Valor Econômico -
20/02/2015
Passou o carnaval e, como estamos acostumados a afirmar, o ano começou.
Feliz 2015, prezados leitores e leitoras! Aliás, passamos dois meses
dizendo "feliz 2015" para todos aqueles que encontramos apenas depois do
Réveillon. Do ponto de vista formal, o ano começou com a posse de
Dilma. Do ponto de vista substantivo, na política, o ano começou um mês
depois, em 1º de fevereiro, com a eleição de Eduardo Cunha para a
presidência da Câmara. Os dois eventos se juntam agora, no início do ano
pós-carnavalesco, o ano que vale para um país chamado Brasil.
A
eleição de Cunha para a presidência da Câmara representa uma derrota
significativa para o governo. Trata-se da "mãe de todas as derrotas" que
se seguiram, e foram várias. Há duas comissões parlamentares, no âmbito
da Câmara dos Deputados, que são de grande importância para o processo
legislativo, em particular quando o governo Dilma terá que aprovar novas
medidas econômicas, que são uma inflexão na comparação com a política
macroeconômica adotada no primeiro mandato. Trata-se da Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) e da Comissão de Finanças e Tributação
(CFT). Os parlamentares que estarão à frente das duas comissões são
figuras de confiança de Cunha e, portanto, não necessariamente vão
defender a posição do governo.
Todas as medidas econômicas
gestadas no Ministério da Fazenda, sob o comando de Joaquim Levy, terão
que passar pelas duas Comissões. Uma eventual rota de conflito entre
Dilma e Cunha pode ter como consequência a oposição do presidente da
Câmara aos principais pontos do ajuste fiscal, e a consequente derrota
do governo. Pode ser que as leis que trazem as medidas econômicas sejam
desfiguradas já nas duas Comissões.
O governo também foi
derrotado na formação da Comissão de Reforma Política. Seu presidente é
Rodrigo Maia, do DEM, aguerrido e histórico opositor do PT. O partido de
Lula vinha há anos discutindo e cultivando mudanças no sistema político
brasileiro. Construir é sempre uma tarefa árdua e longa; destruir é
algo rápido e certeiro. A construção do consenso a que o PT se dedicava,
no que tange à reforma política, terá sido inútil após a escolha de
Maia para essa comissão. As iniciativas do PT serão, de agora em diante,
sumariamente destruídas.
Antes do Carnaval, foi votado e
aprovado pelos deputados o assim chamado orçamento impositivo. Mais uma
vez, após a eleição de Cunha para a presidência da Câmara, o governo foi
derrotado. A nova lei obriga o governo a executar as emendas
individuais ao orçamento da União que os parlamentares apresentam e
aprovam. No passado, as emendas aprovadas tinham sua execução
orçamentária barganhada entre o parlamentar interessado na emenda e o
governo. Caso o parlamentar votasse contra o governo, dificilmente os
recursos seriam liberados. Os fiéis ao governo, porém, tinham suas
emendas devidamente executadas. A aprovação do orçamento impositivo
aumentou a independência da Câmara em relação ao Poder Executivo.
A
Câmara é dirigida fundamentalmente por seu presidente. Mas a mesa tem
vários outros cargos: primeiro vice-presidente, primeiro secretário e
suplentes, entre outros. Em todos os governos, desde Fernando Henrique, o
partido do presidente sempre controlou um ou mais cargos da mesa da
Câmara. Trata-se de um fato inédito o que acabou de acontecer em
fevereiro: o PT não tem nenhum cargo neste importante órgão diretivo do
processo legislativo.
Vem sendo divulgado pela mídia que
interessa ao governo diminuir o peso relativo do PMDB. Pode ser
factualmente verdade, pode não ser. O que importa é a percepção dos
parlamentares do PMDB. Tudo indica que seus deputados realmente
acreditam nessa intenção do governo. Um dos sinais seria a eventual
criação do Partido Liberal, o PL, que poderia nascer com 30 deputados.
Feito isso, caso o PL fosse incorporado por outro partido, e se esse
outro partido fosse grande o suficiente, poderia surgir na Camara um
partido maior que o PMDB.
