Auto Retrato
Pablo Neruda
Por mi parte soy o creo ser duro de nariz, mínimo de ojos, escaso de pelos en la cabeza, creciente de abdomen, largo de piernas, ancho de suelas, amarillo de tez, generoso de amores, imposible de cálculos, confuso de palabras, tierno de manos, lento de andar, inoxidable de corazón, aficionado a las estrellas, mareas, maremotos, admirador de escarabajos, caminante de arenas, torpe de instituciones, chileno a perpetuidad, amigo de mis amigos, mudo para enemigos, entrometido entre pájaros, maleducado en casa, tímido en los salones, audaz en la soledad, arrepentido sin objeto, horrendo administrador, navegante de boca, yerbatero de la tinta, discreto entre los animales, afortunado en nubarrones, investigador en mercados, oscuro en las bibliotecas, melancólico en las cordilleras, incansable en los bosques, lentísimo de contestación, ocurrente años después, vulgar durante todo el año, resplandeciente con mi cuaderno, monumental de apetito, tigre para dormir, sosegado en la alegría, inspector del cielo nocturno, trabajador invisible, desordenado persistente, valiente por necesidad, cobarde sin pecado, soñoliento de vocación, amable de mujeres, activo por padecimiento, poeta por maldición y tonto de capirote.
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013
Cientistas anunciam descoberta de água em rochas lunares
folha de são paulo
DE SÃO PAULO
Estudo, publicado ontem, contradiz teoria mais aceita sobre a formação do solo da Lua
Pesquisadores da Universidade de Michigan, nos EUA, detectaram traços de água em amostras de rocha lunar obtidas das missões Apolo.
Os resultados, publicados ontem na edição online da revista científica "Nature Geoscience", indicam que a Lua em seu início tinha presença de água que não foi substancialmente perdida durante a sua formação.
Esse não é o primeiro anúncio do gênero, mas, neste caso, os achados contradizem a teoria predominante sobre a formação lunar, que diz que a Lua foi formada por fragmentos gerados a partir de um choque entre a Terra e outro corpo planetário.
"É uma descoberta difícil de explicar considerando o atual modelo de formação da Lua", disse Youxue Zhang, um dos autores da pesquisa. "Sob esse modelo a água deveria ter sido praticamente eliminada."
Ao longo dos últimos cinco anos, observações espaciais e novas medidas em laboratório de amostras lunares da Apolo derrubaram a antiga crença de que a Lua é um corpo árido.
Em 2008, análises em vidros vulcânicos lunares detectaram hidroxila, uma substrutura da molécula de água. Em 2009, uma sonda lunar da Nasa arremeteu contra uma cratera lunar permanentemente sombreada e o material ejetado era surpreendentemente rico em água.
Zhang disse que a maior surpresa do trabalho foi que mesmo em rochas lunares que não se esperava encontrar nada, algum conteúdo de água foi encontrado.
"Não foi água 'líquida' que conseguimos detectar neste estudo, mas grupos hidroxilas distribuídos dentro de grãos minerais", disse Hejiu Hui, também autor do artigo.
Os grupos hidroxila detectados pelo time de pesquisadores são evidências de que o interior da Lua continha quantidade significativa de água durante o seu estágio inicial de formação, antes da crosta se solidificar, e pode ter desempenhado um papel fundamental no desenvolvimento de basaltos lunares.
"A presença de água pode implicar uma solidificação mais prolongada do oceano de magma lunar do que sugerem os cenários baseados no modelo vigente", disse Hui.
Claudia Collucci
folha de são paulo
Só minoria faz teste para detecção de clamídia, diz estudo
Apenas um terço das mulheres faz como rotina o exame de detecção da clamídia, doença sexualmente transmissível que causa obstrução nas trompas e infertilidade.
O alerta é do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças) americano que, após estudo, reforçou no mês passado a recomendação do teste para todas as mulheres jovens sexualmente ativas.
Na Europa e nos EUA, a incidência da doença, que afeta homens e mulheres, dobrou nos últimos dez anos. O principal motivo são as relações sexuais sem camisinha.
O CDC estima que 2,8 milhões estejam infectados nos EUA e não saibam. "No Brasil, a situação não é diferente. No nosso laboratório, aparecem muitos casos. É a doença venérea mais frequente", diz o ginecologista Márcio Coslovsky.
O Brasil não tem uma série histórica sobre a incidência da doença porque só o HIV e a sífilis congênita são DSTs de notificação compulsória.
Mas um levantamento do Ministério da Saúde mostrou que quase 10% das jovens entre 15 e 24 anos atendidas pelo SUS estavam infectadas.
Assintomática em 70% dos casos, a clamídia costuma passar despercebida, segundo Coslovsky. "Não dá cheiro, não dá coceira, não dá corrimento", explica o médico.
Normalmente, a pessoa só descobre se o médico pede exames para a detecção. "Mas, para isso, ele precisa lembrar da clamídia, o que normalmente não acontece. Hoje, o médico lembra mais de investigar o HPV", diz o ginecologista Nilson Roberto de Melo, professor da USP e diretor científico da Febrasgo (federação brasileira das associações de ginecologia).
INFERTILIDADE
Nas mulheres, a bactéria pode atravessar o colo uterino, atingir as trompas e causar a doença inflamatória pélvica (DIP). O risco é de as trompas ficarem obstruídas, o que impede a gravidez ou leva a uma gravidez tubária.
Nesses casos, as mulheres que desejam engravidar são orientadas a fazer uma fertilização in vitro, segundo o médico Artur Dzik, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana.
"Quando elas chegam à clínica [de reprodução], já é tarde, o estrago está feito. Não tem como fazer cirurgia [para desobstruir as trompas]."
O assunto tem sido discutido nas últimas conferências internacionais sobre reprodução humana e colocado como um problema mundial.
HOMENS
Homens infectados por clamídia também estão sujeitos a inflamações nos epidídimos (epididimite) e nos testículos (orquite), que podem causar infertilidade.
"Normalmente, no homem é uma infecção mais leve. O problema é que ele pode infectar a parceira", explica Artur Dzik.
A clamídia também pode ser transmitida da mãe para o bebê na hora do parto.
Não há vacinas contra a clamídia. A única forma de prevenção é o sexo seguro com o uso de preservativos.
O tratamento é feito com antibióticos específicos. Ambos os parceiros precisam receber o tratamento para garantir a cura.
Editoria de arte/Folhapress | ||
Inimigo Silencioso Crescem os casos de clamídia, doença bacteriana sexualmente transmissível ainda pouco conhecida e que causa infertilidade em homens e mulheres |
Quadrinhos
folha de são paulo
CHICLETE COM BANANA ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ LAERTE
DAIQUIRI CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA FERNANDO GONSALES
MUNDO MONSTRO ADÃO ITURRUSGARAI
BIFALAND, A CIDADE MALDITA ALLAN SIEBER
MALVADOS ANDRÉ DAHMER
GARFIELD JIM DAVIS
HORA DO CAFÉ
Nas profundezas da web Escondido no submundo da internet, site Silk Road vende drogas e remédios controlados
folha de são paulo
ALEXANDRE ARAGÃOCOLABORAÇÃO PARA A FOLHANo Silk Road, todo comércio é possível. Esse grande mercado na internet vende vários tipos de droga (de haxixe do Marrocos a cocaína da Holanda e cogumelos dos EUA), remédios controlados, equipamentos para hacking e espionagem, joias falsas, pacotes de conteúdo pornográfico.
Criado há dois anos, o serviço é investigado pela polícia dos EUA, mas continua no ar porque está escondido na "deep web", a internet profunda, espaço da rede só acessível usando o Tor, um browser para navegação anônima.
Nele, os sites têm endereços cifrados e não podem ser encontrados por mecanismos de busca tradicionais, como o Google.
Ao todo, o Silk Road movimenta cerca de R$ 2,4 milhões por mês, segundo Nicolas Christin, da Universidade Carnegie Mellon (EUA), autor do primeiro estudo sobre o site.
Concluída em julho do ano passado e revisada em novembro, a pesquisa mostra que a maioria dos vendedores comercializa poucos itens, que as entregas são feitas por correio e que drogas são o carro-chefe. Em entrevista, Christin explica o que isso significa: "O Silk Road concorre com o traficante da esquina, não com grandes cartéis".
Com 14% dos itens à venda, a principal categoria é maconha, inclusive em volume de negócios. "Suspeito que o site não seria viável se não comercializasse esse tipo de produto", diz Christin, diretor-associado do Instituto de Informação em Rede da universidade.
Na "web da superfície", como usuários da "deep web" chamam a internet comum, há poucas menções ao Silk Road. A ideia é manter o mistério: quanto menos atenção chamar, melhor. Questionado pela Folha, o responsável pelo site limitou-se a dizer: "Desculpe, temos uma política de não falar com a imprensa".
O pseudônimo usado pela pessoa -ou pelo grupo- por trás do site é Dread Pirate Roberts, personagem do romance "A Princesa Prometida" (1973), de William Goldman. No livro, Roberts não é só um pirata, mas vários, que repassam a alcunha uns aos outros em uma sucessão criminosa.
ORIGENS MILENARES
Assim como o pseudônimo de seu criador, o nome do Silk Road também é uma referência: remete à Rota da Seda, que ligou Ásia, África e Europa pelo comércio por cerca de 2.000 anos.
Embora tente manter a discrição, Dread Pirate Roberts não conseguiu: dois senadores dos EUA pediram investigação poucos meses após a inauguração do site.
Em 2012, a DEA (Agência de Combate às Drogas) admitiu investigar o Silk Road. Desde então, usuários do site relataram o sumiço de alguns vendedores.
A presença de brasileiros existe, mas é pequena. No fórum, há conversas em português e referências a cidades do país. "Meu envelope foi entregue lacrado e intacto", relata em inglês um usuário que diz ser brasileiro. Segundo ele, a entrega foi feita em "quase dois meses", disfarçada como cartão de aniversário.
A Folha escreveu a cinco usuários brasileiros -um deles respondeu, pedindo anonimato. Diz ser um advogado paulistano de 26 anos. "Não acesso mais de uma vez por semana", afirma o usuário, registrado no site desde 2011 e comprador de remédios controlados.
Para Pedro Abramovay, ex-secretário nacional de Justiça e professor da FGV-RJ, a lei é cinzenta sobre recebimento de drogas do exterior: "Em tese, sempre que é para consumo pessoal é caracterizado como porte". Ele defende que essa é a interpretação correta.
"Mas daí para a polícia entender e caracterizar dessa forma, é outra história." Ou seja: se for pego, o usuário pode, sim, responder por tráfico internacional.
COLABORAÇÃO PARA A FOLHATodos os papéis vazados pelo WikiLeaks apareceram primeiro lá. Dissidentes chineses e iranianos a usam para driblar a censura on-line em seus países. Mas nela também se hospedam assassinos de aluguel e pedófilos.
A "deep web" -ou internet profunda- é, em resumo, uma parte da rede a que buscadores comuns não chegam. Essa definição inclui diversos tipos de sites: os que exigem senha, os que não têm links direcionando a eles, os que variam de acordo com o usuário que está acessando etc.
Também entram nessa categoria os sites hospedados no Tor (The Onion Router), rede que procura garantir o anonimato tanto de sites quanto de usuários. É aqui que, por exemplo, fica boa parte da pornografia infantil.
Criado em 2002 pelo Laboratório de Pesquisa Naval dos EUA, que procurava um método seguro de transmitir informações, o projeto é independente do governo há dez anos e, desde 2006, passou a ter uma organização própria que o financia.
