sábado, 11 de outubro de 2014

Biologia - Eduardo Almeida Reis

Biologia


Eduardo Almeida Reis
Estado de Minas: 11/10/2014

Recebi o seguinte bilhete de um cavalheiro que se assina LO e se diz filósofo aposentado de Ipanema: “Todos nós cometemos o erro de considerar os políticos ‘gente como a gente’, mas não são; isso nos leva a não compreender como eles pensam e agem.

Vejam-se as zebras e os cavalos: ambos do mesmo gênero Equus, mas de espécies diferentes. Essa pequena diferença faz com que o comportamento das espécies seja completamente diferente. As zebras não são domesticáveis como os cavalos. Gente e políticos são do mesmo gênero, Homo, mas de espécies diferentes: sapiens e politicus.

Para a espécie politicus caráter, coerência, honestidade, organização, pontualidade, palavra, trabalho... são conceitos relativos, eventuais, sem maior importância. São algumas diferenças que levam a mal-entendidos da nossa parte, da espécie sapiens, a esperar da espécie politicus o que ela não tem para dar. É como se quiséssemos adestrar uma zebra como animal de montaria, de tração, de salto ou de corrida: não funcionaria”.

Preços
Cronicando sobre os problemas do Rio atual – quanto mais a cidade cresce, menos o carioca se movimenta –, Arthur Dapieve falou do custo de uma noite bebendo chope com amigos. Um chope decente está custando R$ 6,60 e nenhum homem sério bebe menos que 10 numa noite. Mais duas porções de tira-gostos baratos, 10% de gorjeta e táxis de ida e volta, a brincadeira não sai por menos que R$ 200.

Por acaso, li a crônica do Dapi no dia em que tomei um susto com o preço do presunto comprado no único supermercado decente aqui da aldeia. Ando numa fase de paladar apresuntado. Comprei meia-dúzia de bandejas de presunto Sadia e mais meia-dúzia de um outro suposto de ser 100% italiano. Na velocidade com que percorro as gôndolas supermercadistas, não tenho tempo de ver os preços, mas cada bandeja Sadia tinha o preço impresso em torno de R$ 4,50. Calculei que o italiano, de 100 gramas, custasse o dobro, porque é mil vezes melhor. Dei à comadre 200 pratas pedindo que me trouxesse 12 bandejas do italiano e comprasse outros produtos necessários para bem alimentar o patrão. Resultado: recebi 10 bandejas, pois o preço de cada uma gira em torno de 20 pratas e nem é do legítimo Parma, porque está escrito “a Parma”, isto é, à moda de Parma.

Presuntos espanhóis também são excelentíssimos. Quando morava em BH ganhei de presente um quilo do pata negra fatiado. Gostei muito. Em São Paulo, por R$ 2.890, você compra uma peça de 8,6 kg do jamón pata negra com osso. Mas encontra 100 gramas de jamón ibérico fatiado por R$ 70. Os ibéricos são ótimos.

Desespero
Com os pátios lotados, as revendedoras abarrotadas, as fábricas parando, os empregados em férias ou demitidos, é compreensível que a GM brasileira esteja preocupada. Precisa pensar nela própria, nos seus acionistas, em tudo que se relacione com a sua história de expressão internacional.

Na emergência, lembrou-se da publicidade. Propaganda vende até Coca-Cola, margarina e certos políticos. Primeiro, botou comerciais nas tevês em que o próprio presidente da GM, o colombiano Santiago Chamorro, prometia vender seus carros “a preços de funcionários”: não funcionou. Depois, prometeu vender carros numerados, como se automóvel fosse pato numerado para comer no La Tour d’Argent, famoso restaurante parisiense. Também não funcionou.

Em desespero, a multinacional lembrou-se de subverter o idioma em que faz sua propaganda, para ver se o anúncio cola. E anunciou seus carros “Sem IPI nenhum e sem juros nenhum”.

Soava mal. Juro, plural juros, é quantia que remunera um credor pelo uso de seu dinheiro por parte de um devedor durante um período determinado, geralmente uma percentagem sobre o que foi emprestado. Nenhum, plural nenhuns, é o que não existe, inexistente, nulo. Portanto, se a venda é sem juros, deve ser sem juros nenhuns.

