quinta-feira, 13 de junho de 2013

O parêntesis de Gutenberg - Raquel Cozer

folha de são paulo

O parêntesis de Gutenberg


“Me perguntaram quando vai ter livraria em Taperoá, cidade de 12 mil habitantes onde nasci. Respondi: ‘Nunca. Nem vai precisar.  Provavelmente nem de biblioteca vai precisar’.”
Interessante a escolha do paraibano Silvio Meira, pesquisador da engenharia de software, para a abertura do Congresso do Livro Digital, em São Paulo. Chutou uns baldes que desafiaram qualquer sonolência de editores no auditório da Fecomércio, hoje cedo.
Professor do Centro de Informação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e cientista-chefe do Centro de Estudos de Sistemas Avançados do Recife (Cesar), Meira foi porta-voz daquela opinião que editores menos apreciam sobre o futuro do livro em palestra sobre “como leremos em 2020″, aquela que defende que não propriamente “leremos” e que aquilo que chamamos de livro digital talvez nem livro seja.
“Um editor me perguntou se isso tudo o que digo vai acontecer antes de ele se aposentar. Perguntei: ‘Quando você se aposenta?’. Ele: ‘Daqui a dez anos’. Falei: ‘Tá lascado.”
 ***
Imagem do vídeo que apresenta “The Silent History”
“The Silent History”, um “novo tipo de romance”, foi um exemplo do que esse discurso quer dizer. É um aplicativo, à venda por US$ 1,99 na Appstore, assinado por Kevin Moffett, Matthew Derby, Russell Quinn e Eli Horowitz, mas na teoria não só deles. Trata de uma epidemia de silêncio iniciada em 2011, com crianças ao redor do mundo nascidas sem a capacidade de ou interesse em se comunicar, algo que adultos demorarão a entender do que se trata.
Um vídeo e um texto apresentam a história ao leitor, que pode acompanhá-la de duas maneiras: lendo depoimentos dos personagens, que contam a história dos silêncios desde sua descoberta até 2043. Cada depoimento tem 1.500 palavras e, quando forem concluídos, equivalerão a algo como um romance de 500 páginas, segundo a revista Wired.
E há a opção de acompanhar e expandir as histórias de locais onde ela acontece. Essa opção só está aberta para quem estiver a pelo menos dez metros do cenário segundo as coordenadas do GPS. Uma história de um avião que pousa em Chicago, por exemplo, só poderá ser desbloqueada no aeroporto de O’Hare. Hoje há 250 locais desses no mundo, e os autores incentivam os criadores a elaborarem seus próprios relatórios de campo.
Gastei meus U$ 1,99. Se valer a pena, eu conto.
***
“É autoria? Não necessariamente. Autores na nossa época era quem escrevia tudo para a gente ler. O que a gente vê em ‘The Silent History’ é uma combinação de autor com leitor muito mais dinâmica, de pessoas que participam de várias formas.”
O que não é exatamente novo, lembra Meira. Em 1961, Raumond Queneau escreveu sua série de dez sonetos recombinantes. Dez sonetos de 14 linhas em dez páginas, sendo cada linha uma tira recortada. Cada tira que o leitor vira cria um novo poema. A leitura de um soneto por minuto tomaria 190 milhões de anos do leitor. Achei melhor não checar.
E então chegaríamos ao modelo iPod shuffle literário, expressão que Meira toma de Adam Langer, do “The Boston Globe”, em relação às referências explicitadas ou não em “Manuscrito Encontrado em Accra”, mais recente obra de Paulo Coelho. “O mais interessante sobre a abordagem de Coelho não é o que ele afirma ou cita, mas o que ele sugere sobre como textos, inclusive bíblicos, devem ser lidos”, escreve Langer.
O conceito de autoria que se tornou possível com a imprensa criada por Gutenberg (1398-1468), diz Meira, é um parêntesis na história. Antes, era o recr[e,i]ativo, o coletivo, a performance, o instável. Com Gutenberg, veio o original, o individual, o estável, o canônico. Fechado o parêntesis, vêm variações do que tínhamos antes dele (mas agora, veja só, em inglês, sinais dos tempos): sampling, [re]mixing, borrowing, appropriating.
Meu exemplo preferido disso foi uma referência ao blog Bibliotecas do Brasil, no post “Vandalismo e destruição de livros universitários”, sobre alunos com “o péssimo hábito de pegar livros para estudar e marcar os exemplares utilizando-se de canetas marca-texto com a maior naturalidade, sem levar em conta que aquele livro pertence à biblioteca da faculdade”.

“Anotar é uma nova forma de ler”, concluiu Meira. “Provavelmente no futuro vamos descobrir que a única coisa que interessa neste livro da imagem é o que está marcado em cor de rosa e azul. O resto do texto é enchimento de linguiça para vender papel.”
***
Essa leitura interfere em tudo que o mercado editorial tem de mais sagrado, que é o conceito de autoria. Não por acaso a mesa seguinte tratava justamente do direito autoral em tempos de livro digital, com representantes de variações internacionais da ABDR (Associação Brasileira de Direitos Reprográficos) e seus olhares mais conservadores e voltados à dinâmica de mercado.
Fui expulsa do Congresso do Livro Digital por uma apuração a concluir na Redação e pelo sotaque de Ranier Just, presidente da Internacional Federation of Reproduction Rights Organizations, num inglês talvez só não mais macarrônico que o meu.
Antes de sair, no entanto, não pude deixar de prestar atenção num argumento que, em tempos de Obama espionando o mundo, vale reflexão.
De Ranier Just: “As pessoas acham que a internet permite o anonimato. Não permite. O consumidor não é mais anônimo, e é sempre possível traçar a linha do produtor ao consumidor. Isso traz novas possibilidades, mas é preocupante quando você pensa em privacidade. Não é legal ter a noção de que outros sabem o que você lê quando vai para a cama.”

