Quem increpa de "aquecimentistas" os cientistas do clima (e a opinião pública que os leva a sério) que estão na origem da massa crescente de observações empíricas e projeções matemáticas sobre os processos de transformação antrópica do sistema Terra, introduz subrepticiamente, com este rótulo, a sugestão de que se trata de gente que ~deseja~ que o planeta aqueça; que não só "acha" que ele está aquecendo, mas que acha isso ótimo. Não, não é verdade que eles achem isso ótimo... Eles acham isso péssimo, catastrófico; e uma boa parte deles entende que tais processos só serão desacelerados, e seus efeitos mitigados, se sobrevierem mudanças radicais no dispositivo tecno-industrial e na axiomática teológica do capitalismo. Na mesma direção, "catastrofista" é um termo que a direita, ajudada por seus inocentes inúteis de "esquerda", utiliza para insinuar que quem afirma estarmos diante de uma catástrofe planetária está torcendo pela catástrofe, e portanto ou é um maluco apocalíptico, ou é um espertalhão que pretende convencer a plebe de que tal catástrofe é iminente (não, ela não é "iminente", ela já está acontecendo) e assim descolar uma graninha com essa patranha. Não, não é verdade que aqueles que falam em catástrofe sejam "a favor" da catástrofe... Exceto no sentido de que eles entendem que estamos diante de processos para os quais o adjetivo "catastrófico" está em vias de se transformar em um delicado eufemismo, e que é preciso agir para interromper tais processos, mitigá-los, e revertê-los na estreita medida do ainda possível.
Aqueles que chamamos de "negacionistas", e que se auto-intitulam "céticos do clima", são chamados de negacionistas por nós — i.e. por aqueles que coincidem com a posição majoritária na comunidade acadêmica especializada — porque estes cientistas ou pseudo-cientistas negacionistas, seja por uma vaidade profissional elevada ao narcisismo psicótico, seja, frequentemente, por pura venalidade (muitos estão a soldo das indústrias do petróleo e de outras megacorporações criminosas), negam o que sabem perfeitamente ser certo, ou, para ser preciso, altissimamente provável. Não são "céticos", portanto; são, exatamente, negacionistas — trabalham para que a opinião pública ignore conclusões cientificas laboriosamente consolidadas; estimulam a paralisia, a (in)decisão de que nada se faça para mitigar os efeitos do aquecimento global. Desprezam, no mínimo, o elementar princípio da precaução. Na verdade, são eles os verdadeiros aquecimentistas e catastrofistas, pois colaboram ativamente para a progressão do aquecimento global e para a produção da catástrofe. São cúmplices, por imperícia ou por malícia, do presente estado de coisas. Devem portanto ser combatidos e contestados em todas as frentes, contextos e ocasiões.
E existem enfim os que chamarei de indiferentistas, posição compreensível quando se trata da população "em geral", cujo acesso à informação é restringido de todas as maneiras possíveis — mas a ficha vai acabar caindo, como já está caindo agora, quando (um exemplo entre centenas) a água começa a não cair mais do céu e as torneiras secam —, mas posição absolutamente inadmissível quando se trata de universitários, de estudiosos das ciências relacionadas ao sistema Terra, ou simplesmente de gente em condições de compreender a literatura especializada — senão no detalhe técnico fino, ao menos por ter a capacidade cultural e intelectual de sopesar os critérios de legitimação dos discursos científicos em circulação. Os indiferentistas estão muito próximos em espírito dos negacionistas, pois compartilham da mesma opção pela inação, da mesma adesão ao status quo. Estão do mesmo lado que estes na guerra pela Terra. Do lado da Exxon, da Shell, da BP, da Monsanto, da Bayer, da Nestlé, da Vale, da Odebrecht e da Camargo Corrêa.