No dia em que escrevo a GM botou na TV uma dúzia de presidentes engravatados, falando portunhol, oferecendo seus carros pelo sistema satisfação garantida ou seu dinheiro de volta, mais velho que a Sé de Braga, sinal de que a situação está ruça.

O mundo é uma bola
11 de outubro de 1852: inauguração da Universidade de Sidney, a mais antiga da Austrália. Sidney gastou há três anos mais de US$ 10 milhões na modernização de seu aquário: tubarões e arraias gigantes nadando por cima dos visitantes. Dizem que aquário dá azar.

Em 1864, Campina Grande é elevada à categoria de cidade. O só fato de ter educado o grande jornalista e escritor José Nêumanne, que ficou meu inimigo, justifica a existência daquela cidade. Em 1904, o padre católico, cientista e inventor Roberto Lendell de Moura, nascido em Porto Alegre, patenteia nos EUA suas invenções no campo da transmissão da voz, de ondas, telefone e telégrafo sem fio. Em 1968, Apollo 7, decolagem da primeira missão tripulada do Projeto Apollo. Em 1941 nasceu em Campina Grande, PB, o ex-senador Ney Robinson Suassuna, baixinho e gordinho, empresário, escritor, pintor, ex-ministro da Integração Nacional, que andou metido numas trapalhadas e fugiu para condomínio chiquérrimo na Flórida.

Ruminanças
“Roubar, se preciso for; confessar, nunca!” (R. Manso Neto). 

Do samba ao baião -Ailton Magioli

Do samba ao baião 

Pesquisadores da MPB destacam consistência do trabalho musical do humorista Chico Anysio. O artista foi parceiro de Arnaud Rodrigues, João Roberto Kelly e até da mãe, Haydée de Paula


Ailton Magioli
Estado de Minas - 11/10/2014


Chico Anysio, mesmo sem tocar um instrumento, era habilidoso na hora de casar as palavras com a melodia (Luiz Dantas/Divulgação)
Chico Anysio, mesmo sem tocar um instrumento, era habilidoso na hora de casar as palavras com a melodia


A cantora Maria Alcina conta que a música de Chico Anysio chegou a ela por intermédio de Rodrigo Faour. Ao lançar o livro Dolores Duran – As noites e as canções de uma mulher fascinante, o pesquisador a convidou para cantar Não se avexe, não. “No meu novo disco ela acabou chegando pelo produtor Thiago Marques, que sugeriu a gravação do baião, além de Vô batê pá tu, que não entrou no repertório por questão de espaço”, relata a cantora.

Para Alcina, Não se avexe, não faz parte do imaginário popular. “Lembro muito da minha mãe cantando o baião lá em Cataguases”, justifica a cantora. “Na minha gravação, quem canta é a guitarra”, acrescenta ela, ao elogiar a sofisticação do arranjo do baião, feito pelo maestro Rovilson Pascoal, que a acompanha no show de lançamento do CD De normal (Bastam os outros).

Ao lado de Maria Alcina, a mais recente reverência a Chico vem de dois atores: Gero Camilo e Luís Miranda, que recriaram o ambiente artístico da dupla formada pelo humorista e Arnaud Rodrigues, no espetáculo Aos baianos e aos Novos Caetanos. O show cênico-musical cumpriu turnê pelo país e já foi apresentado em Belo Horizonte. Fora dos palcos, o reconhecimento vem dos estudiosos da MPB.

“Chico Anysio fez tanto humor que eclipsou o compositor”, acredita o produtor e pesquisador Jairo Severiano, autor de Uma história da música popular brasileira – Das origens à modernidade. Para ele, Chico era um muito artista ativo e inteligente. “Porém, se comparado ao ator, escritor e cômico, o compositor era insignificante”, acrescenta Jairo, para quem a música foi apenas um complemento na carreira de Chico Anysio.

Parceiro do pesquisador em A canção no tempo – 85 anos de músicas brasileiras – 1901-1985, Zuza Homem de Mello, por sua vez, afirma que, “além da facilidade de criar personagens, Chico Anysio tinha um domínio fantástico da escrita, que acabou utilizando nas letras de músicas”. Mas o grande mérito dele – garante Zuza – era a voz, com a qual se mostrava convincente e se impunha. “A voz foi o motivo do sucesso de Chico Anysio, cujas incursões musicais demonstram, na verdade, necessidade de expansão artística”.