Cunha já agiu para impedir ou
dificultar que isso ocorra. Ele apresentou uma proposta legislativa que
impede que partidos recém-criados sejam incorporados por partidos já
existentes antes de cinco anos de existência. Caso essa iniciativa seja
aprovada, dificultará sobremaneira o sucesso do PL. Atualmente, os novos
partidos não têm mais tempo de televisão nem fundo partidário relativos
aos parlamentares que neles desembarcam. Tempo de televisão e fundo
partidário, só depois de disputarem e vencerem uma primeira eleição
dentro de um novo partido. Assim, no curto prazo, a esperança de tais
deputados seria de fato a incorporação. Uma incorporação, ou mesmo
fusão, depois de cinco anos, é um grande desincentivo para que
parlamentares que hoje detêm mandato migrem para um novo partido.
Não
bastassem essas más notícias, ganha corpo em alguns segmentos da
sociedade e da política a ideia de que seria possível tirar Dilma do
governo por meios legais, pelo processo do impeachment. Vários políticos
do PSDB falam nisso abertamente, um renomado jurista veio a público
defender a visão de que já há fundamento legal para isso, uma
manifestação nacional foi convocada com a finalidade de criar pressão
popular nessa direção. Enfim, uma ideia que até pouco tempo atrás era
somente uma peça de ficção acaba de entrar nos cenários possíveis
elaborados por empresas e órgãos que as representam. É bem verdade que
se mistura-se muito desejo com um pouco de realidade.
Estudos
acadêmicos bem formulados atestam que tanto o impeachment quanto a
renúncia, outro caminho legal para que um presidente deixe de exercer o
mandato antes de seu término regulamentar, ocorrem somente quando quatro
condições estão presentes: adoção de política econômica que resulte na
perda do poder de compra da população e consequente redução da aprovação
presidencial, escândalos ou denúncias de corrupção que atinjam a figura
do presidente, minoria parlamentar e povo nas ruas pedindo a saída do
chefe de governo. Quem viveu ou estudou o período saberá que essas
quatro condições estiveram presentes no caso de Fernando Collor. O mesmo
vale para Raúl Alfonsín e Fernando de La Rúa quando presidiram a
Argentina. E também para Siles Zuazo quando presidiu a Bolívia. Fora de
nosso continente, mas em um país emergente, o mais famoso caso no qual
essas quatro condições estiveram presentes foi o de Boris Yeltsin na
Rússia pós-comunista.
Dito isso, vê-se que hoje são mínimas as
chances de que Dilma sofra o impeachment. Mas o problema é outro: a
possibilidade permanentemente colocada tende a enfraquecer o governo. É
tudo que os deputados querem. Nada melhor para a Câmara e para o Senado
do que um governo fraco. Quanto mais fraco ele for, mais se consegue
dele.
É possível que a "mãe de todas as derrotas" não tenha sido
a vitória de Cunha para a presidência da Câmara, mas o fato de o
governo não ter entrado em campo em 2015 no que diz respeito às
negociações entre Poder Executivo e Legislativo. Trata-se de um apagão
político. A metáfora com o 7 a 1 do Brasil e Alemanha é perfeita. A
diferença é que uma partida de futebol é imensamente mais curta que um
mandato presidencial. Recuperar-se de um apagão político é muito mais
factível do que de um apagão futebolístico.
O governo federal
concentra, no Brasil, a maior parte dos recursos públicos, os cargos
mais relevantes e as principais decisões. É formidável o poder em suas
mãos. Mas isso não é tudo. É preciso saber utilizá-lo. É preciso que os
aliados do governo sejam bem tratados. Sabemos que os seres humanos,
todos, gostam de carinho. E os políticos também são humanos. Os recursos
na alçada do governo federal precisam ser compartilhados com os
aliados, assim como várias moedas de troca da política precisam ser
utilizadas.
Dilma, ao escolher Joaquim Levy para o Ministério da
Fazenda, acabou por se reinventar. A Dilma do segundo mandato é
inteiramente diferente, na política econômica, da Dilma do primeiro
mandato. A resistência à reinvenção da presidente vem somente de setores
conservadores da esquerda. Conservadores em um sentido muito
específico, aqueles grupos, líderes e pensadores da esquerda que são
inteiramente incapazes de mudar. Conservadores não mudam.
Se Dilma foi capaz de se reinventar na economia, é possível que também consiga fazê-lo na política.
Alberto
Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de "A
Cabeça do Brasileiro". alberto.almeida@institutoanalise.com
www.twitter.com/albertocalmeida
sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015
O distritão - Maria Cristina Fernandes
Valor Econômico -
20/02/2015
Muitos deputados tornaram-se donos de poderosas máquinas locais de intermediação de poder e voto. Um partido (LPD) surfou nas regras eleitorais e deu ao Japão a condição de única potência industrial do pós-guerra com 38 anos sem alternância de poder.
