverno) e os elementos da natureza (terra, fogo, água e ar). Causada pelo excesso de bile negra.

Na Idade Média, migra dos humores para a astrologia sob influência de Saturno, o astro das contradições. Também considerada pelos monges que se retiraram para o deserto em busca de uma vida contemplativa como herdeira da acédia – oito vícios capitais –, uma questão espiritual atribuída ao demônio do meio-dia.

A ideia de que a melancolia seria uma virtude dos bem-dotados e homens de gênio perde força após o século 18 e passa a ser entendida por Montaigne e Richard Burton como uma desordem do pensamento e do humor no homem comum. Dali a Willis como “uma loucura sem febre e sem furor, acompanhada pelo temor e pela tristeza”.

Tornou-se então foco da medicina e da psiquiatria, e foi transformada em depressão e alteração de humor a serem medicados. No século 20, Freud escreveu o artigo Luto e melancolia (1917), no qual faz descrição e diferenciação entre os dois processos. O tratamento por meio da palavra deverá ser capaz de acolher essa dor.

O luto é entendido como progressivo esvaziamento do ego após uma perda, para que possa reinvestir em outros interesses. É considerado um processo desejável e saudável para restabelecer a capacidade de amar. Se possível, deve ser vivido, e não medicado.

Já a melancolia tem uma origem mais obscura, não se referindo necessariamente a uma perda real. Uma falha na constituição do narcisismo primário (a primeira percepção de ser um objeto amado pelos pais e base para formação da unidade do ego) faz a diferença entre luto e melancolia. A clínica sugere que uma posição da libido no início da vida psíquica tenha sido abandonada ou perdida.

Por uma identificação precoce com o que foi perdido, o melancólico se trata como se fosse o objeto perdido. Portanto, não se envergonha das autocríticas, fala abertamente de sua indignidade e culpa. Assim, ataca esse objeto em si mesmo, colocando-se sob risco de autoextermínio, tentativa última de se livrar da dor por aquele objeto que integra seu próprio eu.

Toda uma detalhada descrição desse doloroso processo pode ser revisitada tanto em Freud, no artigo Luto e melancolia, como em outras publicações atuais, caso do livro da psicanalista Maria de Fátima Ferreira A dor moral da melancolia (Editora Scriptum, 2014). Trata-se de uma adaptação para o formato de livro da tese de doutorado defendida pela autora na UFRJ em fevereiro de 2011.

Acrescenta-se ali uma reflexão sobre o lugar da psicanálise no tratamento da melancolia tanto quanto a dificuldade do diagnóstico, já que os fenômenos clínicos vão desde o delírio de perseguição acompanhado de culpabilidade intensa, delírio de autoacusação, desvitalização, automutilações, inércia, apatia e falta de interesse por tudo na vida.

No tratamento, o analista deverá aceitar o melancólico e se opor a deixá-lo cair, fazendo uma barreira contra os atos autodestrutivos, trazendo-o para o tratamento. Neste caso, o analista “ajuda contra”, ocupando o lugar de um anteparo contra o que há de irredutível na certeza e fruição deste sofrimento diante de um outro mau e degradado a ser atacado que habita nele mesmo.

E só assim pode-se produzir apaziguamento desse gozo mortífero e desenfreado, fortalecendo o imaginário pela via do sentido, abrindo possibilidades de deixar esse real mais distante.  

Alvorada - Eduardo Almeida Reis

Alvorada


Eduardo Almeida Reis - 
Estado de Minas : 07/12/2014


Cinco e meia da manhã no celular que não consegui botar no horário de verão. É um Nokia pré-histórico, modelo simples, mas o dono é ainda mais antigo e não sabe mudar a hora no telefoninho. Portanto, pelo novo horário são 6h30min. Através do vidro da janela constato que venta e nuvens esparsas tentam esconder o céu azul. Pequenas aves, muitas delas, avoam. Sem óculos, presumo que sejam andorinhas. Se voam baixo é sinal de chuva, mas estão voando alto. Num imenso eucalipto uma ave bem maior, meio desengonçada, vinda do chão pousa num galho. Presumo que seja um jacu, ave galiforme da família dos cracídeos, mas fico no palpite, porque não entendo de ornitologia. Só sei que andorinha voar baixo é sinal de chuva, do tanto que ouvi e confirmei na roça.