De acordo com Zuza, ao contrário de personalidades como Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, e o ex-presidente Jânio Quadros, que também se aventuraram na música com resultados pífios, Chico Anysio fez canções que resultaram em algo consistente. “Um exemplo é o samba Rio antigo, que ele compôs com Nonato Buzar e que foi gravado por Alcione”, diz Zuza Homem de Mello, que teve o privilégio de trabalhar ao lado de Chico Anysio, como técnico de som, no Teatro Record. “Nas apresentações, ele não precisava de nada. Acompanhado do violonista Mãe de Vaca, que tocou também com Elizeth Cardoso, Chico também cantava “em atividade muito maior do que se imagina”.

Filhos O filho Bruno Mazzeo lembra que o pai sequer tocava um instrumento. “Ele fazia mais letras de músicas”, diz Bruno, lembrando que o tio Elano, autor de Canção de amor, em parceria com Chocolate, também é compositor. “Gosto muito das músicas dele. Sobretudo dos Baianos & Os Novos Caetanos que, além de bem-humoradas, são cheias de suingue. Folia de reis, por exemplo, é linda. Assim como Urubu tá com raiva do boi e Vou batê pá tu, que dariam certo no carnaval de Salvador”, aposta o filho de Chico que, ao contrário do pai, chegou a tocar baixo em uma banda de rock que integrou também como cantor.

André Lucas, que também é filho de Chico Anysio, admite que o pai é um dos maiores poetas que o Brasil já teve. “Poucos conhecem esse lado dele”, garante André, lembrando que Chico imitava poetas de qualquer estilo. “Há poemas dele que você jura que foi Castro Alves quem escreveu”, acrescenta.

Nome na bolacha

Chico Anysio só passou a ser creditado como compositor a partir da marcha-rancho Rancho da Praça Onze, que fez em parceria com o amigo João Roberto Kelly para a abertura e encerramento (prefixo) do programa Praça Onze, da extinta TV Rio, na década de 1960. Gravada por Dalva de Oliveira no quarto centenário da cidade do Rio de Janeiro, a composição fez grande sucesso. “Ele também fazia muita coisa para o Nordeste”, recorda o parceiro João Roberto Kelly, citando o clássico A fia de Chico Brito. Devidamente registrado por Elis Regina em compacto duplo, de 1971, no qual o baião dividia o repertório com Nada será como antes, Osanah e Casa no campo, A fia de Chico Brito, de Francisco Anysio (como ele assinava, inicialmente), é um dos clássicos em que o compositor-humorista exercitava a veia nordestina. Dizem que, originalmente gravado por Dolores Duran, no registro feito por Elis, em plena ditadura civil-militar, a palavra “militá”, que aparecia no final da letra, teria sido substituída para evitar problemas com a censura.


DISCOGRAFIA

1957 – Hino ao músico (Dorival Silva, Chico Anysio e Nanci Wanderley)
1965 – Rancho da Praça Onze (Chico Anysio e João Roberto Kelly)
1965 – A família (Chico Anysio e Ary Toledo)
1968 – De como um garoto apaixonado perdoou por causa de um dos
                mandamentos (Nonato Buzar/ Chico Anysio/Wilson Simonal)
1973 – Chico City – Trilha sonora original – Chico Anysio e Arnaud Rodrigues
1974 – Baiano & Os Novos Caetanos – Volume 1, Arnaud Rodrigues,
              Chico Anysio e Renato Piau
1975 – Baiano & Os Novos Caetanos – Volume 2, Arnaud Rodrigues,
              Chico Anysio e Renato Piau
1979 – Rio antigo (Nonato Buzar e Chico Anysio)
1982 – Baiano & Os Novos Caetanos – A volta, Arnaud Rodrigues,
               Chico Anysio e Renato Piau
1998 – Safada (Wando e Chico Anysio) 


Parcerias em família


Aos 91 anos, Elano de Paula, irmão de Chico Anysio, lembra que chegou a compor com o irmão. “Nada, no entanto, que se transformasse em sucesso. A nossa ligação maior foi na parte não musical. Fizemos cerca de 30 filmes, 12 romances e duas peças de teatro a quatro mãos e duas cabeças”, contabiliza Elano, salietando que mãe, Haydée de Paula, assinou algumas parcerias com o filho Chico Anysio. Responsável pela musicalidade familiar – além de compor ela tocava piano – Haydée fez com Chico sucessos como Não se avexe, não.