Seu mais famoso representante foi Kakuei Tanaka, um filho de agricultores que fez fortuna na construção civil associando-se à burocracia japonesa na compra de áreas que, posteriormente, seriam valorizadas por investimentos públicos. A ascensão de Tanaka ao cargo de primeiro-ministro e seu envolvimento na propinagem da fabricante americana de aviões Lockheed marcaram o fosso da degeneração da política japonesa.
A birra não parece ser com o sistema mas com o eleitor
Esta foi a experiência mais longeva do sistema eleitoral que o PMDB quer implantar no Brasil por nome de distritão. No Japão, sucumbiu em 1994. Uma reforma política não consertou todos os seus vícios que, lá e cá, extrapolam os limites da engenharia eleitoral.
A economia japonesa bombou nas décadas em que o clientelismo e a corrupção se entranharam em sua política. Foi sob a crise dos anos 1990 que o sistema eleitoral acabou reformado.
No Brasil, o vozerio de reforma política voltou com a soma de petrolão e pibinho. O avesso da coincidência acaba aqui.
A proposta que ganhou força com o poder redobrado do PMDB no Congresso muda uma das normas mais permanentes da política brasileira, uma Câmara dos Deputados eleita pelo voto proporcional em contraposição a um Executivo escolhido pela maioria.
Se a proposta do vice-presidente Michel Temer vingar, o Brasil vai acrescentar uma jabuticabeira em seu pomar. Publicação do Instituto para a Democracia e Assistência Eleitoral (www.idea.int/publications/esd/) mostra que dos 27 países que promoveram reformas eleitorais nos últimos 20 anos quase todos o fizeram no sentido de dar mais proporcionalidade a sistemas majoritários. A única exceção é Madagascar, que saiu de sistema proporcional para um misto.
O modelo brasileiro tem 70 anos. Foi criado às vésperas da Constituição de 1946 para se contrapor ao comando de ferro dos governantes da República Velha sobre seus distritos eleitorais.
A proposta do PMDB corre o risco de pegar porque é simples de explicar. Os partidos lançam seus candidatos e ganham os mais votados.
Acaba a regra em vigor que soma os votos de todos os candidatos, além daqueles dados à legenda, e divide-se por um quociente eleitoral para se chegar ao número de vagas a serem ocupadas pelo partido.
Pelo atual sistema entram os mais votados no partido. Pelo distritão, entram os mais votados no Estado.
A professora Argelina Figueiredo, do Iesp, estuda esses sistemas há quatro décadas. Não gosta de tudo que vê no modelo brasileiro, como o dinheiro que jorra das empresas nas eleições, mas custa a acreditar que a proposta do PMDB vá melhorá-lo.
A primeira pergunta que se faz é sobre quem vai formar a lista de candidatos. Em 2014, os 32 partidos lançaram 6.175 candidatos às 513 cadeiras da Câmara, uma média de 12 por vaga, mais do que os 11 que disputaram a Presidência.
Pelas normas em vigor, teriam direito esse número por quatro. Não o fizeram porque custa dinheiro recrutar, montar candidaturas e subsidiar campanhas. É um mercado no qual abocanham a maior fatia do bolo os partidos que montam as melhores estratégias.
Ainda não está claro como se daria essa escolha de candidatos no distritão. Como já não valeria mais a soma de votos obtida pelos candidatos, cresceria a competição dentro das legendas por uma vaga. Como a maioria dos partidos funciona sem eleição de seus dirigentes, é grande a chance de aumentar o caciquismo na arbitragem dessa disputa.
Argelina tem a convicção de que, se o eleitor hoje custa a reconhecer coesão programática nos partidos, não é no distritão que a encontrará. Cresceria o apelo para que os partidos lancem celebridades e candidatos cujas pautas encontram abrigo em programas de televisão de larga audiência e nas igrejas.
São Paulo elegeu uma bancada mais comprometida com a redução da maioridade penal depois de ter feito uma das maiores mobilizações de sua história, em 2013, em desagravo à violência policial. Os partidos falharam em canalizar essa indignação popular pelo atual sistema. O que aconteceria com o distritão? Daria voz ao desagravo ou à maioria conservadora que o assistiu pela televisão?
A atual legislatura dá algumas pistas. Apenas 35 parlamentares elegeram-se com seus próprios votos, dois terços dos quais ingressaram no mercado eleitoral como policiais, comunicadores, pastores e parentes de políticos.