Quadrinhos

folha de são paulo
CHICLETE COM BANANA      ANGELI
ANGELI
PIRATAS DO TIETÊ      LAERTE
LAERTE
DAIQUIRI      CACO GALHARDO
CACO GALHARDO
NÍQUEL NÁUSEA      FERNANDO GONSALES
FERNANDO GONSALES
MUNDO MONSTRO      ADÃO ITURRUSGARAI
ADÃO ITURRUSGARAI
BIFALAND, A CIDADE MALDITA      ALLAN SIEBER
ALLAN SIEBER
MALVADOS      ANDRÉ DAHMER
ANDRÉ DAHMER
GARFIELD      JIM DAVIS
JIM DAVIS

HORA DO CAFÉ      JUNE
JUNE

'Lincha, mata', ouviu policial apedrejado

folha de são paulo
PM conta como foi atacado por manifestantes após se atracar com um pichador, em agressão filmada pela Folha
O policial chegou a apontar sua arma, mas não atirou porque "não era o limite para usar arma de fogo"
ANDRÉ MONTEIROGIBA BERGAMIM JR.DE SÃO PAULO"Lincha, lincha. Tira a arma dele. Mata", foram as frases ditas por manifestantes, segundo o soldado Wanderlei Paulo Vignoli, 42, que foi cercado e agredido durante protestos na Sé, anteontem.
Ele escapou de ser linchado após se atracar com um jovem que pichava o prédio do Tribunal de Justiça, como mostra vídeo publicado no site da Folha.
Ferido, apontou sua arma para os manifestantes para tentar contê-los, sem atirar. Depois, foi ajudado por outros integrantes do protesto e conseguiu fugir. Dois suspeitos de atacá-lo foram detidos.
Vignoli teve um dia de popstar entre os colegas. Deu entrevistas, recebeu elogios públicos do governador Geraldo Alckmin (PSDB), de Paris, e foi convidado para almoçar com o comandante da PM.
Solteiro e sem filhos, ele mora no centro, diz não ter carro e andar de ônibus e metrô. "Só não pago tarifa quando estou fardado."
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Folha - O que aconteceu?
Soldado Wanderlei Paulo Vignoli - Atuo na segurança do Tribunal de Justiça e nosso dever ali é proteger a saída de funcionários, desembargadores e juízes e também a população que sai do metrô e passa pela região.
Além disso, evitar danos ao patrimônio. Quando tentava impedir que uma pessoa pichasse o muro do TJ, 20 ou 30 pessoas começaram a jogar pedras e objetos em mim.
Quando levei a pancada, fiquei meio atordoado, sem saber o que estava acontecendo. Logo eu escutei: "Lincha, lincha, toma arma dele. Mata".
Você pensou em atirar?
Somos treinados para manter o autocontrole, só atirar no limite. Entendi que, mesmo tendo sido atingido com pedradas, não era o limite para usar arma de fogo, até porque nenhum manifestante usou arma de fogo. Temos que usar a voz, a intimidação, foi o que eu procurei usar.
Teve medo de morrer?
Com certeza. Essa foi a situação de maior gravidade pela qual passei. Quando escutei "lincha e mata", pensei que estava complicado.
Você chegou a apontar a arma.
Isso, para dizer: "Não se aproxime". E também pensei que no meio daquela manifestação estavam passando diversas pessoas que voltavam do trabalho e que não tinham nada a ver com ela.
Acredito que a grande maioria foi ali para depredar os prédios públicos, o comércio e até as pessoas que tentaram impedir a ação deles.
Você estava sozinho.
O treinamento que temos é que o PM não deve ficar só, mas acabou sendo uma situação atípica. Pensei que, se corresse, levaria chutes. Se caísse, ficaria mais difícil conter.
Você se atracou com o rapaz?
O rapaz que estava pichando ficou assustado. Quando percebeu que levei a pedrada, ficou sem reação. Não percebi agressão dele contra mim.
Você percebeu que outro grupo de manifestantes o ajudou?
Percebi que os PMs que fazem parte do TJ me cercaram com mais umas três pessoas. Mas acredito que pode ter havido, sim, uma meia dúzia de manifestantes que viu que acabou saindo do limite e tentou, sim, me ajudar.
O que acha dos protestos?
Nem a instituição nem eu somos contra manifestação. Quando a PM segue o protesto não é para reprimir, mas para manter a segurança. Mas há pessoas maldosas no meio que estão subvertendo esse direito.
Você anda de ônibus?
Uso ônibus ou metrô. Moro aqui na região central e não tenho carro, mas sei dirigir.
Você paga condução?
Pago. O PM só não paga fardado.
O que você acha da passagem a R$ 3,20?
Quem pode dizer isso é especialista.
Os manifestantes pedem tarifa zero. O que você acha?
Eu também gostaria, né? Mas acho que nem os países de Primeiro Mundo chegaram a esse patamar. A restauração do TJ custou mais de milhões e demorou um ano. Eles têm que entender que esse dinheiro [para restaurar] vai sair do bolso da população.