Companheiro de trabalho de Chico Anysio por décadas, Joaquim Antonio de Camilo, o Quinzinho, filho de Ema D’Ávila (1916-1985) e sobrinho de Walter D’Ávila (1911-1996) diz ter visto o amigo oferecer músicas para artistas como Lulu Santos e Emílio Santiago gravarem. Além da produção musical de Chico na época da TV Rio, Quinzinho destaca o trabalho do humorista em parceria com Arnaud Rodrigues. “Chico era um gênio. Chegou a compor em espanhol as respostas da boleros como La barca, de R. Cantoral”, recorda Quinzinho.

Ele se recorda que Chico Anysio tinha loucura para ser cantor. “Ele amava dar notinha, fazer a primeira, segunda vozes, apesar de saber que não era cantor”, salienta. E cita espetáculos como Tal pai, tal filho, com André Lucas, e Chico.Tom, com Tom Cavalcante, nos quais o humorista exercitava a veia de cantor, com a ajuda do público. “Conto com vocês”, costumava dizer à plateia, antes de soltar a voz.

CLÁUDIA LAITANO - Upgrade democrático

Zero Hora 11/10/2014

Imaginem o pátio de uma escola na hora do recreio. No primeiro cenário, o pátio está vazio porque as crianças são proibidas de sair para brincar. O diretor da escola, convencido de que os alunos não sabem usar a liberdade com a devida responsabilidade, decide que as crianças devem permanecer sentadinhas, comendo o lanche em silêncio e pensando na vida. Isso é uma ditadura. No segundo cenário, as crianças podem brincar à vontade e têm liberdade para lanchar, conversar, jogar bola ou andar de balanço, mas se chutarem o coleguinha na canela vão parar na direção. Isso é uma democracia.

Em um terceiro cenário, as crianças reúnem-se em um pátio onde todos os brinquedos do mundo estão disponíveis a qualquer hora do dia e não há adultos por perto para regular o intervalo. Ali tudo é permitido, tanto os chutes nas canelas e as cotoveladas quanto as brincadeiras criadas em conjunto por crianças de todas as partes do mundo, de forma que umas aprendem com as outras o tempo todo e já não existe tanta diferença entre a hora do recreio e a hora de estudar. Isso é a internet.

Nestas eleições, as discussões sobre política nas redes sociais aumentaram em 84% o número de denúncias de crimes de ódio na internet no Brasil, informa um levantamento feito pelo jornal Folha de S.Paulo. Racismo, homofobia, xenofobia e intolerância religiosa foram as principais causas de denúncias. É como se aquelas crianças, brindadas com a possibilidade de fazer qualquer coisa na hora do recreio, decidissem reproduzir um ambiente hostil e primitivo, onde a civilização colapsou e todos falam ao mesmo tempo, mas ninguém se entende.

Felizmente, muita gente está convencida de que um outro mundo (virtual) é possível. No TED Global realizado durante a semana que passou no Rio, a jovem ativista argentina Pia Mancini apresentou a ouvintes de várias partes do mundo o projeto democracyos.org – uma ferramenta digital através da qual os eleitores podem debater projetos e mandar recados para seus representantes no Congresso. Uma ideia ambiciosa, talvez utópica, mas que nasce do esforço de usar a tecnologia para transformar o desconforto generalizado com a política convencional em algo mais do que um cartaz em uma manifestação.

O pátio livre e autogerenciado é uma realidade irreversível: a internet e as novas formas de convivência que ela provocou e possibilitou não vão ser desinventadas. O grande desafio para o século 21, porém, é fazer com que tecnologia, globalização, redes sociais e a demanda crescente por uma nova forma de fazer política, presente em manifestações nos quatro cantos do mundo nos últimos anos, engendrem algum tipo de aperfeiçoamento da democracia – e não o contrário.