Ao embaralhar diversas vezes as informações, dificultando muito o rastreamento, o sistema tornou-se sinônimo de acesso à web profunda. Ele pega um dado a ser transmitido e, ao enviá-lo, o codifica e recodifica em várias camadas -daí o "onion" ("cebola", em inglês).
Esses pedaços de informação passam por diversos computadores até o ponto final. Um site hospedado na rede, por sua vez, faz o mesmo.
Diferentemente do que acontece na internet comum, em que as informações são trocadas diretamente entre IPs (os "endereços virtuais" dos usuários), o sistema da web profunda combina um ponto de encontro na rede para que todas as informações sejam trocadas. Os endereços hospedados na rede Tor terminam sempre com.onion, caso do Silk Road, e são acessados apenas pelo browser Tor.
Além disso, têm URLs enigmáticas, com diversas letras e números sem sentido aparente -o endereço do Tormail, principal serviço de e-mail baseado na rede Tor, serve como bom exemplo: jhiwjjlqpyawmpjx.onion.
DIFÍCIL DE ACHAR
Começar a navegar na rede Tor não é tarefa fácil. A primeira impressão é a de ter pegado uma máquina do tempo para o fim dos anos 90: como muitos dos usuários bloqueia extensões em Java e Flash, temendo ser identificados, os sites são bem feios.
Após baixar o browser que possibilita o acesso, fica difícil saber aonde ir sem ter à disposição um sistema de busca completo. Não dá para "dar um Google" no Tor. É por isso que listas de sites são bastante populares.
O mais famoso deles é o Hidden Wiki, que lista e categoriza centenas de sites de acordo com uma breve resenha. Há outros que seguem a mesma dinâmica, como o Tordir.
Apesar de ser composto principalmente por conteúdo considerado legal, como "ativismo" e "livros", há categorias como "pornografia infantil" e "redes de crime".
Nesse canto escuro da web, também é possível encontrar imagens que a Justiça brasileira proibiu na internet comum, como as de atrizes nuas.
Criado por Satoshi Nakamoto, pseudônimo de uma pessoa (ou de um grupo), o mercado de Bitcoins começou a operar em janeiro de 2009.
A ideia não é vinculada à venda de produtos ilegais. Sites como o WikiLeaks, por exemplo, recebem doações por meio de Bitcoins para proteger o anonimato de doadores. Por meio de sites especializados, é possível trocar Bitcoins por dinheiro real e vice-versa. Um Bitcoin hoje vale R$ 52,76.
Cada usuário pode ter uma ou várias "carteiras", que têm um número único e funcionam de modo análogo a uma conta bancária. Para abrir uma carteira Bitcoin não é preciso se identificar, nem mesmo com um e-mail.
O mercado de Bitcoins é um sistema peer-to-peer ("pessoa-a-pessoa"): não possui intermediários e é descentralizado. Por isso, não há uma instituição que controle todo o histórico de transações, papel que o Banco Central desempenha no Brasil.
Desse modo, todos os usuários têm acesso à lista das transações realizadas, como forma de chancelá-las.
O caráter pulverizado do sistema dificulta o combate a fraudes. A conclusão é de Fergan Reid, pesquisador da Universidade de Dublin (Irlanda) que, em março passado, concluiu estudo sobre a segurança do sistema de Bitcoins.
"Se um usuário é passado para trás, não há uma autoridade central a quem ele possa recorrer", diz Reid, em entrevista à Folha por e-mail.
O mecanismo de funcionamento permite ainda que haja cruzamento de dados, quebrando o anonimato das carteiras e revelando quem está por trás delas. "Diria que provavelmente é possível fazer algum cruzamento entre dados do Silk Road e dados públicos de Bitcoin", afirma.
"Mas é impossível dizer quão longe esse rastreamento chegaria sem fazê-lo. Depende do nível de cuidado que dos usuários do site."
Hoje, segundo Reid, há cerca de 11 milhões de Bitcoins em circulação -o equivalente a R$ 580 milhões.
Folha - Que produtos você costuma comprar no SR?
F. - Estimulantes. Meu trabalho exige muita concentração por longos períodos de tempo. Uso Adderal ou Concerta/Ritalina para me ajudar a manter o foco. São os mesmos remédios que os médicos receitam para pacientes com déficit de atenção.
Quais motivos o levaram a comprar pelo site?
O Silk Road resolve um grande problema do mundo contemporâneo. Sou um membro produtivo da sociedade. Trabalho, pago impostos, voto com consciência. Na privacidade do meu lar, gosto de ingerir substâncias que alguém na Anvisa acha que eu não deveria ingerir.
O Silk Road é uma alternativa para gente como eu, até que a sociedade acorde e perceba a estupidez de querer controlar a esfera privada dos outros numa suposta democracia.
Nas profundezas da web
Escondido no submundo da internet, site Silk Road vende drogas e movimenta cerca de R$ 2,4 milhões por mês
Criado há dois anos, o serviço é investigado pela polícia dos EUA, mas continua no ar porque está escondido na "deep web", a internet profunda, espaço da rede só acessível usando o Tor, um browser para navegação anônima.
Nele, os sites têm endereços cifrados e não podem ser encontrados por mecanismos de busca tradicionais, como o Google.
Ao todo, o Silk Road movimenta cerca de R$ 2,4 milhões por mês, segundo Nicolas Christin, da Universidade Carnegie Mellon (EUA), autor do primeiro estudo sobre o site.
Concluída em julho do ano passado e revisada em novembro, a pesquisa mostra que a maioria dos vendedores comercializa poucos itens, que as entregas são feitas por correio e que drogas são o carro-chefe. Em entrevista, Christin explica o que isso significa: "O Silk Road concorre com o traficante da esquina, não com grandes cartéis".
Com 14% dos itens à venda, a principal categoria é maconha, inclusive em volume de negócios. "Suspeito que o site não seria viável se não comercializasse esse tipo de produto", diz Christin, diretor-associado do Instituto de Informação em Rede da universidade.
Na "web da superfície", como usuários da "deep web" chamam a internet comum, há poucas menções ao Silk Road. A ideia é manter o mistério: quanto menos atenção chamar, melhor. Questionado pela Folha, o responsável pelo site limitou-se a dizer: "Desculpe, temos uma política de não falar com a imprensa".
O pseudônimo usado pela pessoa -ou pelo grupo- por trás do site é Dread Pirate Roberts, personagem do romance "A Princesa Prometida" (1973), de William Goldman. No livro, Roberts não é só um pirata, mas vários, que repassam a alcunha uns aos outros em uma sucessão criminosa.
ORIGENS MILENARES
Assim como o pseudônimo de seu criador, o nome do Silk Road também é uma referência: remete à Rota da Seda, que ligou Ásia, África e Europa pelo comércio por cerca de 2.000 anos.
Embora tente manter a discrição, Dread Pirate Roberts não conseguiu: dois senadores dos EUA pediram investigação poucos meses após a inauguração do site.
Em 2012, a DEA (Agência de Combate às Drogas) admitiu investigar o Silk Road. Desde então, usuários do site relataram o sumiço de alguns vendedores.
A presença de brasileiros existe, mas é pequena. No fórum, há conversas em português e referências a cidades do país. "Meu envelope foi entregue lacrado e intacto", relata em inglês um usuário que diz ser brasileiro. Segundo ele, a entrega foi feita em "quase dois meses", disfarçada como cartão de aniversário.
A Folha escreveu a cinco usuários brasileiros -um deles respondeu, pedindo anonimato. Diz ser um advogado paulistano de 26 anos. "Não acesso mais de uma vez por semana", afirma o usuário, registrado no site desde 2011 e comprador de remédios controlados.
Para Pedro Abramovay, ex-secretário nacional de Justiça e professor da FGV-RJ, a lei é cinzenta sobre recebimento de drogas do exterior: "Em tese, sempre que é para consumo pessoal é caracterizado como porte". Ele defende que essa é a interpretação correta.
"Mas daí para a polícia entender e caracterizar dessa forma, é outra história." Ou seja: se for pego, o usuário pode, sim, responder por tráfico internacional.
'Internet profunda' abriga de dissidentes a pedófilos
Ao codificar dados inúmeras vezes, rede Tor permite navegação anônima
Navegador não tem sistema de buscas completo; por isso, listas de sites são bastante populares
A "deep web" -ou internet profunda- é, em resumo, uma parte da rede a que buscadores comuns não chegam. Essa definição inclui diversos tipos de sites: os que exigem senha, os que não têm links direcionando a eles, os que variam de acordo com o usuário que está acessando etc.
Também entram nessa categoria os sites hospedados no Tor (The Onion Router), rede que procura garantir o anonimato tanto de sites quanto de usuários. É aqui que, por exemplo, fica boa parte da pornografia infantil.
Criado em 2002 pelo Laboratório de Pesquisa Naval dos EUA, que procurava um método seguro de transmitir informações, o projeto é independente do governo há dez anos e, desde 2006, passou a ter uma organização própria que o financia.
Ao embaralhar diversas vezes as informações, dificultando muito o rastreamento, o sistema tornou-se sinônimo de acesso à web profunda. Ele pega um dado a ser transmitido e, ao enviá-lo, o codifica e recodifica em várias camadas -daí o "onion" ("cebola", em inglês).
Esses pedaços de informação passam por diversos computadores até o ponto final. Um site hospedado na rede, por sua vez, faz o mesmo.
Diferentemente do que acontece na internet comum, em que as informações são trocadas diretamente entre IPs (os "endereços virtuais" dos usuários), o sistema da web profunda combina um ponto de encontro na rede para que todas as informações sejam trocadas. Os endereços hospedados na rede Tor terminam sempre com.onion, caso do Silk Road, e são acessados apenas pelo browser Tor.
Além disso, têm URLs enigmáticas, com diversas letras e números sem sentido aparente -o endereço do Tormail, principal serviço de e-mail baseado na rede Tor, serve como bom exemplo: jhiwjjlqpyawmpjx.onion.
DIFÍCIL DE ACHAR
Começar a navegar na rede Tor não é tarefa fácil. A primeira impressão é a de ter pegado uma máquina do tempo para o fim dos anos 90: como muitos dos usuários bloqueia extensões em Java e Flash, temendo ser identificados, os sites são bem feios.
Após baixar o browser que possibilita o acesso, fica difícil saber aonde ir sem ter à disposição um sistema de busca completo. Não dá para "dar um Google" no Tor. É por isso que listas de sites são bastante populares.
O mais famoso deles é o Hidden Wiki, que lista e categoriza centenas de sites de acordo com uma breve resenha. Há outros que seguem a mesma dinâmica, como o Tordir.
Apesar de ser composto principalmente por conteúdo considerado legal, como "ativismo" e "livros", há categorias como "pornografia infantil" e "redes de crime".
Nesse canto escuro da web, também é possível encontrar imagens que a Justiça brasileira proibiu na internet comum, como as de atrizes nuas.
(ALEXANDRE ARAGÃO)
FRASE
"O modelo de negócios do Silk Road é 'emprestado' do eBay: a porcentagem do site diminui conforme aumenta o valor do produto"
"Não há um 'barão das drogas' no Silk Road, são vários vendedores que comercializam quantidades pequenas e médias"
NICHOLAS CHRISTIN, pesquisador da Universidade Carnegie Mellon (EUA)
NICHOLAS CHRISTIN, pesquisador da Universidade Carnegie Mellon (EUA)
Site Silk Road usa moeda virtual que protege identidade de doador
COLABORAÇÃO PARA A FOLHAUma moeda que oscilou de R$ 0,60 a R$ 60 em menos de dois anos. Assim pode ser definido o Bitcoin, unidade monetária que existe só na web e é usada no Silk Road porque, em tese, é anônima.Criado por Satoshi Nakamoto, pseudônimo de uma pessoa (ou de um grupo), o mercado de Bitcoins começou a operar em janeiro de 2009.