Há maiores chances que os partidos consigam multiplicar candidaturas como a de Shéridan (primeira dama de Roraima, eleita pelo PSDB com a maior votação do seu Estado) e Feliciano (PSC-SP), do que as de Chico Alencar (PSOL-RJ) e Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), todos quatro pertencentes à seleta lista de puxadores de voto.
A votação de Tiririca, que puxou mais dois deputados para o PR explica muito do azedume com o atual sistema. É de se perguntar, no entanto, o que aconteceria se, em lugar de Tiririca, o candidato a puxar votos fosse o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa.
Como atrairia facilmente mais de um milhão de eleitores sem sair de casa, Barbosa poderia ter formado uma bancada de togados para ilustrar os debates parlamentares. Difícil imaginar que pudessem vir a ter uma votação própria superior àquela de Miguel Lombardi, o vereador de Limeira (SP) de 32 mil votos que Tiririca levou para a Câmara.
A birra não parece ser com o sistema que está aí, mas com o eleitor e suas escolhas. A Câmara poderia ser bem melhor, mas os brasileiros que não se reconhecem nela talvez também se sintam estrangeiros num vagão lotado do metrô. Nada sugere que o distritão vá acabar com esse mal-estar.
O Japão teve o mesmo sistema eleitoral por 69 anos. O país era dividido
em distritos com uma média de cinco deputados. Elegiam-se os mais
votados de cada distrito. Como as zonas rurais eram sobrerrepresentadas,
seus deputados dominavam a Dieta, o Parlamento japonês. Os prefeitos,
submetidos a um governo de forte centralização fiscal, recorriam a esses
parlamentares para liberar recursos e obras.
Muitos deputados tornaram-se donos de poderosas máquinas locais de intermediação de poder e voto. Um partido (LPD) surfou nas regras eleitorais e deu ao Japão a condição de única potência industrial do pós-guerra com 38 anos sem alternância de poder.
Seu mais famoso representante foi Kakuei Tanaka, um filho de agricultores que fez fortuna na construção civil associando-se à burocracia japonesa na compra de áreas que, posteriormente, seriam valorizadas por investimentos públicos. A ascensão de Tanaka ao cargo de primeiro-ministro e seu envolvimento na propinagem da fabricante americana de aviões Lockheed marcaram o fosso da degeneração da política japonesa.
A birra não parece ser com o sistema mas com o eleitor
Esta foi a experiência mais longeva do sistema eleitoral que o PMDB quer implantar no Brasil por nome de distritão. No Japão, sucumbiu em 1994. Uma reforma política não consertou todos os seus vícios que, lá e cá, extrapolam os limites da engenharia eleitoral.
A economia japonesa bombou nas décadas em que o clientelismo e a corrupção se entranharam em sua política. Foi sob a crise dos anos 1990 que o sistema eleitoral acabou reformado.
No Brasil, o vozerio de reforma política voltou com a soma de petrolão e pibinho. O avesso da coincidência acaba aqui.
A proposta que ganhou força com o poder redobrado do PMDB no Congresso muda uma das normas mais permanentes da política brasileira, uma Câmara dos Deputados eleita pelo voto proporcional em contraposição a um Executivo escolhido pela maioria.
Se a proposta do vice-presidente Michel Temer vingar, o Brasil vai acrescentar uma jabuticabeira em seu pomar. Publicação do Instituto para a Democracia e Assistência Eleitoral (www.idea.int/publications/esd/) mostra que dos 27 países que promoveram reformas eleitorais nos últimos 20 anos quase todos o fizeram no sentido de dar mais proporcionalidade a sistemas majoritários. A única exceção é Madagascar, que saiu de sistema proporcional para um misto.
O modelo brasileiro tem 70 anos. Foi criado às vésperas da Constituição de 1946 para se contrapor ao comando de ferro dos governantes da República Velha sobre seus distritos eleitorais.
A proposta do PMDB corre o risco de pegar porque é simples de explicar. Os partidos lançam seus candidatos e ganham os mais votados.
Acaba a regra em vigor que soma os votos de todos os candidatos, além daqueles dados à legenda, e divide-se por um quociente eleitoral para se chegar ao número de vagas a serem ocupadas pelo partido.
Pelo atual sistema entram os mais votados no partido. Pelo distritão, entram os mais votados no Estado.
A professora Argelina Figueiredo, do Iesp, estuda esses sistemas há quatro décadas. Não gosta de tudo que vê no modelo brasileiro, como o dinheiro que jorra das empresas nas eleições, mas custa a acreditar que a proposta do PMDB vá melhorá-lo.
