segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Comércio e confiança, duplo déficit com EUA - Sergio Leo

Está pavoroso, para as contas externas, o comércio entre Brasil e Estados Unidos: o país importou dos americanos US$ 6,8 bilhões a mais do que exportou para os EUA, entre janeiro e agosto de 2013, na comparação com o mesmo período do ano passado. O rombo nas contas comerciais já é 21% superior ao déficit no comércio bilateral em todo o ano de 2012. Razão mais do que suficiente para que a Casa Branca ficasse de olho no Brasil. Mas não para justificar o escândalo descoberto também durante a semana, de espionagem dos EUA nas comunicações da presidente Dilma Rousseff.
Até então, mesmo desanimada com a falta de temas mais fortes para a agenda de sua visita de Estado a Washington, em outubro, Dilma estava disposta a não transformar a espionagem americana denunciada pelo ex-agente terceirizado Edward Snowden em empecilho à visita aos EUA. A bisbilhotagem em e-mails e as desculpas que se revelaram esfarrapadas por parte de autoridades americanas deveriam ser o tema de um discurso duro, em frente a Obama, no pronunciamento público após o encontro. E a agenda bilateral seguiria.
Azedaram-se os humores, não só no Palácio do Planalto, com a revelação, no Fantástico, de que os arapongas da NSA, o serviço de inteligência americano, vangloriavam-se de registrar os contatos de Dilma com a própria equipe, e se perguntavam se o Brasil seria inimigo ou problema. "O mais grave é a falta de sensatez do governo americano, que não teve coragem de ligar e pedir desculpas", comentava o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a seus interlocutores em São Paulo, na semana passada.
Difícil imaginar um gesto dos EUA capaz de reparar o dano
Antes do fim de semana, o presidente Barack Obama, encontrou-se com a presidente Dilma Rousseff, mas só na quarta-feira haverá uma resposta do governo americano à reclamação da presidente brasileira. O clima, no governo, é de adiamento, por tempo indefinido, da visita de Estado. Já não se esperavam acordos muito empolgantes, mas a visita, em si, teria uma função simbólica, de mostrar prestígio para a chefe de governo. A denúncia de que Dilma era vigiada sem escrúpulos pelo aparato de segurança americano anula o efeito positivo, a menos que surja algum gesto da Casa Branca e do Departamento de Estado dos EUA - inimaginável, até agora - capaz de reparar o estrago político.
A nova denúncia no Fantástico, ontem, de que a Petrobras também foi vigiada, confirma suspeitas no Planalto de espionagem comercial, e torna mais difícil a resposta de Obama, que não sabe a extensão dos vazamentos em poder de Snowden.
"Grave, gravíssimo", para Lula, é todo esse episódio. Entenda-se aqui a manifestação do ex-presidente e conselheiro de Dilma como sinal político do que o principal partido governista espera, a partir do escândalo. Ao lado da palavra "grave", outra, "soberania", tem sido muito repetida por esses dias. Lula tem dito que continua acreditando ser importante a "parceria estratégica" com os EUA, que classifica de "parceiro comercial extraordinário". Mas acredita que não bastarão declarações diplomáticas para minimizar a intrusão nas comunicações do governo, e que o Brasil está "desafiado" a construir um sistema antiespionagem, se necessário com ajuda dos parceiros dos Brics (não é inocente a menção aos também experts em espionagem Rússia, Índia e China).
O ministro da Defesa, Celso Amorim, ao reagir às primeiras denúncias, no primeiro semestre, já havia aproveitado para lembrar a necessidade de autonomia e desenvolvimento local de tecnologias na área militar e de informática. Assessores de Dilma, que, há alguns meses, a partir de comentários de Dilma, começavam a acreditar na possibilidade de um acordo para renovar a frota da Força Aérea Brasileira (FAB) com jatos da Boeing americana, agora estão céticos, por ter aumentado o clima de desconfiança com Obama.
Mas o incômodo com a fragilidade do país em relação à bisbilhotagem virtual, auxiliada por empresas dos EUA, ainda que forçadas pela legislação americana, ameaça transbordar para outros debates no governo. Interlocutores de Lula na semana passada não deixaram de notar comentários do líder espiritual do PT em relação a uma das empresas associada - por determinação governamental - aos esforços de espionagem: "O Google leva US$ 4 bilhões em publicidade brasileira e paga imposto de renda nos Estados Unidos", acredita Lula.
Há duas semanas, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, anunciou que empresas de Internet devem ter nova regulamentação para pagamento de impostos em breve, para deixar de fazer no exterior parte da cobrança por serviços prestados no Brasil. O Google, na ocasião, divulgou nota afirmando pagar todos os impostos devidos no Brasil, que superaram R$ 540 milhões em 2012.
Não se espere animosidade contra empresas dos EUA nos leilões de infraestrutura, por exemplo. E seguirá funcionando a miríade de grupos de trabalho bilateral sobre temas técnicos, educativos e culturais. Mas a revelação de que os EUA desrespeitam a privacidade até da presidente da República deu argumentos aos que defendem desenvolvimento de tecnologias locais em áreas sensíveis.
Com ou sem aproximação entre os chefes de Estados dos dois países, o fato é que o Brasil não conseguiu aproveitar o aumento na cotação do dólar e a recuperação da economia americana para melhorar suas contas de comércio com aquele país. O tombo colossal nas exportações de petróleo, 55%, ou US$ 2,2 bilhões, explica grande parte do aumento no déficit comercial bilateral. Mas mesmo retirando-se da conta o impacto da queda na exportação de óleos brutos de petróleo, o déficit comercial com os EUA está quase 70% acima do registrado no mesmo período do ano passado.
O forte aumento nas vendas de suco de laranja (331%) e de alguns derivados de petróleo (acima de 100% e até 600% no caso do tolueno) não compensou a queda na exportação de semimanufaturados de ferro e aço, peças e partes de automóveis, moto-compressores, geradores elétricos e outros produtos da pauta tradicional com os EUA.
Sergio Leo é jornalista e especialista em relações internacionais pela UnB. Escreve às segundas-feiras
E-mail: sergioleo.valor@gmail.com