    Monitoramento conta com pelo menos cinco programas secretos - Nelson de Sá

    folha de são paulo
    Diretor diz que vigilância evitou "dúzias de atentados"
    RAUL JUSTE LORESDE WASHINGTONO diretor da NSA (Agência de Segurança Nacional), general Keith Alexander, disse ontem em audiência no Senado americano que "dúzias de atentados" foram desbaratados graças aos programas de vigilância de telefonemas e emails da agência.
    Ele defendeu o caráter reservado dos programas. "Se os terroristas souberem todas as maneiras que temos de pegá-los, americanos vão morrer", afirmou.
    Interrogado por uma comissão de senadores, o general disse que a vigilância é necessária para "defender a democracia e as liberdades civis dos americanos" e manter o país em "segurança".
    Ele afirmou ainda que divulgará números e dados sobre programas como o chamado Prism, que tem acesso a servidores de gigantes da internet. "Quero mostrar aos americanos que somos transparentes aqui", afirmou.
    Os senadores se dividiram entre elogiar o trabalho da NSA ou criticar a espionagem.
    "A noção de que nossos emails e telefones estão sendo monitorados, mesmo sem saber quem é terrorista ou não, não é nada fácil de aceitar", disse o republicano Mike Johanns, de Nebraska.
    A democrata Mary Landrieu, de Louisiana, disse que tinha "orgulho" de ter "um general quatro estrelas" à frente da NSA e que o país precisava agradecer pelo trabalho de monitoramento.
    Outro democrata, o senador Tom Udall, do Novo México, disse que o "elefante na sala" era saber o tamanho da coleta de dados.
    O general Alexander disse que o conteúdo de emails e ligações só podia ser acessado com autorização judicial.
    "Congresso, governo e Justiça supervisionam esses programas como em qualquer caso criminal", disse.
    Pesquisa divulgada ontem pelo instituto Gallup mostra que a maioria dos americanos (53%) desaprova os sistemas de vigilância, enquanto 37% aprovam. No entanto, apenas 35% estão muito preocupados com sua privacidade, enquanto 22% se dizem algo preocupados e 21%, não muito preocupados.
    Sobre Edward Snowden, que vazou informações sobre a vigilância para a imprensa, a divisão é maior: 44% aprovam sua atitude, enquanto 42% a desaprovam.
      Monitoramento conta com pelo menos cinco programas secretos
      Um deles coletaria dados de cabos submarinos situados no Brasil
      NELSON DE SÁDE SÃO PAULOA vigilância feita pela NSA (Agência de Segurança Nacional dos EUA) sobre dados privados de usuários de internet e telefonia envolve pelo menos outros quatro programas além do Prism, que ganhou repercussão após o jornal britânico "Guardian" revelar que ele permite acesso a informações de gigantes como Google e Facebook.
      Na apresentação de PowerPoint que sustenta as revelações, vazada por um ex-funcionário de empresa contratada pela NSA, um dos slides aponta a existência de quatro programas de "coleta de comunicações em cabos de fibra e infraestrutura".
      Dois dos programas são nomeados --Fairview e Blarney-- e dois foram apagados pelo "Guardian". Um dos programas de nome apagado, pelo que indica o mapa usado no slide, tem por alvo cabos submarinos situados, entre outros países, no Brasil.
      "O slide sugere que a NSA tem drenos em cabos na América do Sul e no Oceano Índico", afirma Christopher Soghoian, tecnologista da União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU), que acionou o governo Obama pela coleta de dados da empresa telefônica Verizon -- primeira revelação feita pelo diário "Guardian".
      Para Trevor Timm, da Electronic Frontier Foundation, que defende liberdade digital, embora "todo mundo esteja falando de Prism e Verizon, o vazamento da NSA joga luz" sobre os outros programas, que são igualmente de "vigilância massiva".
      O slide com os quatro programas não estava na primeira série publicada pelo "Guardian". Ele só foi divulgado pelo jornal dias depois, para comprovar que a NSA afirma realizar "coleta direta dos servidores" das companhias de tecnologia.
      Desde o início das reportagens, Google, Facebook e outras afirmam que a NSA, através do Prism, não tem acesso direto a seus sistemas.
      EUROPEUS
      A Comissão Europeia enviou carta ao Departamento de Justiça dos EUA cobrando explicações "rápidas e concretas" dos vários programas de vigilância da NSA.
      O texto ressalta "preocupação séria" com a informação de que Washington está "acessando e processando, em larga escala, dados" de europeus. Levanta, entre outras perguntas, se "o Prism e outros programas têm como alvo só os dados de americanos ou também --até principalmente-- os de não-americanos, inclusive europeus".
      No Brasil, o governo ainda não se pronunciou sobre os programas de vigilância.
        FOCO
        Namorada de ex-técnico da CIA era a 'heroína do pole dance'
        DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIASUma "super-heroína do pole dance". Assim se definia, no seu blog, Lindsay Mills, a namorada do homem que denunciou o esquema de vigilância do governo americano sobre telefonemas e dados de internautas de todo o mundo.
        O blog foi retirado do ar na última segunda-feira --um dia após a revelação de que o ex-agente da CIA Edward Snowden fora o responsável por vazar a informação ao britânico "Guardian"--, com uma mensagem emocionada.
        "Aqueles que me conhecem, sem a minha capa de super-heroína, certamente vão entender por que vou me abster de postar mensagens no meu blog por um tempo", disse Mills, sem citar o nome do namorado.
        No blog intitulado "L's Journey -- As Aventuras de uma super-heroína do pole dancing ao redor do mundo", Snowden sempre foi identificado apenas como "E", seu "homem misterioso".
        "Meu mundo se abriu e se fechou ao mesmo tempo, deixando-me sozinha no mar sem uma bússola", disse, afirmando que escrevia no seu "teclado banhado em lágrimas". No blog, ela postava vídeos e fotos de apresentações de pole dance (dança em postes) das quais participava.
        Também contou, numa publicação, sobre a mudança para o Havaí ao lado do namorado. Snowden tinha alugado uma casa na ilha de Oahu, onde morava até o mês passado.
        "Tudo o que eu sinto agora é a minha solidão. Mas, pela primeira vez na minha vida, eu me sinto forte o suficiente para ficar sozinha", disse. "Não importa para onde me leva o meu navio sem bússola, o amor vai me manter."