A primeira pergunta que se faz é sobre quem vai formar a lista de candidatos. Em 2014, os 32 partidos lançaram 6.175 candidatos às 513 cadeiras da Câmara, uma média de 12 por vaga, mais do que os 11 que disputaram a Presidência.
Pelas normas em vigor, teriam direito esse número por quatro. Não o fizeram porque custa dinheiro recrutar, montar candidaturas e subsidiar campanhas. É um mercado no qual abocanham a maior fatia do bolo os partidos que montam as melhores estratégias.
Ainda não está claro como se daria essa escolha de candidatos no distritão. Como já não valeria mais a soma de votos obtida pelos candidatos, cresceria a competição dentro das legendas por uma vaga. Como a maioria dos partidos funciona sem eleição de seus dirigentes, é grande a chance de aumentar o caciquismo na arbitragem dessa disputa.
Argelina tem a convicção de que, se o eleitor hoje custa a reconhecer coesão programática nos partidos, não é no distritão que a encontrará. Cresceria o apelo para que os partidos lancem celebridades e candidatos cujas pautas encontram abrigo em programas de televisão de larga audiência e nas igrejas.
São Paulo elegeu uma bancada mais comprometida com a redução da maioridade penal depois de ter feito uma das maiores mobilizações de sua história, em 2013, em desagravo à violência policial. Os partidos falharam em canalizar essa indignação popular pelo atual sistema. O que aconteceria com o distritão? Daria voz ao desagravo ou à maioria conservadora que o assistiu pela televisão?
A atual legislatura dá algumas pistas. Apenas 35 parlamentares elegeram-se com seus próprios votos, dois terços dos quais ingressaram no mercado eleitoral como policiais, comunicadores, pastores e parentes de políticos.
Há maiores chances que os partidos consigam multiplicar candidaturas como a de Shéridan (primeira dama de Roraima, eleita pelo PSDB com a maior votação do seu Estado) e Feliciano (PSC-SP), do que as de Chico Alencar (PSOL-RJ) e Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), todos quatro pertencentes à seleta lista de puxadores de voto.
A votação de Tiririca, que puxou mais dois deputados para o PR explica muito do azedume com o atual sistema. É de se perguntar, no entanto, o que aconteceria se, em lugar de Tiririca, o candidato a puxar votos fosse o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa.
Como atrairia facilmente mais de um milhão de eleitores sem sair de casa, Barbosa poderia ter formado uma bancada de togados para ilustrar os debates parlamentares. Difícil imaginar que pudessem vir a ter uma votação própria superior àquela de Miguel Lombardi, o vereador de Limeira (SP) de 32 mil votos que Tiririca levou para a Câmara.
A birra não parece ser com o sistema que está aí, mas com o eleitor e suas escolhas. A Câmara poderia ser bem melhor, mas os brasileiros que não se reconhecem nela talvez também se sintam estrangeiros num vagão lotado do metrô. Nada sugere que o distritão vá acabar com esse mal-estar.
Tecnec e pipa - Eduardo Almeida Reis
Contou-me que, uma tarde, no motel, a
jovem choramingou: 'Eu quero soltar pipa'. E o bom amigo rodou BH
inteira comprando linhas, varetas, e papéis
Estado de Minas: 20/02/2015
Do alto de seu 1,81m, Maria Beltrão pautou tecnec no programa Estúdio i. É uma tolice inventada por dermatologista americano, homem de Harvard, para denominar as rugas no pescoço (nec, em inglês) provocadas pela tecnologia (tec): uso excessivo de tablets e celulares. Diversas jornalistas consultadas e 58% dos telespectadores admitiram ter problemas de postura e dores nas costas provocados pela tecnologia.
Maria Beltrão liderou o grupo conduzindo o programa com o seu lindo, admirável, cobiçado pescoço à mostra. Está para nascer o homem sério que não sonhe com o pescoço da filha do muito saudoso Hélio Beltrão, que tentou desburocratizar esta choldra que tem hino, bandeira e constituição.
Uma das providências do grande Beltrão seria acabar com o reconhecimento de firmas nos cartórios, assunto que conheço bem. Durante anos, reconheci diariamente milhares de firmas num cartório carioca, no qual os contratantes nunca tiveram suas assinaturas. Deu para entender? O jovem philosopho deixava uma pilha de contratos para o funcionário do tabelionato “reconhecer” as firmas à noite, em casa, e apanhava os contratos deixados na véspera com as assinaturas “reconhecidas”. O país é pouco sério, mas o pescoço de Maria é seriíssimo.