A ideia não é vinculada à venda de produtos ilegais. Sites como o WikiLeaks, por exemplo, recebem doações por meio de Bitcoins para proteger o anonimato de doadores. Por meio de sites especializados, é possível trocar Bitcoins por dinheiro real e vice-versa. Um Bitcoin hoje vale R$ 52,76.
Cada usuário pode ter uma ou várias "carteiras", que têm um número único e funcionam de modo análogo a uma conta bancária. Para abrir uma carteira Bitcoin não é preciso se identificar, nem mesmo com um e-mail.
O mercado de Bitcoins é um sistema peer-to-peer ("pessoa-a-pessoa"): não possui intermediários e é descentralizado. Por isso, não há uma instituição que controle todo o histórico de transações, papel que o Banco Central desempenha no Brasil.
Desse modo, todos os usuários têm acesso à lista das transações realizadas, como forma de chancelá-las.
O caráter pulverizado do sistema dificulta o combate a fraudes. A conclusão é de Fergan Reid, pesquisador da Universidade de Dublin (Irlanda) que, em março passado, concluiu estudo sobre a segurança do sistema de Bitcoins.
"Se um usuário é passado para trás, não há uma autoridade central a quem ele possa recorrer", diz Reid, em entrevista à Folha por e-mail.
O mecanismo de funcionamento permite ainda que haja cruzamento de dados, quebrando o anonimato das carteiras e revelando quem está por trás delas. "Diria que provavelmente é possível fazer algum cruzamento entre dados do Silk Road e dados públicos de Bitcoin", afirma.
"Mas é impossível dizer quão longe esse rastreamento chegaria sem fazê-lo. Depende do nível de cuidado que dos usuários do site."
Hoje, segundo Reid, há cerca de 11 milhões de Bitcoins em circulação -o equivalente a R$ 580 milhões.
(AA)
ENTREVISTA
Para usuário, mercado resolve problema atual
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA"As transações são anônimas, impessoais e a distância." Essas são as características que o advogado paulistano F., 26, cita para usar o Silk Road para comprar remédios controlados. "É muito mais seguro", diz. Leia trechos abaixo. (AA)Folha - Que produtos você costuma comprar no SR?
F. - Estimulantes. Meu trabalho exige muita concentração por longos períodos de tempo. Uso Adderal ou Concerta/Ritalina para me ajudar a manter o foco. São os mesmos remédios que os médicos receitam para pacientes com déficit de atenção.
Quais motivos o levaram a comprar pelo site?
O Silk Road resolve um grande problema do mundo contemporâneo. Sou um membro produtivo da sociedade. Trabalho, pago impostos, voto com consciência. Na privacidade do meu lar, gosto de ingerir substâncias que alguém na Anvisa acha que eu não deveria ingerir.
O Silk Road é uma alternativa para gente como eu, até que a sociedade acorde e perceba a estupidez de querer controlar a esfera privada dos outros numa suposta democracia.
André Conti
folha de são paulo
A última geração
Boatos sobre os novos PlayStation e Xbox indicam um possível esgotamento dos consoles
Salvo algum imprevisto, a Sony deve anunciar nesta quarta-feira o sucessor do PlayStation 3. A Microsoft não deve ficar atrás: nos últimos meses, dezenas de rumores sobre o novo Xbox surgiram na rede. Os dois podem ser lançados ainda neste ano. Se as especificações que vazaram forem verdadeiras -e há muitas razões para crer que sim-, percebe-se imediatamente a preocupação das fabricantes com o futuro dos consoles.
Em termos de hardware, não há nenhum salto inesperado. Eles são melhores que os antecessores, obviamente, mas nada que um PC caro de hoje (e de preço médio daqui a uns dois anos) não alcance.
A ideia, no entanto, parece outra: convencer o consumidor de que o console não serve só para jogos e é tão necessário para a "sala de estar" quanto a própria televisão.
Nada disso é novo. Uma das razões do sucesso estrondoso do PlayStation 2 foi a incorporação do DVD, bem no início da comercialização do formato. Assim, familiares que jamais tocariam no aparelho passaram a usá-lo regularmente.
A geração atual incorporou Net-flix e outros serviços de vídeo por demanda. E o PlayStation 3 funciona muito bem como servidor de mídia, rodando filmes e músicas armazenados nos computadores ligados à mesma rede.
Por isso, o que me chamou mais a atenção no suposto novo Xbox foi a presença de uma entrada de vídeo. Ao que tudo indica, o console poderá armazenar a programação da TV, funcionando como o serviço HD Max, da Net, ou outros gravadores de TV por assinatura.
É um passo além do Wii U, que também conta com integração à TV. Nos EUA e na Europa, o Wii U funciona como um guia, mostrando a programação do mês e permitindo que o usuário controle tudo pelo joystick-tablet da Nintendo. Não duvido que, com o tempo, ele passe a gravar também, num HD externo.
Sem os dados concretos, é impossível afirmar com certeza, mas, olhando assim, me pareceu pouco. Ou, novamente, nada que um computador não faça melhor (e de forma mais aberta).
E o nó parece residir aí. Hoje em dia um computador de mesa ligado à TV da sala é algo muito incomum. No máximo, um notebook para rodar filmes. Mas Gabe Newell, o chefão da Valve, promete virar o jogo.
Começou discretamente. O Steam, programa de distribuição de games da Valve e provável responsável pela salvação do mercado de jogos de PC, passou a contar com a opção Big Picture, que facilita o uso do programa na televisão (ícones grandes, navegação por joystick).
Tempos depois, confirmaram a intenção de bancar uma Steam Box, na verdade um PC comum, num gabinete compacto, ligado à TV e ao Steam. Os primeiros modelos "oficiais" podem sair ainda neste ano, mas qualquer um pode montar a sua Steam Box.
As vantagens são inúmeras: desenvolvimento mais barato, fim da mídia física, mesmo preço para jogos no mundo todo. E a instalação e a atualização dos jogos, que costumavam ser uma parte chata no PC, foram automatizadas no Steam.
Consoles podem oferecer sensores de movimento, joysticks com tela e alguns jogos exclusivos. Se for só isso, pode ser que tenhamos chegado à última geração.
Entenda como se lança uma tendência na música hoje - Ronaldo Lemos
folha de são paulo
Responsável por sucessos planetários como "Paper Planes", da M.I.A., ele é um dos principais estrategistas sobre como lançar tendências sonoras em tempos de internet.
Por exemplo, seu selo Mad Decent está bombando um estilo musical chamado trap, que mistura vocais de rap com variações de house em até 170 batidas por minuto.
Surgido em 2004 sem alarde, o trap vive uma nova onda, lançando DJs como Gucci Mane e Swisha House.
Como isso aconteceu? Diplo vem testando, por tentativa e erro, a forma de catapultar cenas.
Ao identificar uma "tendência", seu selo logo solta um "mixtape" na rede, compilação não oficial de músicas (quase um "pirata" antes dos próprios piratas).
Em seguida, vídeos inundam o YouTube mostrando a empolgação das festas e seu público.
Por fim, uma peça inovadora: um documentário é produzido pelo próprio selo, explicando os detalhes para "formadores de opinião", como blogueiros e jornalistas.
No trap, o documentário chama-se "Certified Trap" (veja aqui: bit.ly/PJY5Yd). A cena logo ganha verbete na Wikipédia (ela é uma das principais formas de divulgação para novos artistas).
Essa mesma fórmula "mixtape-YouTube-documentário" está em várias outras cenas. O techno venezuelano chamado Tuki lançou o filme "Quién Quiere Tuki?" (bit.ly/UBr8Qu). Até o funk ostentação de São Paulo soltou documentário homônimo (aqui: bit.ly/QCVINt, já com 600 mil visualizações).
Parece ficção. O documentário é profecia que se autorrealiza: documenta a cena antes mesmo de ela acontecer.
O campo "assunto", que não existe em mensagens trocadas por redes sociais
JÁ É
O campo "assunto" resistindo nos e-mails
JÁ VEM
Chamadas de telefone com "assunto", pelo aplicativo SayWhat.mobi
INTERNETS
Entenda como se lança uma tendência na música hoje
Quem acompanha a reinvenção da indústria musical deveria prestar atenção nos projetos do produtor Diplo.Responsável por sucessos planetários como "Paper Planes", da M.I.A., ele é um dos principais estrategistas sobre como lançar tendências sonoras em tempos de internet.
Por exemplo, seu selo Mad Decent está bombando um estilo musical chamado trap, que mistura vocais de rap com variações de house em até 170 batidas por minuto.
Surgido em 2004 sem alarde, o trap vive uma nova onda, lançando DJs como Gucci Mane e Swisha House.
Como isso aconteceu? Diplo vem testando, por tentativa e erro, a forma de catapultar cenas.
Ao identificar uma "tendência", seu selo logo solta um "mixtape" na rede, compilação não oficial de músicas (quase um "pirata" antes dos próprios piratas).
Em seguida, vídeos inundam o YouTube mostrando a empolgação das festas e seu público.
Por fim, uma peça inovadora: um documentário é produzido pelo próprio selo, explicando os detalhes para "formadores de opinião", como blogueiros e jornalistas.
No trap, o documentário chama-se "Certified Trap" (veja aqui: bit.ly/PJY5Yd). A cena logo ganha verbete na Wikipédia (ela é uma das principais formas de divulgação para novos artistas).
Essa mesma fórmula "mixtape-YouTube-documentário" está em várias outras cenas. O techno venezuelano chamado Tuki lançou o filme "Quién Quiere Tuki?" (bit.ly/UBr8Qu). Até o funk ostentação de São Paulo soltou documentário homônimo (aqui: bit.ly/QCVINt, já com 600 mil visualizações).
Parece ficção. O documentário é profecia que se autorrealiza: documenta a cena antes mesmo de ela acontecer.
READER
JÁ ERAO campo "assunto", que não existe em mensagens trocadas por redes sociais
JÁ É
O campo "assunto" resistindo nos e-mails
JÁ VEM
Chamadas de telefone com "assunto", pelo aplicativo SayWhat.mobi
Marcos Augusto Gonçalves
folha de são mpaulo
Eles são da mesma família de outros dispositivos públicos e privados feitos para manter a "segurança" de casas e edifícios. Grades, lanças, cercas elétricas, rolos de arame farpado, câmeras e holofotes. Afinal, são residências ou presídios?
Recentemente, um amigo europeu assustou-se com o patético trâmite da rua à porta de entrada de um prédio nos Jardins. Interfone, espera, portão gradeado que abre, espera, portão que fecha, espera, portão que abre... Sentiu-se num posto militar em Israel.
Esse aparato todo, feio e perverso, custa dinheiro e alimenta uma indústria que prospera à sombra da divisão social, da educação indigente, da ineficácia da segurança pública e do despreparo de nossas cidades.
Pensando nisso tudo, a reivindicação por bancos mais confortáveis em áreas públicas de São Paulo, que poderia parecer supérflua, torna-se, na realidade, politicamente desconfortável. Expõe o constrangimento que cerca o assunto e nos leva de volta à desigualdade socioeconômica na metrópole -tema central, aliás, da campanha de Fernando Haddad. Não podemos ter bancos agradáveis em praças públicas senão os pobres tomam conta?! É deprimente.