        ANÁLISE
        Vazamento coloca aliados dos EUA em situação delicada
        Americanos compartilham informações de inteligência com Austrália, Canadá, Reino Unido e Nova Zelândia
        Espionagem tem potencial de erodir apoio público da população de outros países à aliança com os americanos
        RICHARD MCGREGORDO "FINANCIAL TIMES", EM WASHINGTONBarack Obama diz que recebe com agrado o debate provocado pelo vazamento de detalhes sobre o vasto alcance das operações da agência americana de espionagem eletrônica. Para os aliados dos Estados Unidos, é difícil compreender o motivo.
        O longo e raramente admitido acordo de compartilhamento de informações entre cinco países ocidentais --Austrália, Canadá, Estados Unidos, Reino Unido e Nova Zelândia, esta última recentemente readmitida-- por anos foi a peça central oculta da aliança ocidental.
        Estabelecido depois da Segunda Guerra Mundial para monitorar a União Soviética, o sistema mundial "cinco olhos" rastreia tudo e todos --suspeitos de terrorismo no Oriente Médio, cientistas nucleares iranianos, jihadistas indonésios e comunicações militares da China.
        Os cinco países criaram elos institucionais profundos e capacidades técnicas com as quais a China pode apenas sonhar. Por isso, esse debate não envolve apenas os Estados Unidos.
        A NSA (Agência de Segurança Nacional) e seus parceiros operam instalações conjuntas na região rural do Reino Unido; no deserto do oeste da Austrália, com capacidade para rastrear comunicações na Ásia; e operavam até uma pequena estação de escuta em Hong Kong antes que a China retomasse a soberania sobre a área.
        Os aliados dos Estados Unidos claramente apreciam essa conexão de inteligência. Mas as consequências do vazamento têm o potencial de erodir o apoio público a uma aliança já distendida quase até o ponto de ruptura.
        O tema adotado pelos Estados Unidos para reconfortar a audiência interna --o de que a NSA não está espionando cidadãos americanos, mas recolhendo dados sobre ameaças estrangeiras-- tem o efeito oposto no exterior.
        No Reino Unido, William Hague se viu forçado a negar que o GCHQ, serviço britânico de espionagem eletrônica, esteja usando os tentáculos da NSA no exterior para contornar as leis britânicas.
        Na Austrália, o governo trabalhista está se contorcendo diante de questões sobre a investigação americana quanto a Julian Assange, que divulgou milhões de documentos secretos americanos pelo WikiLeaks e agora está refugiado na embaixada equatoriana em Londres por medo de ser julgado nos Estados Unidos.
        O prolongado processo de perseguição, extradição e encarceramento de pessoas como Snowden e Assange tem o potencial de agravar a desilusão em relação ao complexo de inteligência militar americano. Para quem quer que valorize o poder gerado pela comunidade "cinco olhos" de nações, isso só pode ser má notícia.

          Prostituição legal - Marcelo Miterhof

          folha de são paulo

          Prostituição legal
          Sobre turismo sexual, uma prostituta me disse: 'Hotel ganha dinheiro com turismo, bar, garçom. E eu não posso?'
          Há alguns anos fui assistir no festival de cinema do Rio o documentário "Mulheres Sem Piedade", do diretor alemão Lukas Roegler, que conta a história de nigerianas forçadas a se prostituir na Europa.
          De distintivo, há a constatação de que a rede mafiosa é chefiada por mulheres e a forma de coerção: um pacto de sangue feito ainda na Nigéria entre as mulheres traficadas e um mestre de vodu.
          O filme foi bom ao mostrar como uma crença pode moldar as atitudes humanas e que é possível romper com isso. Mas o melhor veio no debate após a sessão.
          Após a exposição do diretor, foi a vez de Gabriela Leite, puta e ativista política, que destacou a dificuldade de compreensão acerca da prostituição, expressa, por exemplo, no combate ao turismo sexual, dizendo algo como: "Se hotel ganha dinheiro com turismo, botequim, garçom e tanta mais gente ganham dinheiro com o turismo, por que puta não pode fazer o mesmo?".
          Da plateia, houve a fala de um antropólogo --holandês, creio--, destacando que entre as pessoas que conhece e com quem faz sua pesquisa sobre prostituição em Copacabana, seria possível encontrar cinco que foram vítimas de tráfico humano para fazer um filme parecido ao que tinha sido apresentado pouco antes.
          Entretanto, por mais terrível que isso seja, não discute o mais importante: a prostituição é predominantemente uma atividade livre e feita por pessoas adultas.
          Não tenho restrição moral contra a prostituição, pois adultos devem poder decidir livremente em que condições querem fazer sexo. Mas a situação de pobreza que força mulheres a se prostituírem me fazia vê-las apenas como vítimas. Esse debate mudou minha opinião: é preciso regulamentar o exercício da profissão.
          Afinal, ela é um jeito legítimo de buscar uma atividade mais rentável e autônoma. Mas mantê-la no gueto, submetida à violência da polícia --no Brasil, prostituição não é crime, mas é possível enquadrá-la como ato obsceno ou atentado ao pudor-- ou de seus "protetores", prejudica demais a vida desses profissionais.
          O regramento, como usual quando o Estado intervém nas vidas privadas, deve ser parcimonioso: é razoável, por exemplo, exigir exames médicos regulares e definir espaços nas ruas para a prática do "trottoir".
          Claro, a prostituição infantil e o tráfico humano devem continuar sendo um crime grave. Porém, é preciso legalizar o agenciamento e os bordéis. Não há razão para proibir práticas comuns de mercado, como a intermediação comercial e a provisão de infraestrutura para um serviço, se elas são feitas livremente.
          Não é fácil garantir uma liberdade individual se a maioria é contra, em especial quando há grupos politicamente ativos, como os religiosos. Esse é um conflito intrínseco à democracia, mas é preciso achar um jeito de priorizar os direitos civis.
          Nesse sentido, foi alvissareiro ver o médico infectologista Dirceu Greco, ex-diretor do departamento de DST do Ministério da Saúde, no programa "Entre Aspas", da Globonews.
          Greco foi sereno ao dizer que é uma vitória ter trazido a discussão à tona, mesmo isso tendo levado à sua demissão. Além disso, se contrapôs ao conservadorismo, que não se limita aos grupos religiosos, mas em alguma medida também existe em parte do movimento feminista.
          Presente no mesmo programa, a socióloga e especialista em gênero Rosana Schwartz mostrou certo desconforto com a frase da campanha que detonou a polêmica --"eu sou feliz sendo prostituta"--, alegando que suas pesquisas apontam que apenas 5% ou 6% delas seriam felizes com sua profissão.
          Rosana prefere que tivesse sido usada outra frase, que enfatizasse a necessidade de se proteger.
          Greco lembrou que as frases da campanha são de prostitutas e que havia mais de uma sobre a proteção, como: "Eu não posso ficar sem a camisinha, meu amor".
          Ele também destacou que a felicidade não está (necessariamente, acrescento eu) na profissão em si, mas em poder ser feliz, mesmo ganhando a vida de um jeito difícil, como em muitas outras profissões.
          Ninguém precisa gostar da prostituição, mas o mundo fica melhor se tentamos entender as razões alheias. Nesse sentido, sugiro a leitura do livro de Gabriela Leite "Filha, Mãe, Avó e Puta".