Ainda no quadro visto através das vidraças, alguns casais de aves psitaciformes pousando no mesmo eucalipto. Maritacas? Psitacídeos são aves do tempo antigo, avoam aos pares, macho e fêmea, bobagem que já existiu na espécie humana e vai sendo substituída pela homoafetividade.

Quadros matinais ensejam bons pensamentos, boas notícias como a derrota do governador Carlos Camilo Góes Capiberibe, que tentava a reeleição no Amapá. João Alberto Rodrigues Capiberibe, seu pai, quando governava aquela joia federativa me processou por direitos difusos (sic) exigindo indenização de US$ 23 milhões. Justamente os cobres que devo ter em um banco suíço, depositados por engano pelos petistas da Petrobras. Repugna-me o Capiberibe pai, nojo que estendo ao filho Capiberibe.

Libido
Em Brisbane, Austrália, Jenna Louise Driscoll, de 25 anos, estava sendo investigada por tráfico de drogas. Durante a investigação, os policiais encontraram vídeos de sexo em seu telefone celular. Nos vídeos, Jenna aparece fazendo amor com um cachorro da raça pitbull pertencente a um cavalheiro que foi visto entrando com a fera no apartamento da acusada. É provável que o cavalheiro tenha gravado as cenas.
Detida na quarta-feira 29 de outubro, Jenna voltou para casa no final de semana depois de pagar fiança de valor não divulgado pelo Mirror. Vai ser julgada agora em dezembro e pode ser condenada por maus-tratos a animais e abuso sexual de indefeso, além do crime de tráfico.

Abuso sexual de pitbull indefeso... Pergunto ao leitor: fiquei maluco ou foi o mundo que enlouqueceu? Jenna, como vi nas fotos, é lourinha apetecível até para cidadãos que têm horror ao pitbull. Bestialidade, bestialismo, zoofilia erótica – a zooerastia é muito mais comum do que se possa imaginar, mas com pitbull, que o Mirror chama de animal indefeso, envolve o componente risco, que também deve fazer parte da libido de muitos malucos.

Se você fosse juiz condenaria Jenna ou mandaria interná-la no hospício da esquina? Diante do pitbull o tráfico é atenuante, salvo melhor juízo.

Caças
Caçar passou a ser crime, o que não impede que os amantes da cinegética continuem caçando por aí. É instinto ancestral, que remonta aos primeiros caçadores/coletores e não vai acabar tão cedo. No Maine, estado norte-americano da Costa Leste famoso por suas lagostas, há 35 mil ursos negros. Todo ano, o governo estadual permite que, mediante pagamento, sejam caçados 5 mil ursos, para impedir que o aumento da população ursídea acabe com os cervídeos, família de mamíferos artiodáctilos ruminantes, que inclui veados, cervos, alces e renas, encontrados originalmente nas Américas do Norte e do Sul e também no Velho Mundo. Os machos têm cornos geralmente ramificados, trocados periodicamente.

Só não dá para entender que um país de 8,5 milhões de quilômetros quadrados compre 36 caças suecos para receber em nove anos pagando muitos milhões de dólares. Três dúzias de caças ou nada, em território tão grande, são exatamente a mesma coisa – e o nada, quando nada, é muito mais barato.

O mundo é uma bola

7 de dezembro de 1858: franceses e espanhóis bloqueiam a Cochinchina. Durante décadas falávamos da Cochinchina como sinônimo de fim do mundo. Pra lá da Cochinchina significava depois do fim do mundo. Cochinchina foi o nome dado à região sul do atual Vietnã, na Indochina. De 1862 a 1948 foi uma colônia francesa, capital Saigon. Entre 1955 e 1975 foi o Vietnã do Sul. Com a queda de Saigon passou a integrar o Vietnã, que hoje exporta cabeçadas de couro para vender em Nanuque (MG).