É essencial desenvolver informações melhores da universidade - Simon Marginson

Ensinar e aprender são mais difíceis de quantificar. Faltam ferramentas para comparar a qualidade do ensino de diferentes disciplinas
SIMON MARGINSONHá muito em jogo no ensino superior. Governos e público esperam, com razão, que as universidades elevem o nível nacional de capacitação, fomentando a modernização continuada e o avanço da prosperidade.
Pesquisas produzidas em universidades enfrentam grandes problemas humanos, como saúde pública, projeto urbano, segurança de alimentos e água e mudança do clima. Ao mesmo tempo, a pesquisa tem papel cada vez mais central nas economias propelidas pelas inovações em produtos e marketing -e a ciência e o estudo se tornaram grandes instrumentos de desenvolvimento regional e de melhoria da vida urbana.
O surgimento de ensino e pesquisa de classe mundial é um dos traços principais nas duas grandes zonas de desenvolvimento acelerado do século 21, a América Latina e o leste da Ásia. A crescente força das universidades do Brasil é tanto sintoma quanto causa da crescente força do Brasil no cenário mundial.
A USP é uma instituição de primeira linha em termos de ciência e desempenho acadêmico. Outras universidades brasileiras também estão começando a ganhar importância internacional. As escolas de primeira linha são poderosas concentrações de talento, criatividade, percepção, ideias e desenvolvimento de produtos.
É crucial que o Brasil desenvolva mais instituições como essas. Os países sem universidades de classe mundial se verão cada vez mais sujeitos a agendas determinadas fora de suas fronteiras. A fraqueza na educação e na ciência significa neocolonização e dependência.
Mais e mais famílias desejam saber quais as melhores universidades para seus filhos. Público, governo e empresas querem saber quais devem ser foco de investimento e como as instituições brasileiras se comparam às universidades de outros países, e umas às outras.
Tudo isso torna essencial o desenvolvimento de informações melhores sobre as universidades. Trata-se de instituições complexas, com muitos papéis e muitas formas de produção. Uma maneira de enquadrar as informações é classificá-las em comparação direta, com critérios determinados pelos diferentes elementos da atividade universitária: ensino e aprendizado, pesquisa, inclusão social, conexões internacionais e assim por diante.
Com seu ranking de universidades brasileiras, a Folha fez exatamente isso. O ranking resume um problema complexo em termos claros e simples.
Mas esse processo também tem seus limites e pontos fracos, e é importante tê-los em mente.
Muitas vezes, os rankings combinam dados objetivos -fatos observáveis, tais como o número de alunos e de estudos publicados ou as verbas investidas- a fatores subjetivos, baseados em pesquisas. Pesquisas de opinião, quer entre leigos, quer entre especialistas, sempre se baseiam em informações parciais, distorcidas e imprecisas. Não podemos depender delas para oferecer comparações precisas entre instituições. Dados sólidos e observáveis são muito mais úteis.
ENSINAR E APRENDER
Os rankings medem algumas formas de produção universitária de maneira mais completa e precisa que outras. Os indicadores de pesquisa em termos de número de estudos publicados, e do impacto desses estudos com base no número médio de citações acadêmicas, são relevantes e têm base sólida. Mas esses indicadores não nos dizem tudo sobre a relevância social e econômica e o impacto das pesquisas.
Ensinar e aprender são muito mais difíceis de quantificar. Faltam-nos ferramentas para comparar precisamente a qualidade do ensino de diferentes disciplinas universitárias, quanto mais para comparar uma universidade à outra, ou países inteiros. Podemos medir os recursos materiais investidos, mas não a qualidade das aulas e seus efeitos a longo prazo sobre o avanço na capacitação dos estudantes.
Indicadores de internacionalização e de contribuições das universidades à inovação capturam apenas pequena porção das ricas atividades que essas rubricas abarcam. Isso não significa que sejam inválidos, mas que os rankings devem ser tratados como uma dentre diversas fontes possíveis de informação.
Surgem outros problemas quando esses diferentes elementos são combinados em um índice e tabela de classificação únicos. Para combinar os diferentes elementos, é preciso desenvolver um sistema de ponderação. Ponderar é um processo estimativo, e o ranking combinado resultante tem pouco valor objetivo. Essa é uma área na qual o processo de ranking envolve simplificação excessiva. É melhor classificar universidades em termos de indicadores únicos do que de indicadores combinados.
A despeito desses problemas, as comparações e rankings universitários são um setor em crescimento. O debate sobre a precisão e validade dos indicadores fomenta uma cultura de melhora na mensuração. No futuro, devemos ter novas formas de rankings universitários, bem como melhora continuada na qualidade das comparações.

Fazer ranking implica estar aberto à ideia de retoques constantes

ANÁLISE
Mudança nos indicadores permitiu avaliar não só as instituições, mas cursos oferecidos por universidades, faculdades e centros universitários
HÉLIO SCHWARTSMAN
Rankings universitários, principalmente em suas primeiras edições, são uma obra em construção. Se a própria ideia de traduzir num único indicador numérico a enorme teia de complexidades que caracterizam as atividades universitárias já é problemática, definir quais indicadores utilizar e qual peso atribuir-lhes apenas amplia o leque de dúvidas e questionamentos.
A única certeza que desponta do exercício de elaborar um ranking é a de que haveria outros caminhos igualmente válidos, o que na prática implica aceitar a ideia de que esse tipo de empreitada deve estar aberta a constantes aperfeiçoamentos.
Essa, aliás, é a regra nos rankings internacionais. Um dos mais reputados, o THE (Times Higher Education), criado em 2004, promoveu mudanças em todas as versões exceto a de 2012.
À primeira edição do RUF, em 2012, seguiu-se a esperada chuva de críticas, que foram debatidas em âmbito externo e interno. Muitas delas foram incorporadas pela equipe, outras, descartadas e houve ainda problemas que foram considerados momentaneamente insolúveis.
Tudo isso resultou numa série de mudanças que aparecem agora no RUF 2013.
A mais notável delas é a reformulação do indicador de ensino. No RUF 2012, para tentar capturar essa dimensão, o Datafolha havia entrevistado 597 pesquisadores cadastrados no CNPq que opinaram sobre quais eram as melhores graduações.
Havia, contudo, um problema e ele estava no fato de a base ser composta por pesquisadores que não necessariamente estavam familiarizados com questões de ensino. Na versão 2013, após entendimentos com o Inep, o Datafolha passou a utilizar como base os professores universitários que fazem a avaliação de graduações para o MEC. De um total de 4.354 especialistas, 464 foram entrevistados e deram sua opinião sobre os melhores cursos do país, em suas áreas.
Também se agregou ao módulo de ensino três indicadores objetivos: o percentual de professores com doutorado, com dedicação integral e a nota dos cursos de graduação no Enade. Este último recebeu, entretanto, uma pontuação baixa (2% do total da nota de cada universidade, contra 4% para os anteriores). A ideia aqui é que esse é um exame promissor, mas que ainda apresenta problemas, notadamente os boicotes organizados por alunos e as retenções de formandos, de que algumas escolas se utilizam para melhorar suas notas.
Tão logo as dificuldades sejam resolvidas, espera-se aumentar o peso do Enade no RUF.
A mudança da base de entrevistados e a inclusão de indicadores objetivos permitiram ao RUF 2013 avaliar não apenas universidades, como em 2012, mas também cursos individuais oferecidos não só por universidades mas também por centros universitários e faculdades. Foram ranqueadas 2.358 escolas que disponibilizam graduação nos 30 cursos com mais matrículas. Essa é a grande novidade do RUF 2013.
Outro módulo que mereceu críticas em 2012 foi o do mercado de trabalho. Para definir quais eram as melhores instituições aos olhos do mercado, o Datafolha entrevistou responsáveis pela área de recursos humanos de empresas. Um dos problemas aqui é que os resultados carregam muito do tamanho das instituições. Uma universidade grande, que forme muita gente, tende a receber mais menções do que uma escola menor, mesmo que esta seja de melhor qualidade.
Infelizmente, não foi encontrada uma fórmula para eliminar ou ao menos reduzir esse efeito (se alguém tiver uma sugestão, procure o blog do RUF). Decidiu-se, entretanto, por manter a avaliação, com um peso um pouco menor (18% contra 20% em 2012), já que o mesmo viés provavelmente aparece também nas contratações, fazendo assim parte do mundo real.
Diferentemente de 2012, quando foi avaliada a inserção de egressos dos 20 cursos que mais formam, neste ano foram considerados os 30 cursos com mais matrículas no ano de 2011.
Os blocos que praticamente não sofreram alterações foram o de inovação e de pesquisa, visto que são áreas nas quais existem indicadores objetivos à profusão e que já foram bastante discutidas na literatura internacional. As mudanças aqui se limitaram a pequenas alterações no peso dos subindicadores de pesquisa.
Vale ainda mencionar a internacionalização, que aparecia de forma embrionária no bloco de pesquisa em 2012 e se tornou um módulo independente com mais subindicadores em 2013.
A justificativa é que o grau de inserção internacional de uma universidade é um item que vem recebendo cada vez mais atenção em todo o mundo.
Uma descrição mais detalhada da metodologia empregada no RUF 2013, bem como as diferenças em relação à edição de 2012, pode ser encontrada no site do ranking. Embora seja possível conferir a evolução de uma universidade de um ano para o outro, vale lembrar que as mudanças metodológicas não recomendam que se dê muita atenção a essa comparação.

João Paulo-Na levada da crônica‏


Estado de Minas: 09/09/2013 

A escritora Martha Medeiros, sem fugir das dificuldades, anda em busca da graça de viver (Letícia Pontual/AG)

A escritora Martha Medeiros, sem fugir das dificuldades, anda em busca da graça de viver


No ano do centenário de Rubem Braga (1913–1990), a crônica se mantém em boa forma. O escritor capixaba, considerado o maior dos cronistas brasileiros, deu imortalidade a um gênero feito exatamente de momentos perecíveis. E foi nesse fio da navalha, entre o eterno e o instante que passa, que o velho Braga inscreveu seu nome na literatura, mesmo sem experimentar o romance e a poesia (poeta bissexto, não publicou seus versos em vida). Rubem puxou a fila de outros grandes cronistas de seu tempo, como Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino e Carlos Drummond de Andrade, que deram sequência a um gênero que, desde Machado de Assis, parece ter sido criado na medida para o gosto do leitor brasileiro.