Esse papo tem aparecido numa página criada no Facebook, cuja "causa" é justamente esta: "Bancos com encosto para São Paulo". Criada pelo jornalista Ricardo Porto, é tocada por ele e pela assessora de imprensa Sofia Carvalhosa. Tem atraído interessados, que postam fotos de bancos de vários lugares do mundo e conversam sobre outros problemas da cidade.
"É uma causa aparentemente boba, mas que levanta muitas outras", diz Sofia. "Os ricos não querem bancos nas praças porque têm medo de mendigos. A praça Morungaba poderia ser um lugar gostoso para quem trabalha na Faria Lima descansar. É uma praça triste. No parque do Povo, que é gradeado, não há nenhum banco com encosto nem na praça Roosevelt. Os lugares onde eles ainda existem são nostálgicos: parque da Água Branca ou do Trianon", diz ela.
O tema é mais oportuno neste momento em que São Paulo, depois de anos de espera, está por receber novo mobiliário urbano, conforme contrato firmado na gestão Kassab. Como previsto na formulação da Lei Cidade Limpa, a publicidade indiscriminada ia sumir do espaço urbano e depois voltar, disciplinada e explorada pela prefeitura em troca de equipamentos públicos.
Novos abrigos de ônibus e relógios estão a caminho. No primeiro caso, já passou da hora de oferecer mais conforto a quem espera transporte público -além de informações e respeito quanto a horários. No segundo, como bem questionou nesta Folha o arquiteto Fernando Serapião, é de perguntar se na era da difusão em massa de mostradores digitais precisamos mesmo encher a cidade de anúncios em troca de hora certa e temperatura. A prefeitura, como também sugeriu Serapião, poderia ao menos usar os recursos arrecadados para ir um pouco além e melhorar o entorno dessas novas peças -reformando as calçadas, por exemplo. Ou -acrescento eu- providenciando a instalação de bancos com encosto em São Paulo.
marcos.augusto@grupofolha.com.br
Bancos com encosto
Assento irregular para evitar que mendigos se deitem é só um aspecto perverso do desconforto público da cidade
Bancos ondulados de concreto, como os que vemos muitas vezes em São Paulo, são bastante funcionais quando se trata de desfavorecer mendigos, sem-teto, bêbados e desocupados em geral. Não servem para dormir, então deixam de ser convidativos para essa população errante que as cidades brasileiras não sabem onde pôr.Eles são da mesma família de outros dispositivos públicos e privados feitos para manter a "segurança" de casas e edifícios. Grades, lanças, cercas elétricas, rolos de arame farpado, câmeras e holofotes. Afinal, são residências ou presídios?
Recentemente, um amigo europeu assustou-se com o patético trâmite da rua à porta de entrada de um prédio nos Jardins. Interfone, espera, portão gradeado que abre, espera, portão que fecha, espera, portão que abre... Sentiu-se num posto militar em Israel.
Esse aparato todo, feio e perverso, custa dinheiro e alimenta uma indústria que prospera à sombra da divisão social, da educação indigente, da ineficácia da segurança pública e do despreparo de nossas cidades.
Pensando nisso tudo, a reivindicação por bancos mais confortáveis em áreas públicas de São Paulo, que poderia parecer supérflua, torna-se, na realidade, politicamente desconfortável. Expõe o constrangimento que cerca o assunto e nos leva de volta à desigualdade socioeconômica na metrópole -tema central, aliás, da campanha de Fernando Haddad. Não podemos ter bancos agradáveis em praças públicas senão os pobres tomam conta?! É deprimente.
Esse papo tem aparecido numa página criada no Facebook, cuja "causa" é justamente esta: "Bancos com encosto para São Paulo". Criada pelo jornalista Ricardo Porto, é tocada por ele e pela assessora de imprensa Sofia Carvalhosa. Tem atraído interessados, que postam fotos de bancos de vários lugares do mundo e conversam sobre outros problemas da cidade.
"É uma causa aparentemente boba, mas que levanta muitas outras", diz Sofia. "Os ricos não querem bancos nas praças porque têm medo de mendigos. A praça Morungaba poderia ser um lugar gostoso para quem trabalha na Faria Lima descansar. É uma praça triste. No parque do Povo, que é gradeado, não há nenhum banco com encosto nem na praça Roosevelt. Os lugares onde eles ainda existem são nostálgicos: parque da Água Branca ou do Trianon", diz ela.
O tema é mais oportuno neste momento em que São Paulo, depois de anos de espera, está por receber novo mobiliário urbano, conforme contrato firmado na gestão Kassab. Como previsto na formulação da Lei Cidade Limpa, a publicidade indiscriminada ia sumir do espaço urbano e depois voltar, disciplinada e explorada pela prefeitura em troca de equipamentos públicos.
Novos abrigos de ônibus e relógios estão a caminho. No primeiro caso, já passou da hora de oferecer mais conforto a quem espera transporte público -além de informações e respeito quanto a horários. No segundo, como bem questionou nesta Folha o arquiteto Fernando Serapião, é de perguntar se na era da difusão em massa de mostradores digitais precisamos mesmo encher a cidade de anúncios em troca de hora certa e temperatura. A prefeitura, como também sugeriu Serapião, poderia ao menos usar os recursos arrecadados para ir um pouco além e melhorar o entorno dessas novas peças -reformando as calçadas, por exemplo. Ou -acrescento eu- providenciando a instalação de bancos com encosto em São Paulo.
marcos.augusto@grupofolha.com.br
Nas missas em S.Paulo, padres dizem a fiéis que 'a barca de Pedro não vai afundar'
folha de são paulo
É na celebração de sábado, a partir das 18h, e de domingo que os fiéis "cumprem" o mandamento de ir à missa.
Ao falar da renúncia, os padres seguiam recomendação feita pela Arquidiocese de São Paulo: o arcebispo dom Odilo Scherer havia enviado uma carta no sábado em que pedia que eles lessem a declaração de renúncia do papa na missa. No comunicado, escreveu: "Ajudemos nosso povo a manter firme e serena a sua fé".
Das três missas em que a Folha esteve no fim de semana, só na da catedral da Sé (centro), celebrada por dom Odilo, a sugestão foi seguida.
Ele citou a renúncia logo no início da missa e disse que voltaria ao tema no final da celebração. Por cerca de dez minutos, o cardeal falou da importância de os fiéis acreditarem na "palavra do papa, e não em especulações que saem na imprensa".
Após perguntar quantos ali haviam lido as declarações de Bento 16, dom Odilo pediu que o cônego Walter Caldeira lesse o que o papa falou quando anunciou sua saída.
Na homilia de Paulo Roberto Guimarães, pároco da paróquia Nossa Senhora Mãe da Igreja (zona oeste), ao falar sobre as tentações, tema da missa, ele disse que, "se até o diabo tentou Jesus, pode tentar a mim, você e até o papa". Depois, durante a Oração aos Fiéis, pediu que o papa fosse abençoado "nesse momento de apreensões".
Após a missa, ele disse que usou a palavra "apreensões" porque "o povo está um pouco apreensivo, mas não há nada demais, nenhuma mudança muito grande".
O padre Severino Martins, que celebrou missa na paróquia Assunção de Nossa Senhora (zona oeste), falou em especulação e tranquilizou os fiéis. "Conflito há em todo lugar, mostra que somos humanos. A igreja permanecerá. Vamos rezar por Bento 16 e pelo próximo papa."
FOCO
LUISA ALCANTARA E SILVA
DE SÃO PAULO
Ouçam a palavra de Bento 16. A barca de Pedro não vai afundar. Com frases assim, alguns padres de São Paulo comentaram a renúncia do papa no primeiro encontro de muitos fiéis com a Igreja Católica após o anúncio papal.É na celebração de sábado, a partir das 18h, e de domingo que os fiéis "cumprem" o mandamento de ir à missa.
Ao falar da renúncia, os padres seguiam recomendação feita pela Arquidiocese de São Paulo: o arcebispo dom Odilo Scherer havia enviado uma carta no sábado em que pedia que eles lessem a declaração de renúncia do papa na missa. No comunicado, escreveu: "Ajudemos nosso povo a manter firme e serena a sua fé".
Das três missas em que a Folha esteve no fim de semana, só na da catedral da Sé (centro), celebrada por dom Odilo, a sugestão foi seguida.
Ele citou a renúncia logo no início da missa e disse que voltaria ao tema no final da celebração. Por cerca de dez minutos, o cardeal falou da importância de os fiéis acreditarem na "palavra do papa, e não em especulações que saem na imprensa".
Após perguntar quantos ali haviam lido as declarações de Bento 16, dom Odilo pediu que o cônego Walter Caldeira lesse o que o papa falou quando anunciou sua saída.
Na homilia de Paulo Roberto Guimarães, pároco da paróquia Nossa Senhora Mãe da Igreja (zona oeste), ao falar sobre as tentações, tema da missa, ele disse que, "se até o diabo tentou Jesus, pode tentar a mim, você e até o papa". Depois, durante a Oração aos Fiéis, pediu que o papa fosse abençoado "nesse momento de apreensões".
Após a missa, ele disse que usou a palavra "apreensões" porque "o povo está um pouco apreensivo, mas não há nada demais, nenhuma mudança muito grande".
O padre Severino Martins, que celebrou missa na paróquia Assunção de Nossa Senhora (zona oeste), falou em especulação e tranquilizou os fiéis. "Conflito há em todo lugar, mostra que somos humanos. A igreja permanecerá. Vamos rezar por Bento 16 e pelo próximo papa."
Insípido, inodoro, incolor - RENATO JANINE RIBEIRO
Valor Econômico - 18/02/20
Uma amiga do Facebook levanta a questão: se nossos dois principais partidos são PT e PSDB, como o PMDB conseguiu obter a presidência das duas Casas do Congresso, além de já ter a Vice-Presidência da República? Dos quatro substitutos constitucionais da presidenta da República - um deles é o presidente do Supremo Tribunal Federal -, três agora pertencem a esse partido. Não é pouca coisa! Ainda mais porque o PMDB, se é um grande partido, não é o maior em bancada ou votos e, mais grave de tudo: suas ideias ou ideais são amplamente ignorados. Aliás, se ele não disputa há anos a Presidência do país, é justamente porque não tem proposta para o Brasil.
Quais partidos nossos representam, hoje, ideias? Certamente, PT e PSDB. Por isso são os finalistas nas campanhas eleitorais, os polos entre os quais gravita nossa política, que podem ter o apoio de qualquer outra agremiação, menos um do outro. Já o PMDB é apenas um gigantesco micropartido. Quando alguém se queixa das siglas de aluguel, dos partidos sem ideologia, das agremiações que existem só para se aliarem aos vitoriosos - tudo isso vale, de algum modo, para o PMDB. Daí que falte generosidade a quem pretende fechar uns micropartidos, alegando contra eles um princípio que também afetaria nosso partido hoje mais antigo, herdeiro das lutas contra a ditadura, mas que, ao desistir de propor algo inovador ao Brasil, se reduziu a uma confederação de lideranças regionais.