O nome Cochinchina foi dado pelos portugueses quando lá chegaram por volta de 1516: Cochim (Kuchi) era o nome usado em malaio para toda a região, termo derivado do chinês jiao zhi, pronúncia local giao chi. Daí o português Cochim-China para distinguir do Cochim da Índia. Em 1925, notas de 500 escudos começam a ser retiradas de circulação em Portugal. Para entender o caso, é preciso ler a história deliciosa do falsário Alves dos Reis. Em 1940, o presidente Vargas promulga o Código Penal Brasileiro, Decreto-Lei 2.848, redação primorosa da lavra de grande amigo meu. Em 1976 o Brasil cria a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que já foi presidida por brasileiro notável, o Dr. Luiz Leonardo Cantidiano. Hoje é o Dia do Oficial de Justiça.

Ruminanças

“Brasileiro não sabe os nomes das plantas, nem das flores, e a qualquer objeto chama ‘coisa’, ‘troço’, ‘negócio’.” (Manuel Bandeira, 1886-1968).

CLÁUDIA LAITANO - Famílias imperfeitas

Zero Hora 07/12/2014

A família patriarcal pai, mãe e filhos hierarquicamente enfileirados durou tanto tempo menos porque fosse perfeita do que porque não havia muitas alternativas à disposição. Toda a revolução provocada por mulheres e jovens insatisfeitos a partir dos anos 1960 brotou exatamente das muitas rachaduras desse modelo, baseado na milenar regra do manda mais quem pode mais.
Ser apenas dona de casa não era o negócio da China para a maior parte das mulheres, assim como obedecer pais e professores o tempo todo não combinava com a energia anárquica e contestadora dos adolescentes – e vamos combinar que sustentar a casa sozinho também não devia ser bolinho para nossos pais e avós. Ou seja: dependendo do grau de frustração envolvido, famílias em que tudo parecia andar conforme o figurino podiam ser muito infelizes e sufocantes.
Se essa fórmula mais ou menos convencional, testada durante muitas gerações antes da nossa, era um caldeirão de tensões mal resolvidas, os modelos que vieram depois obviamente não instalaram o paraíso sobre a Terra.
Há hoje, claro, mais liberdade para sair do script e inventar novos arranjos familiares, o que é uma novidade muito bem-vinda. Ninguém precisa ficar casado com a mesma pessoa durante 50 anos se não quiser, e filhos fazem sexo quando acham que estão prontos, inclusive dentro da casa dos pais e com a bênção deles – o que é bem melhor, e mais seguro, do que transar no banco de um fuca estacionado numa rua escura. Beleza.
Mas a nova família tem lá seus problemas também, e não são poucos. A legislação que obriga os pais a compartilhar a guarda dos filhos depois da sepração endereça um deles: a dificuldade de conciliar os interesses (e mágoas) dos adultos com o que é melhor para as crianças.
Como muitas vezes acontece, esta é uma lei que chega para forçar um tipo de atitude (sensata, racional) que ainda não é a mais comum. Vai demorar algum tempo até que as varas de família fiquem vazias por ausência de tensão na hora do divórcio.
A separação é um processo doloroso e difícil, e quem preferia não se separar se sente duplamente traído ao ser obrigado, além de tudo, a abrir mão de parte do tempo dos filhos. Nesses momentos, é preciso convocar todas as energias de bom senso disponíveis para fazer o que é certo e justo – se não para todos os adultos envolvidos, pelo menos para as crianças.


A hamornia ideal talvez não seja mais do que uma linha fictícia no horizonte, mas não podemos abrir mão do esforço de mirar na melhor versão possível de nós mesmos – e das nossas famílias também.