Três lançamentos de volumes de crônicas são bom exemplo da variedade e vitalidade do formato no Brasil. O romancista amazonense Milton Hatoum manda para as livrarias Um solitário à espreita (Companhia de Bolso, 288 páginas, R$ 24,50), seu primeiro livro no gênero; o paranaense Cristovão Tezza publica Um operário em férias (Editora Record, 232 páginas, R$ 34,90), e a gaúcha Martha Medeiros, a única profissional em crônicas (embora seja também contista e romancista), está de volta com A graça da coisa (Editora L&PM, 216 páginas, R$ 36). Mesmo unidos pelo gênero, cada livro expressa o estilo pessoal de seu autor. Diversidade na unidade.

Olhar lírico O volume de Milton Hatoum reúne textos dispersos, publicados em revistas e jornais, sem o propósito de serem reunidos em livro. Mas o conjunto funciona. Um dos nomes de ponta do romance brasileiro, Hatoum é escritor ligado às origens amazonenses, extremamente culto, com formação em arquitetura e literatura contemporânea. Os textos reunidos em Um solitário à espreita, no entanto, mostram que o escritor é também dono de mão leve quando trata de temas do cotidiano, e capaz de um olhar lírico sobre a realidade.

Entre os temas que habitam as crônicas de Hatoum estão a literatura e a língua portuguesa (em textos escritos para revistas especializadas), a memória de sua região, personagens que mereciam escapar do esquecimento, lugares de várias partes do mundo que deixaram marcas no escritor. Não faltam escritos sobre política, sobre o período da ditadura militar e a realidade dura da vida das grandes cidades. Em algumas crônicas, o escritor chega perto do conto, com fabulações delicadas.

Batendo ponto O livro de Cristovão Tezza também marca a estreia do autor no gênero. Para quem conhece o escritor em razão de seu romance mais célebre, O filho eterno, as crônicas trazem uma boa surpresa: a leveza. Tezza é cronista tardio, como ele mesmo confessa, e começou a escrever sistematicamente para o jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, em 2008. Para ele, o maior desafio era a onipresença do leitor. Romancista escreve para si; cronista trabalha para o leitor. Cristovão Tezza entendeu bem a distinção.

Um operário em férias foi organizado por Christina Schwartz, que assina a apresentação, e ilustrado por Bennet. O título é uma espécie de brincadeira com a condição do escritor: no momento em que pode viver de literatura, precisa escrever como um operário que bate ponto em jornais. Enquanto descansa, carrega pedras. Nada de ócio criativo. Tezza divide suas crônicas em seções, que indicam os assuntos favoritos: “Viagens pela leitura”, “Vida de torcedor”, “Curitiba no divã” e “A volta da vida real”, entre outras, que buscam fisgar o interesse do “patrão”. E Tezza sabe que o leitor está sempre lendo por cima de seu ombro enquanto escreve: “O leitor exige como um Procon ambulante”, reconhece.

Tempo precioso Se Milton Hatoum e Cristóvão Tezza conquistaram a crítica antes de se tornarem populares, o caminho de Martha Medeiros vai na contramão dessa história. Com mais de 700 mil livros vendidos, entre romances, novelas e coletâneas de crônicas, a escritora é amada por leitores e leitoras de todo o Brasil, tendo seus textos publicados em dezenas de jornais. Com Divã, conquistou público também no cinema, na TV e no teatro, além de frequentar a lista dos mais vendidos. Seu novo livro, A graça da coisa, consagra seu estilo de cronista.

Martha Medeiros gosta de gente e de conversar. Sua preocupação é apenas uma: como ser feliz sem deixar de ser uma pessoa legal. Em suas crônicas ela se pergunta por que as pessoas trabalham tanto, por que falam tanto ao celular, por que ficam horas no trânsito, deixando para trás o único bem que vale a pena: o tempo. A cronista procura a graça da coisa nos pequenos momentos da vida – os únicos de que o leitor dispõe para chamar de seu. Martha, com sua franqueza, obriga o leitor a pensar em desapego, dor, fim de relacionamentos, educação dos filhos, dinheiro, viagens, frustrações e envelhecimento. São temas profundos e difíceis. Tirar deles a graça da coisa é a arte da cronista.

Diversidade estética garantiu o interesse popular pelo festival Mimo‏


Até o ano que vem 

Diversidade estética garantiu o interesse popular pelo festival Mimo, encerrado no fim de semana na cidade pernambucana de Olinda com apresentações de música popular e erudita
 

Eduardo Tristão Girão *


Estado de Minas: 09/09/2013 


Um dos destaques da programação em Olinda, o músico Jards Macalé comemorou a oportunidade de tocar com os jovens e diante de um grande público que lotou a Praça do Carmo (Tom Cabral/Divulgação   )

Um dos destaques da programação em Olinda, o músico Jards Macalé comemorou a oportunidade de tocar com os jovens e diante de um grande público que lotou a Praça do Carmo

 (Tiago Calazans/Divulgação  )
 Olinda – Em apenas quatro dias, foi possível fazer uma degustação musical das mais interessantes em Olinda, onde terminou ontem a 10ª edição do Mimo, festival que reuniu várias atrações nacionais e internacionais – e sobretudo instrumentais – nas praças e igrejas da cidade histórica pernambucana. Passaram por lá do aclamado pianista Nelson Freire ao surpreendente trompetista libanês Ibrahim Maalouf. O evento, que teve etapas anteriores em Ouro Preto e Paraty (RJ), se consolida como um dos principais do gênero no país.

A abertura do Mimo, na quinta-feira, na Igreja da Sé, ficou a cargo de Freire, que tocou com a maestria habitual composições de Brahms, Bach e Chopin. Numa situação que beirou o absurdo, o pianista mineiro retornou ao palco cinco vezes para atender pedidos de bis. Na mesma noite, na Praça do Carmo, o grupo Electric Epic chamou atenção por encarar o desafio de tocar sem seu líder, o saxofonista francês Guillaume Perret, que sofreu acidente de moto pouco antes de vir ao Brasil e levou 52 pontos numa das mãos – ele tocou em Ouro Preto, mas não conseguiu repetir a façanha em Olinda.


Ibrahim Maalouf, que subiu ao palco em seguida, foi o destaque da primeira noite. Seu trompete não é como qualquer outro: criado pelo pai, tem quarta válvula que possibilita alcançar notas intermediárias típicas da música árabe. Com leveza, isso é incorporado ao som de seu grupo, cheio de balanço e pressão. “Na adolescência, meus amigos ouviam Spice Girls, e eu, sinfonia de Mahler. Quando cresci, descobri a música leve, para divertir. Isso mudou minha vida. Hoje, prefiro ouvir soul, hip-hop, electro”, conta Maalouf.

Comunicação Sexta-feira as surpresas começaram no Mosteiro de São Bento, onde a cantora paulistana Fortuna uniu-se ao bem entrosado Duo Milewski, formado pela pianista Aleida Schweitzer e pelo violinista Jerzy Milewski, cativando a plateia com canções judaicas. Omar Sosa, pianista cubano que se apresentou com banda multiétnica ainda na sexta-feira, eletrizou a plateia do Seminário de Olinda com suas peças inspiradas em Kind of blue, clássico álbum de Miles Davis. Embora não tenha sido comprometedora, a acústica do local não beneficiou o show, calcado em sonoridades jazzísticas, cubanas e africanas.
Outros brasileiros se destacaram no festival, a começar pelo bandolinista carioca Hamilton de Holanda. Na Igreja da Sé, sexta-feira, fez jus à fama de melhor do Brasil, tocando ao lado do pianista italiano Steffano Bollani, com quem acaba de lançar um disco, O que será. Verdadeira aula de delicadeza e entrosamento com temas de Chico Buarque e Pixinguinha no repertório.
No sábado, no mesmo local, o Quinteto da Paraíba fez belíssimo espetáculo ao lado do acordeonista francês Richard Galliano, interpretando Vivaldi e Piazzolla. No mesmo dia, mas na Praça do Carmo, o cantor e compositor Jards Macalé repaginou seu repertório ao lado da banda Let’s Play That, formada só por jovens. Passou pelo baião, reggae, blues, rock e balada deixando não só a certeza de que ainda tem o que dizer, mas também que consegue se comunicar com a nova geração. “Quero ouvir o que eles ouvem e eles me ouvem e querem saber quem eu sou”, define. A praça estava lotada.