Uma amiga do Facebook levanta a questão: se nossos dois principais partidos são PT e PSDB, como o PMDB conseguiu obter a presidência das duas Casas do Congresso, além de já ter a Vice-Presidência da República? Dos quatro substitutos constitucionais da presidenta da República - um deles é o presidente do Supremo Tribunal Federal -, três agora pertencem a esse partido. Não é pouca coisa! Ainda mais porque o PMDB, se é um grande partido, não é o maior em bancada ou votos e, mais grave de tudo: suas ideias ou ideais são amplamente ignorados. Aliás, se ele não disputa há anos a Presidência do país, é justamente porque não tem proposta para o Brasil.
Quais partidos nossos representam, hoje, ideias? Certamente, PT e PSDB. Por isso são os finalistas nas campanhas eleitorais, os polos entre os quais gravita nossa política, que podem ter o apoio de qualquer outra agremiação, menos um do outro. Já o PMDB é apenas um gigantesco micropartido. Quando alguém se queixa das siglas de aluguel, dos partidos sem ideologia, das agremiações que existem só para se aliarem aos vitoriosos - tudo isso vale, de algum modo, para o PMDB. Daí que falte generosidade a quem pretende fechar uns micropartidos, alegando contra eles um princípio que também afetaria nosso partido hoje mais antigo, herdeiro das lutas contra a ditadura, mas que, ao desistir de propor algo inovador ao Brasil, se reduziu a uma confederação de lideranças regionais.
Com boa vontade, podemos acrescentar a esses dois partidos um movimento difuso, herdeiro da onda verde de 2010, que deu um quinto dos votos a Marina Silva mas mal tem representação parlamentar, governadores ou prefeitos e, até o momento, não dispõe de partido ou de um grupo de líderes. É uma sensibilidade em busca de atores, personagens, dirigentes. Teria eleitores, só lhe falta o resto. Tem minha simpatia, mas não irrestrita.
Mesmo partidos que em sua história tiveram momentos altos estão, hoje, amorfos. Além do PMDB, grande campeão da luta contra a ditadura, lembremos o PDT, de Leonel Brizola, o PPS, herdeiro do partido comunista que em 1989 viveu a memorável campanha presidencial de Roberto Freire, o PFL (hoje DEM), que nasceu para cravar o prego final no caixão da ditadura, o PV, que lançou Gabeira à Presidência, o PSB, que tem nomes para quem socialismo é mais que um retrato na parede... Pouco disso continua presente no dia a dia deles. Nosso sistema político é um jogo no qual cada partido pode se aliar com qualquer outro, exceto o PT e o PSDB um com o outro, e ainda assim olhe lá. Até o impedimento canônico de alianças entre PT e PFL/DEM caiu: para derrubá-lo, foi criado o PSD.
Isso é de todo mau? Não. Já se observou que esse território sem dono nem perfil, esse "Marais", se quisermos usar o nome cunhado na Revolução Francesa para o centrão da época, é o que permite ao Brasil uma governabilidade política talvez superior à dos atuais Estados Unidos. Lá, o conflito de dois partidos ata as mãos dos governantes. Aqui, o PMDB desata qualquer nó. Garante a governabilidade. Isso não é pouca coisa. Nos países que olhamos com certa inveja porque em tese funcionariam melhor do que nós, a arte da governabilidade consiste em fazer a minoria da população eleger a maioria do Parlamento - formando assim um governo que toma decisões e as executa, mesmo sem ter a maior parte da população de seu lado. Toma-se a maior das maiorias simples, que é convertida em metade mais um, em maioria absoluta. Há muitos truques para conseguir isso; o mais conhecido é o voto distrital. E, no fundo, é melhor sermos governados pela maioria simples do que não termos governo nenhum, ou governos que caem em semanas ou meses, como sucedeu na França e Itália ao longo de décadas, ou hoje na Bélgica, onde um sem-número de partidos não chega a acordo para formar um gabinete.
Mas há algo bastante decepcionante quando vemos que, com exceção de dois partidos e um sentimento, o verde, que ainda não é movimento, quanto mais partido, e feitas as exceções individuais de praxe (Cristovam Buarque, Luiza Erundina...), as demais bancadas do Congresso mal se dão ao trabalho de formular um projeto para o Brasil.
Poderia ser diferente? Poderia. Na verdade, há uma grande preguiça de pensar. Aqueles que não pertencem a nenhum dos lados poderiam promover uma reflexão, seja sobre pontos específicos, propondo leis ou pelo menos estudando temas como o sistema econômico, financeiro ou político, ou ainda o trânsito. Poderiam, assim, construir alternativas, a longo prazo. Na hipótese mais tímida, tal ação poderia obrigar as grandes famílias que disputam o poder, para valer, a levá-los em conta. É mais honroso ser procurado pelo PT, o PSDB ou os verdes em decorrência de estudos, projetos, ideias, do que apenas para somar votos no Parlamento.
Daí, finalmente, que eu não leve muito em conta os candidatos de outros partidos, que não o PT, PSDB ou o movimento verde, à Presidência. Michel Temer, Eduardo Campos e outros podem bem vir a ocupar o Planalto, mas somente por acaso - se a fortuna assim o decidir, por exemplo, caso uma desgraça aconteça à presidenta Dilma. Ou se tudo o mais entrar em crise. Temos três exemplos civis de eleitos pela "fortuna" no último meio século: Jango, Sarney, Itamar - para não falar em Collor, eleito pelo povo mas em circunstâncias de exceção. Contudo, em condições normais, a Presidência vai para quem tenha ideias sobre o que fazer com ela. Isto não é falha, aliás, dos nomes mencionados: eles apenas pertencem a partidos sem proposta. Seria melhor se a tivessem.
Transição na Igreja - Clovis Rossi
folha de são paulo
CLÓVIS ROSSIENVIADO ESPECIAL A ROMAA mais provável data para o início do conclave que elegerá o sucessor de Bento 16 passou a ser 10 de março.
É o que informa Robert Moynihan, editor de "Inside the Vatican", considerada a mais bem informada revista católica do mundo em assuntos do Vaticano.
A data faz todo o sentido, se se considerar que o padre Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, adiantara que uma antecipação era viável desde que todos os 117 cardeais eleitores já estivessem em Roma até o fim do mês.
Há muitos motivos para que essa presença maciça ocorra até o dia 28, a data em que o papa se despede dos cardeais e, às 17h (13h em Brasília), toma o helicóptero que o levará a Castel Gandolfo, usualmente a residência de verão dos papas.
Primeiro, começou ontem uma série de meditações diárias, que irão até dia 23, das quais participará o próprio papa. Os especialistas dizem que esses encontros servem para apontar os rumos desejados para a igreja pelo papa e por pelo menos um dos "papabili", Gianfranco Ravasi, que conduz as meditações.
Aliás, "Vatican Insider", boletim do jornal "La Stampa", anunciou ontem que o cardeal Tarcisio Bertone, o segundo na hierarquia do Vaticano, designou Ravasi como seu candidato a papa.
É natural que os cardeais queiram participar de pelo menos parte das meditações.
Segundo e principal ponto: todos os cardeais, eleitores ou não, hão de querer se despedir do papa tanto na cerimônia pública do dia 27, como na particular do dia 28.
Se todos os cardeais estarão em Roma, como parece provável, e se não há, desta vez, a necessidade de observar nove dias de luto pela morte do pontífice, como aconteceu na eleição anterior, o Vaticano pode mudar a regra que manda observar um mínimo de 15 e um máximo de 20 dias como "sede vacante" -ou seja, sem um papa no comando. A "sede vacante" começa dia 28.
O risco da antecipação é abreviar o período de consultas prévias para filtrar os "papabili". Se os cardeais entrarem para o conclave sem algum consenso prévio, a escolha pode se alongar demais -e deixar ainda mais exposta a divisão da igreja.
DO ENVIADO A ROMAA Igreja Católica iniciou ontem uma série de sete dias de meditação com o propósito assumido de "desenterrar Deus" ou, como preferiu o papa Bento 16 em sua fala no tradicional Angelus dominical, evitar que "Deus se torne irreal, não conte mais, desapareça".
As meditações foram encomendadas pelo papa (bem antes de anunciar a renúncia) ao cardeal Gianfranco Ravasi, responsável pela Cultura no Vaticano, "papabili" que é tido como um dos maiores especialistas em Bíblia do mundo.
Ravasi conta que iniciaria a meditação de domingo com uma citação de Etty Hillesum, jovem holandesa de origem judaica, morta no campo de concentração de Auschwitz, em 1943.
O papa citou Etty na sua homilia de quarta-feira, no que Ravasi diz ser uma extraordinária coincidência: "Nos encontramos com Etty Hilesum sem saber".
No seu diário, a jovem holandesa escreve: "Um poço muito profundo está em mim. E Deus está naquele poço. A cada vez que tento juntar-me a ele, mais a pedra e a areia o cobrem: agora, Deus está sepultado. É preciso de novo desenterrá-lo".
Não deve ter sido coincidência que, na mensagem do Angelus, o papa também tenha apontado um Deus oculto pelos que "o instrumentalizam para seus próprios fins, dando mais importância ao sucesso ou aos bens materiais". "Desse modo, Deus se torna secundário, se reduz a um meio, se torna definitivamente irreal."
Foi esse o fulcro do penúltimo Angelus de Bento 16 como papa e será esse o centro das meditações na capela Redemptoris Mater (Mãe Redentora), das quais participarão os cardeais que estiverem em Roma (eleitores ou não no conclave) e também Bento 16.
É natural supor que dessas palestras surgirão as linhas gerais do que o atual papa espera de seu sucessor, até porque Ravasi é homem de extrema confiança de Bento 16 e que concorda com o ponto de vista teológico deste, como se vê pela coincidência de ambos em citarem a ideia de um Deus enterrado e a necessidade urgente de desenterrá-lo.
Complicado, no entanto, é traduzir essa linguagem eclesial cifrada para uma plataforma concreta de gestão da igreja no próximo pontificado.
A única coisa que fica clara para leigos é que tanto o papa como o "papabili" Ravasi não querem que as tentações mundanas pelo poder e pelos bens materiais suplantem o divino, como sucessivos episódios dos últimos meses indicam estar acontecendo.
A maior parte do Angelus foi dedicada às tentações que "Jesus superou na travessia do deserto", os 40 dias que dariam origem posteriormente à tradição da Quaresma, iniciada quarta-feira.
Bento 16 voltará a aparecer em público mais duas vezes: no Angelus do domingo, dia 24, que coincide com o primeiro dia das eleições italianas, e na tradicional audiência das quartas-feiras, transferida de um salão do Vaticano para a Basílica de São Pedro, na expectativa de um comparecimento maciço de fiéis à despedida do papa, o primeiro que deixa o Vaticano por vontade própria desde 1294.
Ontem, no entanto, o público presente foi bem inferior à expectativa da Prefeitura de Roma, que previa 150 mil pessoas e tomou todas as providências de praxe para atender essa massa.
O padre Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, calculou em 50 mil os presentes, mas o número parece algo exagerado, porque couberam todos os fiéis na própria praça, sem extravasar para as ruas em torno.
Visto, com razão, como teólogo sutil, este papa em muitos momentos passou a impressão de que seu ponto forte real era o fato de ser estudioso do poder.
Inimigo contumaz do relativismo moral e guerreiro cultural militante, o papa Bento 16 teve um impacto enorme sobre a Igreja Católica, impacto esse que antecede de longe sua permanência relativamente breve no trono de São Pedro.
Bento ocupou com firmeza a linha de continuidade a partir de João Paulo 2º, o papa polonês de quem foi confidente e implementador, governando com centralismo férreo para impor a ortodoxia e reverter o processo de modernização iniciado pelo Concílio Vaticano 2º.