No mesmo programa, um comentarista de cultura e comportamento falou da pipa, brinquedo que consiste numa armação leve de varetas, recoberta de papel fino, e que se empina no ar por meio de uma linha: arraia, cafifa, pandorga ou raia. Lembrei-me de um bom amigo, cidadão exemplar, casado, pai de filhos, que descolou namorada 30 anos mais nova para alegrar sua existência.
Contou-me que, uma tarde, no motel, a jovem choramingou: “Eu quero soltar pipa”. E o bom amigo rodou Belo Horizonte inteira comprando linhas, varetas, colas e papéis finos para montar, no escritório de sua indústria, as pipas que empinou com a gostosa num condomínio de Brumadinho.
Terrorismo
Os zoológicos do Rio e de Brasília brigam pela girafa Zagalo, contenda que pode ser analisada pela óptica jurídica, chata como sempre, pelo viés ambientalista normalmente histérico ou à luz do sexo dos girafídeos, que escolhi num acesso de lubricidade senil. Acontece que fui ao livro do Robert A. Wallace, Ph.D em sexo animal, e não achei um capítulo sobre girafas in love, motivo pelo qual peço licença para abordar o terrorismo com esta lucidez que o leitor conhece.
Enquanto philosopho, afirmo que os membros de uma célula terrorista, com seus AK-47 e mísseis (!), não alugariam nem comprariam apê em prédios de 20 andares com porteiros, elevadores e câmeras de segurança. Alugam ou compram em edifícios baixos, de poucos apartamentos, em residências urbanas ou sítios das zonas rurais.
Se me fosse dado palpitar, diria às forças de segurança de diversos países, sem exclusão do Brasil, que divulgassem números de telefones tipo “disque denúncia”, sem identificação do denunciante, para que toda a população ordeira pudesse telefonar informando sobre vizinhos “estranhos”.
É relativamente fácil para o morador de um edifício pequeno, de seis ou 10 apartamentos, desconfiar da movimentação dos vizinhos, como também é fácil ver as pessoas que entram ou saem das casas próximas. Nas zonas rurais, o negócio é mais complicado. Ainda assim o controlo \ô\ não é impossível.
Pausa para contar que encuquei um professor particular de português, sujeito brilhante, saudoso amigo, quando escrevi controlo para fugir do galicismo controle \ô\. O regionalismo lusitano controlo também foi pescado no francês contrôle, mas o aluno rebelde se divertia com essas brincadeiras e alcançou a maturidade sem saber francês nem português.
Volto ao terrorismo para perguntar ao leitor se não achou minha ideia supimpa? Se o problema é de todos nós, é importante que ninguém se omita, verbo omitir, latim omitto (< *ommitto <*obmitto),is, mísi,missum,tère ‘deixar escapar, omitir, passar em silêncio etc.’. Falou?
O mundo é uma bola
20 de fevereiro de 1255: o rei Afonso III, de Portugal, doa os castelos de Ayamonte e Cacela a dom Paio Peres Corrêa, Mestre da Ordem de Santiago. Em 1547, Eduardo VI é coroado rei da Inglaterra. Tinha nove anos de idade. Filho de Henrique VIII e de Jane Seymour, era parente por via materna do responsável pela coluna Tiro&Queda. Tuberculoso, o priminho morreu em 1553.
Em 1725, na colônia inglesa de New Hampshire, América do Norte, primeiro caso registrado de um Native American escalpelado por brancos. Em 1777, esquadra espanhola de 10 mil homens (10 mil!) chega à enseada catarinense de Canasvieiras disposta a recuperar as terras sul-brasileiras. Informada de que o Datenão e a ministra Ideli passam os finais de semana em Santa Catarina, a espanholada se mandou de volta para a Península Ibérica, hoje considerada Europa.
Em 1832, Charles Darwin visita Fernando de Noronha. Dizem que o arquipélago é muito bonito. Em 1941, os nazistas enviam o primeiro grupo de judeus para os campos de concentração. No mesmo ano, criação no Brasil do Correio Aéreo Nacional. Em 1962, num foguete Atlas, o astronauta John Glenn faz o primeiro voo orbital norte-americano. Em 2006, o historiador britânico David Irving é condenado por um tribunal austríaco a três anos de prisão por ter negado o Holocausto durante a II Guerra Mundial.
Ruminanças
“O natural é aborrecido” (Paul Valéry, 1871-1945).
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