* O repórter viajou a convite da organização do festival Mimo

Balanço
Com várias atividades paralelas, como mostra de cinema e ações educativas, o Mimo deverá manter seu formato ano que vem, sendo realizado nas mesmas cidades deste ano. O foco no público jovem deverá resultar num palco específico na próxima edição, adianta Lu Araújo, organizadora do evento: “Há muita coisa que precisa ter espaço. A banda mineira Iconili, por exemplo, é maravilhosa, tem assinatura”. Ela revela, ainda, que existe plano de acrescentar àao evento uma cidade por ano ao longo da próxima década.

Tv Paga


Estado de Minas: 09/09/2013 


 (Rede Globo/Divulgação)


Vale a pena ver de novo
Um dos maiores sucessos da Rede Globo quando se pensa em telenovelas, A próxima vítima será reprisada pelo canal Viva a partir de hoje, na faixa das 16h15. Escrita por Silvio de Abreu, a trama foi exibida originalmente em 1995, narrando uma série de assassinatos misteriosos cuja única pista é um velho Opala preto, visto nas cenas de todos os crimes. No elenco, José Wilker e Susana Vieira (foto), mais Tony Ramos, Tereza Raquel e Claudia Ohana, entre mutos outros. Também hoje, às 23h15, o Viva começa a reprisar a série Mad Maria, de Benedito Ruy Barbosa, com Ana Paula Arósio, Fábio Assunção e grande elenco.


Robôs gigantes vão se
enfrentar no ringue
Novidade, mesmo, é a série Robot Combat League, que estreia às 20h, no Syfy. Apresentada pelo pugilista Chris Jericho, a produção mostra lutas entre robôs gigantes controlados por humanos Ou seja, uma mistura de lutas de MMA e reality show, com 12 equipes disputando o torneio.


Texanos caçam javalis.
Só podia ser no A&E…
Também hoje o canal A&E estreia a série American Hoggers, e com episódio duplo, a partir das 22h . Depois de patos e jacarés, agora é a vez dos caçadores de javalis, nos descampados do Texas (EUA). Jerry Campbells é o matador de porcos selvagens, exercendo essa gloriosa missão há mais de 50 anos.

Muita música hoje na
telinha do Canal Brasil
Marcelo Camelo, do grupo Los Hermanos, é o convidado de Zé Nogueira hoje no programa Estúdio 66, às 18h45, no Canal Brasil. Às 21h30, em Espelho, Lázaro Ramos recebe o rapper Criolo, falando sobre sua vida, projetos, parcerias musicais e a classe C brasileira. E às 22h, a emissora exibe o documentário Zé Ramalho – O herdeiro de Avôhai, dirigido e produzido pelo jornalista Elinaldo Rodrigues.

SescTV traz o melhor
da dança e do teatro
Além da coreografia Caixa preta, de Cláudia Muller e Cristina Blanco, às 23h, em Dança contemporânea, o SescTV passa a exibir hoje, na faixa das 20h, a série inédita Mirada, com documentários realizados durante duas edições do Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos, começando com Teatro ibero-americano e suas fronteiras e Olhar jovem.

Muitas alternativas
no pacote de cinema
Na programação de filmes, destaque hoje para a estreia da comédia Cinco anos de noivado, com Jason Segel e Emily Blunt, às 22h, no Telecine Premium. No Canal Brasil, a Mostra Leon Hirszman continua com o premiado Eles não usam black-tie, à 0h15. Na concorrida faixa das 22h, o assinante tem mais quatro opções: O artista, na HBO 2; Frank e o robô, na HBO HD; Unidos pela esperança, no ID; e Na companhia do medo, na Warner. Outras atrações da programação: Segurança de shopping, às 20h40, no Megapix; Sete vidas, às 21h, no Cinemax; Imperdoáveis, às 21h50, no Max; Domino – A caçadora de recompensas, às 22h15, no Studio Universal; e O Falcão está à solta, às 23h, no Comedy Central.

CARAS&BOCAS » Segundas intenções


Simone Castro

Estado de Minas: 09/09/2013 04:00


Milena Ferrari estreia hoje em Chiquititas, no papel da ex-modelo Cíntia (Lourival Ribeiro/SBT)


Milena Ferrari estreia hoje em Chiquititas, no papel da ex-modelo Cíntia
Tem cara nova a partir de hoje em Chiquititas. A atriz Milena Ferrari estreia na trama de Íris Abravanel no papel da ex-modelo Cíntia Wernner. E a moça chega já despertando paixões. O empresário José Ricardo Almeida Campos (Roberto Frota) fica encantado com ela, durante um passeio em um campo de golfe. Ele está acompanhado de Armando (João Gabriel Vasconcellos) e logo revela sua intenção de conhecê-la melhor. Galante, ele elogia a beleza de Cíntia ao serem apresentados. Depois pede para Armando descobrir tudo o que puder sobre ela. No outro dia, já no Café Boutique, Armando reencontra Cíntia. Imediatamente, ele liga para José Ricardo, que ordena que o rapaz leve a ex-modelo para fazer um tour pelo local. Tudo não passa de uma armação para ganhar tempo até que ele chegue e a surpreenda. O que José Ricardo não sabe é que ela também está de olho nele, o poderoso dono da rede Café Boutique. Outrora modelo de sucesso, Cíntia interrompeu a carreira por causa da idade. Agora, ambiciosa e manipuladora, aposta em seu charme para fisgar o empresário, e já com um objetivo: a posse da casa onde funciona o Orfanato Raio de Luz, que era propriedade de seus pais e esconde um tesouro precioso. Confira às 20h30,
no SBT/Alterosa.

CASÓRIO EM AMOR À VIDA
RENDE MUITOS BARRACOS

Depois de viver no inferno, internada numa clínica psiquiátrica, e de ser resgatada pelo noivo, Paloma (Paolla Oliveira) e Bruno (Malvino Salvador) vão subir ao altar em Amor à vida (Globo). Mas não faltará confusão na cerimônia e na festa a seguir. Brigada com o pai, César (Antônio Fagundes), a noiva se prepara para entrar na igreja de braço dado com o irmão, Félix (Mateus Solano). Mas o médico chega na hora H e reivindica seu lugar. Félix reclama: “Papi soberano, você se recusou a entrar com a minha irmãzinha. Fui a segunda opção. Já me preparei para entrar ao lado da noiva e ofuscá-la com a minha presença”. Paloma decide então entrar com os dois. Pilar (Susana Vieira) aparece e se irrita porque César está acompanhado de Aline (Vanessa Giácomo). E começa o festival de baixaria. Já na festa, o barraco continua. Félix defende a mãe e ofende Aline, que se faz de vítima e pede a César que o faça se retratar. Félix enfrenta o pai e leva uma bofetada na frente de todos os convidados. Sem se deixar afetar, o vilão diz ao pai: “Eu não vou revidar a bofetada. Prefiro te tirar
da presidência do hospital”.

COMEÇA SER FORMADO O
CASAL MAIS IMPROVÁVEL
Em Sangue bom (Globo), tem gente percebendo que rola um clima de romance entre Giane (Isabelle Drummond) e Fabinho (Humberto Carrão). E todos estranham, pois, vale lembrar, eles brigam feito cão e gato desde crianças. Depois de adultos, Giane até já bateu no rapaz! Será o famoso “os opostos se atraem”? Há alguns capítulos, ela o levou para sua casa depois de encontrá-lo caído na rua, ardendo em febre. Com paciência, cuidou do bad boy, o alimentou e tratou suas feridas. Mais forte, ele revela à moça que não tocou fogo na Toca do Saci, como a maioria pensa. Nos dias em que passa na casa de Giane, Fabinho começa a vê-la com outros olhos. Já ela, caidinha, embora não admita, tira fotos de Fabinho. Depois, pergunta a Caio (Thiago Amaral), seu ex-namorado, se Fabinho tem chance como modelo. Giane decide dar um presente para Fabinho: ela compra a mesma bola que ele tinha quando criança e que ela destruiu. Fabinho fica emocionado.

NAMORADO DE XUXA ESTÁ
EM SÉRIE DO CANAL SONY
O ator Junno Andrade faz parte do elenco da comédia Agora sim, do canal Sony (TV paga). Na atração, o namorado da apresentadora Xuxa vai interpretar o publicitário Roberto Parsi, dono de uma agência premiada que terá que lidar com um concorrente instalado bem em frente a sua sede. A estreia será dia 26 e a série terá
13 episódios.