Karol Wojtyla, que emergiu do conclave de cardeais em 1978 como papa João Paulo 2º, fez de Joseph Ratzinger, teólogo bávaro com pouca experiência pastoral, primeiro cardeal e depois chefe da Congregação para a Doutrina da Fé. Esta é a instituição do Vaticano sucessora da Santa Inquisição; seu trabalho consiste em velar pela ortodoxia.
O cardeal Ratzinger investiu contra a Teologia da Libertação, na América Latina, e os teólogos jesuítas na Europa, atacando o feminismo e o homossexualismo e, aparentemente, pensando que os excessos do primeiro teriam levado ao segundo, ao confundir as diferenças entre homens e mulheres.
A rigidez dele e de João Paulo 2º os levou a tentar sufocar as discussões sobre os padres casados e o celibato, a ordenação de mulheres, a contracepção e o aborto.
O cardeal Ratzinger ocupou essa posição por 25 anos, até suceder a João Paulo, em 2005 -tempo mais do que suficiente para moldar as instituições da Igreja Católica, mesmo que não o mundo real dos fiéis católicos, no formato que queria.
A Igreja Católica Romana, com cerca de 1,2 bilhão de seguidores em todo o mundo, é uma força espiritual potente e uma instituição singularmente poderosa.
O papa procurou blindá-la com as certezas doutrinais de um militante clerical.
Houve momentos em que a impressão que se tinha era que ele estava competindo com as certezas inequívocas e aparentemente concentradas do islã.
A guerra do papa Bento contra o relativismo parece ser incapaz de traçar distinções entre os crimes mais hediondos e divergências discutíveis em que a fé discorda da razão -estas, a matéria-prima da teologia. Será que isso agora poderá mudar?
Os eleitores papais são um pouco como o FMI ou o Banco Mundial no fato de terem uma representação desproporcional de europeus, geralmente escolhidos por seu conservadorismo (cerca de um quinto é de italianos, e quase dois quintos são burocratas do Vaticano).
Os cardeais da América Latina, África, Ásia e do Oriente Médio com frequência são mais conservadores, de qualquer modo.
Os papas Bento e João Paulo parecem ter conseguido encher com seus escolhidos o colégio de cardeais que vai eleger o novo papa, mas o absolutismo deles pode acabar por criar mais católicos apenas culturais que os católicos da espécie teologicamente correta que pretendiam.
TRANSIÇÃO NA IGREJA
Data provável do conclave é 10 de março
Vaticano pode mudar regra que manda observar entre 15 e 20 dias como "sede vacante", o período sem o pontífice
Papa Bento 16, que renunciou, despede-se dos cardeais no dia 28 de fevereiro e embarca para Castel Gandolfo
É o que informa Robert Moynihan, editor de "Inside the Vatican", considerada a mais bem informada revista católica do mundo em assuntos do Vaticano.
A data faz todo o sentido, se se considerar que o padre Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, adiantara que uma antecipação era viável desde que todos os 117 cardeais eleitores já estivessem em Roma até o fim do mês.
Há muitos motivos para que essa presença maciça ocorra até o dia 28, a data em que o papa se despede dos cardeais e, às 17h (13h em Brasília), toma o helicóptero que o levará a Castel Gandolfo, usualmente a residência de verão dos papas.
Primeiro, começou ontem uma série de meditações diárias, que irão até dia 23, das quais participará o próprio papa. Os especialistas dizem que esses encontros servem para apontar os rumos desejados para a igreja pelo papa e por pelo menos um dos "papabili", Gianfranco Ravasi, que conduz as meditações.
Aliás, "Vatican Insider", boletim do jornal "La Stampa", anunciou ontem que o cardeal Tarcisio Bertone, o segundo na hierarquia do Vaticano, designou Ravasi como seu candidato a papa.
É natural que os cardeais queiram participar de pelo menos parte das meditações.
Segundo e principal ponto: todos os cardeais, eleitores ou não, hão de querer se despedir do papa tanto na cerimônia pública do dia 27, como na particular do dia 28.
Se todos os cardeais estarão em Roma, como parece provável, e se não há, desta vez, a necessidade de observar nove dias de luto pela morte do pontífice, como aconteceu na eleição anterior, o Vaticano pode mudar a regra que manda observar um mínimo de 15 e um máximo de 20 dias como "sede vacante" -ou seja, sem um papa no comando. A "sede vacante" começa dia 28.
O risco da antecipação é abreviar o período de consultas prévias para filtrar os "papabili". Se os cardeais entrarem para o conclave sem algum consenso prévio, a escolha pode se alongar demais -e deixar ainda mais exposta a divisão da igreja.
Vaticano quer 'momento de oásis' agora
DO ENVIADO A ROMA
Uma semana depois do "raio em céu azul", como definiu um cardeal a renúncia do papa, outro cardeal, Gianfranco Ravasi, chefe do Conselho de Cultura do Vaticano, pretende superar o turbilhão com "um momento de oásis".
É assim que Ravasi define o período de meditações que ele está conduzindo desde ontem e até o dia 23. Afinal, trata-se da semana de retiro espiritual que se segue ao início da Quaresma.
Mas retiro espiritual era tudo o que não estava presente ontem na praça de São Pedro, durante o Angelus habitual.
Celulares em penca miravam a janela do Vaticano em que o papa aparece, quatro telões espalhados pela praça traziam Bento 16 mais perto, bandeiras saudavam o pontífice (da Polônia, da Itália, do México e a indefectível bandeira brasileira) e uma faixa improvisada acariciava: "Ti vogliamo bene" (te queremos bem).
Em volta, 40 banheiros químicos, um batalhão de voluntários dos serviços médicos, e todos os 800 metros entre a via Traspontina e a praça interditados, porque a Prefeitura de Roma esperava três vezes mais pessoas do que as 50 mil que o Vaticano calculou. O papa atual definitivamente não é um "pop star" como seu antecessor. Não improvisa. Ele leu todo o seu pronunciamento de ontem.
(CR)
TRANSIÇÃO NA IGREJA
Papa Bento 16 pede meditação a católicos para 'desenterrar Deus'
Porta-voz do Vaticano estimou em 50 mil pessoas o público que esteve na praça São Pedro
A maior parte do Angelus dominical foi dedicada às tentações que "Jesus superou na travessia do deserto"
As meditações foram encomendadas pelo papa (bem antes de anunciar a renúncia) ao cardeal Gianfranco Ravasi, responsável pela Cultura no Vaticano, "papabili" que é tido como um dos maiores especialistas em Bíblia do mundo.
Ravasi conta que iniciaria a meditação de domingo com uma citação de Etty Hillesum, jovem holandesa de origem judaica, morta no campo de concentração de Auschwitz, em 1943.
O papa citou Etty na sua homilia de quarta-feira, no que Ravasi diz ser uma extraordinária coincidência: "Nos encontramos com Etty Hilesum sem saber".
No seu diário, a jovem holandesa escreve: "Um poço muito profundo está em mim. E Deus está naquele poço. A cada vez que tento juntar-me a ele, mais a pedra e a areia o cobrem: agora, Deus está sepultado. É preciso de novo desenterrá-lo".
Não deve ter sido coincidência que, na mensagem do Angelus, o papa também tenha apontado um Deus oculto pelos que "o instrumentalizam para seus próprios fins, dando mais importância ao sucesso ou aos bens materiais". "Desse modo, Deus se torna secundário, se reduz a um meio, se torna definitivamente irreal."
Foi esse o fulcro do penúltimo Angelus de Bento 16 como papa e será esse o centro das meditações na capela Redemptoris Mater (Mãe Redentora), das quais participarão os cardeais que estiverem em Roma (eleitores ou não no conclave) e também Bento 16.
É natural supor que dessas palestras surgirão as linhas gerais do que o atual papa espera de seu sucessor, até porque Ravasi é homem de extrema confiança de Bento 16 e que concorda com o ponto de vista teológico deste, como se vê pela coincidência de ambos em citarem a ideia de um Deus enterrado e a necessidade urgente de desenterrá-lo.
Complicado, no entanto, é traduzir essa linguagem eclesial cifrada para uma plataforma concreta de gestão da igreja no próximo pontificado.
A única coisa que fica clara para leigos é que tanto o papa como o "papabili" Ravasi não querem que as tentações mundanas pelo poder e pelos bens materiais suplantem o divino, como sucessivos episódios dos últimos meses indicam estar acontecendo.
A maior parte do Angelus foi dedicada às tentações que "Jesus superou na travessia do deserto", os 40 dias que dariam origem posteriormente à tradição da Quaresma, iniciada quarta-feira.
Bento 16 voltará a aparecer em público mais duas vezes: no Angelus do domingo, dia 24, que coincide com o primeiro dia das eleições italianas, e na tradicional audiência das quartas-feiras, transferida de um salão do Vaticano para a Basílica de São Pedro, na expectativa de um comparecimento maciço de fiéis à despedida do papa, o primeiro que deixa o Vaticano por vontade própria desde 1294.
Ontem, no entanto, o público presente foi bem inferior à expectativa da Prefeitura de Roma, que previa 150 mil pessoas e tomou todas as providências de praxe para atender essa massa.
O padre Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, calculou em 50 mil os presentes, mas o número parece algo exagerado, porque couberam todos os fiéis na própria praça, sem extravasar para as ruas em torno.
(Clovis Rossi)
ANÁLISE
Inimigo do relativismo, papa deixa uma herança maculada
DAVID GARDNERDO “FINANCIAL TIMES”A fragilidade do homem de 85 anos que renunciou, por razões de saúde, ao cargo de 265º bispo de Roma não condiz com sua reputação merecida de dogmatismo.Visto, com razão, como teólogo sutil, este papa em muitos momentos passou a impressão de que seu ponto forte real era o fato de ser estudioso do poder.
Inimigo contumaz do relativismo moral e guerreiro cultural militante, o papa Bento 16 teve um impacto enorme sobre a Igreja Católica, impacto esse que antecede de longe sua permanência relativamente breve no trono de São Pedro.
Bento ocupou com firmeza a linha de continuidade a partir de João Paulo 2º, o papa polonês de quem foi confidente e implementador, governando com centralismo férreo para impor a ortodoxia e reverter o processo de modernização iniciado pelo Concílio Vaticano 2º.
Karol Wojtyla, que emergiu do conclave de cardeais em 1978 como papa João Paulo 2º, fez de Joseph Ratzinger, teólogo bávaro com pouca experiência pastoral, primeiro cardeal e depois chefe da Congregação para a Doutrina da Fé. Esta é a instituição do Vaticano sucessora da Santa Inquisição; seu trabalho consiste em velar pela ortodoxia.
O cardeal Ratzinger investiu contra a Teologia da Libertação, na América Latina, e os teólogos jesuítas na Europa, atacando o feminismo e o homossexualismo e, aparentemente, pensando que os excessos do primeiro teriam levado ao segundo, ao confundir as diferenças entre homens e mulheres.
A rigidez dele e de João Paulo 2º os levou a tentar sufocar as discussões sobre os padres casados e o celibato, a ordenação de mulheres, a contracepção e o aborto.
O cardeal Ratzinger ocupou essa posição por 25 anos, até suceder a João Paulo, em 2005 -tempo mais do que suficiente para moldar as instituições da Igreja Católica, mesmo que não o mundo real dos fiéis católicos, no formato que queria.
A Igreja Católica Romana, com cerca de 1,2 bilhão de seguidores em todo o mundo, é uma força espiritual potente e uma instituição singularmente poderosa.