          A violência ganhou, azar o nosso - Clovis Rossi

          folha de são paulo
          A violência ganhou, azar o nosso
          Vandalismo, crimes hediondos, está criada uma cultura violenta que nos rebaixa em ranking global
          Saiu mais um ranking mundial, o GPI (sigla em inglês para Índice da Paz Global). O Brasil, de novo, faz papelão: é o 81º colocado entre 162 países, na metade exata da tabela e imediatamente atrás da Libéria, país que enfrentou duas guerras civis a partir dos anos 80.
          O GPI é feito pelo australiano Instituto para a Economia e a Paz, avalizado por figuras como o arcebispo Desmond Tutu, o ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan e o Dalai Lama, entre outros pacifistas.
          Suspeito que o Brasil terá pior colocação no "ranking" de 2014, porque o de 2013 não capta dados como as mortes de violência exponencial ocorridas recentemente nem o vandalismo embutido nas manifestações contra o aumento das tarifas de transporte. Esses episódios demonstram que a violência ultrapassou qualquer limite civilizatório.
          Não se trata de criminalizar manifestações de protesto. São direito indissociável da democracia. Mas nem na ditadura as manifestações resvalavam para um ataque tão indiscriminado ao equipamento urbano como está ocorrendo agora.
          O belo texto de Giba Bergamim Jr., publicado na Folha de ontem, mostra que os limites foram violentados. Reproduzo: "Um policial e um manifestante caíram no chão atracados. Cerca de dez pessoas começaram a agredir o PM com pedras, socos e chutes. Mesmo atingido, ele se levantou. De pé, sangrando, o policial apontou a arma para o grupo. Não disparou."
          Tivesse disparado, seria liminarmente condenado, enquanto seus agressores ficariam como vítimas da brutalidade policial, certo?
          Errado. Vítima da brutalidade --da polícia, de manifestantes e de assaltantes-- é uma sociedade refém de uma violência que se tornou traço cultural predominante, se se pode pôr cultura nesse caldo.
          E não é apenas no Brasil. O GPI mostra que "o mundo se tornou menos pacífico, com agudo aumento no número de homicídios".
          A partir de 22 indicadores quantitativos e qualitativos, o relatório vê um planeta 5% menos pacífico de 2012 para 2013.
          Em 110 dos 162 países avaliados, a situação piorou de 2008, ano do primeiro GPI, para cá.
          Deixo para antropólogos, sociólogos, cientistas sociais em geral analisar as causas do fenômeno, pois um mero repórter não tem instrumental para tanto.
          O fato é que a violência está tornando a vida um inferno em boa parte do planeta, em especial nos países ditos emergentes e em desenvolvimento. Em São Paulo, então...
          Se a violência não consegue emocionar as autoridades a ponto de levá-las a sair da letargia, que se emocionem com os seus custos econômicos: o GPI calcula que o impacto da contenção da violência seria de 11% do PIB global, equivalente a US$ 9,46 trilhões (R$ 20,3 trilhões). Suficiente para pagar toda a dívida dos países em desenvolvimento, fornecer fundos para a Europa socorrer seus países em crise e para custear as medidas necessárias para atingir as Metas de Desenvolvimento do Milênio.
          Nem menciono as vidas que seriam salvas porque vidas não contam muito hoje em dia.

          Papa Francisco fez menção a "lobby gay"

          Religiosos confirmam fala polêmica do pontífice
          A Clar (Confederação Latino-americana e Caribenha de Religiosas e Religiosos) confirmou ontem o "sentido geral" da fala do papa Francisco a membros da entidade no último dia 6.
          No encontro privado, segundo noticiado anteontem pelo site chileno "Reflexión y Liberación", o pontífice teria reconhecido a existência de "uma corrente corrupta" e de um "lobby gay" no Vaticano.
          "Não se pode atribuir ao Santo Padre, com segurança, cada uma das expressões contidas no texto, mas apenas seu sentido geral", afirmou a Clar em nota oficial ontem. A entidade também lamentou a divulgação da síntese do encontro, que acabou vazando para o site chileno.
          Segundo a presidência da organização, a fala do papa não foi gravada e o texto foi redigido com base na recordação dos participantes.
          "Essa síntese, que não contém as perguntas feitas ao Santo Padre, estava destinada apenas à memória pessoal dos participantes e de maneira alguma à publicação, para a qual, aliás, não se pediu autorização alguma", disse a entidade, que pediu desculpas pela "confusão" que pode ter causado.
          Segundo o texto reproduzido pelo site chileno, o papa afirmou: "Na Cúria há gente santa, de verdade, há gente santa. Mas também há uma corrente de corrupção, também há, é verdade."
          Em outro trecho, ele teria dito: "Fala-se de lobby gay', e é verdade, ele existe... É preciso ver o que podemos fazer".
          Questionado sobre as declarações do papa, o porta-voz do Vaticano, padre Federico Lombardi, recusou-se a tecer comentários, afirmando que se tratava de uma reunião privada.