BONINHO VAI COMANDAR
COBERTURA DO ROCK IN RIO

O diretor Boninho vai dirigir o Rock in Rio, queserá realizado dos dias 13 a 15 e de 19 a 22, com transmissão pela Globo. Ele já comanda na emissora os programas Mais você, Encontro com Fátima Bernardes, Caldeirão do Huck, The voice e Big brother Brasil.

DONO DO PAPEL
Na série Game of thrones, da HBO (TV paga), um novo ator vai interpretar Gregor Clegane, mais conhecido como A Montanha. Segundo o site The Hollywood reporter, trata-se do halterofilista Hafthor Júliús Bjoernsson. Detalhe: é a terceira vez que o intérprete do personagem é trocado. A Montanha já foi vivido por Conan Stevens e Ian Whyte no primeiro e segundo ano, respectivamente. A atração gira em torno da guerra entre vários povos pelo direito de sentar-se no trono de ferro e comandar os sete reinos de Westeros. A quarta temporada estreia no ano que vem.

VIVA
Nova temporada do Casa brasileira, no GNT (TV paga). São muitas casas de famosos, mas com o olhar especial
de quem entende do assunto.


VAIA

Bento (Marco Pigossi), que passa a trama de Sangue bom sendo enganado pela Amora (Sophie Charlotte) e não aprende. Coitado do personagem!

Mais que mil palavras - Mariana Peixoto

Belo Horizonte recebe exposição que conta a história do fotojornalismo no Brasil a partir do acervo de imagens da revista O Cruzeiro, uma das mais importantes publicações do país 


Mariana Peixoto

Estado de Minas: 09/09/2013 


Índio iaualapiti, 1949, Serra do Roncador, Mato Grosso (José Medeiros/Acervo IMS  )
Índio iaualapiti, 1949, Serra do Roncador, Mato Grosso
 A imagem em movimento antes da imagem em movimento. No período pré-televisão, cabia principalmente à fotografia a missão de documentar a realidade. A revista semanal O Cruzeiro (1928–1975) fez muito mais do que isso. Em seu auge, nas décadas de 1940 e 1950, a publicação criada por Assis Chateaubriand e editada pelos Diários Associados apresentou ao brasileiro um olhar acurado para um país em transformação e um mundo que, estarrecido pela guerra, tentava se recuperar. É justamente esse período o foco da exposição As origens do fotojornalismo no Brasil – Um olhar sobre O Cruzeiro, organizada pelo Instituto Moreira Salles, que chega amanhã a Belo Horizonte. A abertura, terça-feira, será para convidados; a partir de quarta-feira, para o público em geral. A mostra tem apoio do Estado de Minas, detentor de parte do acervo da publicação.

Getúlio Vargas em seu gabinete, década de 1940, Rio de Janeiro (Jean Manzon/Arquivo Cepar Consultoria  )
Getúlio Vargas em seu gabinete, década de 1940, Rio de Janeiro

“Na primeira fase, ela era uma revista que utilizava a imagem de maneira mais ilustrativa. Foi no começo dos anos 1940 que nasceu a proposta de reformulação, em que se pensou a revista a partir de duas vertentes: o uso intensivo de fotos e o conceito de reportagem absolutamente associados à imagem”, afirma o coordenador de fotografia do IMS, Sergio Burgi, que assina a curadoria da exposição com Helouise Costa, professora e curadora do Museu de Arte Contemporânea da Universidde de São Paulo. Dois nomes contratados em 1943 são peças-chave para essa mudança: o jornalista David Nasser, o fotógrafo francês Jean Manzon, que chegou ao Rio de Janeiro fugindo da guerra e tornou-se seu parceiro. Juntos, formaram a grande dupla do jornalismo brasileiro daqueles anos.


Presidente Juscelino Kubitschek se dirige ao palanque do Palácio da Alvorada, 1960, Brasília (Luiz Carlos Barreto/EM/O Cruzeiro  )
Presidente Juscelino Kubitschek se dirige ao palanque do Palácio da Alvorada, 1960, Brasília

“No período anterior ao fim da Segunda Guerra (1945) todo o jornalismo foi mais baseado na notícia da vertente mais sensacionalista, no sentido da aventura. Eles ‘criavam a notícia’, havia menos compromisso com a objetividade. No pós-guerra, havia uma geração que iria se comprometer com um jornalismo mais humanista, engajado e objetivo”, continua Burgi. A exposição, que já foi vista nos centros culturais do IMS do Rio, São Paulo e Poços Caldas (e gerou um livro-catálogo impecável, que traz, além de textos do curadores e convidados, fotos e edições fac-símile d’O Cruzeiro), traz o trabalho de 17 fotojornalistas.


Guerra da Coreia, 1951    A exposição do IMS destaca o trabalho de nomes como Jean Manzon, Pierre Verger, Eugênio Silva e José Medeiros, que documentou o negro   e o índio, nos anos 1950, de uma maneira nunca antes vista no país, além de Luiz Carlos Barreto, que saiu da revista para se tornar fotógrafo do Cinema Novo e depois um dos grandes produtores brasileiros. Entre eles, nomes hoje francamente reconhecidos, há o de Luciano Carneiro, menos falado mas tão importante para a revista quanto. %u201CFoi o nosso Robert Capa%u201D, afirma Sergio Burgi a respeito do cearense, morto aos   33 anos. Correspondente internacional, Carneiro trabalhou uma década na revista. Também piloto e paraquedista, ele, por exemplo, saltou   ao lado do Exército norte-americano sobre as linhas inimigas durante   a Guerra da Coreia (1950%u20131953). Voltou para o Brasil somente em 1955. Quatro anos mais tarde, em dezembro de 1959, na falta de outro fotógrafo, foi convocado para cobrir o primeiro baile de debutantes   de Brasília. Na volta da reportagem, morreu num desastre aéreo.  (Luciano Carneiro/Acervo IMS)

Guerra da Coreia, 1951 A exposição do IMS destaca o trabalho de nomes como Jean Manzon, Pierre Verger, Eugênio Silva e José Medeiros, que documentou o negro e o índio, nos anos 1950, de uma maneira nunca antes vista no país, além de Luiz Carlos Barreto, que saiu da revista para se tornar fotógrafo do Cinema Novo e depois um dos grandes produtores brasileiros. Entre eles, nomes hoje francamente reconhecidos, há o de Luciano Carneiro, menos falado mas tão importante para a revista quanto. %u201CFoi o nosso Robert Capa%u201D, afirma Sergio Burgi a respeito do cearense, morto aos 33 anos. Correspondente internacional, Carneiro trabalhou uma década na revista. Também piloto e paraquedista, ele, por exemplo, saltou ao lado do Exército norte-americano sobre as linhas inimigas durante a Guerra da Coreia (1950%u20131953). Voltou para o Brasil somente em 1955. Quatro anos mais tarde, em dezembro de 1959, na falta de outro fotógrafo, foi convocado para cobrir o primeiro baile de debutantes de Brasília. Na volta da reportagem, morreu num desastre aéreo.

Entre os grandes temas apresentados nas imagens está a temática indígena. “A Marcha para o Oeste, de ocupação territorial da região e os primeiros contatos com populações indígenas”, exemplifica Burgi. Há também campanhas criadas pelo próprio Chateaubriand. “Os museus de arte de São Paulo, principalmente o Masp. No processo do pós-guerra, Chateaubriand, com Pietro Maria Bardi, comprou obras de mestres europeus da pintura a preços super-reduzidos. Ele usou O Cruzeiro para fazer com que as elites paulistanas se comprometessem com a compra dos quadros. E o acervo do Masp viajou para a Tate, em Londres, Metropolitan, de Nova York. Foi como uma apresentação da elite política brasileira ao mundo.”


Retirante nordestina, 1952 (Eugênio Silva/Acervo EM/O Cruzeiro)
Retirante nordestina, 1952

Eduardo Almeida Reis-Mundo fashion‏


Estado de Minas: 09/09/2013 


O só fato de ser a terra natal de Ivete Maria Dias de Sangalo Cady faz com que Juazeiro, na Bahia, seja um dos municípios mais importantes do planeta. Foi lá que nasceu, em maio de 1983, o menino Daniel Alves da Silva, de família pobre, que desde cedo ajudava seu pai na roça plantando tomate, cebola e melão, reforçando as refeições da casa modesta com as aves que pegava em arapucas de bambu.