O papa procurou blindá-la com as certezas doutrinais de um militante clerical.
Houve momentos em que a impressão que se tinha era que ele estava competindo com as certezas inequívocas e aparentemente concentradas do islã.
A guerra do papa Bento contra o relativismo parece ser incapaz de traçar distinções entre os crimes mais hediondos e divergências discutíveis em que a fé discorda da razão -estas, a matéria-prima da teologia. Será que isso agora poderá mudar?
Os eleitores papais são um pouco como o FMI ou o Banco Mundial no fato de terem uma representação desproporcional de europeus, geralmente escolhidos por seu conservadorismo (cerca de um quinto é de italianos, e quase dois quintos são burocratas do Vaticano).
Os cardeais da América Latina, África, Ásia e do Oriente Médio com frequência são mais conservadores, de qualquer modo.
Os papas Bento e João Paulo parecem ter conseguido encher com seus escolhidos o colégio de cardeais que vai eleger o novo papa, mas o absolutismo deles pode acabar por criar mais católicos apenas culturais que os católicos da espécie teologicamente correta que pretendiam.
Tradução de CLARA ALLAIN
Minicidades flutuantes ( Programa Antártico Brasileiro)-Renato Alves
Fundamentais para o Programa Antártico Brasileiro, os navios Almirante Maximiano e Ary Rongel, além de garantir o transporte, abrigam laboratórios e até academia de ginástica
“Sete almas e mais duas, partindo.” As almas são os jornalistas a bordo do bote inflável. As outras duas, militares da Marinha. O aviso, dado por rádio pelo capitão-tenente Eduardo Sturtz, 35 anos, é regra a cada início de travessia na Baía do Almirantado, onde os navios brasileiros Ary Rongel e Almirante Maximiano ficam parados dando suporte aos militares e pesquisadores na Antártida. A cerca de 500m deles fica a Ilha de George, onde está a Estação Comandante Ferraz, incendiada há um ano e agora em reconstrução.
Os pilotos de bote são mergulhadores de águas frias. No comando das pequenas embarcações, trabalham com roupas para lá de especiais, apelidadas de sapões, que dão maior sobrevida em possível queda na água gelada do Mar Antártico. Nas cores laranja e preta, o uniforme lembra um astronauta e permite a permanência no Mar Antártico por até 15 minutos. No Ary Rongel há quatro mergulhadores. Além do transporte de pessoal e de material, eles fazem pequenos reparos nas embarcações.
Além dos botes, cientistas e militares se locomovem pela Península Keller, onde fica a Ilha de George, por meio de motos para a neve, quadriciclos e a pé. Toda a logística científica ou de lazer é organizada por meio de trilhas pré-definidas para ordenar o trânsito interno e evitar danos significativos ao ambiente. No inverno, porém, a maioria das trilhas fica imperceptível em função da cobertura de gelo e neve. Por isso, os cabos, fios e dutos são sinalizados ou instalados em percurso aéreo. (RA)
Renato Alves
Enviado especial
Enviado especial
Estado de Minas: 18/02/2013
Antártida — Dois navios equipados com a mais moderna tecnologia de navegação garantem a locomoção de cientistas brasileiros e a continuidade do Programa Antártico Brasileiro (Proantar), mesmo após o incêndio que consumiu 70% das instalações da Estação Comandante Ferraz, há um ano. A manutenção do Ary Rongel e do Almirante Maximiano no Polo Sul ajuda os pesquisadores a superar nevascas, vendavais e icebergs.
Incorporado à frota em 2009, o navio polar Almirante Maximiano é um dos xodós da Marinha brasileira, que investiu R$ 100 milhões nele. Conhecida como Tio Max entre os marinheiros tupiniquins, a embarcação partiu no último dia 9 do porto de Punta Arenas, no extremo sul do Chile, em direção à Antártida, levando 25 cientistas, equipamentos de pesquisa e suprimentos.
Tendo começado a viajar em 6 de outubro de 2012 pelo mais selvagem continente, o Maximiano está em sua sexta missão na Antártida, viagem que deve acabar em abril. Com mais de 93m de comprimento, 13m de largura e 5,5 mil toneladas, ele transporta até 113 pessoas. Em seu interior, há uma espécie de minicidade, com cinco laboratórios de pesquisa, cozinhas, salas de reunião e de jogos, camarotes, bares e até academia de ginástica.
Os itens mais sofisticados e caros são os usados em coletas de material para estudo, como os que medem o efeito das correntes antárticas no clima brasileiro ou avaliam de que forma o degelo causado pela elevação da temperatura global afeta a economia e a vida das pessoas. Esses aparelhos custaram R$ 22,3 milhões ao governo brasileiro. Um deles é um guincho geológico, que chega a 10 quilômetros de profundidade e colhe amostras do solo antártico.
O Tio Max conta ainda com um heliponto e dois helicópteros, com a missão de transportar suprimentos para os cientistas que ficam acampados no interior do continente. Eles também deixam e buscam os pesquisadores nos pontos mais extremos para os quais não há acesso por terra nem pelo mar.
O navio, que, apesar de seu tamanho gigantesco, pode ser operado com apenas um joystick, abriga ainda equipamentos para estudos geológicos, sobre a biodiversidade marinha e a respeito das mudanças climáticas. De acordo com o capitão-de-mar-e-guerra Newton Calvoso Pinto Homem, comandante do Almirante Maximiano, a embracação é preparada para enfrentar tempestades intensas e ondas que podem ultrapassar os 10m de altura.
Turbinada Comprado da Noruega em março de 1994, por US$ 16 milhões, o Ary Rongel passou mais de um ano nos estaleiros da Marinha do Brasil, em Angra dos Reis (RJ), para se transformar em um navio oceanográfico. Recebeu o que havia de mais avançado em tecnologia de navegação e de comunicação na época, tornando-se apto a enfrentar as águas inóspitas da Antártida, onde há pouca margem para erros e quase nenhuma chance de socorro.
O Ary Rongel substituiu o pioneiro e obsoleto Barão de Teffé. Apesar de ter levado os primeiros pesquisadores brasileiros ao continente, a partir de 1982, o Teffé não havia sido construído para navegar no gelo. Com 40 anos de uso, não conseguia vencer ventos acima de 50km/h — na Antártida, as tempestades chegam a 200km/h. Com ele, boa parte do continente ficava fora do alcance dos cientistas brasileiros. Por isso o governo decidiu comprar o Ary Rongel, mais forte, rápido e moderno.
Entre outros itens, comparado com o Teffé, o Rongel tem de melhor o casco recoberto com aço de 2cm de espessura; e os thrusters, propulsores que giram hélices nas laterais do casco e permitem o navio mover-se de lado e fazer manobras onde há pouco espaço, como no meio de milhares de icebergs. Outro recurso essencial é um radar que localiza até 10 icebergs ao mesmo tempo, e acompanha o seu movimento posteriormente.
Construído em 1981, o Ary tem uma vida útil estimada até 2016, mas reformas e restaurações podem prolongar isso. Já o Maximiano tem, por base, um navio americano construído em 1974 para atuar na exploração de petróleo, que posteriormente foi reformado na Noruega em 1988, antes de ser adquirido pelo Brasil. Em 2008, ele foi modificado na Alemanha, sob as especificações da Marinha do Brasil, para atuar na Antártida.
Ninguém na força, contudo, fala em aposentadoria das embarcações, que ainda têm forças de sobra para enfrentar condições extremas, como as impostas pela Passagem de Drake, trecho de 800 quilômetros de mar aberto inevitável na viagem entre a América do Sul e a Península Antártica. O local é conhecido como Inferno no Mar entre os marinheiros, devido às grandes ondas, que chegam a 10m de altura.
Bactérias
Neste mês, pela primeira vez, cientistas encontraram bactérias vivendo em um lago subterrâneo na Antártida. O mérito é de pesquisadores da Universidade Montana State, dos Estados Unidos. Embaixo de 800m de gelo, no Lago Whillans, o grupo recolheu água e amostras de sedimentos que mostravam sinais de vida. Os pesquisadores viram as células no microscópio e testes mostraram que elas estavam metabolizando energia. A descoberta pode trazer avanços para o conhecimento sobre a vida em outros planetas, pois pode mostrar que a vida é possível mesmo sob condições que, aparentemente, não poderiam abrigá-la.
Locomoção para a ilha em botes
Incorporado à frota em 2009, o navio polar Almirante Maximiano é um dos xodós da Marinha brasileira, que investiu R$ 100 milhões nele. Conhecida como Tio Max entre os marinheiros tupiniquins, a embarcação partiu no último dia 9 do porto de Punta Arenas, no extremo sul do Chile, em direção à Antártida, levando 25 cientistas, equipamentos de pesquisa e suprimentos.
Tendo começado a viajar em 6 de outubro de 2012 pelo mais selvagem continente, o Maximiano está em sua sexta missão na Antártida, viagem que deve acabar em abril. Com mais de 93m de comprimento, 13m de largura e 5,5 mil toneladas, ele transporta até 113 pessoas. Em seu interior, há uma espécie de minicidade, com cinco laboratórios de pesquisa, cozinhas, salas de reunião e de jogos, camarotes, bares e até academia de ginástica.
Os itens mais sofisticados e caros são os usados em coletas de material para estudo, como os que medem o efeito das correntes antárticas no clima brasileiro ou avaliam de que forma o degelo causado pela elevação da temperatura global afeta a economia e a vida das pessoas. Esses aparelhos custaram R$ 22,3 milhões ao governo brasileiro. Um deles é um guincho geológico, que chega a 10 quilômetros de profundidade e colhe amostras do solo antártico.
O Tio Max conta ainda com um heliponto e dois helicópteros, com a missão de transportar suprimentos para os cientistas que ficam acampados no interior do continente. Eles também deixam e buscam os pesquisadores nos pontos mais extremos para os quais não há acesso por terra nem pelo mar.
O navio, que, apesar de seu tamanho gigantesco, pode ser operado com apenas um joystick, abriga ainda equipamentos para estudos geológicos, sobre a biodiversidade marinha e a respeito das mudanças climáticas. De acordo com o capitão-de-mar-e-guerra Newton Calvoso Pinto Homem, comandante do Almirante Maximiano, a embracação é preparada para enfrentar tempestades intensas e ondas que podem ultrapassar os 10m de altura.
Turbinada Comprado da Noruega em março de 1994, por US$ 16 milhões, o Ary Rongel passou mais de um ano nos estaleiros da Marinha do Brasil, em Angra dos Reis (RJ), para se transformar em um navio oceanográfico. Recebeu o que havia de mais avançado em tecnologia de navegação e de comunicação na época, tornando-se apto a enfrentar as águas inóspitas da Antártida, onde há pouca margem para erros e quase nenhuma chance de socorro.
O Ary Rongel substituiu o pioneiro e obsoleto Barão de Teffé. Apesar de ter levado os primeiros pesquisadores brasileiros ao continente, a partir de 1982, o Teffé não havia sido construído para navegar no gelo. Com 40 anos de uso, não conseguia vencer ventos acima de 50km/h — na Antártida, as tempestades chegam a 200km/h. Com ele, boa parte do continente ficava fora do alcance dos cientistas brasileiros. Por isso o governo decidiu comprar o Ary Rongel, mais forte, rápido e moderno.