            Marina Colasanti-À noite, as bruxas‏


            Estado de Minas: 13/06/2013 


            Amiga portuguesa me manda um surpreendente mapa vivo da Segunda Guerra Mundial. Vivo porque a cada impulso do mouse o mapa se modifica, as invasões vão acontecendo na tela do computador. Como se fosse um jogo e eu fizesse parte da ação, a um toque do mouse desperto a cor vermelha da Alemanha nazista. E ela avança, toque a toque, por cima das fronteiras. A Europa vai sendo tomada pela mesma cor. Não há explicações, apenas um som distante de explosões, o ranger das lagartas dos tanques, o ronco dos aviões, tudo muito discreto.

            Um toque a mais no mouse e, como um caldo derramado, o vermelho escorre sobre a Rússia. É o começo de 1941, 75% do Exército alemão avança para tomar Moscou.

            Quando desligo o mapa e agradeço por e-mail à amiga distante, ainda não sei que tenho um encontro marcado com esse mesmo ano, esse avanço, essa ameaça. E é para depois do jantar. As Bruxas da noite me esperam na escuridão.

            Eu as encontro num documentário da RAI, tão jovens todas, tão sorridentes, fotografadas junto a seus aviões. No início de 41, quando o Exército alemão forçava a frente oriental e a Rússia redobrava seu esforço de guerra para conter a invasão, a major da Força Aérea soviética Marina Raskova pediu uma audiência a Stalin. O projeto que lhe ofereceu foi aprovado. E 10 meses depois, três regimentos aéreos exclusivamente femininos entraram em ação.

            Nada estava a seu favor. Os colegas homens as receberam com desprezo e deboche, os uniformes eram grandes demais para elas, as botas tiveram que ser preenchidas com papel de jornal, o treinamento havia sido bem mais breve que os três anos regulamentares, e os aviões que lhes foram designados eram velhos, lentos e perigosos. Chamavam-se Policarpov U-2, biplanos de madeira e pano, antes usados para fumigação, que qualquer fósforo incendiava, onde a piloto e a navegadora iam sem proteção, entregues da cintura para cima ao frio e ao vento. Nenhum instrumento, só bússola, relógio e mapa. E nada de para-quedas. Do outro lado, os poderosos e velozes Messerschmidt alemães.

            O terceiro regimento só voava à noite. No escuro, desligando o motor por momentos para evitar o ruído, elas se aproximavam do alvo e despejavam suas bombas. Só duas de cada vez, porque o aviãozinho não aguentava carga maior. Aí, era só fugir da artilharia antiaérea, livrar-se dos caças alemães que saíam atrás delas, retornar à base, aterrissar, carregar mais duas bombas e levantar voo novamente. A noite das moças era animada. Como disse no documentário uma delas, agora velhíssima, mas igualmente alerta: “Quando nós terminávamos a nossa noite, os homens estavam apenas começando a se espreguiçar e se preparando para tomar café”.

            No fim da guerra, elas tinham feito 23 mil saídas e despejado cerca de 3 mil toneladas de bombas. Eram 40 tripulações duplas.

            Fui rever o mapa vivo. A retirada do vermelho nazista, empurrado para fora da Rússia, tinha agora outro sabor. Desta vez, no ronco distante dos aviões, imaginei distinguir o tossir dos Policarpov. E pensei naquelas moças de cabelos curtos, cortados pela norma militar, aquelas quase meninas sorridentes, de capacete de aviação e blusão de couro, tão pouco bruxas, mas assim batizadas pelos inimigos nazistas, que sabiam, na carne, do que elas eram capazes.

            Tereza Cruvinel - O Velho, Cassandra e Poliana‏

            Dilma tem todo o direito de exorcizar as pragas do Velho do Restelo e as profecias das cassandras, mas deve também evitar a "síndrome de Poliana" 


            Estado de MInas: 13/06/2013 


            Vestindo vermelho, a presidente Dilma Rousseff ressurgiu ontem lançando um programa de crédito subsidiado aos beneficiários do programa Minha Casa, Minha Vida, para a compra de móveis e eletrodomésticos. Não poderia haver palanque melhor para ela exorcizar a onda criada pelo viés de baixa na popularidade e o de alta na deterioração de indicadores econômicos. Evitando o primeiro assunto, ela enfrentou o segundo, reiterando que tudo está sob controle. Voltando de Lisboa, valeu-se da figura camoniana do Velho do Restelo para desafiar os pessimistas que torceriam pelo insucesso de seu governo.

            Governantes, em momentos difíceis, costumam apontar contra eles o canhão verbal. Para não recuar muito, Fernando Henrique referia-se frequentemente às “cassandras”, e citou também o Velho de Camões. Lula falava nos “pessimistas de plantão” e no “complexo de vira-lata”. O Velho do Restelo é um eco erudito que já atravessou muitos discursos políticos. No obra épica sobre as navegações portuguesas que alargaram o mundo, ele ficava no cais profetizando desgraças para os tripulantes das caravelas. “Azarando”, disse Dilma, usando a palavra duas vezes. Mas “O Velho do Restelo não terá a última palavra no Brasil”, assegurou desafiadora.