Menino que improvisava bolas de futebol com meias velhas e sacos plásticos, chegou a fazer pontas no filme Guerra de Canudos, do cineasta Sérgio Rezende, em troca de comida e cinco ou dez reais por dia. Passam-se os anos e o menino, que armava arapucas para reforçar a gororoba, ficou muito rico atuando na lateral direita do F. C. Barcelona e da seleção de Felipão como Daniel ou Dani Alves, cabeceando em autogolos admiráveis, como se diz em Portugal.


Se esta fosse uma coluna de fofocas seria o caso de dizer que, no Google, o baiano tatuado namora a atriz Thaíssa Carvalho, Tina em Malhação, Cida em Viver a Vida, Parni em Caminho das Índias, mas o titular de Tiro & Queda, voltado apenas para as altas cousas do espírito, prefere estudar o Alves fashion, que se considera elegante, de bom gosto, moderno – se veste conforme a moda prevalente e, mais que isso, parece fazer vestibular para estilista.


Vejamos. Tênis brancos sem meias, canelas de fora aparentemente depiladas, calça jeans dobrada na altura dos joelhos, referta de manchas de tintas das mais diversas cores. Sendo referta, é cheia, abundante, plena de manchas. Camisa branca, gravata fina e comprida, preta de bolinhas, paletó vermelho-cheguei, dois botões, mangas puxadas até os cotovelos, óculos escuros de grife e relógio que deve ser Rolex. Donde se conclui que é melhor não concluir nada e desejar que Thaíssa Carvalho, a indiana Parni em Caminho das Índias, seja muito e muito feliz.

Imprensa
Não contem comigo para investigações, denúncias e outras providências detestáveis, quando só estou aqui para louvar o bem e comentar o lado bom das coisas. Vejamos as críticas feitas ao ilustre Aldo Rebelo, ministro do Esporte, nascido em Viçosa no ano de 1956. A Wikipedia inglesa informa que Viçosa fica em Minas Gerais, motivo mais que suficiente para o viçosense mineiro processar a Wikipedia, o Google, a ONU e a extinta União Soviética, de cujo regime político o ministro continua entusiasmado partidário.


Que me lembre, além da Viçosa mineira este país imensamente grande e bobo tem cidades homônimas no Rio Grande do Norte do deputado Henriquinho, nas Alagoas do senador Collor e no Ceará dos irmãos Gomes. Aldo José Rebelo Figueiredo nasceu nas Alagoas, pronuncia “subzídio” e se veste com um colete Adidas amarelo-ovo, motivo pelo qual já foi chamado de ministro Adidas. Nossa Viçosa, a mineira, que teve sua universidade conspurcada pelo honoris causa outorgado a um apedeuta, não merece o castigo adicional de ser acusada do nascimento do ministro.


Criticaram-no por ter levado mulher e filho em avião da FAB para passar o carnaval em Cuba: “viagem de trabalho”, como explicou sua excelência. Entendo – e o leitor concordará comigo – que o alagoano Rebelo Figueiredo não tem culpa de ser ministro. Sua situação e a de muitos outros ministros e ministras é idêntica à da tartaruga no alto do poste: se um réptil da ordem dos quelônios aparece no alto de um poste é porque alguém o botou lá em cima.


Sendo quem é, o ministro é inimputável talqualmente os menores de 18 anos. Por via de consequência, sua mulher e seu filho também são inimputáveis e podem viajar nos aviões da FAB, sobretudo e principalmente para curtir o delicioso carnaval cubano. A condenar em todo esse episódio somente o fato de o ministro Adidas não se ter lembrado de me trazer duas caixas de charutos, dos bons. Contra pagamento em reais, é claro.

O mundo é uma bola
9 de setembro de 9 d.C., na Batalha da Floresta de Teutoburgo, uma aliança de tribos germânicas chefiada por Armínio dizima três legiões romanas. Claro que o chefe germânico não se chamava Armínio, mas Irmin, original alemão, através do latino Arminius. Hoje seria Hermann.


Em 1513, Jaime IV da Escócia é derrotado e morre na Batalha de Flodden Field. Em 1543, aos nove meses de idade, Mary Stuart é oficialmente declarada rainha da Escócia na cidade de Stirling. Em 1668, estreia oficial de O avarento, de Molière. Vi o filme na década de 50. Em 1776, o Congresso Continental autoriza a adoção do nome United States of America. Em 1791, fundação de Washington, d.C., a capital dos United States of America. Em 1884, é inventado o cachorro-quente, em inglês hot dog. Com ótimo pão e ótima salsicha continua sendo uma boa porcaria.


Em 1888, a armada do Chile toma posse da Ilha de Páscoa. Em 1932, Guerra do Chaco entre o Paraguai e a Bolívia. Em 1939, a Alemanha de Hitler invade a Polônia. Em 1948: independência da Coreia do Norte. Vai de vento em popa, a exemplo de Cuba dos irmãos Castro Ruz.

 Ruminanças
“Saber dissimular é o saber dos reis” (Richelieu, 1585-1642).

CIÊNCIA » Catalisador à base de casca de ovo‏

Catalisador à base de casca de ovo Projeto de tecnologia limpa é desenvolvido em laboratório de combustíveis na UFMG usando toneladas de resíduos que vão para o lixo e podem se transformar em biodiesel 


Valquiria Lopes

Estado de Minas: 09/09/2013 


O estudante Gustavo Reis e a professora Vânya Pasa: expectativa alta para que a indústria se interesse pelo produto criado em Belo Horizonte (João Miranda/EM/D.A Press )
O estudante Gustavo Reis e a professora Vânya Pasa: expectativa alta para que a indústria se interesse pelo produto criado em Belo Horizonte

Uma fórmula de baixo custo, que aproveita cascas de ovos de galinha, pode dar novos rumos à produção de biocombustíveis. Em vez de irem para o lixo, as toneladas de cascas desperdiçadas pela indústria de alimentos, como a de bolos e biscoitos, podem servir para a produção de um catalisador em pó usado na fabricação de biodisel. O novo produto, à base de gliceróxido de cálcio, age em substituição aos catalisadores homogêneos (líquidos), comumente usados na indústria, mas que geram muitos resíduos e impactos no meio ambiente. A proposta de tecnologia limpa foi desenvolvida no Laboratório de Ensaios de Combustíveis (LEC) do Departamento de Química da Universidade Federal de Minas Gerais e financiada com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Finep/ANP), por meio de um programa de formação de recursos humanos.

Os catalisadores são substâncias que aceleram uma reação química, por reduzir a energia necessária ao processo e aumentar sua velocidade. Atualmente, as fórmulas líquidas prevalecem na produção de biodisel pela facilidade de se misturarem com os outros componentes – o óleo e o álcool – que se encontram também na fase aquosa. No entanto, pesquisas no mundo inteiro são desenvolvidas com o intuito de chegar a produtos heterogêneos tão eficientes quantos os líquidos e que tenham separação simplificada. Isso porque, ao final da produção, os catalisadores precisam ser retirados do combustível. “Enquanto os produtos homogêneos exigem sucessivos processos de lavagem, que geram grandes volumes de resíduos aquosos, os heterogêneos requerem apenas a filtragem para separação”, explica a professora Vânya Pasa, que realizou a pesquisa com o aluno de graduação Gustavo Pereira dos Reis, do 7º período do curso de química tecnológica.

A produção do catalisador no laboratório da UFMG foi feita com cascas de ovos recolhidas no restaurante universitário do Câmpus Pampulha, em Belo Horizonte. Previamente lavadas, elas permaneceram por 12 horas em estufa a 105 °C, para secagem. Posteriormente, o material constituído predominantemente de carbonato de cálcio foi triturado em moinho de facas e resultou em um pó fino. Depois de tratado a elevadas temperaturas, ele foi acondicionado em dessecador para então ser convertido em gliceróxido de cálcio e ser usado nas reações.

Além da redução do impacto no meio ambiente, o catalisador heterogêneo desenvolvido à base das cascas de ovo sai na frente em relação ao custo. Como explica a pesquisadora, os poucos produtos sólidos existentes no mercado são muito caros, por exigirem metais nobres, como nióbio, ouro e lantânio, em sua produção. Apesar de serem eficientes, eles demandam o uso de temperaturas mais altas durante a reação química para a produção do biodisel. “A tecnologia que desenvolvemos é de baixo custo e fácil aplicação. Eficiente e ecologicamente correta, tem grande importância industrial”, afirma Vânya Pasa.