Entre outros itens, comparado com o Teffé, o Rongel tem de melhor o casco recoberto com aço de 2cm de espessura; e os thrusters, propulsores que giram hélices nas laterais do casco e permitem o navio mover-se de lado e fazer manobras onde há pouco espaço, como no meio de milhares de icebergs. Outro recurso essencial é um radar que localiza até 10 icebergs ao mesmo tempo, e acompanha o seu movimento posteriormente.
Construído em 1981, o Ary tem uma vida útil estimada até 2016, mas reformas e restaurações podem prolongar isso. Já o Maximiano tem, por base, um navio americano construído em 1974 para atuar na exploração de petróleo, que posteriormente foi reformado na Noruega em 1988, antes de ser adquirido pelo Brasil. Em 2008, ele foi modificado na Alemanha, sob as especificações da Marinha do Brasil, para atuar na Antártida.
Ninguém na força, contudo, fala em aposentadoria das embarcações, que ainda têm forças de sobra para enfrentar condições extremas, como as impostas pela Passagem de Drake, trecho de 800 quilômetros de mar aberto inevitável na viagem entre a América do Sul e a Península Antártica. O local é conhecido como Inferno no Mar entre os marinheiros, devido às grandes ondas, que chegam a 10m de altura.
Bactérias
Neste mês, pela primeira vez, cientistas encontraram bactérias vivendo em um lago subterrâneo na Antártida. O mérito é de pesquisadores da Universidade Montana State, dos Estados Unidos. Embaixo de 800m de gelo, no Lago Whillans, o grupo recolheu água e amostras de sedimentos que mostravam sinais de vida. Os pesquisadores viram as células no microscópio e testes mostraram que elas estavam metabolizando energia. A descoberta pode trazer avanços para o conhecimento sobre a vida em outros planetas, pois pode mostrar que a vida é possível mesmo sob condições que, aparentemente, não poderiam abrigá-la.
Locomoção para a ilha em botes
Os pilotos de bote são mergulhadores de águas frias. No comando das pequenas embarcações, trabalham com roupas para lá de especiais, apelidadas de sapões, que dão maior sobrevida em possível queda na água gelada do Mar Antártico. Nas cores laranja e preta, o uniforme lembra um astronauta e permite a permanência no Mar Antártico por até 15 minutos. No Ary Rongel há quatro mergulhadores. Além do transporte de pessoal e de material, eles fazem pequenos reparos nas embarcações.
Além dos botes, cientistas e militares se locomovem pela Península Keller, onde fica a Ilha de George, por meio de motos para a neve, quadriciclos e a pé. Toda a logística científica ou de lazer é organizada por meio de trilhas pré-definidas para ordenar o trânsito interno e evitar danos significativos ao ambiente. No inverno, porém, a maioria das trilhas fica imperceptível em função da cobertura de gelo e neve. Por isso, os cabos, fios e dutos são sinalizados ou instalados em percurso aéreo. (RA)
Entrevista da 2ª Thomas Reese
RAIO-X THOMAS REESE, 68
Padre jesuíta, teólogo e cientista político norte-americano estudioso da organização política da igreja
O QUE FAZ
Pesquisador do Centro Teológico Woodstock na Universidade de Georgetown, em Washington
IDEOLOGIA
Progressista
O QUE FEZ
Editor-chefe da revista semanal católica "America" de 1998 a 2005 e editor de 1978 a 1985
PRINCIPAIS LIVROS
"O Vaticano por Dentro" (Edusc, 1996; esgotado); "A Flock of Shepherds: The National Conference of Catholic Bishops" (1992); "Archbishop: Inside The Power Structure Of The American Catholic Church" (1989)
Sucessor tem que ter mais inteligência emocional do que papa Bento 16
Para teólogo e padre jesuíta americano, o próximo pontífice precisa ter experiência administrativa e ser mais questionado a portas fechadas por seus subordinados
Com a renúncia de Bento 16, a Igreja Católica precisa de um comunicador mais hábil para comandá-la, alguém que tenha mais inteligência emocional do que o alto QI dos últimos dois papas e que se disponha a ser contestado.
Só assim, avalia o teólogo e padre jesuíta americano Thomas Reese, será possível pregar o evangelho de forma atraente e clara para estancar a fuga de fiéis das últimas três décadas, que ganha fôlego na América Latina.
Reese, 68, dirigiu por sete anos a importante revista católica "America", onde publicou textos sobre casamento gay e relações com o islã. Foi afastado em 2005, a pedido da Congregação para Doutrina da Fé -até meses antes comandada pelo então cardeal Joseph Ratzinger, Bento 16.
Autor de "O Vaticano Por Dentro" (1996; Edusc; edição esgotada) e outros cinco livros sobre a Igreja Católica, o pesquisador do Centro Teológico Woodstock na Universidade de Georgetown (Washington) conversou com a Folha sobre o legado de Bento, seu sucessor e o processo de transição.
Descartou duas coisas: teorias conspiratórias e um papa latino-americano. "Não acho que haja união dos latinos por um nome", disse.
Folha - Muitas teorias circulam sobre a razão da renúncia do papa Bento 16. Alguma delas pode ser prontamente descartada?
Thomas Reese - Acho que o que aconteceu foi exatamente o que ele disse -é um caso em que a explicação bate com a realidade. Sua saúde está se deteriorando e só vai piorar. Ele decidiu que, pelo bem da igreja, é hora de se afastar. Acho mesmo que [a razão] é simples assim.
E quanto à influência que ele pode exercer sobre a escolha do sucessor? É factível?
As pessoas adoram uma teoria da conspiração.
Bento 16 já exerceu uma tremenda influência sobre a escolha de seu sucessor porque criou mais da metade dos cardeais eleitores [67 de 118]. Não acho que vá fazer muito mais que isso. E, tão logo renuncie, até um pouco antes, ele deixará o Vaticano e irá para Castel Gandolfo [residência papal de verão, 27 km a sudeste do Vaticano], impondo distância física entre ele e o conclave.
Há certa tendência de se analisar o Vaticano como se vê a política nacional em cada país. Em que o Vaticano difere?
É raro ver um governante tomar uma decisão assim. Veja o [presidente venezuelano Hugo] Chávez. Há presidentes que adoecem, não conseguem desempenhar sua função, mas continuam no cargo.
O que é especial aqui é que o papa está pondo o bem da igreja acima de seu poder e posição de honra -algo que poucos políticos fariam.
O que podemos esperar do próximo papa? Há um perfil ideal para a igreja neste momento, dado que, como o sr. já escreveu, não repetiremos João Paulo 2º nem Bento 16?
O trabalho mais importante do papa é conseguir pregar o evangelho de forma compreensível e atraente para as pessoas no século 21. É difícil.
Ele tem que ter habilidade linguística. Tem que ser um comunicador. Tem que saber, ou aprender rapidamente, italiano. E inglês, a segunda língua da maioria das pessoas, e espanhol, a língua da maioria dos fiéis. E seria bom saber português brasileiro, porque o Brasil é um país-chave.
E carisma?
Bento 16 não tinha muito carisma...
Pois é.
[Risos] Não é essencial... Talvez ele não tenha que ser exatamente carismático, mas ele tem que saber como se portar no palco mundial.
Não pode ser alguém que fale bobagem, que vá envergonhar a igreja, que cause problemas.
Ele tem, por exemplo, que entender o islã, porque, se disser algo errado a respeito, os católicos em países muçulmanos terão problemas. Ele tem que entender a crise dos abusos sexuais [na igreja], porque se disser algo errado a respeito haverá reação muito negativa nos EUA e na Europa, onde isso é um grande problema. Ele tem que ser cuidadoso ao falar.
Um bom relações-públicas é de quem a igreja precisa?
Sim.
O que o próximo papa pode aprender do legado de Bento 16, o que funcionou e o que não funcionou?
Bento 16 é muito inteligente, é um teólogo, um intelectual. A pergunta é se queremos outro papa assim, ou se queremos alguém mais pragmático, alguém que tenha sido um diplomata, ou um pastor.
Há conversas há décadas sobre reformar a Cúria, a burocracia do Vaticano. Intelectuais não são bons nisso. Precisamos de alguém com experiência administrativa.
Outra coisa: nos dois últimos conclaves, os cardeais elegeram o mais inteligente entre eles.
Queremos continuar com isso ou eleger alguém que ouça às demais pessoas inteligentes na Igreja?
Um problema de eleger alguém inteligente como o cardeal Joseph Ratzinger, ou mesmo como João Paulo 2º, é que seus subordinados relutam em desafiá-lo.
Se você acha que alguém é a pessoa mais inteligente do mundo, não o questiona, e não o protege dele mesmo. Isso colocou Bento 16 em enrascadas.
Esse temor não é algo que vem com a autoridade do cargo?
Um papa tem que querer ser desafiado a portas fechadas, para que não cometa erros. Se ele estiver com o rosto sujo e for aparecer diante de câmeras, alguém lhe dirá para limpar o rosto, não? Se ele vai dizer algo, é o mesmo.
O caso clássico é o discurso em Regensburg [Alemanha, em 2006, quando citou uma frase de um imperador bizantino que relacionava a violência ao islã].
Se os especialistas do Vaticano tivessem examinado o discurso, eles o teriam alertado para mudar as palavras. A forma como ele se expressou foi mal interpretada e causou muitos problemas.
Que outros erros houve?
Quando ele viajou para a América Latina e disse algo na linha de que a vinda dos espanhóis havia sido uma bênção para os índios por lhes trazer o cristianismo.
Não para quem foi morto.
Pois é, os espanhóis trouxeram bem mais coisas do que o cristianismo, como a exploração.
A igreja se beneficiaria de alguém com mais inteligência emocional, e não tradicional?
Sim, sim.
Há, novamente, especulações de que o próximo papa possa vir da América Latina ou talvez da África. Aconteceu o mesmo após a morte de João Paulo 2º, e o conclave elegeu outro europeu. Algo mudou?
As probabilidades sempre favorecem um europeu, que são maioria no colégio de cardeais. Além disso, se todos os cardeais latino-americanos concordassem em apoiar um só nome, o conclave poderia levar isso a sério.
Eu não acho, porém, que eles conseguem se unir em torno de um nome só. Mas acho que há uma preocupação de que seja quem for o próximo papa, ele seja sensível a questões importantes na América Latina.
Por exemplo, o cardeal canadense, Marc Ouellet. Ele tem experiência por ter trabalhado na América Latina, e isso contaria a seu favor.
O sr. quer dar um palpite sobre favoritos?
Não, não faço isso... Acho que é muito cedo para saber até quem são os candidatos principais.
As pessoas estão surpresas com a renúncia do papa, os cardeais ainda precisam conversar entre si.
Quando eles forem para o conclave [em março], veremos quem são os dois ou três candidatos favoritos. Então eles ainda precisarão conquistar 2/3 dos votos, e se ninguém conseguir, terão de chegar a um consenso. Podemos nos surpreender.
Não acho que haja um franco favorito. O cardeal Angelo Scola, da Itália, o mais citado, não está ainda nem perto de ter maioria das preferências.
Qual deve ser o foco imediato do sucessor de Bento?
O maior desafio é pregar o evangelho de forma atraente, compreensível. E tudo mais que vem a partir disso: a queda no número de pessoas que querem ser padres, a queda do número de fiéis que frequentam a igreja, o declínio da igreja na Europa e na América Latina, onde muita gente se tornou evangélica.
Sobretudo no Brasil.
Pois é, obviamente há algo errado [com a igreja] se as pessoas estão trocando o catolicismo pelos evangélicos.
É problema antigo, e Bento 16 não conseguiu evitar.
Ele reconheceu o problema, mas não achou a solução.
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