            É claro que uma presidente com a reeleição praticamente garantida, alta popularidade e prestígio mundial mobiliza a energia negativa das cassandras, que existem mesmo na política. Mas, é claro que a conjuntura negativa na economia não decorre apenas das profecia negativas, que os jornais vêm registrando, alguns com estranha vibração, há pelo menos três meses. Mas, se essas profecias adversárias estão se realizando, foi porque, de alguma forma, o governo ajudou, com medidas equivocadas ou com a falta de medidas, afora a incontrolável variável externa. Dilma tem todo o direito de exorcizar as pragas do Velho do Restelo e as profecias das cassandras, mas deve também evitar a “síndrome de Poliana”, aquela personagem da literatura juvenil que, mesmo sob raios e trovões, diz que tudo vai dar certo.

            Remédio vencido

            A própria medida lançada, o programa Minha Casa Melhor, baseia-se na receita que vem sendo usada para alavancar o crescimento, o estímulo ao consumo, que, por sua vez, é inflacionário. “É injusto dizer que este evento tem relação com as pesquisas, porque estava marcado há algumas semanas”, dizia ao fim da solenidade palaciana a empresária Luiza Trajano, das lojas que levam seu nome. Ela acredita que a medida terá um efeito aquecedor sobre o mercado, mas parte dos analistas econômicos vem dizendo que esse remédio já perdeu a eficácia. Mas voto, certamente, ele dá.

            Eleitoralmente, a oscilação negativa da popularidade de Dilma não abalou seu favoritismo. Ela perdeu alguns pontos, mas seus adversários, juntos, cresceram quase nada. O que as pesquisas indicam, por enquanto, são perigos de duas naturezas. O primeiro está no fato de ela não ter um tefal (antiaderente) forte como o de Lula. Se a economia desandar, especialmente a inflação, o eleitorado reagirá. O segundo não tem a ver com o povo, mas com a elite política. Se a popularidade voltar a minguar, os partidos de sua coalizão vão encarecer o apoio, podendo mesmo um ou outro debandar. Ela tem tempo para evitar uma coisa e outra.

            Quanto à identidade do Velho do Restelo, o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), dizia no final do evento: “Velhos do Restelo por aqui há muitos, e cada qual saberá enfiar a carapuça”. Para quem tenha curiosidade literária, um pedacinho da fala derrotista da personagem: “A que novos desastres determinas/de levar estes reinos e esta gente?/Que perigos, que mortes lhes destinas/Debaixo de algum nome preminente?”

            O valor dos aliados

            Relativamente ao segundo perigo que ronda Dilma – o de oscilação negativa na fidelidade e engajamento dos aliados – um sinal pode ter havido ontem na decisão da bancada do PMDB na Câmara de nada votar enquanto não forem apreciados os vetos acumulados. Isso não começou agora, mas também vem de longe o queixume sobre o tratamento arrogante que o Planalto dispensaria aos aliados. O encolhimento da popularidade, se não ameaça Dilma eleitoralmente, talvez sirva para ampliar a compreensão do governo sobre o valor dos aliados e a importância da articulação do governo no Congresso, hoje quase inexistente.

            Poucos, no PT, são tão realistas quanto o deputado Cândido Vacarezza (SP) quando aborda o assunto.“Nós temos aliados muito bons e o governo precisa compreender isso. O PT, com apenas 90 deputados, ou 17% das cadeiras na Câmara, não governaria o Brasil sem o apoio da coalizão. Agora, por desarticulação é que uma base com mais de 400 deputados exibe-se no plenário como uma Seleção Brasileira que precisa fazer de tudo para não perder para um time de várzea. Eles podem ter diferenças conosco, mas não têm divergências. Se fôssemos iguais, eles estariam no PT.”

            Dilma, agora, vai ter que tratar melhor os que lhe dão apoio.

            Mama África - Carolina Braga

            Mostra Internacional Imagem dos Povos, que começa sábado em BH, tem programação dedicada ao cinema contemporâneo do continente e sua influência ao redor do mundo 


            Carolina Braga

            Estado de Minas: 13/06/2013 



            Quando falamos em cinema americano, inglês, francês ou até mesmo no brasileiro, dá para imaginar o que pode aparecer na telona. Além de ser o que mais conhecemos, há um padrão de narrativa. Agora, o que esperar sobre um filme realizado nas Ilhas Maurício ou em Madagascar, Camarões, Moçambique, Congo, Burkina Faso? Faltam referências e sobra folclore. Pois abandone a ideia da África primitiva e se abra para o cinema do continente.

            É esse o convite da Mostra Internacional Imagem dos Povos, que será realizada em Belo Horizonte de15 a 30 deste mês, no Cine Humberto Mauro do Palácio das Artes, e entre 25 e 27 no Memorial Minas Gerais, na Praça da Liberdade. Em sua oitava edição, o evento chama a atenção para a variedade de temas e linguagens que a produção contemporânea audiovisual africana tem alcançado, seja no continente ou nas diásporas ao redor do globo. “É uma viagem que a gente pode fazer na diversidade humana”, comenta o bailarino e coreógrafo Rui Moreira, personagem do documentário Fan do Brasil, uma das atrações da mostra.

            De acordo com o cineasta e pesquisador Joel Zito Araújo, a África tem números surpreendentes que são desconhecidos do público brasileiro. “É o continente que mais cresce e o cinema acompanha esse ritmo. Existem ações efetivas de vários governos para que seja elemento de reforço das identidades nacionais e históricas”, explica. Joel Zito, que participará do Imagem dos Povos com o documentário Raça, defende a ideia de que ainda temos uma visão muito colonizada e desatualizada sobre a África hoje e, por consequência, sabemos muito pouco do cinema africano.