Diferentemente da maioria dos heterogêneos, o catalisador de casca de ovo se destaca por poder ser usado na mesma temperatura do produto homogêneo, que é torno de 65 °C. “A única desvantagem é o tempo gasto na reação. Enquanto os processos com produtos líquidos exigem uma hora, o novo catalisador precisa do triplo”, acrescenta.

DEMANDA DA INDÚSTRIA A professora conta que o estudo partiu de uma demanda de um pequeno empresário de Belo Horizonte, dono de uma fábrica de ovo líquido. Na empresa, o produto é batido, filtrado e estilizado para ser vendido à industria de alimentos e as cascas viram toneladas de resíduos que param no lixo. “Ele me alertou para o problema que tinha, e como trabalhamos com o desenvolvimento de tecnologias limpas, fizemos experimentos até chegar ao catalisador heterogêneo”, conta Vânya, lembrando ainda da importância em investir em soluções mais baratas na área de energia. Os biocombustíveis têm sido priorizados como alternativa complementar da matriz energética em vários países e hoje o Brasil é líder na produção de biodisel, embora com o uso de catalisadores homogêneos. “Trabalhamos para que a catálise heterogênea seja efetiva”, ressalta a professora da UFMG, que coordena o LEC, responsável pelo controle de qualidade dos combustíveis comercializados em 550 cidades de Minas Gerais.

ACIDEZ A possibilidade de reutilização e de uso do catalisador à base de casca de ovoo em óleos de alta acidez, considerados menos nobres para a produção do biodisel, também é ponto alto da pesquisa. “Depois de filtrado, ele pode ser novamente usado sem perda da atividade. Além disso, conseguimos fazer biodiesel de alta pureza, mesmo com óleos brutos, como os residuais de frituras ou aqueles sem refino, que têm alta acidez”, informa o estudante Gustavo Reis. Tanto ele quanto a professora Vânya defendem a importância da pesquisa como desenvolvimento de tecnologias verdes, mas ainda não sabem os rumos que ela vai tomar no mercado. “O estudo é importante porque usa resíduos recicláveis, mas tudo vai depender de como a indústria vai se apropriar da nova tecnologia”, acrescenta Reis. O resultado do estudo será apresentado a empresas do setor de biocombustíveis, segundo Vânya, que defende ainda seu uso pelo pequeno produtor. “Em propriedades que usam máquinas, motores e tratores, o produtor poderá plantar soja para fazer óleo e cana, e, assim, produzir etanol. Com o catalisador de cascas de ovos, ele pode fabricar o próprio biodisel para usar nas máquinas da fazenda e em caminhões”, diz ela.

Cuidados contra o câncer começam no pezinho‏

Kit detecta mutação que provoca o surgimento de vários tipos de câncer. Procedimento poderá ser incluído no exame de rastreamento obrigatório em recém-nascidos 


Isabela de Oliveira

Estado de Minas: 09/09/2013 


A possibilidade de mapear, na primeira infância, mutações hereditárias que podem desencadear cânceres pode estar perto de ser uma realidade do Sistema Único de Saúde (SUS). Essa é a intenção de um grupo de pesquisadores da Universidade de Campinas (Unicamp), que desenvolveu um kit para a detecção de mutação genética ligada à doença. A nova tecnologia poderá ser integrada ao teste do pezinho e ajudar os oncologistas a detectar as doenças ligadas à síndrome de Li-Fraumeni — caracterizada pela ocorrência de vários tumores em um mesmo paciente — antes mesmo de elas se manifestarem.

O projeto foi desenvolvido no Centro Infantil Boldrini, hospital filantrópico especializado em oncologia e hematologia pediátrica. A tecnologia possibilita a identificação da mutação R337H do gene TP53 rapidamente e em grande escala. A alteração está ligada à síndrome de Li-Fraumeni, condição hereditária rara caracterizada pelo aparecimento de vários tumores em uma única pessoa. “Pelo menos 70% dos casos de câncer são de origem esporádica e aparecem quando a pessoa está mais velha, aos 60 ou 70 anos. Mas quando a mutação está presente também nas células sexuais dos pais, o bebê pode nascer com todas as células do corpo portadoras da mutação”, explica Antônio Abílio Pereira da Santa Rosa, oncogeneticista do Hospital Federal de Bonsucesso e da Oncoclínica, no Rio de Janeiro.

Leucemia e o câncer de mama estão entre os problemas desencadeados pela síndrome. “O tumor de córtex adrenal, que é a glândula localizada em cima dos rins, é um tipo maligno. Em crianças, em geral, a manifestação mais comum é a presença de massa na barriga. Ele tem alguns sinais, como pressão alta, hipertensão arterial, dor e perda de peso”, complementa Luís Sakamoto, oncologista pediátrico do Hospital da Criança de Brasília José Alencar (HCB).

Segundo Sakamoto, o câncer de córtex adrenal tem frequência elevada em pacientes com Li-Fraumene e geralmente é descoberto quando já teve metástase. “O prognóstico não é bom, a não ser que seja diagnosticado precocemente. A massa deve ser retirada, mas se houver metástase, fica complicado. No mais, crianças tendem a se recuperar com mais facilidade dessas doenças”. Outro tumor comum é o carcinoma de plexo coroide, que ataca o cérebro. Ele é causado por anomalias no líquido que banha o sistema nervoso e pode ser tratado com quimioterapia.

Isabel Pereira Caminha, aluna de genética e biologia molecular do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp, desenvolveu o kit durante seu doutoramento. “Ele é composto pelos reagentes necessários para a execução da detecção da mutação R337H, além de reagentes para a extração do DNA de amostras de sangue seco em papel filtro”, explica a pesquisadora. Embora já existam outras técnicas para detectar a mutação, para se chegar a um resultado são necessárias várias etapas, que demandam muito tempo e um alto gasto de reagentes.

Essas técnicas utilizam o PCR (polymerase chain reaction) convencional, mas o novo método utiliza o PCR em tempo real (RQ-PCR). “Ele não necessita de reações posteriores, o que agiliza bastante o processo. Além disso, é bastante sensível, sendo suficiente uma gota de sangue para a realização do teste. Enquanto as técnicas mais utilizadas levam mais de um dia para chegar a um resultado, a que utilizamos leva entre duas e quatro horas”, explica Isabel. Segundo ela, também é possível analisar várias amostras de sangue simultaneamente. Além disso, as outras técnicas são artesanais e dependem da análise visual, enquanto o novo método, que está em processo de patenteamento, é automatizado.

Ação precoce A intenção é de que o método integre o teste do pezinho, pois a detecção da mutação nos primeiros dias de vida poderia auxiliar no diagnóstico precoce de doenças. Um estudo paranaense comprova o benefício. Nele, as crianças com resultados positivos para a mutação foram acompanhadas durante anos, com exames e acompanhamento clínico. Todas as que desenvolveram câncer tiveram um bom prognóstico. “O tumor foi detectado ainda pequeno, o que resultou em ótimas chances de cura. Entre as crianças cujos pais não permitiram a participação (no estudo), no entanto, os tumores foram detectados apenas quando já estavam mais avançados, o que às vezes exige quimioterapia, além da cirurgia de retirada do tumor. Houve inclusive uma que morreu, pois a doença já estava muito avançada”, conta Caminha.

Embora a mutação seja apenas um indício de que a doença pode se desenvolver durante a vida, nesse estudo do Paraná, por exemplo, apenas 2,39% das crianças com a alteração desenvolveram o tumor de córtex adrenal. Isabel defende que com o acompanhamento clínico nos primeiros anos de vida as chances de cura aumentam. Além disso, como a mutação é dominante, ela sempre será repassada aos descendentes do portador.

“Estudos indicam que as famílias que carregam a mutação têm três vezes mais casos de câncer do que as famílias não portadoras. Considero, devido a isso, imprescindível o aconselhamento genético para essas famílias. Ultrassonografia e exames de sangue periódicos auxiliariam na detecção precoce do tumor”, diz a pesquisadora. Um levantamento de preços feito no estudo verificou que o valor aproximado para testar cada paciente seria de R$ 3. “Se os reagentes forem comprados em grande quantidade pelo governo, o valor deverá diminuir consideravelmente”, ressalta Caminha.