            A programação foi desenhada para borrar – nem que seja um pouco – essa imagem predefinida. Segundo o cineasta, o primeiro passo para isso é a compreensão da diversidade. “É pensar que a África não é somente negra”, ressalta. Assim, ele lembra que o continente tem boa parcela árabe e islâmica. Dele fazem parte tanto os dramas e comédias do cinema egípcio e da região do Magreb, assim como as criações marroquinas e até mesmo a “hollywoodiana” produção da África do Sul.

            “Gosto de destacar um aspecto que está presente em boa parte dos filmes: é uma África também com conflitos urbanos, plugada no século 21”, comenta Adyr Assumpção, idealizador e curador do festival. Diferentemente dos últimos anos, quando a escolha da programação era compartilhada, neste ano, o próprio Adyr percorreu mostras audiovisuais fora e dentro do Brasil. Uma delas foi o Festival Pan-africano de Cinema e Televisão de Uagadugu, em Burkina Faso, o mais antigo e considerado um dos mais importantes da região. Foi onde garimpou trabalhos, no mínimo, curiosos.

            Novos horizontes Criado em 2004, inicialmente em Ouro Preto, o Imagem dos Povos sempre procurou destacar a produção cinematográfica distante e ainda desconhecida no Brasil. Depois de abordar obras da Nova Zelândia, Índia, China e Japão, Adyr conta que, desde 2009, a aproximação com a África se acentuou. Isso, segundo ele, se deve também ao momento particular do audiovisual africano.

             É que muitos profissionais que deixaram seus países para ampliar a formação na Europa não só voltaram a produzir na terra natal como também ampliaram as coproduções. Esse movimento contribuiu com o desenvolvimento do chamado cinema da diáspora, ou seja, dos criadores com raízes africanas espalhados pelo mundo. É aí que entram outras safras mundiais e o maior interesse do Imagem dos Povos.

            “O cinema africano não está preocupado em fazer filmes sobre o negro ou o branco. Não tem problema de identidade. O cinema diaspórico brasileiro, caribenho e norte-americano tem a temática do racismo de forma muito mais acentuada”, explica Joel Zito. Além da produção brasileira, o Imagem dos Povos também realiza a primeira retrospectiva em Minas Gerais da obra do haitiano Raoul Peck. “É um cineasta importante nessa questão do olhar para a África. É um momento para ficar conhecendo um pouco mais dessa cultura guerreira”, convida Adyr.

            Todas as sessões do Imagem dos Povos têm entrada franca. Para ampliar o alcance, repete em 2013 a experiência com canal para a exibição pela internet dos filmes nacionais que fazem parte da programação. No ano passado, as 20 produções que ficaram disponíveis on-line foram assistidas por espectadores de 193 cidades de 29 países, nos cinco continentes.

            Outra atividade paralela à mostra é o 8º Seminário Internacional Imagem dos Povos – Encontros Criativos. Entre os temas estão os editais públicos e a produção artístico-cultural negra, com mediação de Rui Moreira e participação do presidente da Fundação Palmares, Hilton Cobra.

            Homenagem a Bulbul 

            O ator e cineasta Zózimo Bulbul, que morreu em janeiro, será o homenageado desta edição do Imagem dos Povos. Zózimo foi o primeiro ator negro a protagonizar uma novela, Vidas em conflito, na TV Excelsior e esteve à frente de papéis de destaque no cinema brasileiro, como em Cinco vezes favela (1962), Ganga Zumba (1963) e Terra em transe (1967). No evento de abertura será exibido o curta-metragem Alma no olho, e Rui Moreira apresentará coreografia especialmente criada para a ocasião.

            O que ver e por quê

            Cinema africano

            •  As crianças de Troumaron (2012, Ilhas Maurício, de Sharvan Anenden, Harrikrisna Anenden)
            O longa gira em torno da luta pela sobrevivência de quatro jovens nas Ilhas Maurício. Apesar do cenário turístico do local, a produção destaca questões urbanas muito particulares.
            •  O grito da pomba (2010, Nigéria, de Sani Elhadj Magori)
            É road movie nigeriano que aborda um tema universal: a família.


            Cinema da diáspora

            •  Raça
            (2013, Brasil, de Joel Zito Araújo e Megan Mylan)
            É documentário feito ao longo de cinco anos e que pretende registrar momento de afirmação da negritude no Brasil.
            •  O início dos sonhos
            (2010, EUA, de Horne Brothers)
            Feito nos Estados Unidos, toca diretamente na questão da formação do sentido de identidade no país.


            Programação

            •  Sábado
            19h – Alma no Olho (Soul in the eye), (1973, Brasil, 11 minutos, de Zózimo Bulbul) e Fan do Brasil (2013, Guadalupe/Brasil, 52 minutos, de Steve James)

            •  Domingo
            14h – 8º Seminário Internacional Imagem dos Povos – Encontros Criativos
            17h – Vamos fazer um brinde? (2011, Brasil, 75 min, de Sabrina Rosa e Cavi Borges)
            19h – Nossa estrangeira (2011, Burkina Faso, 82 min, de Sarah Bouyain)
            21h – Koundi e o feriado de quinta-feira (2012, Camarões, 86 min, de Ariane Astrid Atodji)

            • Segunda
            17h – Nessa rua tem um rio (2012, Brasil, 38 min, de Alexandre Pimenta e Beatriz Goulart)
            19h – Alma no olho e Fan do Brasil
            21h – Mahaleo (2005, Madagascar, 102 min, de César Paes e Raymond Rajaonarivelo)

            Cine Humberto Mauro do Palácio das Artes
            Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro. Entrada franca. Informações: imagemdospovos.blogspot.com