Análise regional Além da descoberta de uma nova maneira de análise genética, a pesquisadora planeja analisar um aspecto geográfico da síndrome de Li-Fraumeni. Caminha pretende descobrir por que o número de casos de tumor de córtex adrenal ligados à mutação R337H é 15 vezes maior nas regiões Sul e Sudeste do que no resto do mundo.

“Existe uma teoria de que um imigrante de Portugal trouxe a mutação para o Brasil. Ele seria tropeiro e teria disseminado a mutação ao longo de sua rota. Devido a isso, os casos de tumor de córtex adrenal seriam mais frequentes na região. Entretanto, ainda são teorias. Estamos nos reunindo com profissionais que conhecem o desenvolvimento da região para confirmar ou refutar essa hipótese”, explica.

Proteína prejudicada

Na mutação R337H, a alteração se dá nos aminoácidos arginina, identificado por R, e histidina, identificado por H. Nessa região do DNA do gene TP53, acontece uma troca entre os dois aminoácidos, o que gera um mau funcionamento da proteína P53, conhecida com guardiã do genoma. “Se uma célula começa a acumular mutações, é normal que o P53 provoque uma autodestruição dela ou uma reparação. A proteína protege o genoma do mau funcionamento, mas se ela não funciona direito, as células se comportam descontroladamente e acabam gerando tumores”, explica oncogeneticista Antônio Abílio Pereira da Santa Rosa.

Palavra de especialista
Sondagem polêmica
Antônio Abílio Pereira da Santa Rosa, oncogeneticista


“Pergunto o que será feito quando descobrirem que a criança tem a mutação. Os especialistas não estão de acordo se isso é viável ou válido. O teste do pezinho serve para diagnosticar doenças que já existem, como a fenilcetonúria, que gera um comprometimento neurológico durante o desenvolvimento da criança. Mas no caso da mutação, a criança ainda não tem um diagnóstico, ela ainda não está doente. Submeter o recém-nascido a um programa de rastreamento não vai impedir que ele desenvolva a doença. O SUS não pagaria a ressonância magnética preventiva porque dificilmente ele consegue atender as pessoas que já estão doentes. No caso da Angelina Jolie, ela teve a opção de retirar as mamas. Mas quem sofre com a síndrome pode ter vários tipos de doença em praticamente todos os órgãos do corpo. Não faz sentido remover órgãos saudáveis de pessoas tão jovens. É possível que as pessoas peçam testes genéticos sem nenhum critério e acabem criando mais problemas para suas cabeças. A mutação não é uma certeza absoluta de que a pessoa ficará doente.” 

O que desejam os sustentáveis? - Renato Janine Ribeiro

Li com atenção o programa do Rede Sustentabilidade. Um partido que nasce com ênfase ética deve ter o manifesto levado a sério. Uma coisa é seguir as ações de Marina Silva e dos líderes do Rede; outra é examinar seu programa. Com toda a simpatia que sinto pelo Rede - só o critiquei por querer mais dele, não menos -, isso me preocupou. Não tenho certeza do que desejam. Provavelmente querem eleger Marina presidente da República. Mas me parece que não priorizam uma bancada parlamentar. Nem estou seguro de que pretendam, tão cedo, governar. Então, o que desejam?
O Rede tem uma linguagem elevada. Diz que quer mudar o mundo. Mas, quando entra no concreto, começa pela economia e segue pela política institucional. É o que ele mais elabora. Mas por que principia pelos meios e não pelos fins? Salvo para alguns economistas e políticos, economia e política são meios. O fim deve ser a mudança do modelo de sociedade, que não é um tema essencialmente econômico. O Rede deveria dar peso concreto, em seus dez pontos, ao que elogia no mundo da vida. Este mundo da vida, hoje, é o de maior liberdade pessoal na história. Podemos mudar de quase tudo, atualmente - de emprego, profissão, cidade ou país, estado civil, religião; alguns, até de sexo. Essa liberdade é preciosa. Cada vez menos gente tem de fazer ou ser o que não quer. Mas ela debilita os laços sociais - o que exige que sejam recriados: um poema de Maiakovski, que Maria Bethânia gravou, falava em reinventar a família. Estes assuntos parecem mais da vida privada do que da política, mas é Marina quem cita, e bem, Freud e Lacan. Só ela, dos candidatos, faz isso.
Primeiro grande ponto: as propostas de reforma política são falhas. Apenas somam boas intenções. Quer candidaturas independentes, mas não diz que para tanto há que extinguir o voto proporcional, que garante a presença de todas as ideias na Câmara. Mas é justamente o proporcional que dá lugar no Congresso aos verdes e o dará ao Rede. Ou será que este gostaria de não ter nenhum deputado? Será que aposta só na Presidência? Além disso, a proposta de abolir a reeleição para o Executivo, que teria mandatos mais longos, faria um presidente eleito num ano conviver com uma Câmara eleita em outro - o que é confusão à vista... A vantagem da reeleição, dizia Thomas Jefferson há dois séculos, é dar um mandato de oito anos com recall no meio. Cinco ou seis anos são demais para um mau presidente, pouco para um bom. E usa-se a máquina com ou sem reeleição.
Programa ignora ciência e cultura feitas no país
Segundo ponto: a falta de menção ao pensamento brasileiro na cultura e na ciência. O substantivo "cultura" só aparece em sentido figurado (cultura da corrupção, cultura da paz). O programa não diz que a cultura enriquece nosso povo. Nem fala na tecnologia aqui criada. Não usa as palavras ciência ou universidade. Embora o Rede tenha membros cientistas, apresenta o Brasil como objeto a ser conhecido, em sua rica diversidade, não como um sujeito que conhece e utiliza esta riqueza. Nosso país aparece só como oportunidade de conhecimento e de ação. O Rede realça nossos biomas mas não valoriza nossas universidades, importante conquista que são. O desenvolvimento científico é referido como consequência futura, não como causa presente.
Como pesquisador, sinto falta. Na divisão internacional do trabalho, voltaríamos a ser natureza sem cultura? Machado de Assis uma vez mostrou o Rio a um estrangeiro. Mas, no fim, o outro olhou para a baía de Guanabara e disse: bonita mesmo é essa natureza! Machado não gostou: comparado com a natureza, tudo o que fizemos de nada vale? É como apagar do mapa o agente humano.
Terceiro: vejo que o programa avançou em relação ao de 2010, que não salientava questões da miséria e pobreza. Agora, já na segunda linha aponta a desigualdade social como um de nossos grandes problemas. Nas dez propostas, fala em "erradicação da pobreza". Isso é bom. Mas seu discurso de economistas liberais prevalece sobre o dos movimentos sociais. Se não se ligar a este último, a causa sustentável carecerá de densidade humana. O programa parece recear dizer o que possa ser interpretado como sendo de esquerda ou mesmo de teor social. Ao se falar em desigualdade, em moradia, em transporte, sempre está presente o conflito social, mas o texto não o enfrenta. Ou, talvez, o Rede tenha mais a dizer à direita esclarecida do que à esquerda esclarecida, duas posições que respeito e que merecem crescer, para melhorar o diálogo e o debate em nossa política.
É claro que há pontos positivos, como a preocupação ecológica e seu interesse pela linguagem dos jovens e a do futuro. A "nova política" e o uso das redes para um relacionamento mais democrático e horizontal têm grande valor. Aliás, segundo me disse um líder do Rede, o manifesto seria um texto ainda em construção. Penso que deveria ser mais debatido, não só pelos sustentáveis, mas pela sociedade.
Até porque, caso em 2014 se embole a disputa pelo papel de antagonista do PT, Marina pode chegar à final - e até vencer. Mas não creio que essa proposta, que é de lenta difusão e absorção, sustente um governo tão logo. Vencendo prematuramente, fracassará no Planalto. Projetos de mudança precisam amadurecer. Não perdem em demorar. A situação é parecida com a do PT nos seus primeiros 20 anos. Assim, se o Rede ganhar em 2014, terá dificuldades. Não terá tido tempo de crescer, de acertar os compassos. Mas o programa precisaria valorizar mais a cultura, a ciência, a pesquisa brasileira e, se quiser, abrir maior espaço para as causas sociais. É o que deveríamos esperar de um partido que pode ter futuro.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras.
E-mail: rjanine@usp.br


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